quinta-feira, 31 de agosto de 2006

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Leituras

BBC | Atlantis is locked down for storm A tempestade tropical Ernesto, prestes a afectar uma zona da américa severamente traumatizada pelo furacão Katrina há um ano atrás, obrigou a adiar o lançamento do vai-vém Atlantis. Mesmo com a nave a ser salvaguardada nos gigantescos hangares do KSC, espera-se que durante a próxima semana

Correio da Manhã | Crise também afecta as marcas de grande prestígio A crise chega aos luxos - a representante portuguesa da Ferrari lamenta-se por estar a vender menos supercarros neste ano

Correio da Manhã | Raptaram "Robin Hood" Por bizarro que pareça, a BBC está a ser chantageada para reaver as únicas cassetes existentes de uma série recentemente produzida - que foram roubadas dos estúdios.

Guardian | Disaster capitalism: how to make money out of misery Naomi Klein analisa neste artigo a corrente voga de sub-contratar serviços públicos a empresas privadas. Os primeiros resultados não são encorajantes - o despejar de dinheiros públicos em empresas privadas para prevenção e actuação em desastres naturais ou como substitutas de forças de segurança militares tem-se revelado na construção de luxuosas sedes empresariais - e uma notória e continua falta de preparação para resolução dos problemas que apregoar conseguir resolver melhor do que os serviços públicos.

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

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Como uma crisálida; ovo gerador.

Vislumbres

Tradicionalmente, a barbearia sempre funcionou como o clássico ponto de encontro masculino, onde os homens se reuniam para discutir os assuntos do dia e dar dois dedos de conversa sob a égide das tesouras do barbeiro. Mais do que um espaço onde se presta um serviço, a barbearia era um ponto de encontro, onde as novidades tinham a primazia sobre o aparo do cabelo ou o corte da barba. No nosso mundo hipertecnologizado de hoje, os velhos espaços foram substuídos por espaços mais funcionais, agradavelmente decorados e onde se prestam todo o tipo de serviços destinados a refinar os sentidos. Mas o atendimento é despersonalizado, feito por profissionais frios, que meramente prestam um serviço. O ponto de encontro desvaneceu-se, e hoje um homem vai ao cabeleireiro para ficar com um penteado mais de acordo com os ditames da moda, e talvez mesmo para entrar nesses territórios até muito recentemente apanágios femininos da limpeza de pele e arranjo das unhas.

Tempos modernos. O que antigamente era sinal de uma educada efeminação, ou da mais terra a terra mariquice, agora é sinal de conhecimento do corpo. De estar em sintonia com os tempos e com os ideais de beleza. No fim de contas, temos de parecer bem, já que não temos tempo para revelar aquilo que realmente somos.

Cá por mim o corte clássico basta-me. Ainda resisto, ainda frequento as tradicionais barbearias. Sei perfeitamente que não encontrarei requintes capilares nem tratamentos elegantes. A tradicional barbearia resume-se à tesoura, ao pente e à lâmina da navalha de barbear. O cabelo fica sempre curtinho e a pele a arder depois da passagem do algodão com alcool para suavizar o raspar da navalha. Não saio do barbeiro com um visual de capa de revista, mas saio de lá com uma coisa muito mais importante.

Aqui na Ericeira vou sempre à Barbearia Neves. É uma casinha de recanto, ali na travessa da Misericórdia, nos caminhos de quem vai para o Algodio. Não há que enganar: nas paredes brancas delineadas pelo típico azul ericeirense estão desenhadas as ferramentas do ofício. Depois, é entrar e esperar, porque o Sr. Pedro, que herdou uma casa com décadas de tradição, só aceita por ordem de chegada. A espera é sempre longa, mas vale a pena.

Nesta terra descaracterizada pelo turismo e pela rapacidade imobiliária, são poucos os locais onde forasteiros como eu podem observar e tentar compreender a vida ericeirense. A verdadeira vida, não os ritmos burgueses de trabalho-café-apartamento que tanto caracterizam o meio por onde me movo. Ir à barbearia é para mim uma experiência para ser apreciada de olhos e ouvidos bem abertos. Enquanto espero a minha vez, fico a conhecer as personagens das histórias da vila. Fico a saber os mexericos, fico a saber como vão os resultados do futebol - não dos grandes clubes, mas sim daqueles que realmente interessam, os clubes daqui do concelho. Fico atento aos dramas e às alegrias, e gostaria de ter alma de escritor para saber relatar as histórias e as sensações.

O Sr. Pedro, jovem barbeiro que é também desportista que mostra orgulhosamente os seus troféus, está sempre disponível para dois dedos de conversa enquanto trabalha. Quem passa e é de cá não hesita em entrar, nem que seja para se mostrar deixando no ar um sonoro bom dia. À volta de um sui generis barbeiro-desportista tatuado e amante de heavy metal congrega gente nova e velha, velhos pescadores, reformados que passeiam os seus dias, amigos sempre prontos para patuscadas. Pela barbearia passa toda a vida tradicional da vila, que se vai mantento, resistindo aos desafios da modernidade.

O que é que preferem? Um visual à moda, para exibir em público, ou um olhar sobre uma janela que nos permite vislumbrar vidas simples mas fascinantes, compreender a textura viva da vida nesta terra da qual tanto gostamos?

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Férias

"Está-se a acabar", é o pensamento que consome o cérebro nestes últimos dias. Bem, enfim, não há mal que sempre dure e as férias não são excepção. Aproximam-se dias de rotina e responsabilidades; mas não será por isso que deixarei de apreciar a paz e a tranquilidade das ondas que, revoltas, varrem os areais. Sobre o horizonte o sol repousa, as cores crepusculares vão dando lugar ao negro da noite.

O Cruzeiro dos Esquecidos

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Wikipedia | Enki Bilal

O desaparecimento do mercado da Meribérica/Liber, editora especializada em banda desenhada, trouxe consigo coisas boas e coisas más. O mau está no o desaparecimento da editora cujo nome simboliza banda desenhada em portugal, da editora que introduziu aos portugueses Moebius e Bilal e durante anos editou a única revista de banda desenhada em português destinada ao grande público - a Selecção BD. O panorama bedéfilo português perdeu uma das suas referências. O bom está nas livrarias e outros locais que vendem livros ao lado de produtos higiénicos e comida congelada que se querem livrar dos livros da Meribérica que lhes enchem as prateleiras e os colocam à venda a preços cada vez mais simbólicos. Encontrei há poucos dias num hipermercado aqui da zona pilhas literais de livros de banda desenhada, perfeito para adquirir obras já classicas como Corto Maltese ou Tenente Blueberry, introduzindo os mais incautos nestes personagens, ou permitindo continuar colecções. Ou, no caso de contas bancárias em estado permanente de saúde periclitante (como a minha), perfeito para suspirar.

Enki Bilal é um dos grandes mestres da Banda Desenhada europeia. De origem Sérvia, Bilal tem desenvolvido o seu trabalho em França, paraíso editorial da BD europeia. O seu estilo gráfico muito pessoal e as suas visões surreais legaram obras como a Trilogia Nikopol, iniciada com a fabulosa obra A Feira dos Imortais, ou a tetralogia Hatzfeld, da qual já estão publicados em português os dois primeiros tomos, O Sono do Monstro e 32 de Dezembro. O trabalho de Bilal também passa pelo cinema, nomeadamente com o recente Imortel, filme em CGI que peca apenas por uma certa imobilidade das figuras animadas.

O Cruzeiro dos Esquecidos, publicado em 1975, marca o início da colaboração de Bilal com o argumentista Pierre Christin, uma colaboração que gerou a obra maior que é A Caçada. O Cruzeiro dos Esquecidos é uma história surreal sobre uma aldeia que, vítima de forças para além da sua compreensão, se descobre arrancada da terra, voando em direcção ao mar. Os esquecidos são os aldeãos, que sempre viveram esquecidos pelos poderes maiores, e que vêem os seus modos de vida ameaçados por uma industrialização selvagem e pela rapacidade dos empreendedores turísticos - enfim, pelo que se convencionou chamar de "desenvolvimento". O mistério do voo da aldeia deve-se à interferência de um misterioso personagem, envolvido desde longa data com feitiçarias e movimentos esquerdistas radicais, que manipula uma experiência militar com forças anti-gravitacionais.

Trinta anos após a sua publicação, esta obra vale mais pelo seu referêncial histórico na BD, como precursora do trabalho que Bilal viria a desenvolver. Neste livro, os elementos gráficos que caracterizam o estilo de Bilal já estão presentes, de forma embrionária, permitindo em retrospectiva antever a beleza das suas obras futuras. A temática da obra, com uma forte componente de luta contra um progresso que destroi o modus vivendi natural, simbolizado pelas manigâncias de militares empedernidos cuja sede de poder ultrapassa os limites da natureza, também já perdeu alguma actualidade. Apesar de tudo, o tom jocoso da história, que representa o poder político como totalmente ineficaz e o poder militar como tão monstruoso que os militares envolvidos nas experiências que deixam a aledia a voar se vão metamorfoseando progressivamente em monstros, não está totalmente desadequado aos nossos tempos contemporâneos. É de assinalar o surrealismo da história e das imagens, que apesar de datada, ainda nos faz pensar na estultícia dos poderes que tentam modificar o nosso mundo em nome de um desenvolvimento assente no mero lucro.

Esta vai direitinha para os meus poeirentos, amarelecidos e amados arquivos.

(Como aparte, devo dizer que esta história, no seu elemento fulcral de aldeia a vogar ao sabor do vento, não deixa de me fazer lembrar qualquer coisa, às voltas com jangadas de pedra e autores premiados com prémios Nobel. Mas não liguem. Foi um mero fiapo de pensamento.)

