Estações Diferentes, de Stephen King, Temas & Debates, 2001
IV
Stephen King encerra os quatro contos de Estações Diferentes com uma homenagem à literatura clássica de terror. Em A Técnica da Respiração, King homenageia aquele estilo clássico de conto sobrenatural que envolve uma história de fantasmas contada à lareira para gaúdio (ou susto) de uma audiência, enquanto lá fora neva ou cai uma trovoada. King cria um clube muito especial, ao qual só têm acesso membros convidados. O clube fica num edificio comum, e não há nada que o identifique ou que o diferencie dos outros prédios banais. À entrada no clube somos recebidos por um mordomo que se mantém o mesmo desde há décadas, talvez séculos. A biblioteca está recheada de livros de autores desconhecidos publicados por editoras inexistentes. No final do conto, é sugerido que o clube, o ponto de encontro das estórias à lareira, fique situado numa encruzilhada entre mundos paralelos, e sirva de ponto de encontro entre universos. Mas esta não é uma linha de enredo em que Stephen King insista muito.
Todo o primeiro capítulo do conto é dedicado ao estabelecimento deste cenário vitoriano numa Nova Yorque contemporânea. Um clube, frequentado apenas por homens já de uma certa maturidade, onde todos os natais se conta uma história. As histórias são a moeda corrente do clube, mas as mais importantes são sempre reservadas para a consoada, e os membros do clube deixam de passar o natal com as suas famílias para não perderem a história. No segundo capítulo, King conta-nos uma dessas histórias, um acontecimento sobrenatural que envolve uma mulher grávida nos anos 20, um médico modernista que acredita nas modernas técnicas de pediatria - específicamente no método de respiração lamaze, uma decapitação e um parto... sobrenatural. Mais não conto. Vão ler o livro, que não perdem nada.
O paralelo é óbvio. Os mais clássicos contos do sobrenatural envolvem sempre acontecimentos sobrenaturais contados aos membros de um clube exclusivo, uma história narrada no conforto de um charuto após o jantar, uma recordação de uma história contada após os acontecimentos. A Técnica da Respiração traz à memória contos similares (no ambiente e não nos detalhes) de Poe, Machen, Bierce e H. G. Wells, bem como a toda a literatura para-fantástica de Arthur Conan Doyle. Termina assim de forma apropriada um livro atípico de Stephen King, escritor que se intitula autor de "big macs" literários, que homenageia através dos seus contos de um estilo pouco habitual na obra do autor as influências de outros escritores do género.