sábado, 31 de dezembro de 2005

Feliz Ano Novo



Para terminar o ano, a imagem do dia é um desenho de 1993, dos tempos em que eu ainda acreditava na materialidade da realidade. O final de ano é sempre uma altura de nostalgia e reflexão sobre os dias passados, à mistura com a celebração satúrnica dos dias que virão. Ou, posto de outra maneira: se te lembras de como é que entraste no ano novo, é porque não entraste bem. Um espírito que deixo patente num cartoon de Peter Kuper que coloquei no outro blog: Vício das Imagens | Feliz Ano Novo. Vão lá ver. Garanto que se vão rir. E garanto que algo semelhante já aconteceu a todos vós. De certeza absoluta.

Se bem que 2006 entrará atrasado. Pelo menos de acordo com esta notícia do Correio da Manhã: 2006 atrasa-se um segundo: Certeza de que está em 2006, só depois de contar duas vezes: dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um... e mais um
As comemorações da passagem-de-ano vão demorar mais um segundo. Quando forem 23h59m59s, o ano não acabou. É necessário repetir novamente o segundo 59. Só depois começa 2006."
. Estou a ver que 2006 vai ser um ano à maneira.

Como último link do ano, deixo um para um artigo de opinião de Polly Toynbee: The Guardian | Let's celebrate the utter bloody goodness of the world today . Fiquem com esta citação: "Decadence is an empty word, an emotional spasm over a feared falling away from some better era. A Latin word, the Romans felt themselves in perpetual decline from their own mythical beginnings. Plato bemoaned decline long before that. Drop into history anywhere and find this fear that people were once more civil and more civilised, usually at some time set just beyond living memory. In 1431 Christine de Pisan complained about the decline in manners in The City of Ladies. American universities teach a course in "the rise in the culture of American rudeness". This fear of things forever getting worse is irrational: for how can it always have been true? Since when, exactly?" Se anda tudo tão mau e decadente, porque é que nunca estivemos tão bem? Uma mensagem de optimismo para começar bem o novo ano, a desmistificar aqueles que dizem que quanto mais progredimos pior ficamos. Uma desmistificação que eu partilho inteiramente.

Sem mais delongas, feliz ano novo a todos, e não se esqueçam de saudar bem o novo ano, da maneira que melhor vos aprouver. Até para o ano!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Imagem do Dia



A imagem do dia que coloquei aqui ontem foi uma das estapas da imagem final. Como disse Shakespeare, "we are such stuff as dreams are made of". O fragmento do poema é de Mário de Sá Carneiro, poeta decadente português do início do século XX.

Lista (II)

Prosseguindo com a mania das listas de fim de ano, cá vai uma lista dos blogs cuja leitura mais me fascinou:

PostHuman Blues Um blog de referência para os que se interessam pelo futuro, e trabalham para que o futuro seja algo mais do que uma ideia luminosa.
Anablog Misturando Xenakis com Meatloaf, Dire Straits com Schumann, este é um blog eclético onde se pode escutar muito boa música.
Aurgasm O blog onde podemos escutar algumas das mais interessantes propostas musicais que se encontram disponíveis no universo dos blogs de mp3.
Final Girl Não há nada como uma boa obsessão pouco saudável por filmes de terror dos anos oitenta.
Warren Ellis Um mestre dos comics fornece aqui uma janela única sobre o que o inspira. Por vezes bizarro, por vezes certeiro, sempre interessante.
Bubblegum Fink Os detritos da cultura pop comercial, vistos sob um olhar nostálgico.
Groovy Age of Horror Espelho do apocalipse da cultura pop, olhando para os subprodutos divertidos que comercializam o fantástico.
Vida de Casado A vida conjugal como um campo de batalha em que o homem, invariávelmente, perde. Resmunguices da mulher, impaciências da filha e guerra aberta com a sogra. Uma família feliz.
Frangos para Fora Humor à portuguesa. Hilariante, com ou sem picante.
Blog da Utopia Uma boa fonte de informações sobre Comics e afins.

Claro, não posso deixar mandar um abraço à amiga Reflexoss, que anda um pouco desaparecida. Sem esquecer os vizinhos Turmentus Principadus, O Canto do Ouriço, Mister Malone e Alcaguinça, que apanharam o vício e agora se estão a dedicar em força à comunidade, e ao Lâmpada Mágica pela proposta indecente que me fez, pela qual continuo agradecido. Pelo menos desempoeirei aqueles ficheiros.

De qualquer maneira, não me levem muito a sério. No fim de contas, ainda não tenho um ano disto, e já ando aqui a fingir que sou um entendido...

Pela Vasta Rede

Celebratory gun firing - good idea or not? Porque é que é má ideia disparar armas para o ar? Por causa da gravidade... o que sobe, desce, e uma bala disparada para o ar a cair para o chão acelera a uma velocidade de cerca de 100 metros por segundo.

Gov't Releases Proposed Space Tourism Rules O futuro aproxima-se a passos largos: o governo americano anuncia a legislação de regras de segurança para o turismo espacial. Agora sim, aquele voo suborbital ou aquela viagem a marte ou à ISS já pode ser feita em total segurança, dando ou tirando uns micrometeoritos ou uma radiaçãozita...

Pornographic Political Protest: Bush Chirac and the Queen Pensamos sempre nos austríacos como um povo calminho e recatado. Agora que a Austria se prepara para assumir a presidência da UE, activistas dos direitos humanos lançaram uma campanha de protesto única: cartazes da rainha de inglaterra tal e qual como veio ao mundo em poses sugestivas com bush e chirac. Só visto.

Fenprof | Lei Nº 60/2005 de 29 de Dezembro Agora, uma má notícia para a função pública: saiu a lei que nos obrigará a trabalhar até cair, com penalizações previstas para saídas antecipadas. É a prenda de fim de ano do governo.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

Imagem do Dia



Levar a colagem até à abstracção, mantendo alguns indícios nos limites do reconhecível. Os corpos fundem-se numa geometria não euclidiana que sugere novas dimensões de espaço. A intensidade da cor é combatida pela intensidade da luz, numa sobre exposição que fere o olhar.

Galileu



ESA | Galileo
BBC | Europe launches Galileo satellite
BBC | Q&A: Europe's Galileo project

Ontem foi um grande dia para a indústria espacial europeia. O primeiro satélite da constelação Galileu foi lançado de Baikonur a bordo de um Proton russo. Este primeiro satélite, o Giove-1, serve apenas dois objectivos: reclamar as frequências do espectro electromagnético que a ITU atribuiu à União Europeia e testar os sistemas do Galileu. Até 2010, seguir-se-ão mais trinta satélites, que dotarão a europa (e o mundo) de um sistema GPS próprio, com precisão de sinal a rondar o metro.

A questão que se põe é para que é que precisamos de mais um sistema de posicionamento global. Já existe o GPS, o sistema americano, e o Glonass, o sistema russo. Não chegam? Na verdade, para além das óbvias contrapartidas tecnológicas e industriais que o desenvolvimento do sistema Galileu trás para o desenvolvimento tecnológico europeu, o sistema Galileu será civil, e mais preciso do que o gps. O sistema GPS é um sistema militar, que para aplicações civis detém uma precisão de 20 metros - o que quer dizer que quando pegamos no receptor gps para saber onde estamos, na verdade apenas sabemos que estamos algures num raio de 20 metros do local onde realmente estamos. Parece irrelevante, e até é... para um condutor perdido num espaço urbano que depende do gps para chegar ao destino, 20 metros não são nada. Agora, imaginem dois aviões apinhados de passageiros cujas rotas se interseccionam a grande velocidade. Aí, 20 metros são a diferença entre um voo normal e uma colisão em pleno ar. Outra vantagem do sistema Galileu é a de ser civil. O governo americano reserva-se o direito de degradar o sinal dos satélites, ou até mesmo desligar o sistema GPS, em caso de guerra, independentemente da sua utilização. A abertura do sistema Galileu, apesar das suas implicações num mundo complexo recheado de terroristas e criminosos especializados em alta tecnologia, é mais um passo em direcção a um mundo em paz. Se todos terão acesso às mesmas ferramentas, em condições de igualdade, o conceito de superioridade esfuma-se.

É um grande motivo de orgulho ver a tecnologia europeia a descolar para o espaço, numa nuvem de chamas, com o ribombar dos motores do foguetão a chamar o futuro até nós.

Loura Platinada



Blonde Platine, escrito e desenhado por Adrian Tomine, Éditions du Seuil, 2003

Adrian Tomine
Time | Adrian Tomine: Summer Blonde
Gendered Visions of Graphic Fiction: Adrian Tomine's Summer Blonde
Adrian Tomine: Summer Blonde

Vasculhando nas prateleiras da secção de BD da Fnac, encontrei esta pequena pérola dos comics, traduzida para francês. A secção de BD da Fnac é muito enganadora. Parece ter muita coisa, muitos livros, mas quando reparamos mais de perto, vemos que a grande maioria não passa das novidades editoriais francesas, e alguns comics mais empoeirados. As novidades da Devir também ocupam um espaço respeitável, mas nem pensem em procurar um título que tenha mais de seis meses no mercado. Quando a Fnac surgiu no mercado português, estabeleceu-se como um ponto de referência onde se poderiam encontrar livros que de outra forma nunca chegariam a portugal. Foi assim que consegui coleccionar o fabuloso Sandman de Gaiman, num dos muitos exemplos de boa banda desenhada que a abertura da Fnac possibilitou. Mas agora, anos depois, a Fnac decaiu num laxismo típico de supermercado de livros. Muita coisa, mas muito pouca diversidade, e uma inexistência de obras com datas de publicação pouco recentes, a menos que estejam muito esquecidas nas prateleiras. É esta atitude que explica a pouca importância dada à BD de qualidade. O destaque é dado aos albuns franceses, versão gaulesa dos comics industriais americanos. As tiras humorísticas de jornais coligidas em livros também têm grande destaque. E para encontrarem livros mais... esotéricos, autores como Katchor ou Tomine, experiências gráficas, edições independentes e formatos diferentes, os clientes devem agachar-se, quase beijando o chão, e vasculhar os caixotes empoeirados que estão dedicados a estes livros.

Já que estou numa de recados, resmungos e publicidades gratuitas, deixo aqui o apelo: a Devir tem-se notabilizado pela qualidade e pela variedade dos seus lançamentos de BD, arriscando até introduzir no mercado português autores de culto que são quase desconhecidos, mas muito bem vindos. Nessa veia, para quando a tradução portuguesa de autores como Tomine, Peter Kuper, Ben Katchor, e mais Daniel Clowes (a edição de Mundo Fantasma deixou sabor a pouco)?

Mas já estou a divergir. Todos estes resmungos estão a ocupar um espaço que eu queria ver dedicado à obra extraordinária de Adrian Tomine. Blonde Platine, Summer Blonde no original, é um livro que reune quatro histórias publicadas originalmente no comic Optic Nerve, um comic influente e inovador que Tomine publica desde os seus dezasseis anos (nada como génios precoces).