Leituras

BBC | Thera eruption was bigger still Os mais recentes estudos na ilha grega de Santorini revelam que a massiva explosão vulcânica que devastou a ilha há 3600 anos foi ainda mais violenta do que se pensava. É sempre bom recordar que este acontecimento da idade do bronze é apontado como uma das causas para o desaparecimento da misteriosa civilização minóica, que floresceu na ilha de Creta, e que forma possivelmente a semente do meme que se cristalizou no mito de um continente habitado por uma civilização avançada que se afundou num massivo cataclismo - sim, esse mesmo, o sempre fascinante mito da Atlântida.

Correio da Manhã | Ucranianos deixam Portugal O sinal da crise económica: pela primeira vez nos anos mais recentes em que este país de emigrantes se tornou destino de imigração, as maiores comunidades de imigrantes registam descidas nos seus números. Isto reflecte o clima económico português, a trair as expectativas de quem para cá vem em busca de trabalho. Um pormenor curioso: uma das maiores comunidades estrangeiras a residir em portugal, maior mesmo do que algumas comunidades dos Palop's, é a dos súbditos de sua majestade. A comunidade inglesa regista mais de dezoito mil habitantes em portugal, a maioria dos quais reformados a viver sob o sol algarvio.

Guardian | Unhappiness is inevitable A infelicidade é uma coisa má, certo? Talvez não - se estamos infelizes, é porque o mundo que nos rodeia não nos está a fornecer as condições essenciais à nossa felicidade. Defende este artigo que a infelicidade se combate não por psicoterapias de adaptação do indivíduo à sociedade e de comprimidos da felicidade, mas sim por tentativas de criar um mundo mais justo. Este é um mundo cão, e com isso lucram os vendedores de calmantes e ansiolíticos.

(Claro que se fala aqui da infelicidade generalizada, da tristeza e depressão que todos sentimos, normalmente, não dos casos clínicos comprovados. Ninguém em sã mente sugeriria mudar o mundo para que o mundo se adapte à ideia que o esquzofrénico faz do que é a felicidade.)

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Segredos e Mistérios

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Wikipedia | Cain and Abel
Wikipedia | House of Mistery
The House of Mistery

Por entre os muitos e bizarros personagens que habitam o panteão dos comics podemos encontrar algumas figuras mitológicas. A Marvel, uma das grandes editoras do género, explora com grande éxito a figura de Thor, deus nórdico reencarnado como super-herói a toques de bengala que se transforma em martelo. O clássico herói Hércules também faz parte do catálogo da Marvel, bem como aparecimentos esporádicos de deuses maiores. A DC, especialmente nos títulos da sua colecção Vertigo, tem feito grande uso de aparições de divindades mitológicas que vivem e se misturam entre as aventuras dos hérois. O Sandman de Neil Gaiman é um dos mais perfeitos exemplos desta utilização.

Estranhamente, Caim e Abel também se transformaram em personagens de comics. As personagens bíblicas do primeiro assassino e do primeiro assassinado tiveram uma longa carreira como anfitriões dos títulos clássicos House of Mistery e House of Secrets. Estes títulos são uns de entre muitos comics clássicos que reuniam histórias curtas de horror ou de outros temas sob a égide de um anfitrião. Este não é um narrador, mas sim um apresentador omnisciente que nos introduz aos horrores que se desenrolarão nas vinhetas seguintes, e que remata a conclusão das histórias com uma lição de moral, ou mais frequentemente com observações de humor negro. Mesmo muito negro - e aqui entrava bem a expressão inglesa gallows humour, humor de forca numa tradução literal, mas com nuances muito mais macabras do que o nosso ténue humor negro. A maior de todas estas personagens anfitriãs é o lendário Cryptkeeper, simpático e caloroso anfitrião do ainda mais célebre comic Tales From The Crypt.

Caim e Abel não são os personagens principais dos seus comics. Antes, as personagens são as casas que dão nome aos comics - a House of Mistery e a House of Secrets, em cujos quartos tenebrosos se escondem mistérios tenebrosos e segredos indizíveis, desvendados apenas pelo nosso apetite pelo macabro, incentivado pelas palavras melífulas dos anfitriãos. As casas, edifícos góticos decrépitos, estão separadas entre si por um cemitério permanentemente coberto por névoas. Caim, o mais misterioso e enigmático do par, apresanta os Mistérios, enquando o mais afável Abel conta segredos. Nos intervalos entre mistérios e segredos podemos sempre perceber como é a vida destes dois personagens - Caim é alto e misterioso e repete regularmente o assassínio do gago e gorducho Abel, enquanto o martiriza com alusões à sua namorada invisível. Isto na sua primeira "encarnação" ao serviço dos comics. Nesta fase, são as próprias casas o elemento mais importante dos comics, e os personagens uma forma de transição humorada entre os contos curtos.

Sendo os comics um género popular, estão sujeitos às tradicionais vagas e ondas da moda. Os comics originais House of Mistery e House of Secrets, publicados desde os anos 50, viram o seu fim em 1983, riscados dos catálogos devido ao reduzido número de vendas. Os últimos números das revistas tinham como capa os anfitriões à porta, de malas feitas.


O renascer destes dois personagens surgiu pelas mãos de Alan Moore, na sua genial reformulação do personagem Monstro do Pântano. Inclinando as aventuras da personagem mais para os campos místicos e espirituais, Moore revive Caim e Abel para nos lançar mais pistas sobre a verdadeira origem do monstro, e vai fazendo aparecer os personagens pontualmente ao longo dos arcos de histórias do Monstro do Pântano. No fim de contas, dois anfitriões conhecedores de segredos e mistérios com uma complicada relação entre eles são perfeitos para contextualizar acontecimentos e histórias. Em Sandman, Neil Gaiman expande a actuação destes personagens, colocando as casas originais nos domínios de Morpheus, senhor dos sonhos e personagem principal de Sandman e aprofundando mais os aparecimentos de Caim e Abel. Gaiman foi fiel às origens gráficas dos personagens, mas deu-lhes novas dimensões, dotando Caim de uma voz descrita como sendo igual à de Vincent Price (acentuando o lado canastrão de Caim) e mostrando um Abel profundamente devotado ao seu irmão, apesar de ser continuamente assassinado por este. Os eternos assassínios são configurados como uma obsessão/compulsão de Caim, condenado a reviver eternamente o seu impulso. A namorada invisível de Abel desaparece, e é substituída por Goldie, uma gárgula bébé de quem Abel cuida carinhosamente. Estes personagens passaram a habitar as fronteiras do domínio dos sonhos, revelando os seus mistérios e segredos aos incautos sonhadores que deambulam nos seus sonos e em seguida acordam, convencidos de que possuem a chave de grandes segredos ou o conhecimento de grandes mistérios que o acordar fez desvanecer da mente, ficando apenas a sensação de algo que se sabe mas que não se consegue recordar.

domingo, 27 de agosto de 2006

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As linhas rectas são verdadeiramente desinteressantes.

Leituras

BBC | Atlantis set for weekend launch Constrção civil num nível cósmico: se tudo correr bem, parte esta tarde do Kennedy Space Center uma missão do vai-vém Atlantis. Destino e missão: a estação espacial internacional, cujo calendário de construção está paralisado desde o desastre do Columbia. Num toque triste, é de aproveitar estas missões do vai-vém - são o seu canto de cisne, os últimos voos antes da entrada em serviço do CEV-Orion, que todos esperam que insufle um novo fôlego na exploração espacial. O fim do vai-vém será o fim de uma era, em que o sonho de ir às estrelas não caminhou, mas não deixou de gatinhar um pouco.

Correio da Manhã | Comboios para a Bósnia Sem grande alarido, a empresa de manutenção dos Caminhos de Ferro portugueses está a terminar um contrato de construção de vagões de comboios para a Bósnia-Herzegovina. Para o futuro pensa-se numa expansão, com a possibilidade de venda de comboios de concepção 100% portuguesa. Enquanto isso, a Bombardier vai liquidando o que resta da Sorefame, a empresa portuguesa que construía comboios. Fica no ar a pergunta: precisamos mesmo dos investimentos estrangeiros?

Guardian | Digital Maoism Ainda as repercussões das meditações de Jaron Lanier sobre a Wikipedia e os perigos das mentes grupais. Desta vez, consubstânciadas na génese do medíocre filme Snakes on a Plane, que só existe devido aos esforços colectivos dos internautas.

Guardian | Saviour of Iraq's antiquities flees to Syria O sucesso da aventura iraquiana no Iraque está a conduzir o país a uma verdadeira guerra civil entre facções religiosas. Os artefactos históricos são uma das vítimas de facções governamentais shiitas, ligadas ao clero muçulmano, mais interessadas na recente história religiosa do que na rica história dos povos que habitaram o Iraque nos séculos que antecederam maomé. Antecipando o interesse pela preservação de artefactos arqueológicos pela parte de fiéis crentes admiradores daqueles que no afeganistão destruíram os Budas de Bamiyan a tiros de canhão, o director do museu arqueológico iraquiano escondeu-se na Síria, temendo pela sua vida. Os fundamentalismos cristãos que dominaram a europa não foram flor que se cheirasse; e esta recente internacionalização do funamentalismo islâmico demosntra-nos que o barbarismo está vivo e de boa saúde. O problema, creio, reside na inextirpável doença que é a religião, um mal mental que a humanidade parece ser incapaz de erradicar.

sábado, 26 de agosto de 2006

Malvadez!

