quarta-feira, 26 de outubro de 2005

O Fosso e o Pêndulo

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Pit And The Pendulum, 1961

IMDB | Pit and the Pendulum
Roger Corman
Edgar Allan Poe | The Pit and the Pendulum
Brian's Drive In Theater
Barbara Steele
Vincent Price

O conto original não permite grandes adaptações cinematográficas. Um homem, encerrado numa masmorra da inquisição espanhola, escapa no meio da escuridão a várias tentativas de assassínio. Uma delas consiste num poço sem fundo que está no centro da masmorra. Espera-se que com a escuridão, o pobre prisioneiro caia, literalmente, no esquecimento. Quando as tentativas de eliminar o prisioneiro falham, os inquisidores lançam mão de um último recurso: um macabro pêndulo, que termina numa lâmina afiadíssima, desce inexorávelmente em direcção ao prisioneiro. Com termina este clássico conto de Edgar Allan Poe? Não o vou dizer... digamos, apenas, que termina bem.

Richard Matheson, argumentista de Pit And The Pendulum, foi buscar inspiração a outras obras de Poe para este filme, possívelmente o melhor dos filmes da "série Poe" de Vincent Price, assim chamados porque Price foi o actor principal de vários filmes de terror inspirados, com maior ou menor fidelidade, nos contos de Edgar Allan Poe. Ao ver o filme, percebemos laivos de outros contos de Poe. A Queda da Casa de Usher vem à mente quando observamos Price no papel de Medina, um nobre com os nervos arruinados, na ideia de um castelo a arruinar-se, e num dos temas do filme, o enterramento prematuro de uma mulher - a irmã de Usher no conto, no filme a mulher de Medina, interpretada por Barbara Steele. Os emparedamentos por vingança são retirados do clássico conto de Poe, O Barril de Amontillado, e o tema geral de pessoas enterradas vivas (recorrente em Poe) assemelha-se ao conto O Enterro Prematuro. Na decadência da mulher de Medina, na sua morte aparente e em toda a aura de assombração revemos o conto Ligeia. Pelo que aqui escrevo, o argumento parece ser uma manta de retalhos, mas asseguro-vos de que não é nada assim. Todas estas influências confluem para a criação de uma história clássica de terror, que termina com a utilização do famoso pêndulo.

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Vincent Price, enlouquecido

Neste filme, Vincent Price assina uma interpretação fabulosa como Medina, um nobre espanhol, descendente de inquisidores, cuja progressiva queda na loucura após o aparente falecimento da sua amada mulher domina todo o filme. Elizabeth, a mulher de Medina, é interpretada pela scream queen britânica dos anos 60, Barbara Steele, e o seu papel consiste em aparecer vitimizada pela morte, como se de um espectro se tratasse, até que no final do filme nos apercebemos de que afinal não morreu, e o conto clássico de assombrações além-túmulo se transformou numa história de amor e traição que termina em loucura.

Todas as situações são desencadeadas pela chegada do irmão de Elizabeth ao castelo dos Medina. Este quer a todo o custo saber porque morreu a sua irmã. A princípio, tudo aponta para algum acontecimento macabro às mãos de Medina, seu marido. Este é um nobre senhor de habitos bizarros, cujo desgosto pelo falecimento da mulher amada o está a fazer mergulhar na loucura. Só a presença da sua irmã, vinda de Barcelona para o ajudar, o parece acalmar.
A chegada ao castelo do médico que pronunciou o óbito de Elizabeth parece coincidir com um acréscimo de estranhos acontecimentos. Ouvem-se ruídos, o quarto de Elizabeth, que Medina deixara imaculado, é destruído, e descobrimos assim que Medina suspeita que a sua mulher tenha sido enterrada viva, desejando agora vingar-se de tal tratamento.

O castelo de Medina é um clássico dos filmes de terror. Um típico castelo medieval, encerra salas de opulência quase barroca, mas os seus alicerces são profundamente tenebrosos, constituídos por masmorras onde o pai de Medina, um Grande Inquisidor, torturava homens e mulheres em nome da religião. Numa das masmorras, está emparedada a mãe de Medina, morta após uma noite de terrível vingança em que o pai de Medina se vinga do adultério da sua mulher com o seu irmão. Medina assistiu, escondido, a todas estas cenas de horror, e essa memória marcá-lo-á para sempre.