Blonde Platine é composto por quatro contos em BD. No primeiro, Alter Ego, somos introduzidos ao mundo de um escritor que luta débilmente para escrever o seu segundo livro. Enquanto busca inspiração, envolve-se com a irmã mais nova de uma antiga paixão platónica dos tempos do liceu. Ao fazê-lo, perde todos aqueles que o rodeiam. Perde a namorada e os seus amigos mais íntimos, e a simples noção de ter algum caso com a jovem rapariga deixa-o revoltado. Ele não procurava sexo, ou uma nova relação. Apenas se deixou enredar por reminiscências nostálgicas, aqueles pensamentos do tipo "o que é que teria acontecido se...". No segundo conto, Blonde Platine, somos introduzidos ao mundo semi-inocente de um individuo desajustado que tem uma fixação por uma rapariga que trabalha numa loja de postais. Esta rapariga, longe de ser inocente, anda de relação em relação, namorando com vários homens ao mesmo tempo, procurando neles apenas o que lhe interessa. A situação degrada-se quando começa a namorar o vizinho do lado do seu admirador da loja de postais, um músico sem talento, que só se interessa pelas mulheres até as ter levado para a cama duas ou três vezes. Em Escapade Hawaienne, o terceiro conto, somos introduzidos ao mundo solitário de uma rapariga descendente de chineses que vive na califórnia para escapar a uma mãe demasiado crítica da vida da filha e a uma irmã em ajustada que conseguiu o sucesso com que os seus pais sonhavam, um bom emprego e uma vida suburbana. Despedida do emprego como operadora num centro de chamadas telefónicas por ter ousado identificar um cliente famoso, passa o seu tempo solitáriamente livre a fazer chamadas telefónicas para um telefone público, insultando aqueles que, incautos, pegam no auscultador. Paradoxalmente, é assim que conhece um rapaz simpático, com quem inicia um relacionamento. Quando o conto termina, ela recorda-se de férias que passou no Hawai enquanto garota, enquanto espera que aquele que poderá ser o seu novo namorado volte a falar com ela (nunca saberemos se o fez). Finalmente, Alerte a la Bombe é conto sobre adolescentes desajustados que sobrevivem no conformismo da vida do liceu. Um rapaz que todos suspeitam de ser homosseuxual e uma rapariga cujas carências emocionais a levam a ser a rapariga fácil utilizada por todos os rapazes que tentam ser machos para satisfazer os seus desejos sexuais acabam por se agregar, tornando-se amigos íntimos. No final do conto, a intimidade parece resvalar para uma relação mais profunda, mas o livro termina com o olhar paralizado do rapaz enquanto abraça a sua amiga semi-nua.

Definir a obra de Tomine não é tarefa fácil. A maioria das estórias são sobre alguma coisa, algum acontecimento que provocou mudanças, viragens, tragédias, apocalipses, alegrias. Mas a obra de Tomine não olha nessa direcção; antes, olha para uma espécie de não-espaço, o espaço dos pequenos acontecimentos quase sem valor que caracterizam a vida quotidiana. No fundo, são esses pequenos acontecimentos que moldam a nossa vida, que nos influenciam e que ditam o nosso comportamento. Este é um espaço que Tomine partilha com Raymond Carver, embora em campos literários diferentes (Carver é romancista), ou na obra pictórica de Edward Hopper. Nada de realismos fantásticos; trata-se aqui do realismo simples e desalentado dos pequenos pensamentos quotidianos.

Pelo conteúdo das suas histórias, Tomine é considerado um autor deprimente. Tomine concentra-se na fase da vida entre os dezoito e os trinta anos, concentra-se na busca de emoções perdidas por parte de personagens que nunca se ajustaram perfeitamente às exigências sociais que lhes são impostas. Também não cria histórias com princípios definidos e finais catárticos, felizes ou infelizes. Antes, retrata momentos aleatórios da vida das personagens, fazendo dos leitores uns voyeurs que entram na vida de uma personagem num qualquer momento e saem quando o autor quer, nunca nos deixando perceber a conclusão dos acontecimentos da vida dos personagens. Por outro lado, no seu trabalho Tomine parece colocar-nos frente a um espelho, em que através dos fait-divers que moldam a vida das suas personagens nos leva a reflectir sobre a nossa própria vida, e sobre os pequenos factores que nos levaram a percorrer os caminhos que a nossa vida percorre.

Em termos estéticos, Tomine é senhor de um traço de grande precisão. O seu desenho é realista, bastante dado a detalhes, e espartilha as vinhetas sobre a prancha de uma forma muito rigorosa, o que nos distancia ainda mais das personagens e das situações que retrata.

Blonde Platine é um livro incontornável que merecia uma boa edição em português, para divulgar entre nós a obra de um autor de BD contemporânea que é ao mesmo tempo rigoroso, inquietante e nostálgico.

Agita e volta a agitar

Diário Digital | Dois sismos de 4,4 e 4,5 sentidos hoje em Portugal

Hoje de madrugada, por volta das quatro e meia, despertei. Pode parecer curioso, mas a verdade é que o conceito de uma noite completamente dormida, desde que me deito até que me levanto, é um conceito que foge de mim. Acordo sempre duas ou mais vezes durante a noite. Considero estas minhas insónias como uma agradável pausa no sono. Geralmente, ao fim de cinco minutos de leitura, volto a mergulhar nos braços de morpheus. Isto é normal, e nada tem de extraordinário. Só que esta madrugada, por volta das 4:45 da manhã, senti a cama a tremer e as portas dos armários a bater, durante uns breves segundos. Pouco depois, por volta das 5:20, o fenómeno voltou a repetir-se.

Terei sonhado, ou terá sido um sismo?

Afinal foi mesmo a sério. Fica aqui este registo para aqueles que, anos passados, ainda insistem que as estrelas não dançam.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Listas (I)

Vou-me lançar de cabeça nas tradicionais listas de fim de ano com uma listinha dos livros mais interessantes que li, ou reli em 2005. A lista não vai ordenanda pelos melhores ou piores livros. E as minhas opiniões são as minhas, pessoais e intrasmissíveis. Garanto apenas que quem seguir alguma destas sugestões literárias não ficará desapontado. Aterrorizado e em estado de choque, talvez, agora desapontado prometo que é impossível.

Robert Metzger - Picoverso Ficção científica novíssima, às voltas com universos artificiais criados em laboratório. Um livro provocador, que dá voltas aos neurónios: precisamente do que precisamos para revolucionar as ideias.

Stephen King - O Homem do Colorado Longe dos ambientes de suspense e terror que o caracterizam, esta pérola literária da mão do confeccionador de big macs literários surpreende pela forma simples como homenageia uma américa rural em vias de extinção.

Cohen & Stewart - A Mente do Universo Mais ficção científica supreendente, escrita por autores quase desconhecidos. Este livro é uma space opera dos tempos modernos, alicerçada sobre potentes reflexões da ciência de vanguarda.

João Aguiar - Os Comedores de Pérolas Ah, o fascínio do oriente... este é um livro que nos leva a Macau, ao fim do sonho do império, numa história policial que serve de desculpa ao sentimento de nostalgia colonial.

Michel Houellebecq - As Partículas Elementares Devastador. Esta é a palavra que melhor caracteriza este livro, possívelmente o mais revoltante que li este ano. Boa literatura, daquela que nos esmurra e nos deixa a alma a sangrar.

Umberto Eco - A Misteriosa Chama da Rainha Loana Este belíssimo livro faz-nos regressar à nostalgia da infância e de um passado luminoso através da amnésia do seu protagonista. Nostálgico e poético, é também um hino à cultura popular, aqui revista pelo seu lado retro.

Neil Gaiman - Neverwhere Do mestre da fantasia, um conto fascinante sobre uma londres fantástica, onde estranhas paisagens e estranhos seres existem ao virar da esquina.

H. P. Lovecraft - Os Melhores Contos de H. P. Lovecraft Uma bela tradução para a nossa língua lusa da prosa barroca e rendilhada do sucessor de Poe no conto de terror e fantástico.

Bruce Sterling - Schismatrix O destino da humanidade está no sistema solar, e não no fundo deste poço gravitacional. Ficção científica puramente cyberpunk, de um dos mestres do género.

Philip K. Dick - Ubik O que é, no fundo, a realidade? A obra de Dick sempre se pautou pela tentativa de resposta a esta questão. Neste livro, a noção de realidade virtual é aplicada à vida post-mortem. Brilhante.

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

Nos recantos da internet



BBC | New era heralded for mobile TV A BBC anuncia o triunfo da TV no telemóvel para 2006. As condições parecem certas, e a parceria entre a Nokia e a Endemol anda a dar frutos. Esperem, Nokia e... Endemol? A produtora holandesa responsável pelas verdadeiras pérolas culturais que são os big Brothers e outros reality shows de elevado calibre? Já não basta ligarmos a televisão e sermos bombardeados pelo verdadeiro lixo que é produzido para nosso entretenimento, agora também querem que o mesmo se passe ao ligar o telemóvel (em oposição a usos mais esotéricos como a navegação na internet - coisa útil, mas difícil de controlar para efeitos de monetarização de tudo o que nos rodeia). Para dar brilho à ideia, imaginem que conteúdos se prevêm serem brevemente visíveis num telemóvel perto de nós... precisamente, concursos e mais concursos. Mais uma razão para trocar o telemóvel por um pda.

PC World | Winners and Losers 2005 A PC World embarca na típica mania das listas de fim de ano com uma lista dos vencedores e perdedores do mundo tecnológico em 2005. A Google e a Apple conseguem ser ao mesmo tempo perdedoras e vencedoras... nunca se consegue agradar a gregos e troianos, essa é que é essa.

PC World | Predictions for 2006 Já que listamos, também podemos prever... com um toque de humor, as previsões tecnológicas para 2006. Agora, não se esqueçam: aquela ideia bizarra que lançaram como brincadeira (como a playboy em braille) pode mesmo concretizar-se (imaginem a quinta das celebridades no telemóvel). A vida imita a arte...

Wired | 2005 Foot-in-Mouth Awards A Wired também se lança na mania das listas, com a lista das maiores parvoíces ditas por gurus da tecnologia.

Atomic Pin Up Para refrescar as vossas mentes, uma página... clássica, sobre hot rods e pinups.

Viagem ao Espaço Um blog português sobre exploração espacial.

Nefelibatas

De acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa Online da Priberam, a palavra nefelibata vem da conjugação das palavras gregas nephéle, nuvem e bates, que anda, significando literalmente alguém que anda nas nuvens. Literariamente, pode designar um literado ou poeta excêntrico, que desconhece ou despreza os processos conhecidos e o bom senso literário; também designa uma escola de poetas que, presos de um ideal elevado e preocupados com o requinte e a musicalidade da forma, se afastavam dos cânones consagrados na literatura. No seu sentido figurativo, o nefelibata é um indivíduo que, animado de um ideal, não atende aos factos da vida real, positiva.

Eu até pensava que a expressão designava algo de mais esotérico, como um estudioso de artes tão arcanas que seriam inomináveis, ou um habitante de estranhas regiões míticas. Enfim, a verdade é que plagiei o post do Dicionário de Língua Portuguesa Online. Perdoem-me. Estava mesmo curioso acerca do significado da palavra.