Que maldade! Um domingo sem ver o glorioso? Um domingo sem o cheiro a suor e os grunhidos sobre a vida sexual do àrbitro misturados com considerações edificantes sobre as excrescências presentes na cabeça dos jogadores? Um dia sem cachecois do clube de eleição a acenar, sem minis e sandes de torresmo degustadas enquanto se berra pelo clube? Mas que é isto? Quem é que pensam que são os juízes para gerarem tal tragédia nacional? Toda a gente sabe que o futebol deve estar acima de tudo - acima de qualquer outro desporto, acima de qualquer outra actividade, acima da lei e da legalidade.

Inferno

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Photoshop phun a puxar excessivamente para o vermelho.

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

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Vermelhos sobre verde e ocre; sob oceano transparente.

Leituras

BBC | NASA names new spacecraft "Orion" O CEV, acrónimo utilitário de crew exploration vehicle, já tem um nome mais inspirador. As naves que se espera que revitalizem a exploração espacial após décadas de meros voos orbitais do space shuttle terão o nome de Orion - o caçador nas estrelas (se não me falha a mitologia). Os lançadores que colocarão em órbita quer o CEV-Orion quer os módulos de carga também já têm nome - são os Ares I e Ares V, respectivamente. Sendo Ares o nome grego para o romano Marte, será isto indicador de uma mais séria esperança no velho sonho de explorar Marte? Esta é uma notícia que nos faz olhar um pouco mais além, para a lua e para as Plêiades, nestes dias em que o número de planetas se tornou mais curto.

Correio da Manhã | Diários on-line conquistam portugueses Não há nada como ler artigos sobre a crescente popularidade dos blogs, mesmo sendo artigos sobre a blogoesfera portuguesa que assentam em dados sobre o crescimento exponencial dos blogs do lado de lá do atlântico - mas também, jornalismo cuidado nunca foi apanágio do Correio da Manhã, jornal mais à vontade em crimes de faca e alguidar do que em análises bem fundamentadas. Por outro lado, é o único jornal português que mantém uma página acessível para pda's.

Guardian | Wal-Mart may just be too american to succeed globally E ainda bem. A Wal-Mart, mega-corporação norte americana cujos cinco dententores figura entre a lista dos dez mais ricos americanos (o tipo de riqueza que faz Creso parecer um mísero pobretanas), é bem conhecida pelas suas prácticas empresariais danosas. Na Wal-Mart, pequenos detalhes como segurança social, pagamento de horas extraordinárias e protecção aos funcionários são regularmente esquecidos. Por outro lado, o sindicalismo é activamente desencorajado, chegando ao ponto de fechar lojas onde os empregados começam a mostrar essa veleidade. O impacto na economia global é conhecido - a Wal-Mart beneficia largamente do sistema de manufactura a baixo custo em países de mão de obra barata. O impacto social de um super-centro Wal-Mart na economia das comunidades locais é simplesmente atómico - literalmente, aniquila o pequeno comércio local. O impacto ecológico de um modelo retalhista assente na importação a longas distâncias de bens de baixo custo manufacturados em países sem leis de protecção ambiental e vendido ao público em gigantescas lojas acessíveis apenas por automóvel é também bem conhecido. Para além disto, a Wal-Mart é mais do que um fenómeno americano - epítome da globalização, a empresa opera cadeias de supermercados de baixo custo em mais de quinze países. Mas as rachas começam a aparecer nas fundações da empresa, graças a uma improvável aliança entre preços altos de combustíveis, uma consciência social mais apurada que se revolta contra a exploração laboral e o desperezo pelos direitos laborais, uma consciência ecológica atenta às caras consequências dos produtos baratos, e às movimentações de comunidades que não querem ver as suas texturas sociais aniquiladas por mais uma super-loja. Em países que levam os direitos laborais mais a sério do que nos paraísos ultra-liberais, a empresa está a retirar-se.

Flurb Rudy Rucker, matemático das altas esferas fractais e autor da mais surreal ficção científica, lançou um webzine dedicado à mais recente FC. O primeiro número já está online, com contribuições de Marc Laidlaw, Terry Bisson, Richard Kadrey, John Shirley e Paul di Filippo. No adjectivo de Rucker, gnarly!

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Monstro do Pântano

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Wikipedia | Swamp Thing
Roots of the Swamp Thing
Sequential Arts | Swamp Thing
Wikipedia | Alan Moore

Originalmente criado por Berni Wrightson e Len Wein para a DC Comics, o Monstro do Pântano era uma personagem destinada ao esquecimento. Na sua origem, o Monstro do Pântano era Alec Holland, um cientistas que ao estudar um novo método de fertilização de plantas é assassinado por uma bomba que o projecta para o pântano. A vegetação contaminada pela fórmula de Alec ressuscita-o sob a forma de uma criatura verde e disforme, o Monstro do Pântano, que procura restaurar a sua humanidade. Inicialmente, esta personagem surge numa pequena história de banda desenhada, mas o seu sucesso levou a DC a criar um comic próprio, dentro da temática de horror/fantasia que se associa à personagem - um monstro, entristecido e quase humano, incapaz de comunicar com os que o rodeiam. Mas a primeira iteração do personagem não foi muito brilhante, logo relegado para histórias sensacionalistas de terror que depressa levaram o personagem ao esquecimento.

Quando Wes Craven, o realizador que chegou à fama com Pesadelo em Elm Street, o clássico slasher dos anos 80, realizou um bastante mediocre filme sobre o personagem, o interesse renasceu, levando a DC a ressuscitar o comic. Após algumas edições desinteressantes, Alan Moore é desafiado pela DC para escrever os argumentos do título. E aqui é que as coisas começam a ficar interessantes.

Alan Moore alterou profundamente a personagem. Livrou-se das temáticas clássicas e simplistas dos comics de horror e transformou a personagem numa figura mítica, uma personificação das forças da natureza. Ao fazê-lo, revolucionou também o mundo dos comics, dando-lhes um carácter literário que fez com que efectivamente o género crescesse, tornando-se menos simplista e mais adulto. Foi o trabalho de Alan Moore com o Monstro do Pântano que permitiu o surgimento de comics de grande qualidade, como The Sandman ou Jonh Constantine, cujas qualidades literárias levaram ao surgimento da graphic novel como o comic no seu mais alto nível. A revolução de Alan Moore fez-se ao nível da mitografia da personagem, mais imaginativa, nos temas abordados, que ultrapassavam o simplismo associado aos comics, e através da sua prosa e estilística literária, que introduziu textos complexos com fios condutores bem delineados numa estrutura circula num género que nunca foi conhecido pela excelência literária. Para mais, Moore abriu caminho a toda uma geração de argumentistas que souberam aproveitar bem a oportunidade criada. Sem o trabalho percursor de Moore, o apaixonante trabalho de Neil Gaiman em Books of Magic e The Sandman não seria possível, até porque Books of Magic é um trabalho derivativo de centelhas criativas deixadas por Moore na sua mitografia do Monstro do Pântano.

Alan Moore foi às raízes do personagem e alterou-o profundamente. Pegou no conto clássico do trauma que cataliza a transformação de homem em super-herói - como o assassinato dos pais de Bruce Wayne, futuro Batman, ou a aniquilação do planeta de origem do Superhomem - e deu-lhe uma nova dimensão. Ao cair nos pântanos da Louisiana, Alec Holland não ressurge como o Monstro do Pântano. Antes, é a força da natureza que se personifica num Monstro do Pântano convencido que é Alec Holland, até que intervenções exteriores de Jason Woodrue (um vilão menor do panteão da DC conhecido como homem florónico e de John Constantine o levam a descobrir a sua verdadeira identidade, tão para além da humanidade.

O toque Louisiana é puro Alan Moore. O Monstro do Pântano não tinha local definido pelos seus criadores. Ao localizar a criatura nos bayous do Mississipi, Alan Moore permitiu que as ricas tradições cajuns viessem influenciar a mitificação da personagem, bem como permitir a John Totleben e Steve Bissete, os desenhadores encarregados de visualizar as palavras de Moore verdadeiros voos delirantes nas páginas dos comics. Se Moore recriou a personagem, cabe a estes desenhadores o mérito de a terem visualizado. Merecem estar a par com Alan Moore nos louros de mérito da recriação do Monstro do Pântano, pois eram parte plenamente integrande de uma equipe criativa dinamizada por Moore. A imagem que imortalizou este personagem partiu das palavras, mas consubstanciou-se nas imagens criadas pelos desenhadores.

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Na mitologia recriada do personagem, Alec Holland descobre-se como Monstro do Pântano através de um doloroso processo de nascimento mental - atrevo-me a dizer uma maiêutica. Alan Moore começa por, na saga Raízes, revelar que o Monstro do Pântano não era humano, antes era um vegetal que se julgava humano, completo com orgãos que não funcionavam. Introduz aqui o conceito de Verde, uma consciência natural global que permeia o mundo vegetal, e redefine a sua relação com Abigail Cable, a mulher de Matt Cable, personagem que nas histórias originais persegue o Monstro do Pântano do pântano, convencido de que o monstro assassinou Alec Holland e a sua mulher, Linda Holland. Alan Moore faz germinar as sementes de um amor pouco convencional, entre uma mulher e um vegetal, que no fundo é uma relação profundamente espiritual baseada numa séria reflexão sobre a alma humana, que transcende as aparências.

Após este início, o Monstro do Pântano combate um velho inimigo, Anton Arcane, avô de Abigail, que domina o espírito de Matt Cable e envia a alma de Abigail para o inferno após uma relação incestuosa. Esta é salva pelo Monstro do Pântano com ajuda de outros personagens do panteão da DC ligados ao horror - Deadman, Phantom Stranger, Spectre e Etrigan. Aqui Moore começa a elaborar um dos seus mais fascinantes pormenores da mitologia do Monstro do Pântano - o reviver de velhos personagens esquecidos dos arquivos da editora.

