sábado, 17 de dezembro de 2005

O Corpo

Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
III

O terceiro conto de Estações Diferentes, O Corpo, é uma clássica história de ritos de passagem sob um cenário macabro. Numa cidadezinha do Maine rural, numa época em que as vilórias tinham identidade própria e não eram ainda meros subúrbios de grandes cidades, quatro rapazes põem-se a caminho pelo caminho de ferro fora, numa viagem... iniciática. Os quatro amigos são os típicos rapazes: brincalhões, irresponsáveis, sempre prontos a fingirem que são mais crescidos do que o que são. No fundo, crianças. E fazem-se à estrada por curiosidade: o irmão mais velho de um dos rapazes, pequeno delinquente juvenil, encontrara o corpo de uma criança a alguns quilómetros da vila, morto ao pé da linha de comboio. Os nossos quatro rapazes pensam que seria uma aventura divertida irem ver o cadáver.

O conto é contado sob dois pontos de vista. Num, o narrador tem dez anos. É um miudo que faz para do grupo, que se distingue pela sua capacidade de contar histórias. No outro ponto de vista, o narrador é o mesmo, mas agora mais velho, e reflecte em como as suas histórias, as que lhe fazem ganhar a vida como escritor, tiveram a sua génese naquelas aventuras vividas na distante infância. A viagem em busca do cadáver transforma-os; aliás, cataliza o que há dentro da alma das crianças. É o ponto de passagem entre a infância e a idade adulta.

Dito isto, O Corpo (sub-intitulado A Perda da Inocência) não é o conto mais interessante do livro. Para contos fantásticos às voltas com a magia da infância, devemos ler Ray Bradbury (autor de As Crónicas Marcianas e Farenheit 451). O Corpo é a prosa de Stephen King a tentar imitar, ou a fazer uma vénia, à de Bradbury. Mas o que Bradbury contaria em poucas páginas, King conta em quase tantas páginas como as de um romance. Isso significa que a história se arrasta, tornando O Corpo numa leitura bastante penosas.