Politicamente (in)Correcto

Histórias Tradicionais Politicamente Correctas, de James Finn Garner, edição Gradiva, 1999

Gradiva | Histórias Tradicionais Politicamente Correctas

Este foi um livrinho que me veio parar às mãos numa das habituais trocas de prendas natalícias. Apesar disso, foi uma boa surpresa; um scherzo literário que reúne um recontar de contos de fadas e outros contos tradicionais clássicos com uma roupagem, digamos que... modernizada. Nas Histórias Tradicionais Politicamente Correctas, a branca de neve e a bruxa má unem-se pelo feminismo contra o machismo dos sete anões, digo, dos sete pequenos gigantes. A galinha que dizia que o céu estava a cair foi convencida a processar não se sabe bem o quê por danos físicos e morais. A princesa que habita no topo da alta torre (clássico simbolismo fálico) escapa-se mesmo à justa de um contrato espartilhador com a indústria discográfica e o João do pé de feijão acaba os seus dias a viver em casa do gigante, que em vez de o tentar comer partilha consigo a sua cultura e modos de ver a vida de forma aberta e desinibida. Os príncipes são meros exploradores do trabalho dos camponeses pobres e desfavorecidos, e os ideais de beleza são meros condicionamentos sociais machistas. E se o rei vai nu, então, por uma questão de igualdade, todos os seus súbditos se despem.

Recomenda-se as Histórias Tradicionais Politicamente Correctas para uma leiturinha rápida e agradável, que não deixa de espelhar uma reflexão profunda sobre o significado das palavras que todos não usamos com medo de ofender uma qualquer minoria de nefelibatas oculta de baixo de um pequeno rochedo. Interessante também é que o livro me tenha sido dado por uma professora. Algum reflexo de revolta inconsciente contra as belas e inócuas expressões que utilizamos para não ofender a sensibilidade dos alunos, dos pais e do ministério?

segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

Picoverso



Picoverso, de Robert A. Metzger, edição Livros do Brasil, Coleção Argonauta Gigante, 2005.

Livros do Brasil | Picoverso
The SF Site | Picoverse

Recentemente, tem-se assistido a uma série de lançamentos de obras literárias de ficção científica que antigamente seriam acessíveis apenas por importação directa. Algumas editoras já estabelecidas no mercado, como a Presença, criaram novas colecções dedicadas à FC. Outras, como a clássica colecção argonauta da Livros do Brasil, redimensiona as suas edições, apostando em novos autores. Juntam-se a estes esforços os de novas editoras, algumas de existência efémera, apostadas em inovar o mercado editorial português. Da perspectiva de um leitor, o panorama é ao mesmo tempo apaixonante e de pesadelo. Por um lado, é muito bom ler, finalmente em língua portuguesa, autores como Neal Stephenson, Bruce Sterling, Neil Gaiman ou H. P. Lovecraft, para além de autores novíssimos, alguns conhecidos por publicarem contos no Infinty Plus (um site dedicado ao conto de FC). O reverso da medalha é que nem há tempo nem dinheiro para tanto livrinho bom. Tempo para os ler e dinheiro para os comprar. Mas a verdade é que é bom ver nos escaparates das livrarias títulos que escapam à monotonia das grandes obras literárias ou ao acumular sensaborão de frases bonitinhas que caracteriza a literatura light, aqueles livrinhos de capas com cores garridas sobre problemazitos sentimentais que venedem como pão quente.

Metzger pertence ao restrito clube de autores de FC que também são cientistas de renome nos seus campos de investigação. Não são muitos os que têm esta distinção - recordo-me de Gregory Benford ou de Vernor Vinge, e poucos mais. Metzger é um investigador na àrea de semicondutores, sistemas de comunicação e telecomunicações de alta velocidade, para além de colaborador assíduo da Wired. A vantagem de ter autores de FC que são simultâneamente cientistas é que para além dos ingredientes típicos da FC, também podemos contar com uma ciência verosímil, um aspecto importante da Fc. A FC é o território por excelência da especulação sobre o futuro do nosso desenvolvimento tecnológico, mas se essa especulação não for alicerçada sobre uma boa base científica, ficamos com mais um produto de consumo, uma história de aventuras passada num cenário espacial, e por isso rotulada de ficção científica. Não é que esses livros não tenham a sua piada, mas de alguma forma denigrem os esforços mais sérios no campo da ficção científica, injustamente considerada pelos meios mais mainstream como algo menor, meras aventuras juvenis à mistura com planetas e naves espaciais.

Picoverso é uma obra com ambos os pés bem assentes sobre dois diferentes campos. Por um lado, temos a espculação informada sobre aspectos mais esotéricos da pesquisa científica. Picoverso inspira-se fortemente na física, na física moderna dominada por cientistas que são quase sacerdotes, donos de uma sabedoria impenetrável (pelo menos para quem não domina matemática avançada) que com os seus artefactos de altíssima tecnologia perscrutam os segredos mais ínfimos da natureza, da matéria e do próprio tecido do universo. Ler Picoverso é ler a aplicação das ideias de Hawking e outros à ficção científica. Espaço-tempo mutável e flexível, múltiplos universos paralelos, criação de buracos negros em laboratório, espaços multidimensionais, paradoxos temporais aplicados a universos paralelos, energia de fusão... a lista é quase infindável, misturando todos os conceitos que na boca dos físicos nos parecem quase incompreensíveis, mas que no livro nos parecem perfeitamente naturais. Que o são; mas para os compreendermos, temos de compreender profundamente a matemática. Uma das verdades da física contemporânea é que as explicações que divulga sobre o universo, as partículas elementares e a origem do universo são aproximações bastante rústicas aos resultados de elegantes equações matemáticas recheadas de símbolos incompreensíveis para os leigos.

Mas Picoverso é também uma empolgante história de aventuras. Os heróis e os vilões saltam de universo em universo, numa luta cujo desenlace pode significar a extinção de todos os universos possíveis habitados pela espécie humana.

Picoverso descreve-nos um mundo futuramente próximo, muito semelhante à nossa realidade, em que a pesquisa sobre a tecnologia de fusão nuclear leva à criação do Sonomak, um "forno" (não é a palavra certa, mas exprime o conceito) onde plasma é aquecido com uma míriade de lasers que pulsam em frequências medidas ao femtosegundo (a 0,000000000001 segundos, mais precisamente). A utilização de um sonomak no máximo da potência leva a que se gere no laboratório um universo em miniatura, um universo em que os nossos segundos equivalem a anos. A coisa complica-se através da intervenção de uma mulher poderosa, uma entidade extra-universal criada por uns Criadores desconhecidos, que a colocaram na terra para evitar que a humanidade desenvolvesse tecnologia capaz de mexer com o tecido do espaço-tempo, pois o uso desta tecnologia pode levar à obliteração de todos os universos possíveis. Mas esta entidade está farta de ser um instrumento dos seus criadores e tenciona ajudar a criar um universo paralelo para escapar. A criação deste novo universo gera uma sequência de acontecimentos que pode levar à aniquilação de todas as realidades possíveis, e os criadores do sonomak saltam de universo em universo tentando remediar a situação, que culmina num cataclismo de nível cósmico com a intervenção de uma outra entidade extra-universal, que cataliza a aniquilação dos universos num laço temporal que lança a sobrevivente de entre os criadores do sonomak ao passado, instantes antes da máquina ser utilizada pela primeira vez, para impedir o desencadear dos acontecimentos. Esta nova criatura, um observador imparcial, leva-nos a pensar se toda a realidade humana não passa de uma criação em laboratório, uma experiência levada a cabo por seres inconcebíveis para a mente humana.

A principal lição de Picoverso é que a tecnologia é uma faca de dois gumes. Tanto pode ser utilizada para a criação como para a destruição, e quando a tecnologia se torna muito avançada a perigosa linha que separa a criação da destruição é demasiado ténue, o que obriga a uma maior maturidade da própria espécie humana. Uma interessante mensagem para estes tempos, em que nunca estivemos tão tecnológicamente avançados nem tão perto da aniquilação de tudo quanto construímos, já não numa catástrofe nuclear, mas nas catástrofes ambientais provocadas pela falta de maturidade da espécie humana no uso das maravilhosas tecnologias que cria.

Pela Vasta Rede

The Top Cryptozoology Stories of 2005 Para os fãs dos abomináveis homens das neves e outras criaturas inexistentemente semelhantes, as dez mais importantes notícias da criptozoologia de este ano. A criptozoologia é aquele ramo "injustamente esquecido" da zoologia que estuda as características dos animais mitológicos. Há quem dedique a vida a isto...

The Ghosts of Internet Time Não é do nosso tempo. Banda larga a 200 bps, terminais ligados a monitores negros com letrinhas azuis que vão dar origem à mais poderosa invenção humana, que está a mudar o mundo. Um imaginativo comentário, inspirado no conto de natal de Dickens.

A Human Package Ainda se lembram da guerra da Bósnia? O cerco de Sarajevo, o massacre de srebrenica, o horror que era ver em directo pela televisão a guerra civil e o genocídio aqui ao lado das nossas fronteiras, quase no coração da europa? Se se esqueceram, este texto de Jasmina Tesanovic irá certamente relembrar-vos as imagens arrepiantes que anunciaram a nova ordem mundial pós-união soviética, uma era de caos e incerteza em que os nacionalismos xenófobos se armam e se degladiam em campos de batalha improvisados no meio da nossa normalidade.

(via boingboing)

Natal, por fim

O fim do natal traz sempre consigo uma fortíssima dose de nostalgia. Depois da correria da procura consumista de prendas, depois dos excessos alimentares da consoada em família, depois da troca de prendas de simbologia pervertida nestes tempos em que temos fácil acesso a tudo, depois do suave mornar do dia de natal, fica sempre um gostinho nostálgico a natais passados. As memórias dos natais da nossa infância, mágicos como tudo o era nesses tempos passados, ressurgem com força na nossa mente, fazendo-nos ansiar pelos tempos em que tudo era mais simples. Uma idade de ouro, por assim dizer.

(Se alguém achar que esta minha descrença nas loucuras natalícias se deve a um desgosto com as prendas dadas, desengane-se: melhor prenda que a minha, os quartetos de corda completos de Dimitri Shostakovich, não houve.)