O momento do nascimento do Monstro do Pântano como criatura mítica é desenvolvido ao longo da saga American Gothic. Moore introduz aqui o personagem John Constantine, que manipula o Monstro do Pântano para o ajudar nos seus combates contra as forças do oculto revelando-lhe pistas sobre a sua verdadeira natureza. Esta é a saga que realmente define a personagem, e uma das melhores obras dos comics dos anos 80. A luta de Constantine contra o oculto permite a Alan Moore revisitar, de uma forma inesperada, as bases da ficção de terror. Sob a égide de Constantine, o Monstro do Pântano combate contra vampiros, lobisomens e zombies, mas... os vampiros são criaturas que abandonaram a superfície, vivendo nas trevas submersas das àguas paradas dos pântanos; o lobisomen é uma personificação dos mitos da mulher e da lua; os zombies reencarnam tensões raciais e os clássicos fantasmas revivem patéticamente os seus crimes numa fantástica reflexão sobre a américa e a sua relação com as armas.

Nesta saga, Alan Moore criou o subterfúgio, na altura revolucionário, de mostrar novas dimensões de um personagem através de histórias em que este não é protagonista. Vai assim desvendando as verdadeiras dimensões do personagem, que nos é revelado como um elemental - uma personificação do espírito do verde, que surge em épocas de crise para defender o verde de ameaças exteriores. Somos assim introduzidos à mitologia dos elementais, com o Grande Url pré-histórico, o Jack-in-the-Green inglês do século XVII, Lady Jane, Alex Olsen, The Heap, e personagens semelhantes ao longo da história. Estas personagens partilhavam, num mito cíclico, as bases da sua génese, sempre relacionada com uma morte violenta pelo fogo num pântano. No fundo, são personificações de um meme que se mantém inalterado no seu âmago, sobrevivendo adaptando-se às mitologias de cada época. Estes elementais são criados pelo Parlamento das Árvores, a personificação máxima da consciência verde, para onde se retiram os anteriores Monstros do Pântano. Os seus conhecimentos e as suas memórias passam a ser parte integrante da consciência verde.

O fim da saga é magistral. Alan Moore faz o seu personagem entrar num dos grandes arcos de histórias que são a especialidade da DC, interconectando personagens e títulos numa estratégia comercial. O Monstro do Pântano é inserido no arco Crise nas Infinitas Terras, uma guerra super-heróica pelo domínio do universo que termina na aniquilação de todas as terras infinitas menos uma, a nossa (o tipo de ideia-base que torna os comics num género respeitado, científicamente correcto e inteligente). Alan Moore ignora as premissas infantis do arco e insere o Monstro do Pântano no contexto de uma luta final entre o bem e o mal. As suas aventuras sob manipulação de John Constantine serviram como um treino, uma preparação que permite ao Monstro do Pântano conhecer as suas capacidades. Como recompensa, Constantine leva-o ao local secreto onde se enraíza o parlamento das àrvores, a nascente do rio Tefé, na mata profunda da Amazónia, mas o Monstro do Pântano é rejeitado pelo parlamento. No final da saga, Constantine e um grupo de personagens ressuscitadas dos arquivos da DC confrontam as trevas finais, enquanto o Monstro do Pântano desce aos infernos, ajudado pelos personagens que o tinham auxiliado a recuperar a alma de Abigail, para tentar travar o surgir do mal. Os heróis são impotentes para travar o mal. A sua luta é inglória e ineficaz. Mas, quando o Monstro do Pântano decide enfrenter o mal, fá-lo de uma forma inesperada. Em vez de o combater directamente, deixa que o mal absorva as suas memórias. Tenta assim responder à questão levantada pelo mal, o filosófico quem sou eu, e revela-nos o mal e o bem como duas faces da mesma medalha, uma relação simbiótica em que cada um propicia a existência do outro. Graças a esta intervenção, o confronto final não é uma luta ciclópica entre bem e mal, mas sim uma união entre dois aspectos da mesma ideia.

Aqui se revela a grande mestria de Moore: trazer aos acessíveis comics conceitos filosóficos e literários profundos, tornando-os acessíveis ao grand público.

Após esta saga seminal, o Monstro do Pântano combate os preconceitos sociais personificados na sua relação com Abigail Cable, é enviado para o espaço, gerando vida noutro planeta e vivendo aventuras dignas de space operas. As personagens criadas ou revividas por Alan Moore, John Constantine, Zatanna, Caim e Abel, Sargon, Dr. Fate, Mr. E, Deadman, Phantom Stranger e Spectre encontram novas encarnações em Books of Magic, John Constantine: Hellblazer e The Sandman, que expandem grandemente as mitografias geradas por Alan Moore.

A interpretação de Alan Moore do Monstro do Pântano tornou-se um ponto de viragem nos comics. Não só pela forma revolucionária como re-inventou o personagem. Através do Monstro do Pântano, Alan Moore levou ao grande público reflexões filosóficas, boa literatura, vislumbres fascinantes do oculto e uma profunda consciência ecológica, anos antes das consciências ecológicas estarem na moda. Este é o aspecto que mais pervade o Monstro do Pântano, uma força da natureza que vive em simbiose com todas as criaturas, com o planeta e com o universo.

Leituras

Guardian | Don't blame spellcheckers Os computadores e a internet são o pior pesadelo que atingiu a humanidade. Graças à net, tudo está em decadência. A pedofilia espalha-se como praga, os crimes informáticos afectam o saldo bancário do mais comuns indivíduos e a literacia desaparece. Estarão as coisas assim tão mal, ou é só um reflexo dos nossos alarmismos, que toma um pormenor pelo todo? Se abundam histórias sobre os malefícios da net, estas não passam de raras ocorrências, que se destacam precisamente pela sua raridade. No entanto, adoramos olhar para o que é irrelevante e transformá-lo num todo ameaçador. Faz parte do espírito humano, que não evolui tão depressa como a tecnologia.

BBC | Ozone hole stable, say scientists Finalmente, uma boa notícia: as medidas para impedir a libertação de CFCs na atmosfera parecem estar a dar frutos. Pela primeira vez, as observações científicas não registaram um crescimento no buraco do ozono, e prevê-se cautelosamente que o buraco talvez se regenere dentro de sessenta anos. Boas notícias, que mostram que ainda é possível salvar o nosso planeta, se houver vontade e união.

Time | The vendor benders A humilde máquina de venda automática está a transformar-se, graças ao poder da internet. Em teste estão novas máquinas capazes de vender produtos tão essenciais como toques de telemóvel ou imagens junto com latas de bebidas, e a vodafone introduziu no reino unido máquinas de venda automática de telemóveis. Os economistas começam a salivar - tudo o que for possível vender através de máquinas automáticas permite cortar nos custos de pessoal e aumentar lucros.

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

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Ontem o sol repousou assim, numa explosão laranja que perfurava o nevoeiro. Hoje o dia acordou cinzento, e o sol escusa-se a revelar as suas cores. Mas ontem o crepúsculo aconteceu com as cores de uma explosão nuclear contra o céu cinzento metálico.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Estrela do mar

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Os meus passeios pelas minhas queridas praias da Ericeira naquele momento indescritível de maré baixa revelam por vezes visões raras. Desta vez, forçado a trocar a praia habitual pela praia da Baleia, vulgo do Hotel ou do Sul, acabei recompensado pela visão desta Estrela do Mar - visão rara, aqui tão perto da areia. A troca de praia deveu-se às manigâncias da minha rapariga, que talvez um pouco farta dos mesmos recantos, me obrigou a estender a toalha num dos areais mais concorridos da vila. Mulheres... enfim, as reticências dizem tudo sobre o carácter feminino.

A vida agarra-se tenazmente a cada recanto, a cada buraco entre os rochedos. Mesmo nesta zona agreste, que o mar descobre periodicamente deixando as criaturas do ecossistema expostas às agruras do sol e do vento, a vida revela-se numa diversidade espantosa. Cada recanto, cada buraco revela florestas de algas, colónias de pequenos mexilhões, lapas e outras criaturas mais à vontade no fundo dos oceanos do que à sua superfície. Perscrutar os pequenos recantos intertidais é ter um vislumbre de paisagens microscópicas de um exotismo mesmerizante; é ver um mundo alienígena, aqui tão perto de nós. Mas não nos deixemos enganar. Estes ecossistemas são frágeis, dependentes da cupidez dos homens que não se coíbem de lá ir pescar polvos e pequenos peixes enquanto os destroem, mercê da poluição marinha, da pressão urbanística e de um desordenamento do território que encoraja a erosão acelarada.

Creio que a brancura nas estrelas do mar não é bom prenúncio. No seu meio são vivazes e coloridas. Quando estão brancas, é sinal de que estão mortas - isto se não me falha a biologia. Serve assim esta imagem para ilustrar a frieza do mundo natural, na esperança de que a visão de estrelas brancas não se multiplique. No fim de contas, o branco é uma das cores do luto.

Sou a estrela do mar
só a ele obedeço, só ele me conhece
só ele sabe quem sou no princípio e no fim
só a ele sou fiel e é ele quem me protege
quando alguém quer à força
ser dono de mim


Às ideias, sempre em turbilhão, chegam os acordes da canção Estrela do Mar, na voz de Jorge Palma

Imaginem, por favor, o leve turbilhão do piano, a sugerir tão magistralmente os turbilhões do mar.

