quarta-feira, 14 de dezembro de 2005
Aluno Dotado
Stephen King's Different Seasons
Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
II
Aluno Dotado
O segundo conto de Estações Diferentes é brutal e aterrorizante no pior sentido possível. Em Aluno Dotado, conhecemos Todd Bowden, um prototípico all american boy. Jovem, afável, loirinho, aluno aplicado mas sem se exceder (para que os amigos não o olhem como um marrão), rapaz que se levanta cedinho todos os dias para vender jornais à vizinhança do bairro de vivendas suburbanas, montado na sua bicicleta - Todd é o produto de uma educação liberal e o filho que todos desejam ter. No conto, Todd aproxima-se de um vizinho idoso, Kurt Dussander, num gesto que todos interpretam como uma demonstração do bom carácter do rapaz. Na verdade, o solitário vizinho é um criminoso de guerra, um antigo comandante de um campo de extermínio nazi, que Todd, num trabalho detetivesco, consegue capturar com ameaças de exposição. É através do contacto com Dussander que Todd revela a sua verdadeira face. Aparentemente calmo, afável e bondoso, Todd está irremediávelmente atraído pelo mal. A base da sua relação com Dussander é quase vampiresca - Todd espreme-o de todos os pormenores relativos à violência nos campos de concentração, às mortes, aos extermínios, às experiências médicas macabras, a todo o horror da solução final nazi. O interesse de Todd é profundamente mórbido - aos seus olhos, o horror nazi é algo de excitante. Através da influência de Dussander, Todd caminha a passos largos para o precipício fundo da maldade da alma humana.
Aluno Dotado é um conto atípico - King situa a acção na Califórnia, mas isso talvez venha a aumentar os contrastes - entre uma terra alegre e solarenga e a negritude do mal que se esconde na alma de Todd. Aluno Dotado aborda uma noção do terror e do mórbido que esteve sempre presente na alma humana. Se duvidam que no fundo somos uns monstros sanguinários, olhem para a cultura que consumimos, para as histórias sangrentas de crime e de castigo, para o consumo desenfreado de violência. Ou lembrem-se daqueles tempos em que uma execução pública, uma decapitação, um enforcamento ou um auto-da-fé eram espectáculos encenados para gaúdio do povo.