O momento mais curioso da noite de natal foi o da troca de prendas. Enquanto os mais novos se dedicavam a trocar as prendas sentados no sofá da sala, os mais velhos conversavam animados à volta da mesa cheia de comida e garrafas, algumas vazias e outras ainda nem por isso. Ao sair da cozinha e entrar na sala, estendem-me uma prendinha embrulhada em papel vermelho. Ao olhar para ela, percebi algo de muito importante. Olhei para o embrulho, e pensei cá com os meus botões que me estava perfeitamente nas tintas para o conteúdo do embrulho, que me estava perfeitamente nas tintas para a entrega da prenda. Olhei para os meus pais e para os pais da minha rapariga, animadíssimos no convívio, e percebi que aquilo que tinha realmente valor era o que se estava a passar à volta da mesa. As pessoas, juntas, a partilhar um momento. Tudo o resto, as prendinhas, os presépios, as toneladas de decorações farsolas made in china que atravancam as casas, as ruas e os locais de trabalho não passam de pálidas imitações do verdadeiro espírito de natal, um espírito que nada tem a ver com o natal mas sim com o melhor do que a espécie humana tem para oferecer.

domingo, 25 de dezembro de 2005

Pela vasta rede

Guardian | What we've learned O jornal britânico The Guardian seleccionou um conjunto de novas aprendizagens que todos fizemos este ano. Vão ler. Certamente que não sabiam que...

Wired | Cyberporn Sells in Virtual World Os viciados em jogos com tempo para queimar e dinheiro para gastar apanharam a mania de se juntarem em comunidades que formam autênticos mundos virtuais. São os MMPORGs, vastos ambientes de jogo povoados por míriades de personas digitais controladas por homens e mulheres que, frente aos monitores dos seus computadores, vivem vidas de aventura em terras de orcs ou de monstros espaciais. É um conceito alucinante que é mais demonstrativo da fuga à realidade em que vivemos do que resmas de livros sobre psicologia. De vez em quando vêm desta comunidade artigos bizarros, desde a economia virtual de um "país" de um jogo de computador ultrapassar a de metade dos países reais do planeta, passando pelo leilão por quantias astronómicas de equipamentos e atributos para personagens virtuais, até ao assassínio muito real executado por jogadores que se irritaram na comunidade virtual. Mas esta bate aos pontos: um jogador de um mundo virtual intitulado Second Life (segunda vida, percebem a ironia?) anda a publicar online uma revista pornográfica em que... os personagens virtuais do jogo aparecem em poses comprometedoras. Para dar mais bizarria à ideia, os personagens virtuais são avatares de jogadores reais, e numa estranha inversão de papeis, há homens reais que posam como mulheres virtuais. Este é o tipo de ideia que só apetece dizer get a life, man!

Morning After Blues

Manhã do dia de natal. Tantos que acabaram de acordar com a cabeça a andar à roda graças aos líquidos embebidos na noite da consoada, com o estômago às piruetas, desesperado perante a quantidade de comida que tem de digerir, com aquele pensamento irritante de desconsolo que se instala na alma após a abertura das prendas, aquilo que alguns chamam de vazio consumista. Um dos aspectos mais curiosos sobre o natal, essa quadra de bondade, boa vontade, partilha e lembrança de aqueles menos afortunados entre nós é que é celebrada com excessos. Excessos de comida, excessos de bebida, excessos de doces, excessos financeiros a adquirir prendas vazias de sentido. No dia seguinte, deitam-se fora toneladas de comida, reflexo dos tempos desiquilibrados em que vivemos.

Por outro lado, boas notícias: chove. A chuva confere ao dia um carácter nostálgico, que acompanha mesmo bem o que se espera de um dia de natal: calor, convívio e conforto.

Outro aspecto irritantemente curioso sobre o natal é a forma como a sua iconografia ficou presa à inglaterra vitoriana de charles dickens. As prendinhas, o pai natal, o gelo e a neve... o que não faz o mínimo sentido. Nessa época, a maioria das criancinhas trabalhava de sol a sol nas fábricas de ar pesado com fuligem. E quando vejo neve artificial sobre lisboa, ou os meninos a desenharem bonecos de neve e trenós na paisagem branca, quando leio que no Cairo, capital de um país islâmico, se construíram dois bonecos de neve para saudar o natal católico, ou sempre que ouço cantar o White Christmas, penso sempre como cedemos fácilmente perante as imposições dos media e nos desajustamos. Porque é que não o celebramos à nossa maneira, um Wet Christmas em vez de um White Christmas?

sábado, 24 de dezembro de 2005

Pausa pré-natalícia

Um momento para respirar antes dos labores da noite de natal. O tempo urge. A conta bancária esvazia-se.

Porque é que nos prestamos a estas torturas?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Feliz Natal




Ateu e iconoclasta, crítico da orgia capitalista e do consumismo desenfreado, não é por isso que o intergalacticrobot deixa de desejar um feliz natal a todos os seus leitores, de ocasião ou não, e a todos os viajantes que atravessem esta vasta internet e aqui encontrem um segundo de abrigo.

A todos, um feliz natal, entre aqueles de quem mais gostam.

Picoverso

Há uns tempos, surgiu uma notícia alarmista acerca da possibilidade da criação de buracos negros em laboratório, com um artigo a especular que nos laboratórios de física de particulas ligados ao acelarador do fermilab já havia sido criado um, por acaso. São medos directamente relacionados com a progressão até ao mais ínfimo que caracteriza a física de partículas, sempre interessada em construir maiores e mais precisas máquinas para perscrutar os segredos que se escondem nos níveis sub-atómicos da nossa realidade. Perante isto, parece possível e provável que no decorrer de uma experiência num dos novos e poderosos acelaradores de partículas (essencialmente canhões gigantes de forma anelar que aceleram partículas elementares a velocidades lumínicas e analisam os destroços das colisões entre as partículas acelaradas) se gere um buraco negro.

Se não me falha a física, um buraco negro também é conhecido como uma singularidade: uma região do espaço-tempo onde todas as forças comprimem a matéria num único ponto. O que está para lá dos buracos negros é mera conjectura. Pode ser um wormhole para outros universos, pode ser um túnel no tecido do espaço-tempo do nosso universo. Sabemos apenas que existem.

A cosmologia aceita que o ponto de criação do nosso univero, há 15 biliões de anos, foi o chamado Big Bang, o momento em que uma singularidade "explodiu", expandindo-se e com essa expansão formando o nosso universo.

Se juntarmos duas ideias, ficamos com uma idea nova, e por vezes fascinante. Se juntarmos a possibilidade de criar buracos-negros em laboratório, quer acidentalmente quer intencionalmente, à ideia de que uma singularidade pode gerar um universo, temos a fascinante ideia de que podemos gerar universos em laboratório. E daí parte outra ideia: será o nosso universo o resultado de uma experiência científica de um outro universo?

Para colocar a cabeça a andar à roda, podemos começar a pensar que o nosso universo é o resultado de uma experiência num outro universo que é o resultado de uma experiência num outro universo, e assim por diante, ad infinitum. Esta é uma ideia simpática, a arquivar junto à teoria da multitude de universos paralelos, um número infinitamente grande mas não infinito de universos que se auto-gerariam a partir de qualquer escolha feita num universo, ideia visualizável como uma àrvore que se subdivide continuamente numa míriade de ramos, mesmo ao lado da teoria dos universos holográficos.

Ficção científica, dizem os caros leitores? vão lendo a Scientific American, ou as obras de divulgação científica escritos por físicos teóricos de renome, como Stephen Hawking ou Michiu Kaku. Para a ideia de picoverso, leiam o romance de ficção científica escrito por Robert Metzger, um físico norte-americano, que me anda a deixar a cabeça a andar à roda com singularidades e plasmas.

Natal em aproximação iminente

Aproxima-se a véspera de natal, o que tem implicado uns dias verdadeiramente infernais. É preciso por a casa num brinquinho para as visitas olharem, elogiarem, e... sujarem. As limpezas a fundo consomem mais energia corporal do que duas maratonas corridas com um intervalo para levantamento de pesos. O olhar treina-se me jeito de àguia, descobrindo sujidade em locais que nem sequer nos lembrávamos que existiam. O cheiro a detergentes e outros produtos químicos entranha-se profundamente nos receptores odoríferos.

O resultado de tanto esforço? Uma casa a brilhar, e um cansaço tão grande que creio que vou passar a consoada a ressonar tranquilamente enquanto os convivas me elogiam a limpeza da casa.

Ain’t misbehavin’

Louis Armstrong

No one to talk to ....all by myself
No one to walk with.....I’m happy on the shelf
Ain’t misbehavin’......savin’ all my love for you

I know for certain......the one I love
I’m through with flirtin’......it’s just you that I’ve been thinkin’ of
Ain’t misbehavin’.......savin’ all my love for you

Like jack horner.....in that ole corner
Don’t go nowhere.....what do I care?
Your kisses are worth waitin’ for......believe me

I don’t stay out late.......no where to go
I’m home about eight......just me and my radio
Ain’t misbehavin’.......savin’ all my love for you

(instrumental break)

Like jack horner.....in that ole corner
Don’t go nowhere.....what do I care?
Your kisses are worth waitin’ for......believe me

I don’t stay out late.......no where to go
I’m home about eight......just me and my radio
Ain’t misbehavin’.......savin’ all my love for you

Ain’t misbehavin’......I’m savin all my love for you


Havia de arranjar maneira de colocar junto destes refrões os temas que me fascinam. Uns mp3 só faziam era bem.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Pausa

Acabou a correria para as aulas, para as avaliações e para todas aquelas actividades não planificadas e inexistentes nos programas que são as que tornam a vida na escola interessante. A escola está deserta, as salas vazias. Os alunos estão por casa, ocupados com desenhos animados ou jogos electrónicos, ou mais provávelmente a darem cabelos brancos aos pais. Os professores também não estão na escola, aproveitando os dias que medeiam entre o natal e o ano novo para uma pequena pausa para um merecido descanso. É um dos privilégios da profissão, pouco defensável, mas necessário. Para aqueles que o considerem injusto, gostaria de lembrar que os pilotos de avião podem viajar sem pagar, ou que os médicos têm toneladas de produtos químicos interessantíssimos à sua disposição, entre dois exemplos de profissões com as suas compensações menos defensáveis.

Agora, descanso.

Descanso? Como? Acabada a correria laboral, impõe-se a correria da quadra. As prendinhas estão despachadas, sempre é uma preocupação a menos e um rombo na carteira a mais. Agora, resta-me preparar a casa para a visita dos papás e dos papás e irmãos da minha rapariga na noite da consoada. Isso significa que tenho pela frente horas horripilantes a limpar e organizar a casa. Limpar paredes, limpar livros, arrumar tudo o que estiver desarrumado, lavar janelas, deixar todos os cantinhos e todos os bibelots a brilhar com aquele brilho limpinho que atrai o pó como um iman atrai limalhas de ferro. Em momentos como este percebo a lógica de contratar mulheres a dias para tratar das limpezas. É impressionante a quantidade de lixo que se acumula numa casa, e o trabalho que dá a limpar. Vale bem por dezenas de sessões de ginásio.

Para rematar, este é sem dúvida um tempo que seria muito mais bem passado a ler, a dormir, a passear na praia ou com outras agradáveis actividades similares, as quais deixo ao critério das vossas imaginações mais ou menos perversas.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Mister Malone...

... is cool.

O meu amigo Mister Malone enviou-me mais um dos temas do album que está a preparar, uma gravação ainda não produzida. Vão ouvir Just a Little Story, e digam-me lá se a voz da cantora não soa elegantíssima com o fundo jazz/electrónico.

MP3 Blogs

Mais uns links para blogs de mp3 para os meninos gastarem a banda larga.

