Manhã do dia de natal. Tantos que acabaram de acordar com a cabeça a andar à roda graças aos líquidos embebidos na noite da consoada, com o estômago às piruetas, desesperado perante a quantidade de comida que tem de digerir, com aquele pensamento irritante de desconsolo que se instala na alma após a abertura das prendas, aquilo que alguns chamam de vazio consumista. Um dos aspectos mais curiosos sobre o natal, essa quadra de bondade, boa vontade, partilha e lembrança de aqueles menos afortunados entre nós é que é celebrada com excessos. Excessos de comida, excessos de bebida, excessos de doces, excessos financeiros a adquirir prendas vazias de sentido. No dia seguinte, deitam-se fora toneladas de comida, reflexo dos tempos desiquilibrados em que vivemos.
Por outro lado, boas notícias: chove. A chuva confere ao dia um carácter nostálgico, que acompanha mesmo bem o que se espera de um dia de natal: calor, convívio e conforto.
Outro aspecto irritantemente curioso sobre o natal é a forma como a sua iconografia ficou presa à inglaterra vitoriana de charles dickens. As prendinhas, o pai natal, o gelo e a neve... o que não faz o mínimo sentido. Nessa época, a maioria das criancinhas trabalhava de sol a sol nas fábricas de ar pesado com fuligem. E quando vejo neve artificial sobre lisboa, ou os meninos a desenharem bonecos de neve e trenós na paisagem branca, quando leio que no Cairo, capital de um país islâmico, se construíram dois bonecos de neve para saudar o natal católico, ou sempre que ouço cantar o White Christmas, penso sempre como cedemos fácilmente perante as imposições dos media e nos desajustamos. Porque é que não o celebramos à nossa maneira, um Wet Christmas em vez de um White Christmas?