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Barbara Steele

O final do filme revela-nos que Elizabeth, afinal, não morrera. Em conluio com o seu amante, o médico de Medina, falseou a sua morte e "assombra" o castelo, tentando levar o seu marido à loucura e à morte, para assim poder ficar com o seu amante (e o castelo, uma propriedade nada de desdenhar especialmente se se gostar do estilo gótico assombrável).

A descoberta desta traição leva Medina à loucura final. Julgando-se o seu próprio pai, Medina assassina o médico e encerra Elizabeth dentro de uma Dama de Ferro (um terrível instrumento de tortura da idade média). Convencido que o irmão de Elizabeth é o seu tio, morto às mãos do seu pai, amarra-o ao mais terrível instrumento de tortura: um pêndulo, que a cada tique toque desce um pouco mais. O pêndulo é uma terrível e afiadíssima lâmina, e vemos o perfeito terror da vítima que vê uma morte horrenda a aproximar-se lentamente. São estas as cenas mais aterrorizantes do filme, com um Vincent Price numa interpretação exagerada, que nos transmite um profundo sentimento de loucura e horror.

A morte do irmão de Elizabeth é impedida, no último momento, pela intervenção da irmã de Medina. Medina cai ao poço, morrendo no auge da sua loucura.

Pit And The Pendulum é um filme que consegue reunir todos os clichés de um filme de terror: temos assombrações, castelos abandonados e semi-arruinados, personagens enlouquecidos, cadáveres horripilantes, situações tenebrosas e até portas a ranger. Por vezes, a relaização de Roger Corman toca o psicadélico. Incapaz, devido ao orçamento baixo e ao pouco desenvolvimento dos efeitos especiais, de mostrar os verdadeiros horrores que a história faz despertar a quem vê o filme, Corman aposta em verdadeiros delírios, com imagens distorçidas no ecrã em tons de azul e vermelho.

Se bem que todo o filme está envolto numa atmosfera de horror, com aqueles cenários cheios de teias de aranha, com o castelo altaneiro tenebrosamente situado numa ravina sobre o mar, com todos os bizarros efeitos de um surrealismo psicadélico que nos mostram a loucura da mente de Medina, nada disto funcionaria sem Vincent Price. É a sua interpretação que faz funcionar todos estes artifícios e tornou Pit And The Pendulum um clássico do cinema de terror, em vez de mais um filme com torturas e castelos assombrados. Price representa na perfeição o papel do sensível nobre que enlouquece, incapaz de suportar o peso das memórias do passado e as agruras do presente. No final do filme, Price está no seu melhor, representando um retrato bizarro da loucura assassina com algumas das mais tenebrosas expressões que o rosto humano é capaz de gerar.

O filme é quase uma parada de estrelas do horror. Sobre os actores, há pouco mais a dizer para além de Price e Steele. Vincent Price, já na altura sobejamente conhecido como um actor de excelência de filmes de terror, é um dos actores mais icónicos do género. Barbara Steele é uma perfeita scream queen - um género de actriz especializada em papeis de terror, especialmente em papeis em que é sujeita a sevícias que se aproximam do sado-masoquismo. Richard Matheson, o argumentista, foi também o autor de I Am Legend, possívelmente a mais interessante história de vampiros após Drácula de Bram Stoker. Roger Corman foi o lendário realizador de dezenas de filmes de terror de série B, autor, entre outros, de The Little Shop of Horrors, um filme bizarro sobre uma planta carnívora que exige continuamente que a alimentem.

Pit And The Pendulum é um clássico do terror dos anos 60, filmado com uma escassez de meios típica dos filmes de série B, e que se socorre de um argumento bem escrito, uma fotografia, digamos, criativa e das interpretações de Vincent Price e Barbara Steele para nos agarrar e transmitir aquele arrepio que uma boa história de horror nos transmite.