Blogotheque
Bubblegum Machine
Garage Hangover
Recrod Brother
Pimps of Gore
Ten Thousand
Home of the Groove

Musica nova, outra nem por isso. Novas sonoridades para pôr os vossos neurónios a andar à roda.

Welcome Back!

Umas boas vindas a blogs que andavam desaparecidos, embora não esquecidos:

Reflexosss o trabalho não perdoa, é verdade, mas eu já andava com saudades das discussões.

The Essential Ghoul's Record Shelf, um belíssimo blog sobre música obscura, que regressa após a deslocalização forçada de Nova Orleães.

O amor...

Normalmente não publico aqui as anedotas que me entopem a caixa de correio electrónico. Mas a esta que o meu amigo David me enviou não resisti:

Amor aos Professores
Diria mais, as crianças são incrivelmente encantadoras. A professora mandou os alunos fazerem uma composição sobre a escola. Eis o que se lia numa delas:
"A minha escola é pequena, mas muito bem arranjada. A minha escola é como se fosse um jardim, nós, os alunos, somos as flores e a senhora professora é como se fosse um monte de estrume que nos faz crescer belos e fortes."


Sem comentários.

Links

Slate | The Christmas Puppy Natal=Prendas, certo? Agora o dilema é que prendas dar a quem... não é um dilema meu, pois corro sempre tudo a livros (se me deixarem). Mas para quem ainda não sabe o que é que pode dar nesta orgia consumista disfarçada de época de bondade e boa vontade, este é um artigo cheio de ideias.

Star Wars Kids De propósito para o amigo Turmentus, para passar as férias de natal a construir maquetes do C3PO.

The Scotsman | Stalin's half-man, half-ape super-warriors Só visto em filmes de série b. O ditador sanguinário exige aos seus cientistas a criação de super-soldados genéticamente modificados. Típico de ficção científica mal escrita e mal imaginada. Pois. Acontece que Estaline ordenou a criação de super-soldados através do cruzamento de macacos com seres humanos, nos anos vinte. Os arquivos da ex-união soviética devem estar cheios de coisinhas curiosas...

Mais uma vitória na guerra das ideias.

BBC | Victors hail US evolution ruling

Há uns tempos atrás deixei aqui um artigo sobre um grupo de pais na américa que moveu um processo em tribunal ao conselho escolar da sua localidade. O motivo prendia-se com a defesa, da parte do conselho escolar, de que o design inteligente, uma visão creacionista sobre a evolução das espécies perfeitamente absurda e defendida apenas pelos fundamentalistas cristãos (sim, eles existem, e se não se fazem rebentar com coletes cheios de bombas também tentam aterrorizar a sociedade numa guerra de ideias). Acontece que o tribunal deu razão aos pais. Foi uma vitória do conhecimento científico na guerra contra as trevas religiosas, num país onde essa guerra é tão importante que cientistas de renome dedicam boa parte do seu tempo a promover debates e conferências na américa profunda contra as patranhas defendidas pelos alucinados que acreditam piamente nas palavras, letras e pontuação da bíblia.

E cá entre nós, seria possível uma situação semelhante? À partida, não; os programas das disciplinas são definidos pelo ministério da educação, que apesar dos seus muitos defeitos é perfeitamente claro nos programas de conteúdos disciplinares que implementa. No entanto, casos como a recente guerra de palavras às voltas com os crucifixos na sala de aula deixam-me a pensar... com o alastrar do obscurantismo religioso representado pelas seitas neo-católicas que engordam a olhos vistos, não é de desacartar a hipótese de num futuro talvez mais próximo do que isso uma destas seitas se dedicar a tentar convencer o ministério da educação de que a visão científica da evolução das espécies é um mero ponto de vista, tão importante quanto a visão creacionista (que não diz deus criou o mundo mas diz a evolução é sinal de que existe uma inteligência a controlar a evolução das espécies, o que no fundo é a mesma coisa). Geralmente não nos preocupamos, olhando para as seitas como associações de cretinos e mentecaptos que estão a ser vigarizados por alguns líderes religiosos que utilizam os dízimos e esmolas dos seus fieis para financiar iates, aviões privados e chorudas contas bancárias, tudo em nome de deus.

Há poucos anos atrás, quando era director de turma da pior turma de 5º ano da escola de Mafra, tinha uma aluna de origem suiça que pertencia à seita evangélica. O avô dessa rapariga, um suiço culto e inteligente, vinha bastantes vezes à escola falar comigo sobre o desempenho da aluna. De todos os encarregados de educação, ele era o único que se distinguia, por um ponto: enquanto as mamãs e as avós dos meninos e meninas passavam o tempo na sala de espera na coscuvilhice, ele passava o tempo a ler. A ler livros, não a ler jornais desportivos. Uma vez, tremi quando o vi entrar. Reparei que trazia debaixo do braço um livro sobre o design inteligente. Sendo ele o mesmo tipo que se queixara da docente de língua portuguesa, que em desespero de causa para tentar motivar os alunos utilizara excertos do Harry Potter, alegando que a docente ensinara feitiçaria na sala de aula, o que era contrário ao espírito religioso que incutia na neta, pensei logo que me vinha perguntar porque é que não era ensinada nas aulas de ciências aquilo que os fanáticos religiosos consideram a outra alternativa à teoria da evolução das espécies. Felizmente, não o fez.

Este pode parecer um problema inexistente. Mas eles andam por aí...

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Encerrado

Estou despachado. Encerrei a direcção de turma com chave de ouro (como sempre, modéstia à parte, pois o cinismo aliado ao shift+insert fazem maravilhas) e durante uns dias nem quero sequer pensar em eduquês ou outro idioma semelhante. Acabou, por agora, e agora só no dia 2 de manhã é que me preocuparei com velha questão do professor: o que é que eu faço com os putos? Mas durante estes tais pensamentos nem sequer se irão aproximar do meu cérebro. Agora, é hora de um merecido repouso.

A reunião correu tal e qual conforme previa. Todo o trabalho de preparação compensou. Só falhou a minha voz, transformada por uma constipação irritante num mutante de pavarotti com maria calla. Até a parte da reunião em que eu pensei que os professores da turma responderiam sim em coro resultou. Sei que pareço mauzinho mas não o sou, acreditem.

Data is a drug

Datajunkie

Um blog feito por um tipo que pelos vistos não sabe o que há de fazer ao tempo que tem... mas ainda bem que publica o blog.

O Fim Está Próximo!!!

O fim está próximo! Arrependam-se dos vossos crimes inconfessáveis, pecados públicos e vícios privados, pois o final aproxima-se e traz consigo o implacável julgamento que porá a nu as trevas da vossa alma! Arrependei-vos, arrependei-vos, minhas ovelhas tresmalhadas!

Ecumenismos à parte, a verdade é que o fim se aproxima. Não o fim do mundo, claro, mas o fim desta época de muito trabalho de utilidade questionável conhecida como avaliações de final de período. Vêem como hoje estou simpático? Não disse que era tudo totalmente inútil. Esta é uma época perfeita para observarem professores angustiadamente debruçados sobre papeis e computadores enquanto o seu cérebro procura frases bonitas que descrevam numa perfeição politicamente correcta a burrice (genética ou não) ou a preguiça (inata ou adquirida) dos alunos. Os professores gostam é dos bons alunos. Não dão trabalho a ensinar, porque sózinhos vão lá. Não dão trabalho a aturar, aliás raramente abrem a boca a não ser para finalmente dizerem aquela frase ou palavra que o professor solicitou mas que a maioria da turma fica a olhar embasbacada, incapaz de mexer os maxilares sequer para fechar a boca. E não dão trabalho nenhum nas avaliações. Para esses não são precisas estratégias, apreciações, observações, técnicas de recompensa ou apoios psicológicos. Quase me atreveria a perguntar o que é que os bons alunos andam a fazer na escola, pois a recompensa que têm por ser tão atinados, cumpridores e responsáveis é serem esquecidos.

De qualquer maneira, o fim aproxima-se. Não prevejo ter de dinamizar uma reunião de concelho de turma agitada. A turma até tem boas avaliações, e todas as decisões que costumam dividir e agitar qualquer concelho de turma já foram préviamente tomadas por mim. É uma atitude cínica, eu sei, mas observem qualquer conclave de docentes, com cada qual a considerar-se o detentor da verdade suprema mas incapaz de decidir entre um simples sim ou não, e reparem como todos os problemas se desvanecem, a chuva pára de cair e surge um arco-iris quando o coordenador da reunião apresenta uma decisão já tomada como uma possível sugestão que humildemente coloca à consideração dos colegas.

Começo até a pensar mal dos colegas que não trazem já tudo decidido para as reuniões e nos forçam a opinar sobre os assuntos. É muito deselegante.

(Este meu estilo autocrático deve advir de algum resquício que tenha de uma costela dos viscondes da merceana. Um dia conto-vos esta pérola da minha história familiar.)

Como director de turma, ando sempre a tentar equilibrar os interesses dos alunos (que devem ter a primazia, com os interesses dos professores e os meus interesses (sobreviver incólume ao ano lectivo). É por isso que ago assim. É contraproducente passar demasiado tempo a discutir as bonitas frases com que decoramos os documentos que temos de produzir. O que realmente interessa é o nosso trabalho na sala de aula. Se esse for descuidado, não há competências essecenciais ou estratégias de superação de dificuldades que valham.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

A Palavra

New Yorker | The Word

Vladimir Nabokov, autor do incontornável Lolita e cronista por excelência das pequenas obsessões que fazem a alma humana, tem um conto publicado na edição desta semana da New Yorker. Não percam.

Vale por mil

Worth 1000 | Sightings 7
Worth 1000 | Animal Renaissance
Worth 1000 | Vacation Bloopers
Worth 1000 | Marketing Genius: King Kong

O que eu não gosto nos concursos do Worth 1000 é que me fazem sentir humilde. Aquilo que eu sei, já a maior parte dos photoshop masters se esqueceu...

Em nome da democracia

Bhutan king announces abdication
Country Profile of Bhutan

Enquanto os americanos afundam o iraque no caos em nome da democracia, de um pequeno reino isolado no topo do mundo povoado por pastores de iaques vem um exemplo de democracia: a monarquia do Butão (vão ver ao mapa, uns dedinhos à direita do Nepal, enclavinhado entre a Índia e a China) esta a preparar a transição do país para uma democracia. Ainda para mais, o rei do Butão prefere trabalhar numa simples cabana de montanha - e o Butão é, essencialmente, um país composto por alguns vales enfiados entre as montanhas do himalaya), desdenhando palácios e outras ostentações de riqueza e importância.