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Magnanimidade

O ministério, magnânimo, anunciou o alargamento do prazo de aceitação da colocação. Depois de anunciar colocações que ainda deixaram muitos de fora, informou que os docentes colocados dispunham de quarenta e oito horas para declararem a aceitação do lugar - como se alguma vez os docentes se lembrassem de não aceitar a colocação. Enfim, é um pró-forma, mas um pró-forma com consequências, caso não seja cumprido. O pequeno pormenor de os docentes estarem de férias escapou-se-lhes. O prazo original obrigava os professores colocados a interromperem as suas férias para aceitarem o lugar. Imaginem docentes a passar férias no estrangeiro, ou docentes em férias no norte a ter de ir ao algarve aceitar um lugar...

Quando se quer fazer bem as coisas, fazem-se bem à primeira. Este alargamento do prazo foi uma forma do ministério prepotente demonstrar que manda nos professores. É nos pequenos detalhes que se nota o carácter dos dirigentes, e este pormenor revela uma mensagem do ministério: por muitas greves que façamos, por muito que barafustemos, eles têm a faca e o queijo nas mãos. Basta dar o sinal, e eis-nos a correr, desbaratados.

A menos que tenha sido uma simples distracção. Embora seja um pouco difícil acreditar que os funcionários do ministério não se tenham recordado daquele pequeno pormenor que em meados de agosto alguns professores possam estar de férias. É que eu gostaria de acreditar que apesar de todos os defeitos e atropelos, que o ministério estava equipado com pessoal competente...

E quanto às férias dos professores, que muitos consideram desmedidas, eu nem discuto. Temos vinte e poucos dias de férias, tal como outros trabalhadores. Se as escolas não nos chamam para prestar serviço nos tempos mortos entre o final do ano lectivo e o início do novo ano, é porque não há condições organizativas para isso. Cá por mim, preferiria preparar bem o próximo ano lectivo antes de ir de férias, em vez de chegar a setembro e preparar tudo a correr nos poucos dias que antecedem o início do ano. Mas sem se saber com que professores se podem contar para o ano lectivo seguinte, mercê de um sistema de concursos que só parece dar frutos a meio das férias, torna-se um bocadinho difícil fazer bem o trabalho.

Cnidárias

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Cnidária em todo o seu submarino esplendor. Tirada com ajuda de uma excelente iluminação solar, no sítio do costume - as rochas da praia do Forte. Nunca cesso de me surpreender com a eterna variedade natural que vive num local tão pequeno, e tão frágil.

Visões de sensualidade

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S a l o m é

Insónia roxa. A luz a virgular-se em medo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua...
Ela dança, ela range. A carne, álcool de nua,
Alastra-se p'ra mim num espasmo de segredo...

Tudo é capricho ao seu redor, em sombras fátua..
O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou...
Tenho trio... Alabastro!... A minha Alma parou...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas...

Ela chama-me em íris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecoa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me:

Mordoura-se a chorar - há sexos no seu pranto...
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na boca imperial que humanizou um Santo...


Poema de Mário de Sá Carneiro

domingo, 20 de agosto de 2006

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Abstracção alienígena em tons de azul.

Adeus a um século conturbado

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Lilian Lee, Adeus, Minha Concubina, Edições ASA, 2002
ASA | Adeus, Minha Concubina
IMDB | Ba Wang Bie Ji

A história de amor é o tema mais batido em todos os campos artísticos. Romances de amor é coisa que não falta nos escaparates das livrarias ou nas prateleiras das bibliotecas - aliás, a palavra romance por si só já é sinónimo de amor. A música popular banaliza o amor, as telenovelas, cuja visão faz certamente diminuir o quociente de inteligência dos espectadores, vivem e alimentam-se das intrigas à volta de amores e desamores. O amor inspira a pintura, inspira opera, inspira orgias consumistas. Essencialmente, o amor vende, porque atrai as atenções. Qualquer coisa que tenha a ver com amor tem lugar garantido no saturado espaço de ideias que constatemente competem pela nossa atenção.

Por si só, obras sobre o amor não me despertam a atenção, culpa da eterna banalização do tema. Mas a história de amor que está no cerne do livro Adeus, Minha Concubina está envolvida num contexto maior, na história da China do século XX. As vidas e vicissitudes dos personagens acompanham as vicissitudes da vida num país que mergulhou no caos durante a maior parte do século XX. Amantes das desventuras amorosas encontrarão neste livro alimento para os seus gostos; mas o grande valor deste livro está em tudo o que rodeia o cerne amoroso.

Nas primeiras décadas do século XX, uma prostituta procura uma vida melhor para Xiao Douzi, o seu filho, deixando-o numa escola muito especial. Nessa dura escola Xiao Douzi aprende a ser um grande actor da Ópera de Pequim. O caminho é àrduo, mas Xiao Douzi será ajudado por Xiao Shitou, um rapaz mais velho que o protege. Juntos, são treinados para os papeis de maior prestígio da Ópera de Pequim. Douzi fora treinado no papel de dan, heroína dos dramas de ópera, e Shitou assumia o papel de héroi. A Ópera de Pequim é uma instituição muito peculiar. O nosso conceito de ópera envolve grandes produções baseadas no trabalho de compositores e libretistas. Os actores são escolhidos com base nas suas vozes, e têm bastante liberdade na interpretação dos seus papeis. O conceito chinês é muito diferente. Os dramas de ópera chinesa baseiam-se em histórias centenárias, que os actores memorizam e repetem sem alterarem a forma de representação. Os actores são especializados em papéis próprios - o héroi, a heroína, o vilão, os ajudantes. A ópera tradicional chinesa é um espectáculo que se mantém inalterado há séculos, um espectáculo exuberante de fatos exóticos, maquilhagem estereotipada, dança e artes marciais. E, tal como no teatro tradicional japonês, todos os papeis são representados por actores - mesmo os femininos. Douzi e Shitou são frequentemente um casal em palco. Actores de génio, as suas melhores representações são as da ópera trágica Adeus, Minha Concubina, em que Douzi é Yu Ji, a bela concubina de um general derrotado representado por Shitou. Entre os dois existe cumplicidade e amor, que no caso de Douzi é mais do que amor fraternal. O casamento de Shitou com uma ex-prostituta enfurece Douzi, que se isola cada vez mais no mundo decadente da ópera chinesa. Mas as tragédias do amor não são suficientes - as tragédias da hitória chinesa são o que vai mergulhar os personagens no caos, e os vão levar aos limites do sofrimento, sem que no entanto se desvaneça a forte ligação entre os dois actores.

A China do século XX está recheada de locuras e atrocidades. Após a queda dos imperadores chineses e a implantação da república em 1911, a China mergulhou num turbilhão de guerra que faz os recentes conflitos na ex-Jugoeslávia parecerem brincadeiras de crianças. Durante décadas, a China foi varrida pelos exércitos dos senhores da guerra, numa guerra civil sem fim que só atenuou com a ditadura nacionalista de Chang Kai Chek. Empobrecido, fracturado e devastado, o país ainda sofreu a violenta invasão japonesa e a guerra civil entre nacionalistas e comunistas. A invasão japonesa foi simplesmente atroz. As forças ocupantes japonesas deixaram atrás de si um rasto de atrocidades a uma escala incomparável, mesmo dentro do contexto de uma guerra mundial que legou ao mundo o pesadelo de Auschwitz. Na escala da maldade que o homem é capaz de infligir ao próximo, Auschwitz empalidece perante Nanking. É comparar o incomparável, eu sei, mas Nanking foi um momento mesmo muito negro na história mundial, apesar de pouco discutido. Finda a ocupação japonesa, a China foi varrida pelo exército vermelho, que empurrou os nacionalistas para Taiwan. Durante estes anos, a população sofreum debaixo de vários regimes sangrentos, empobrecida por um estado de guerra permanente. Cada novo regime trazia as suas purgas, os seus massacres, os seus tirantes sedentos de sangue e poder. E o regime trazido nas pontas das baionetas do exército vermelho trouxe consigo o regime Maoista, que legou ao mundo a infame revolução cultural, uma década de caos que arruinou a China com as suas abjectas perseguições políticas a todos os elementos considerados reaccionários pelos padrões mutáveis dos Guardas da Revolução. A China moderna, potência económica e militar em ascensão, assenta sobre os cadáveres dos milhões de chineses que pereceram nos fogos que varreram o imperio do meio durante o mais conturbado século da sua história.

Em Adeus, Minha Concubina assistimos ao caos dentro do mundo isolado da Ópera de Pequim. Os actores entretêem, e encontram sempre público, mesmo nas épocas mais difíceis. Em sociedades em permanente destruição a ideia de amanhã desaparece; é fácil mergulhar na decadência boémia. É esse o mundo de Adeus, Minha Concubina, um mundo de vícios, de fumos de ópio e de ilusões fáceis, que se desagrega perante o horror da imposição ideológica maoista. Adeus, Minha Concubina é a linha da frente do sangrento choque entre as tradições e as revoluções. É apropriadamente trágico, e termina de forma pouco feliz numa China que tenta reencontrar as suas tradições por entre os arranha-céus do desenvolvimento económico.

Adeus, Minha Concubina tem também um lugar especial devido à sua adaptação cinematográfica. Quando, há anos atrás, as luzes se apagaram e subiu o pano que ocultava o ecrã do Nimas Adeus, Minha Concubina foi a minha introdução ao cinema chinês. Fiquei para sempre maravilhado pelo espectáculo exuberante do file de Chen Kaige.