Tudo sem disparar um tiro. Sem grandes dramas da comunidade internacional.

domingo, 18 de dezembro de 2005

Post Scripts

Assinala-se um certo silêncio da parte da comunidade dos blogs cá da zona. Pois é, pois é, o trabalho aperta e o tempo não sobra para outras actividades. Eu cá só me safo porque ando a tratar de tudo em suporte digital, o que significa que tenho sempre uns segundinhos para escrever aqui. Existem grandes vantagens no trabalho em suporte digital: primeiro, a maior invenção para um professor apressado em vésperas de apresentar projectos curriculares de turma é o scanner com software de reconhecimento de caracteres... é impressionante, faz autênticos milagres. Outra excepcional invenção é a combinação de teclas ctrl+c e shift+insert, conhecido na gíria como o corta e cola. Claro, isso torna as apreciações dos meninos um pouco... semelhantes, mas ninguém nota. A menos que os papás dos meninos os comparem palavra a palavra, o que duvido. Trabalhar assim pode parecer algo desonesto, mas agora pensem: para que servem exactamente tantos papeis?

Outra boa invenção foram as memórias flash portáteis (conhecidas como pen drives, embora não sejam exactamente canetas) para guardar todos os ficheiros produzidos. E são muitos. Para aí um megabyte de informação, o que tendo em conta que se tratam de simples textos, é muito. O gmail também é uma excelente ajuda. Tenho tudo em backup no gmail. Se ouver alguma catástrofe nuclear, perda de flash drive, ou simples avaria, está tudo nos servidores do google.

A net também parece reflectir um certo marasmo. Anda tudo demasiado ocupado a comprar prendinhas de natal.

Não deixem de dar um pulinho ao ANAblog. Cliquem nos links de mp3 e deliciem-se com Webern, Haendel, Schuman e Schoenberg. Música para os vossos ouvidos e alimento para os vossos cérebros.

Banhista Sentada



OCAIW | The Nude In Art History
Artchive | Picasso

Da Vénus de Willendorf transporto-vos através dos séculos para uma representação modernista do nu. A imagem é a Banhista Sentada, obra pintada em 1930 por Pablo Picasso. A sensualidade do nu contina aqui presente; a homenagem do nu, à beleza feminina, à beleza do arquétipo mulher surge aqui transformada pelo cânone da pintura cubista. O espaço e a forma tornam-se esquivos e gelatinosos, reflectindo o olhar globalista e multi-planar do olho cubista, que tenta capturar na rigidez da tela a forma global apercebida pelo movimento.

O que me surpreende (e me choca) na pintura cubista é a forma como aos nossos olhos ainda parece indecifrável, inacessível e estranha. Esquecemo-nos que Picasso já morreu, há largas décadas, e que esta vitalidade foi criada nos anos 20 do século XX. Quase cem anos depois, o nosso olhar, treinado por uma civilização que adula o inconvencional mas que se enraíza profundamente no convencional, ainda se revolta, obrigando o cérebro a dar piruetas na tentativa de compreender para o que é que está a olhar. Na maior parte dos casos, os espectadores simplesmente desistem.

Isto acontece, apesar de vivermos numa época em que os cientistas descrevem uma visão do universo mais bizarra do que a multiplicidade de planos de visão congelada pelos cubistas no espaço bidimensional da tela.

Estações Diferentes

Um livro de Stephen King que reúne quatro contos bastante atípicos na sua obra. Boa leitura para momentos em que o cérebro está mais ocupado e não precisa da complicação que é descodificar obras literárias mais profundas.

Os Condenados de Shawshank: A esperança é eterna (Primavera).
Aluno Dotado: A morte espreita (Verão).
O Corpo: A perda da inocência (Outono).
A Técnica da Respiração: Um conto (Inverno).

A Técnica da Respiração

Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
IV

Stephen King encerra os quatro contos de Estações Diferentes com uma homenagem à literatura clássica de terror. Em A Técnica da Respiração, King homenageia aquele estilo clássico de conto sobrenatural que envolve uma história de fantasmas contada à lareira para gaúdio (ou susto) de uma audiência, enquanto lá fora neva ou cai uma trovoada. King cria um clube muito especial, ao qual só têm acesso membros convidados. O clube fica num edificio comum, e não há nada que o identifique ou que o diferencie dos outros prédios banais. À entrada no clube somos recebidos por um mordomo que se mantém o mesmo desde há décadas, talvez séculos. A biblioteca está recheada de livros de autores desconhecidos publicados por editoras inexistentes. No final do conto, é sugerido que o clube, o ponto de encontro das estórias à lareira, fique situado numa encruzilhada entre mundos paralelos, e sirva de ponto de encontro entre universos. Mas esta não é uma linha de enredo em que Stephen King insista muito.

Todo o primeiro capítulo do conto é dedicado ao estabelecimento deste cenário vitoriano numa Nova Yorque contemporânea. Um clube, frequentado apenas por homens já de uma certa maturidade, onde todos os natais se conta uma história. As histórias são a moeda corrente do clube, mas as mais importantes são sempre reservadas para a consoada, e os membros do clube deixam de passar o natal com as suas famílias para não perderem a história. No segundo capítulo, King conta-nos uma dessas histórias, um acontecimento sobrenatural que envolve uma mulher grávida nos anos 20, um médico modernista que acredita nas modernas técnicas de pediatria - específicamente no método de respiração lamaze, uma decapitação e um parto... sobrenatural. Mais não conto. Vão ler o livro, que não perdem nada.

O paralelo é óbvio. Os mais clássicos contos do sobrenatural envolvem sempre acontecimentos sobrenaturais contados aos membros de um clube exclusivo, uma história narrada no conforto de um charuto após o jantar, uma recordação de uma história contada após os acontecimentos. A Técnica da Respiração traz à memória contos similares (no ambiente e não nos detalhes) de Poe, Machen, Bierce e H. G. Wells, bem como a toda a literatura para-fantástica de Arthur Conan Doyle. Termina assim de forma apropriada um livro atípico de Stephen King, escritor que se intitula autor de "big macs" literários, que homenageia através dos seus contos de um estilo pouco habitual na obra do autor as influências de outros escritores do género.

sábado, 17 de dezembro de 2005

Vénus



Venus Figures from the Stone Age
Venus of Willendor
Images of Women in Ancient Art

Conseguem ver o fio condutor desta vénus pré-histórica esculpida há 22.000 anos por um ignoto antepassado pré-histórico? Esta "vénus" (o nome que os arqueólogos deram a este tipo de estatuetas) é uma de muitas representações da fertilidade feminina, um ideário que mais tarde daria frutos nos mitos de Ceres e Isis nas mitologias greco-romanas e egípcias e da Virgem Maria da mitologia cristã. A Vénus de Willendorf (assim chamada por ter sido descoberta em Willendorf, na Austria) é uma das mais antigas representações da Mãe Terra, fonte de nascimento, fertilidade e abundância.

Every time we say goodbye

The Cole Porter Resource Site
Cole Porter Lyrics Page

Conhecem certamente os acordes desta canção de Cole Porter. Imaginem o som quebrado de um velho disco mono de 33 rotações a tocar numa velha grafonola (ora, eis uma palavra que já está em vias de extinção).

We love each other so deeply
that I ask you this, sweetheart,
why should we quarrel ever,
why can't we be enough clever,
never to part.
Ev'ry time we say goodbye
I die a little,
ev'ry time we say goodbye
I wonder why a little,
why the gods above me
who must be in the know
think so little of me
they allow you to go.
When you're near
there's such an air
of spring about it,
I can hear a lark somewhere
begin to sing about it,
there's no love song finer,
but how strange the change
from major to minor...
ev'ry time we say goodbye.
Ev'ry time we say goodbye
I die a little,
ev'ry time we say goodbye
I wonder why a little,
why the gods above me
who must be in the know
think so little of me
they allow you to go.
When you're near
there's such an air
of spring about it,
I can hear a lark somewhere
begin to sing about it,
there's no love song finer,
but how strange the change
from major to minor...
ev'ry time we say goodbye.
Ev'ry single time
we say goodbye.


Nostálgico, não é? Mas Porter também é o autor destes fabulosos versos:

Birds do it, bees do it
Even educated fleas do it
Let's do it, let's fall in love
.

Vénus de Urbino



Já viram a Olympia de Manet e a Grand Odalisque de Ingres. Agora, peço-vos que olhem (certamente que não será grande o esforço) para esta Vénus, de Ticiano. Pintada em 1538, esta obra prima de Ticiano celebra a beleza do corpo feminino, sob um tema classicista: em vez de lhe chamar retrado da amante, ou outro título semelhante, chama-lhe Vénus, a deusa da beleza e do amor, o que tranquiliza as mentes mais puritanas e bem comportadas: não, não estão a ver uma mulher nua, isso seria uma indecência. Estão a ver a deusa greco-romana da beleza e do amor, e todos sabemos como os antigos, apesar das suas virtudes, eram uns debochados. Ingres ainda não tem coragem para modificar este ideário: o seu nu é uma odalisca, baseada numa concepção onírica do oriente. Já Manet mostra-nos o nu tal e qual como ele é. Não o disfarça sob uma capa de classicismo ou orientalismo. Olympia é o nome da modelo por ele pintada. O que vemos é o que é. Essa foi uma das razões para o escândalo que Olympia provocou quando foi exposto pela primeira vez.

No fundo, o tema é sempre o mesmo: a preservação da beleza da mulher, aqui retratada ao longo dos séculos através do retrato de mulheres que já há muito que se tornaram pó. Para rematar esta ideia, que começou um pouco por brincadeira mas já está a levar com contornos mais sérios, só me falta falar das vénus pré-históricas (nos tempos em que gordura era formosura) e do nu contemporâneo, aquele que vai além do corpo.

O Corpo

Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
III

O terceiro conto de Estações Diferentes, O Corpo, é uma clássica história de ritos de passagem sob um cenário macabro. Numa cidadezinha do Maine rural, numa época em que as vilórias tinham identidade própria e não eram ainda meros subúrbios de grandes cidades, quatro rapazes põem-se a caminho pelo caminho de ferro fora, numa viagem... iniciática. Os quatro amigos são os típicos rapazes: brincalhões, irresponsáveis, sempre prontos a fingirem que são mais crescidos do que o que são. No fundo, crianças. E fazem-se à estrada por curiosidade: o irmão mais velho de um dos rapazes, pequeno delinquente juvenil, encontrara o corpo de uma criança a alguns quilómetros da vila, morto ao pé da linha de comboio. Os nossos quatro rapazes pensam que seria uma aventura divertida irem ver o cadáver.

O conto é contado sob dois pontos de vista. Num, o narrador tem dez anos. É um miudo que faz para do grupo, que se distingue pela sua capacidade de contar histórias. No outro ponto de vista, o narrador é o mesmo, mas agora mais velho, e reflecte em como as suas histórias, as que lhe fazem ganhar a vida como escritor, tiveram a sua génese naquelas aventuras vividas na distante infância. A viagem em busca do cadáver transforma-os; aliás, cataliza o que há dentro da alma das crianças. É o ponto de passagem entre a infância e a idade adulta.

Dito isto, O Corpo (sub-intitulado A Perda da Inocência) não é o conto mais interessante do livro. Para contos fantásticos às voltas com a magia da infância, devemos ler Ray Bradbury (autor de As Crónicas Marcianas e Farenheit 451). O Corpo é a prosa de Stephen King a tentar imitar, ou a fazer uma vénia, à de Bradbury. Mas o que Bradbury contaria em poucas páginas, King conta em quase tantas páginas como as de um romance. Isso significa que a história se arrasta, tornando O Corpo numa leitura bastante penosas.

A Praga

Aaaaaaaatchimmmmmmmmmm !!!!! Pior que a gripe das aves, pior do que o hiv em mutação cruzada com genes alienígenas!!!! Será um cancro, será uma metástase prestes a rebentar em pústulas sangrentas, será uma doença insidiosa capaz de levar a mente do homem à loucura? Os sintomas da doença incluem produção imparável de textos com frases incompreensíveis; atribuição de números a nomes; impressão obsessiva de resmas de papeis.

Sei é que o cérebro sente-se como uns fios eléctricos prestes a entrar em curto circuito. Acredito mesmo que frente aos meus olhos já dançam chispas azul-eléctrico que flamejam sempre que os neurónios exauridos tentam articular um pensamento.

Doença de professor em fim de período. Síndrome da avaliação. Reunite aguda agravada. Creio que ainda nenhum nome designa esta curiosa doença que a tantos afecta.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Navegações

Nova ficção online no Infinity Plus:
Words, de Zoran Zivkovic e Front-Page McGuffin and the Greatest Story Never Told de Peter Crowther.

Internet encyclopaedias go head to head A Wikipedia passa a vida a ser desvalorizada nos media. Apontam-lhe incorrecções e apregoam que o seu modelo de publicação - qualquer um pode contribuir, sem ser um escritor de serviço de uma editora está errado. O verdadeiro problema é que a Wikipedia é gratuita e compete directamente com as toneladas de enciclopédias digitais pagas na internet e em cd ou dvd. Agora vem este artigo da nature a afirmar, após um estudo profundo, que... a encyclopaedia Britannica, aquela que é considerada a melhor do mundo, tem tantos erros como a Wikipedia, pelo menos nos artigos científicos...

Teardrop Memories para quem gosta de relíquias góticas, memento-moris e coisas afins, esta é a loja ideal. Pela sua descrição, Tear Drop Memories offers fine Postmortem photography, rare funeral collectibles and interesting cemetery art and death related books. Please visit our other two Tias web shops ; North Fork Pets And Antiques, a great shop for antique Victorian bird cages and vintage animal collectibles and Maidens Memoirs, the place for old Love letters, Victorian scrap books and vintage diaries. Vai um caixãozinho ou um kit de maquilhagem de um agente funerário?

Coisas que valem a pena

Hoje, devido à grande insistência do meu colega Paulo Pontes, vi-me a acompanhar duas turmas da Venda do Pinheiro até à escola da Ericeira, onde apresentámos uma peça de teatro que nunca chegou a ser ensaiada. É possível que tenhamos feito sucesso. O ecrã onde o cenário estava projectado não parava de oscilar (ondas do mar, talvez) e os miúdos, como nunca foram ensaiados, entraram um pouco fora de ordem (ninguém se apercebeu). Especialmente quando o final, uma canção cantada a quarenta vozes pelos alunos das duas turmas, teve uma interrupção inusitada graças a um fusível que estoirou e cortou o som todo. Pânico generalizado, eu quase a rebolar a rir (o que é que podia correr pior?) e uma correria para localizar mais extensões. Tudo ligado, e... continua-se no ponto exacto em que se interrompeu. Aplauso generalizado. Creio que os ericeirenses ficaram bem impressionados com este intercâmbio inusitado entre duas escolas que vivem nos extremos do concelho de Mafra. Foi um pequeno passo, que gostaríamos que se repetisse. Pelo menos nós. Nada mau, para poucas semanas de trabalho.

Se este post parece auto-congratulatório, é porque é.

Offline

O meu cérero exige-me que pare, mas a quantidade de papelada obriga-me a continuar. Começo a sentir-me cansado. Porquê, tanta correria, tanto papel, tanto trabalho no final de um período lectivo? De tudo o que escrevemos, de tudo o que discutimos, trabalhamos, pensamos e apreciamos o que realmente conta são as notas...

São os enigmas do ensino à portuguesa...

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Grand Odalisque



Lembram-se da Olympia? Comparem com a Grand Odalisque pintada em 1814 por Ingres, e tentem perceber as diferenças e as semelhanças... A pintura de Ingres é técnicamente perfeita, e apoia-se na sensualidade do orientalismo, uma visão exótica de um oriente imaginário de calor, sultões, haréns e odaliscas sumptuosas. Mas não deixa de ser recatada e inofensiva na sua sensualidade, como convinha a um pintor do canone neoclássico.
Reparem também na evolução estilística entre um quadro de 1814 e um de 1863. Lenta, mas decisiva e revolucionária.

What Kind of Alien Are You?

Que tipo de extraterrestres são? Se não sabem, vão descobrir. Eu ponho Vader e os alienígenas da Guerra dos Mundos (original de mil oitocentos e tal) a um canto pela minha malevolência...

Sons

PCL linkdump | Les Baxter Jungle Jazz Bizarro, muito bizarro. Uma estranha mistura de Jazz, Tiki e Lounge vinda direitinha dos anos 50. Não é retro, é mesmo da época. Mais Les Baxter aqui, Space Age Pop e aqui, Weirdomusic. Os blogs de mp3 ligados aos sons retro/exótica adoram-no como a um deus. Sabem aquele som de época que caracteriza os filmes dos anos 50, ao melhor estilo dos acordes da Pantera Cor-de-Rosa (essa é do Henry Mancini)? É esse o som de Les Baxter, que também fez a banda sonora de O Poço e o Pêndulo.

ANABlog - Analog Art Ensemble Um blog que mistura Meatloaf com Mauricio Kagel, Schuman com Céline Dion, Haendel e Schoenberg com Bonnie Tyler? Vão já gastar a vossa banda larga nos downloads de mp3! É uma ordem!

Aos pulos na sala de alunos

Exausto é a palavra que me define. Só estou bom é para vegetar ao som de Les Baxter com bizarros sons jazz/tiki/lounge. Música foi a de esta manhã, com a maior festa de natal que a escola da Venda do Pinheiro jamais viu. O meu colega Paulo Pontes conseguiu pôr todos os alunos de segundo ciclo a pular, literalmente, de alegria. O homem está de parabéns: não só conseguiu pôr em pé um verdadeiro espectáculo em poucas semanas, como ele próprio foi o espectáculo - tocava, orientava os alunos, apresentava as actuações, dinamizava todo o público. Eu contribuí com uns humildes adereços e cenários para um teatrinho, que amanhã será apresentado na escola da Ericeira, num inédito intercâmbio entre escolas. Ou melhor, num intercâmbio entre professores de música dinâmicos e interessados das duas escolas. Da Ericeira vieram o sistema de som e uma banda de alunos do nono ano que em três meses de trabalho quase pós-lectivo com uma professora arranhavam um som de fazer inveja a muitos profissionais. Foram esses convidados especiais que puseram, literalmente, e quando digo literalmente digo mesmo literalmente, a escola aos pulos.

E anda o ministério a arranjar mais burocracia para nos atrapalhar em vez de nos libertar tempo para agir - se bem que concordo que se isso acontecesse, certamente que a maioria dos professores aproveitaria para menos fazer. Essa é uma triste verdade.

Em última análise, participo nestas actividades por uma boa razão: a escola não se limita à sala de aula, aos conteúdos, aos programas, aos apontamentos, ao estudo. Daqui a alguns anos, do que os alunos se recordarão não será dos ralhetes que ouviram na sala de aula ou das belas frases da página tal e tal do manual. Serão estas as actividades que lhes ficarão na memória, pois assim a escola cumpre a sua tarefa de dinamizadora cultural da comunidade. É também por isso que cada vez oriento a minha práctica lectiva para o prático e para o experimental em detrimento do formalismo. Cada vez mais penso que me interessa um aluno criativo, autónomo e capaz de se expressar sem medo de experimentar do que um aluno que me saiba fazer desenhos e pinturas formalmente perfeitas mas vazias de imaginação. Ando a dar mais valor a um boneco disforme modelado pelos alunos a partir da sua própria imaginação do que a toneladas de desenhos e pinturas onde se aplicam todas as regrazinhas que os professores ensinam. Essa foi a grande lição que aprendi com a minha par pedagógica do ano passado, a Paula Oliveira. Nas disciplinas práticas, o atelier é mais importante do que a exposição de conteúdos. Na carga horária dos alunos, eles já têm horas que cheguem para teoria; não transformemos os poucos momentos de criatividade em mais umas entediantes aulas teóricas.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Olympia



Associando-me ao Turmentus, com a sua série de posts sobre a beleza feminina, cá vai uma humilde contribuição: Olympia, de Eduard Manet, pintada em 1863. Apesar de Manet ser um dos mestres do impressionismo, a suavidade com que pintou Olympia presta homenagem a um tema clássico já abordado por Giorgione, Ticiano, Ingres e Goya. O passado da pintura (clássica, realista) funde-se aqui com o futuro da pintura (abstracta e expressiva) numa homenagem à sensualidade feminina.

Aluno Dotado



Stephen King's Different Seasons
Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
II
Aluno Dotado

O segundo conto de Estações Diferentes é brutal e aterrorizante no pior sentido possível. Em Aluno Dotado, conhecemos Todd Bowden, um prototípico all american boy. Jovem, afável, loirinho, aluno aplicado mas sem se exceder (para que os amigos não o olhem como um marrão), rapaz que se levanta cedinho todos os dias para vender jornais à vizinhança do bairro de vivendas suburbanas, montado na sua bicicleta - Todd é o produto de uma educação liberal e o filho que todos desejam ter. No conto, Todd aproxima-se de um vizinho idoso, Kurt Dussander, num gesto que todos interpretam como uma demonstração do bom carácter do rapaz. Na verdade, o solitário vizinho é um criminoso de guerra, um antigo comandante de um campo de extermínio nazi, que Todd, num trabalho detetivesco, consegue capturar com ameaças de exposição. É através do contacto com Dussander que Todd revela a sua verdadeira face. Aparentemente calmo, afável e bondoso, Todd está irremediávelmente atraído pelo mal. A base da sua relação com Dussander é quase vampiresca - Todd espreme-o de todos os pormenores relativos à violência nos campos de concentração, às mortes, aos extermínios, às experiências médicas macabras, a todo o horror da solução final nazi. O interesse de Todd é profundamente mórbido - aos seus olhos, o horror nazi é algo de excitante. Através da influência de Dussander, Todd caminha a passos largos para o precipício fundo da maldade da alma humana.

Aluno Dotado é um conto atípico - King situa a acção na Califórnia, mas isso talvez venha a aumentar os contrastes - entre uma terra alegre e solarenga e a negritude do mal que se esconde na alma de Todd. Aluno Dotado aborda uma noção do terror e do mórbido que esteve sempre presente na alma humana. Se duvidam que no fundo somos uns monstros sanguinários, olhem para a cultura que consumimos, para as histórias sangrentas de crime e de castigo, para o consumo desenfreado de violência. Ou lembrem-se daqueles tempos em que uma execução pública, uma decapitação, um enforcamento ou um auto-da-fé eram espectáculos encenados para gaúdio do povo.