(A reedição deste Adeus, Minha Concubina e de outros livros deve-se a uma iniciativa de puro marketing por parte de uma marca de yogurtes, que conseguiu colocar livros no sítio mais incongruente - nas prateleiras dos refrigrados dos supermercados portugueses. Bibliófilo profundamente viciado em caracteres impressos como sou, não consegui resistir ao canto da sereia. Cá por casa anda tudo surpreendido com a minha recente paixão por yogurtes.)

sábado, 19 de agosto de 2006

Leituras

BBC | Shuttle ready for august launch O sucesso da última missão do vai-vém espacial está a fazer regressar o ritmo de lançamentos à normalidade. A 27 de agosto está previsto mais um lançamento, para continuar as missões de construção da ISS, paralisada desde 2003. São boas notícias para a exploração espacial, semi-paralisada desde o desastre do Columbia.

Correio da Manhã | E se eles regressassem? Cientistas japoneses estão a tentar o impossível - clonar mamutes através da implantação de sémen retirado de mamutes congelados da tundra siberiana em elefantes fêmeas. A técnica assemelha-se às tentativas neozelandesas de clonar thylacines, um tigre extinto nos primeiros anos do século XX, embora o projecto neozelandês envolva a implantação de adn preservado dos thylacines em céluas de grandes felinos. Agora que o parque jurássico ameaça tornar-se realidade, qual será o próximo passo para os cientistas? Um Gojirazinho para arrasar Toquio?

Guardian | Six weeks of suffering As férias de verão são o terror dos pais. Os muito ricos não têm preocupações, pois podem sempre despachar os filhos para campos de férias. Para os outros, são seis semanas de horror, a aturar os seus queridos pirralhos. Depois de ler este artigo, pensei que o desejável seria despachar a criançada de vez para as escolas a tempo inteiro. Mas não levo muito a mal estas opiniões. Nesta sociedade hipercompetitiva a funcionar no ritmo 24/7, os pais têm cada vez menos tempo para as crianças, e creio ser dever estatal o propiciar de condições para que as pessoas possam trabalhar, estando descansadas que os seus filhos estão bem entregues ao cuidado de profissionais bem preparados. É a realidade dos tempos modernos, que já não se coaduna com as férias escolares, relíquia de tempos mais agrários onde as crianças eram necessárias como mão de obra para as tarefas agrícolas do verão.

Dune

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IMDB | Dune
Dune
Dune: Behind the Scenes


Como campo literário, a Ficção Científica é vibrante, cheia de novas ideias. Não é muito difícil encontrar boas obras de ficção científica, inovadoras e inteligentes, desde as mais clássicas ao que de mais recente se publica. É por isso para mim um mistério observar como a FC se transpõe tão mal para outro campo de expressão artística - o cinema, cuja peculiar simbiose entre imagem e texto poderia gerar obras memoráveis. Estranhamente, isso não acontece. Bons filmes de ficção científica contam-se, talvez, pelos dedos das mãos. Para o cinema, a FC é um adereço para decorar as eternas histórias de amor ou aventura projectadas nas trevas das salas de cinema. Culpa disso pertence em parte aos filmes da série Star Wars, que para o grande público são sinónimo de ficção científica. A partir da bitola dos sabres de laser e dos imperadores galácticos malévolos torna-se difícil apontar que a FC é um pouco mais do que isso. Alías, é bastante mais do que isso... filmes como 2001, Alphaville, o velhinho Metropolis ou o estranho Donnie Darko estão muito mais por dentro dos cânones da Fc do que a omnipresente guerra das estrelas ou os inúmeros filmes de pancadaria/paixão/aventura/simples desperdícios de celulóide que andam às voltas com naves espaciais, robots, cyborgs e tanta outra da parafrenália decorativa que se associa à FC.

Não é que não goste da Guerra das Estrelas. São belíssimos filmes de aventuras exóticas, revivalistas e fascinantes. Mas há mais para além deles. Poderia haver mais. Mas isso é um mal comum ao cinema, género artístico em que alguns se podem dar ao luxo de ser mestres, e os outros têm de se sujeitar às implacáveis leis do mercado. Filmes como a trilogia Rouge - Blanc - Bleu de Kieslowski são muito mais interessantes e profundos do que qualquer grande sucesso delicodoce made in hollywood, isto só dando um exemplo, mas vejam lá o que é que é promovido e o que é que bate recordes de bilheteira. Enfim, as artes sempre sofreram com as venalidades, e a guerra entre o bom gosto e o gosto comum, legítima ou não, já dura desde que o homem faz arte. E muito tempo há de durar, e felizmente que assim é; faz parte da inquietude do espírito humano. A imposição de gostos traz sempre maus resultados.

Serve esta longa introdução para falar um pouco daquele que é um dos mais estranhos filmes de ficção científica de sempre, e que na minha nem sempre muito humilde opinião pertence ao panteão dos bons filmes de ficção científica, merecendo bem o seu lugar ao lado do 2001 e dos outros suspeitos do costume.

As incongruências deste filme começam logo pelo realizador. David Lynch, realizador de obsessivos filmes de culto, não é exactamente o realizador que se espera encontrar numa space opera épica. Depois, a obra em que se baseia o filme é um gigantesco diorama que dificilmente se presta a uma condensação de duas horas e meia de filme. Apesar disto, Dune é um dos mais interessantes filmes de ficção científica de todos os tempos.

O toque obsessivo de Lynch vê-se nos pequenos detalhes que dão a textura ao filme. Os sons industriais, hipnotizantes, que Lynch já usara com excelentes efeitos em Eraserhead e O Homem Elefante conjugam-se com as estranhas visões tão típicas das obsessões de Lynch. Sendo o filme uma space opera pura, Lynch leva os seus actores a excessos verdadeiramente operáticos. O actor que representa o papel de Barão Harkkonen ultrapassa todos os limites do exagero, e surpreendentemente, a coisa resulta. Kyle McLachlan, actor-fetiche de David Lynch, resume a sua actuação no papel principal de Paul Atreides a um passeio com ar trágico e imponente. Supreendentemente, resulta, transmitindo ao personagem o ar messiânico que o caracteriza. Outra actuação memorável é a de Sting, que ganha certamente um lugar na galeria das piores actuações na história do cinema com a sua representação de Feyd.

Sem querer ou sem poder adaptar fielmente a obra homónima de Frank Herbert, David Lynch acentuou os aspectos mais místicos de Dune. No seu original, Dune é uma obra de intrigas políticas intercaladas com explosões de violência à escala planetaria. Mas na intepretação cinematográfica, os aspectos políticos limitam-se à manipulação imperial do conflito entre as duas casas, rápidamente arrumada até à conclusão do filme. O aspecto que é valorizado é o aspecto messiânico. Os Fremen, originalmente o povo livre das dunas, são no filme os zelotas que velam e se sacrificam pelas lendas de um messias que virá para os conduzir à vitória. E é aqui que reside o grande valor deste filme. A mitologia do filme não é a mitologia clássica anglo-saxónica dos hérois que cumprem o seu destino. O filme debruça-se no seu oposto, na mitologia dos sagrados mistérios femininos, que nos é tão familiar como mediterrânicos embrenhados na longa história dos mistérios de ísis, nos ritos de elêusis ou na lenda da virgem maria. O messianismo de Paul Atreides é propiciado e manipulado pelos sagrados mistérios dos conhecimentos ocultos da irmandade das Bene Gesserit, feiticeiras sagradas, vestais eternamente vestidas de negro que transmitem os seus saberes de vida em vida.

Neste cenário de mitos e mistério, os elementos clássicos da space opera são menosprezados. As épicas batalhas resumem-se a curtas vinhetas que recordam a pintura histórica do século XIX. Em vez de violentas cenas de acção, temos detalhes que parecem saídos de algum quadro marcial de Gericault ou David. Os momentos verdadeiramente decisivos são muito intimistas, ancorando-se mais nas reflexões dos personagens do que nas suas acções. Esta pouca importância dada à acção contribuiu para o descrédito a que o filme foi votado por um público sedento de variações sobre as guerras nas estrelas. Para ajudar ao descrédito, os cenários são apropriadamente decadentes, mostrando um mundo com mais elementos em comum com os orientalismos do século XVIII do que com as visões ultra-futuristas tão favorecidas pela ficção científica.

Filme desprezado na época em que estreou,Dune transformou-se num clássico do cinema de ficção científica. Se a adaptação tivesse sido mais fiel à obra literária, talvez o filme tivesse sido esquecido, ou então ganho uma legião de fãs como a que se reúne à volta do Star Trek. Mas a visão única de David Lynch, com as suas obsessivas alucinações audio-visuais e o seu olhar sobre mistérios míticos deu ao filme uma dimensão intemporal.

Listas de colocação

Já começam a estar disponíveis no site as listas de colocação para o próximo (ou próximos) ano lectivo. Boa sorte.

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Vaidade

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Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...


Florbela Espanca

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

A Voz do Fogo

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Saída de Emergência | A Voz do Fogo
Spike | The voice of the fire
The Voice of the Fire
SF Site | The Voice of the Fire
Wikipédia | Alan Moore

Alan Moore dispensa apresentações. A sua imaginação extra-dimensional e o seu largo talento para conjurar palavras inquietantes tornaram-no no mais admirado dos argumentistas de banda desenhada vindos daquela ilha onde o nevoeiro impera. Os comics escritos por Alan Moore trazem consigo a marca do génio, e quem já leu Watchmen, V for Vendetta, A Liga dos Cavalheiros Extraordinários ou From Hell certamente que já sentiu o poder das palavras de Moore e o seu ideário muito pessoal. Ou, num registo mais acessível, a reformulação do personagem Monstro do Pântano, que revolucionou o mundo dos comics com histórias ao mesmo tempo tétricas, poéticas e ecológicas que fascinavam pelo modo elaborado como abordavam o mais básico tema de banda desenhada, o comic de super-heróis - e, de caminho, criou o lucrativo personagem John Constantine, inglês cínico que se dedica ao ocultismo modelado num Sting sempre de gabardine, tendo sido adaptado ao cinema de uma forma banal por um actor que em nada se assemelhava à personagem. Mas esta é outra história, sintomática dos atritos do génio criativo inabalável de Moore com os compromissos exigidos por uma indústria de entretenimento dominada não por homens de letras mas sim por homens de marketing, que tudo reduzem a estudos de mercado.