Rat Holic

Garagepunk | Rat Holic Quando puderem, cliquem no link e façam download dos três temas desta banda de surf trash japonês. Parece-se com surf music, o som é distorcido e arranhado q.b., e é um som muito divertido. Ouçam que vão gostar (e ajuda-vos a suportar a tempestade de relatórios que nos assola).

Os japoneses são conhecidos pela bizarria da sua cultura pop. Acreditem, ainda se criam coisas mais estranhas que os mangas e o pachinko no país do sol nascente.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Para tactear cautelosamente



Durante anos tenho falado da Playboy em braille. É uma piada minha sobre a inutilidade de certas ideias - a Playboy não é exctamente conhecida pela qualidade dos seus textos e a ideia de uma revista daquelas para cegos parece-me especialmente estapafúrdia. Quem a lê não procura exactamente uma experiência literáia... até que hoje descobri que sim, existe uma Playboy em Braille. O meu queixo caiu, incrédulo, mas aparentemente é verdade. Como será que os cegos perceberam sobre o que a Playboy realmente é?

O Condenado

... sou eu, condenado como estou a passar o dia de hoje agarrado ao computador a debitar eduquês puro para engrandecimento dos dossiers carregados de papel na escola. Ele são competências, ele são dificuldades, ele são frases vazias cheias de floreados cuja verdadeira utilidade ainda não descortinei. São planificações e avaliações, relatórios analíticos e apreciativos. São estratégias e actividades. São frases bonitas e simpáticas.

Em suma, após um dia aqui fechado no atelier a escrever em eduquês puro o esforço mental ameaça quebrar os fusíveis do cérebro. Daqui a nada dou por mim a pegar na Ak-47 que tenho ali em cima da lareira e ir até à escola enfiar uns balázios nos putos... especialmente naqueles putos burros que me vão obrigar a escrever ainda mais eduquês na elaboração dos planos de recuperação.

E daí talvez não. Os miudos não têm a culpa. São o que sempre foram, uns mais espertos, outros menos dotados na capacidade cerebral. Acontece. Se calhar as balas eram mais bem aproveitadas naqueles mentecaptos da cinco de outubro. Mas aí o edifício é alto e se calhar não sobreviveria até chegar ao nível do boss, o gabinete da ministra. Bem, acho que está na altura de ver se consigo aprender a construir engenhos nucleares caseiros.

Imaginem só os problemas educativos que se resolviam se aquele edifício da cinco de outubro desaparecesse debaixo de um cogumelo nuclear!

Os Condenados de Shawshank

Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
I
Os Condenados de Shawshank

O primeiro conto do livro Estações Diferentes de Stephen King, Os Condenados de Shawshank, é uma história minuciosa sobre o valor da paciência e o significado da coragem em tempos adversos. A história é contada através do ponto de vista de Red, um prisioneiro na prisão de Shawshank, um daqueles homens que tem a capacidade de conhecer tudo e todos; dá-se bem com todos e consegue arranjar aquilo que for preciso. Red, um condenado à prisão perpétua já tão habituado à vida na prisão que teme o dia em que a sua pena será comutada e sairá em liberdade condicional, conta-nos a história de Andy Dufresne, outro condenado a passar a vida atrás das grades húmidas e bafientas da prisão. Dufresne havia sido condenado pelo assassínio da mulher e do amante dela. Sempre se confessara inocente, injustamente condenado, mas tudo estava contra ele. Ninguém acreditava nele - as prisões estão cheias de criminosos endurecidos que são autenticos inocentes, vítimas da sociedade ou das suas vítimas. Dufresne não se deixa abater pela vida na prisão e pela sua condenação injusta. É o único prisioneiro que não caminha de ombros descaídos e olhar perdido.

Ex-bancário, Dufresne consegue alguma proeminência e uma posição segura na prisão, preenchendo as declarações de IRS aos guardas e ajudando os corruptos directores da prisão a lavarem os lucros dos seus esquemas de corrupção mesquinha. Torna-se tão essencial aos seus sequazes que estes lhe negam a hipótese de provar a sua inocência. O seu trabalho a limpar as mãos dos seus guardas criminosos é recompensado com uma biblioteca que Dufresne utiliza para ajudar os prisoneiros a melhorarem as suas qualificações académicas. O único hábito pessoal que Dufresne tem que é seu, que não é abnegado, é a recolha de rochas e pedras dos pátios da prisão. Dufresne tem como hobby a geologia, e o seu tempo livre na prisão é passado a esculpir pedrinhas com um martelo de geólogo.

Passam-se trinta anos desta vida, até que uma manhã a contagem de prisioneiros revela que falta um. Andy Dufresne conseguira fugir. É aí que nos apercebemos da infinita paciência, coragem e tenacidade de Dufresnte. Durante trinta anos conseguira abrir um túnel nas paredes da prisão com o seu pequeno martelo de geólogo. Pacientemente, furou, escavou, até conseguir encontrar uma passagem para os esgotos e fugir. Mas a tenacidade e a coragem de Dufresne não se limitam a uma banal fuga da prisão. Antes de ser detido pelo crime que não cometera, Dufresne e um amigo tinham conseguido salvar parte dos bens financeiros de Dufresne sob uma identidade falsa. Durante os trinta anos que Dufresne passou atrás das grades de Shawshank, a chave do cofre que continha todos os documentos da nova identidade de Dufresne esteve encerrada numa pedra falsa colocada dentro do muro de um campo numa localidade a cinquenta quilómetros da prisão.

Em trinta anos muita coisa pode acontecer. As poucas acções que Dufresne mantera sob um nome falso valorizaram-se de tal maneira que o homem que tratava das fugas financeiras dos mesquinhos directores da prisão era mais rico do que eles. E em trinta anos muita coisa pode acontecer a um campo… o muro pode ser derrubado, a chave do cofre pode residir debaixo de toneladas do cimento da urbanização em que se transformou o campo…

Os Condenados de Shawshank ilustram de forma brutal a tenacidade e a coragem de um homem na mais adversa das situações que a vida lhe pode atirar. Como diz o velho provérbio, água mole em pedra dura tando bate até que fura

Catástrofes Matinais (para adoçar o dia)

Guardian | Saudi prince changes Fox's Paris riots coverage: Mais um ponto para os defensores da liberdade de expressão. O príncipe saudita Alaweed bi Talal bin Abdul aziz Al-Saud não gostou da forma como a Fox News noticiou os distúrbios que abalaram os subúrbios franceses. Fez aquilo que a mim me dá muita vontade de fazer sempre que vejo a deprimente programação televisiva portuguesa, recheada de telenovelas e concursos: queixou-se aos reponsáveis, exigindo alterações, e os responsáveis ouviram-no. Meia hora depois, a frase que havia ofendido o senhor príncipe foi alterada (e o supreendido jornalista que a escreveu colocado no olho da rua, possivelmente). O que é este senhor Al-Saud tem que eu não tenho (para além de ser príncipe saudita)? Simplesmente, é um dos grandes accionistas da Fox News. Esta pequena história ilustra bem a capacidade de isenção dos media conglomerados em grandes empresas detidas por accionistas. Podem noticiar à vontade, desde que as notícias não incomodem os accionistas.

BBC | Fire crews hoping to douse blaze O sul de inglaterra está coberto por uma nuvem intensa de fumo, resultante de uma catastrófica explosão num gigantesco depósito de combustível. O que assusta é que esta catástrofe dantesca foi... acidental. Se fosse um atentado terrorista, vá lá, ainda se compreendia, mas por acidente... é de tremer de medo. Com cuidados destes, não há Kyoto que nos safe da aniquilação ambiental.

Som do silêncio

O núcleo blog aqui dos docentes habitantes da ericeira anda algo silencioso. O que se passará? Será que também estão a ser atacados pelo mal que afecta os professores por esta altura, a famosa síndrome de fim de período, caracterizada pelo preenchimento compulsivo de papeis?

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Imagem do Dia



Uma colagem digital, de 1997. Dos tempos em que eu utilizava o Photoshop, versão 2.0 e apenas sonhava com o 6.0...

Agredido!



Serve esta imagem para comprovar a agressão que sofri esta manhã às mãos (ao focinho, mais específicamente) de um leão marinho quando cumpria as tarefas inerentes à minha profissão. Desconheço se o bicho é veterano e ex-combatente; mas pretendo averiguar o porquê da agressão.

(A verdadeira agressão foram os 5€ que tive de largar por uma fotografia que não pedi que me tirassem)

A Visita de Estudo

A minha rotina pedagógico-bloguista foi hoje interrompida por uma daquelas actividade apensas à profissão de professor. Ossos do ofício, digamos. Hoje, logo pela manhã, após o raiar do sol, fiz-me à estrada com os alunos. O objectivo era realizar uma visita de estudo.

A visita de estudo é possívelmente uma das maiores falácias da profissão docente. Os alunos, inocentes e ainda não contaminados pelos latinismos inerentes aos profissionais, chamam às visitas de estudo os passeios da escola. Estão claramente correctos. Dizemos nós, professores, que uma visita de estudo é uma aula diferente - ao ar livre, ou num museu, onde os alunos tomam contacto directo com aquilo que lhes tentamos ensinar dentro da sala de aula. Essa, é a teoria. Na prática, a visita de estudo resume-se a apascentar bandos de miúdos de um lado ao outro, com algumas explicações à mistura, que aos alunos entram por um ouvido e saem pelo outro. Os miúdos divertem-se; que pode haver de melhor do que andar a correr e a brincar com os amigos longe da escola, ao som dos berros ou dos gritos desesperados do professor? Os professores entendem tudo isto, e resignam-se. A visita de estudo faz parte da tradição escolar. É uma ideia demasiado arreigada para que possa ser questionada.

E. na verdade, é útil. No fim de contas, escola que não abre novos horizontes aos alunos não é escola nenhuma.

A de hoje foi ao jardim zoológico, um dos locais por excelência para visitas de estudo. São quase sempre os mesmos. Ou é ao zoológico, ou ao pavilhão ciência viva, ou ao oceanário, ou ao palácio de mafra. Estas instituições vivem essencialmente à conta de inúmeras visitas de estudo, de inúmeras filas mais ou menos ordenadas de centenas de alunos que por dia passam por aqueles espaços com os professores resignados a um dia em que terão de ser pastores e baby-sitters.

A vantagem do Jardim Zoológico é que é uma visita ao ar livre. A desvantagem é o frio que se faz sentir. Quanto ao cheiro a bosta, ao fim de uma hora o nariz habitua-se. Depois, é só passar o dia com as habituais romarias à casa de banho, a pausa para os gelados e a nova tradição destes tempos mais afluentes: a ida à loja, para comprar... qualquer coisa, uma tralha qualquer rápidamente esquecida que sirva de recordação de um dia divertido.

Eu não sou desmancha-prazeres. Apesar de saber o que realmente é uma visita de estudo, nunca me importo de acompanhar os meus alunos. A minha recompensa é a alegria deles.