Neil Gaiman, conhecido autor de literatura fantástica e criador de alguns dos mais inovadores comics publicados nos anos 90 lista Alan Moore como o seu guru, a sua influência decisiva, e não está só. O génio imaginativo de Moore fascina todos os que tomam contacto com a sua obra.

Autor de comics, Alan Moore supreendeu com a publicação deste A Voz do Fogo, o seu primeiro romance. Neste livro, Alan Moore deu asas ao seu lado mais esotérico, criando uma obra inquietante e muito densa, que necessita de mais do que uma leitura para ser bem compreendida. A Voz do Fogo desenrola-se em episódios que se passam no mesmo local, Northampton, terra natal e lar do autor, ao longo de cerca de quatro mil anos. Li, algures, que a história não é linear - que o que nos parece uma linha recta em direcção ao futuro é na verdade o braço de uma espiral, que se afasta do seu centro num longo movimento circular, perceptível apenas pela repetição de certos padrões que consistentemente vão reaparecendo ao longo do tempo histórico. A Voz do Fogo parece ter sido criada a pensar nesta ideia. Os acontecimentos de há quatro mil anos atrás, uma história de sacrifício sangrento que se consuma pelo fogo, vão cíclicamente afectar o carácter e os acontecimentos da história da vila. O fogo está sempre presente, transmutado entre fogo sacrificial, fogueira de veneração a divindades, fogueira onde ardem bruxas hereges ou fogueira folgazã onde arde a efígie de Guy Fawkes, que actualiza o velho ritual, sempre presente embora oculto debaixo dos ideiais dos vários tempos. A magia, não a magia divertida dos truques de cartas e dos coelhos a saltarem da cartola, mas sim a magia visceral do homem que tenta dominar as forças mais obscuras e selvagens da natureza está sempre presente, ao longo do livro. Está presente no seu lado selvagem primordial, no lado iniciático templário, ou no lado oculto cabalístico. A magia permite-nos conhecer o incógnito, se estivermos dispostos a trilhar os seus caminhos ínvios; em parte, o livro parece-me uma viagem iniciática, que oferece vislumbres de ideários complexos.

A Voz do Fogo é uma obra apaixonante, embora não de fácil leitura, onde crianças pré-históricas se cruzam com camponeses da idade de bronze, funcionários do império romano, templários guardadores de segredos divinos, bruxas cujo único crime foi o de venerarem a natureza e não deuses de pau pendurados nas cruzes, conspiradores contra a coroa, poetas dementes, juízes lúbricos, um bígamo convencido de que o seu charme o salvará da forca, e um autor que, no último capítulo do livro, procura o sentido para a obra que escreve. É a voz de Alan Moore que confessa que a obra “é sobre a mensagem vital que os lábios ressequidos de homens decapitados ainda murmuram; é o testamento de espectrais cães pretos escrito em mijadelas nos nossos pesadelos. É sobre ressuscitar os mortos para que nos contem os seus segredos. É uma ponte, um local de passagem, um ponto gasto no tecido entre o nosso mundo e o mundo inferior, entre a argamassa e a mitologia, facto e ficção, uma fina ligadura deteriorada. É sobre a poderosa glossolalia das feiticeiras e a sua revisão mágica dos textos que vivemos. Nada disto pode ser explicado por palavras.” Decididamente, não estamos perante uma leitura leve para matar o tempo; nem tal se esperava de um escritor do gabarito de Alan Moore.

Um ponto importante na tradução portuguesa de A Voz do Fogo são as notas do tradutor David Soares, que ajudam a clarificar um pouco a obra, apontando os níveis mais profundos dos ideários, mitologias e ideias ocultas que pervadem o livro. Como já disse, A Voz do Fogo não se presta a deixar desvendar o seu sentido após uma única leitura. Suspeito que precisarei de algumas sólidas leituras, ao longo do tempo, para conseguir começar a compreender o livro. Por isso, não consigo deixar aqui nenhuma conclusão, apenas ideias soltas que me foram surgindo ao longo da leitura da obra. O que é um ponto positivo - obras literárias que não se esgotam com uma simples leitura é coisa que rareia nestes dias de cultura mediática exacerbada.

Leituras

TIME | Snubbing smokers at work A Comissão Europeia declinou recentemente intervir no caso de um trabalhador despedido pelo seu patrão apenas por ser fumador, alegando que só evita a descriminação com base no sexo, na religião e na etnia. Como resultado, os casos de discriminação laboral devido ao tabagismo têm aumentado. O problema é que as empresas não estão a despedir trabalhadores por fumarem no local de trabalho, mas sim por serem fumadores na sua vida privada. A porta está aberta - sempre na mira de forças de trabalho fieis e produtivas, o patronato encontra aqui a forma perfeita de condicionar a vida dos trabalhadores. No fundo, não interessa o sexo, a religião ou a etnia do trabalhador - o que interessa é o seu estilo de vida. Se o estilo de vida não agradar aos empregadores, despede-se o trabalhador, ou não se contrata. Pode parecer lógico, em prol da saúde pública, não contratar fumadores, mas não é difícil imaginar outros estilos de vida que possam entrar em conflito com o que se espera de um trabalhador. Mulheres com filhos, adeptos de desportos, enfim, qualquer pessoa que não limitar a sua vida ao trabalho cego pode-se tornar vítima desta forma de discriminação baseada nos estilos de vida. As fronteiras entre a vida pública e a vida privada estão em franca erosão.

BBC | Planets plan boosts tally to 12 Hoje, em Praga, a assembleia geral da Associação Astronómica Internacional vai votar de uma vez por todas na definição de planeta. A ideia mais aceite é a que de nove, o sistema solar passará a ter doze planetas - os telúricos (mercúrio, vénus, terra e marte) e os jovianos (júpiter, saturno, urano e neptuno) - oito planetas clássicos, os plutões (plutão, caronte e ub313), e o asteróide ceres, que passa a integrar a categoria de planeta.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Fio do Horizonte

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Isto hoje não está muito propício a mergulhos, e parece que ainda vai piorar com dias de fazer inveja ao avô inverno. No entanto, há que admitir que o sol a despontar por entre o cinzento das nuvens é uma visão de tirar o fôlego.

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Abstracção marinha propiciada pelas águas cristalinas embaladas pelo vento.

Leituras

BBC | More disaster for warmer world A curto prazo, as implicações da subida global das temperaturas devido ao aquecimento global traduzir-se-á num aumento das catástrofes naturais como épocas de incêndio destrutivas, vagas de calor intenso, furacões e tempestades violentas e inundações de proporções cada vez mais épicas. Será a nossa realidade futura, com a qual teremos que viver.

BBC | Overweight tops world's hungry Uma singela notícia que caracteriza bem o nosso apetite pelas desigualdades. Pela primeira vez na história, o número de obesos na população mundial ultrapassou o número de homens e mulheres que passam fome. Bela socieade a nossa, em que tantos engordam desmedidamente enquanto outros ainda passam fome. Este é o tipo de notícias que nos faz suspirar por um mundo mais justo.

Guardian | "People Power" is a global brand owned by America As "revoluções" constitucionais que tiveram lugar na Georgia, na Ucrânia e no Líbano na sequência de processos eleitorais fraudulentos foram publicitadas com grande fanfarra nos media internacionais. Ao oposto também se deu atenção - caso da Bielorússia, cujo recente processo eleitoral foi denunciado como uma fraude para legitimizar uma oligarquia corrupta. Se, no entanto, mudarmos de continente, é possível efectuar eleições perfeitamente fraudulentas sem que os legítimos protestos populares atraiam a atenção das legiões de jornalistas e de comentadores armados em paladinos da ordem democrática. É o caso do México, onde as suspeitas de fraude nas recentes eleições presidênciais não estão a ser divulgadas, e onde os protestos populares são menorizados como meras inconveniências que prejudicam o trânsito. Qual a grande diferença entre o México e os países das revoluções coloridas? O México está bem dentro da esfera de influência do seu grande vizinho a norte, mais interessado num governo com o qual possa continuar o seu business as usual em detrimento dos ideais que apregoa para justificar ocupações militares e guerras ao terror.

The Times | Faking faith to fool death squads O Iraque, apesar de todas as notícias em contrário, está de facto mergulhado numa guerra civil. As poderosas milícias Shiitas assassinam a torto e a direito qualquer iraquiano que professe outra religião que não a sua. A resposta sunita não se fez esperar. Em vez de confrontar, imita. A comunidade sunita exorta os seus cidadãos a memorizarem os nomes dos profetas shiitas, a terem nos seus telemóveis toques com cantos shiitas e até a falsificarem os documentos de identificação. Porque, às mãos de um esquadrão da morte, a diferença entre a morte e a vida pode estar no simples recitar de um cântico da forma correcta.

WFMU | Volcano Music (mp3) Há dias deixei aqui o link para uma notícia que relatava como uma nova técnica de detecção de terremotos produzia música a partir do ritmo sismológico dos vulcões. A técnica que permite ouvir a música dos vulcões chama-se sonificação e permite transformar dados em som - podendo ser aplicada a todo o tipo de dados. Quanto à "música" dos vulcões, soa bela e alienígena, como uma sinfonia de Xenakis ou uma experimentação ao piano de John Cage.

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Lesmas

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Eis um habitante da zona intertidal que já há muito não via: uma lesma do mar, resplandecente no seu preto azulado delineado por uma estreita linha vermelha.

A Morte de Inês

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João Aguiar, Inês de Portugal, Edições ASA, 2006

ASA | Inês de Portugal
Wikipédia | Inês de Castro

A história dos trágicos amores de Pedro e Inês é um dos mais tétricos episódios da história de Portugal. Quando D. Pedro, filho de D. Afonso IV e futuro rei de Portugal se toma de amores por Inês de Castro, dama fidalga de uma nobre família galega, planta as sementes de uma tragédia que perdurou na nossa mitologia nacional. A paixão de D. Pedro punha em perigo a natural sucessão do reinado, envolvia o futuro rei de Portugal nas intrigas sucessórias castelhanas, e era uma afronta aos costumes de um país temente a deus - D. Pedro consumou abertamente os seus amores com Dona Inês, apesar de ser casado com D. Constança Manuel, com a qual teve o legítimo herdeiro da coroa portuguesas. Não que fosse assim tão mal visto um rei dar as suas escapadinhas fora do casamento legítimo. De bastardos está a história cheia... mas as aparências deviam ser mantidas a todo o custo - o tipo de filosofia que fez equivaler os conventos às alcovas na época barroca. Os amores de D. Pedro tornaram-no culpado de um crime: o de sobrepôr as razões do seu coração às razões de estado. O rei D. Afonso IV tomou o passo mais lógico - eliminou aquela que considerava a inimiga do sei reinado, condenando Inês à morte por decapitação. Tresloucado, D. Pedro revolta-se abertamente contra o seu pai, gerando uma guerra fracticida que eventualmente foi sarada. E aqui seria o fim da história, não fosse o carácter vingativo do infante.

Chegado ao poder, D Pedro I preocupa-se em fazer vingar a morte de Inês. Não podendo fazer cair a vingança sobre o seu pai, que ordenara a execução, fez cair a sua sanha sobre os três nobres que haviam executado as ordens reais: Diogo Lopes, que logrou escapar-se para o reino de França, e Pero Coelho e Álvaro Gonçalves, entregues pelo rei de Castela ao rei português. O castigo que D. Pedro lhes deu foi exemplar, obrigando o carrasco a arrancar-lhes o coração dos peitos. Mas, mais uma vez, a história não termina aqui. Após a sua vingança, D. Pedro traslada o corpo de Inês de Castro da sua sepultura em Coimbra para o túmulo real no mosteiro de Alcobaça. É este sim o final da história, com a lúgubre procissão nocturna que levou o corpo de Coimbra a Alcobaça, iluminada pelas torchas seguras pelos nobres da corte, e com a tétrica cerimónia em que se diz que D. Pedro obrigou a sua corte a prestar homenagem à sua rainha, cadáver entronizado a que os nobres tiveram de beijar a mão.

Ao longo dos séculos a história de Pedro e Inês, com os seus tons de amor e morte, tragédia e vingança, tem encantado a imaginação dos escritores, e sido contada de formas mais ou menos românticas. Luís de Camões faz-lhe alusão n'Os Lusíadas, estabelecendo aí o mito da pobre donzela que, de mão dada aos seus aterrorizados filhos, implora misericórdia ao implacável rei que a quer ver morta. Este Inês de Portugal, da autoria de João Aguiar, conceituado romancista já com uma vasta obra onde se incluem Os Comedores de Pérolas e os livros juvenis da série Bando dos Quatro, reconta o conto tantas vezes contado. A prosa de João Aguiar, incisiva e concisa, dá-nos uma outra luz sobre este episódio histórico tantas vezes mitificado. De foram ficaram os excessos românticos da lenda macabra. Inês de Portugal debruça-se antes sobre as razões de estado que levam os homens a ensurdecerem perante as vozes do seu coração e sobre a crueldade natural de uma época em que o sangue e a guerra nunca andaram muito longe.

O livro centra-se nos últimos dias da vida dos dois conspiradores justiçados pelo rei, passando-se nos paços de Santarém, que agora são as belas Portas do Sol, o local mais belo da capital ribatejana e no castelo de Alcanede (um castelo que me traz boas memórias de noites de conversa bem regada sob a luz da lua). Em recordações, revemos os momentos chave dos amores trágicos, em paralelo com as discussões sobre justiça e vingança. Atendendo ao tom trágico do episódio, o livro está estruturado num De Profundis, oração fúnebre que se completa no exaltante final, em que a morta é erguida à posição que pelo direito do amor lhe pertencia.

Inês de Portugal é um livro viciante, cuja leitura, mesmo para os mais profundos conhecedores dos factos históricos, certamente que não deixará de ser empolgante. E, sem romantismos piegas, faz-nos reflectir sobre o coração dos homens, enquanto nos recorda a rica história do nosso país.

Leituras

BBC | Experts meet to decide Pluto fate O destino de Plutão está nas mãos dos astrónomos, que se reúnem esta semana em Praga para, finalmente, decidirem de uma vez por todas o que é que define um planeta. Independentemente dos resultados, o que sairá deste congresso obrigará a uma reavaliação das enciclopédias e livros sobre astronomia. Se Plutão continuar a ser considerado planeta, então outros corpos celestes do sistema solar, até agora considerados planetóides ou asteróides, terão por mérito de ser considerados planetas. Se o contrário acontecer, encerra-se o debate gerado desde a descoberta de Lowell em 1930.

Guardian | Plenty more like Pluto Estamos habituados a pensar no sistema solar como um aglomerado de nove planetas e mais uns rochedos, mas isso não reflecte a realidade, é apenas uma questão de classificação. Algumas das luas de Júpiter são maiores do que Plutão, o controverso nono planeta.

Futurismic | Exit Without Saving A biotecnologia tem destas coisas. Ruth Nestvold imagina um futuro em que o corpo possa ser mais um objecto que se troca, uma vestimenta temporária para a mente.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

domingo, 13 de agosto de 2006

Visões

Flickr | Ericeira Actualizei o album do Flickr sobre a Ericeira, para consolar aqueles que estão impedidos pelas melhores razões possíveis de mergulhar o corpo nas águas frescas do atlântico.

Deviant Art Reactivei o meu perfil no Deviant Art. Vai servir de repositório de imagens, recentes e antigas, saídas das profundezas convulutas do meu cérebro e registas em vários suportes.

Irmãos Grimm

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IMDB | The Brothers Grimm
The Brothers Grimm
Wikipedia | Irmãos Grimm



No nosso tempo já não restam mistérios. Já não existem lugares escuros nos mapas com a desginação aqui há tigres. Cada recanto da terra é conhecido, estudado, virado do avesso. Cada recanto da terra tem a sua coordenada de gps perfeitamente medível e reconhecível. Dos mais altos píncaros do céu os satélites tudo observam, medem, fotografam. A sede de conhecimento humana leva-nos às profundezas do oceano, aos cumes das mais altas montanhas, aos recantos mais obscuros das mais tenebrosas cavernas. Tudo é conhecido e estudado, e os próprios mistérios do universo estão sob assalto da nossa ciência perscrutante. Sem mistérios, sem recantos obscuros, paisagens assombrosas e visões arrepiantes, o nosso tempo já não é um tempo de histórias e superstições que tentam fazer compreender o temido e o desconhecido. No nosso tempo, o mistério está em vias de extinção.

Enquanto escrevo estas linhas vejo a noite caída sobre a vila, perfurara por míriades luzes. A galáxia de lâmpadas de filamento ilumina a escuridão, dissipando os medos e os sonhos mais tenebrosos. É difícil crer que até muito recentemente tudo era diferente. O cair da noite trazia os medos à tona; os recantos do mundo poderia ser habitados por perigosas criaturas, prontas para devorar os incautos viandantes. Nesta nossa era de luz e tecnologia, é-nos difícil imaginar o que sentiria nos tempos em que o cair da noite trazia consigo as trevas profundas, em que as florestas eram locais de temor natural e horrores vislumbrados numa natureza implacável e incompreensível. Tempos em que uma simples viagem sugeria perigos ocultos em cada cruzamento, em cada curva das sinuosas estradas. Tempos antigos, em que o isolamento das populações, enclausuradas nas suas aldeias no meio de vastidões de natureza selvagem era apenas quebrado por alguns voluntariosos comerciantes ou pelo mau agoiro dos exércitos em marcha. Era esse o tempo das fábulas, que expressavam a necessidade do homem em dar um sentido às acções de uma natureza inclemente. Os grandes arquétipos têm origem nesses tempos antigos em que a tecnologia ainda não iluminara a escuridão. As acções da natureza eram vistas como as acções de deuses inconstantes ou de monstros tenebrosos. Espíritos e forças desconhecidas moldavam os destinos dos homens.

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Os contos de fadas têm uma simbologia muito própria. Normalmente, pensamos nesses contos como histórias inócuas que contamos às crianças. Mas, na sua génese, os contos de fadas eram narrativas poderosas e implacáveis destinadas a transmitir às crianças o conhecimento dos perigos que o mundo lhes reservava. Nos velhos tempos dos perigos insondáveis, os contos de fada eram a barreira que separava o pequeno mundo dos homens dos vastos perigos que vagueavam pelas tenebrosas florestas densas que combriam grande parte da europa. As aparentemente inocentes histórias encerravam o conhecimento de arquétipos poderosos, conhecimento essencial para que os arquétipos não devorem as almas ignorantes. Eram os velhos tempos, antes das luzes da ciência iluminarem a natureza obscura e dos fogos da indústria arrasarem e domesticarem as terras selvagens.

Numa alemanha dividida em múltiplos pontentados independentes, unificada apenas pela língua, os irmãos Grimm foram académicos importantes, que recolheram as velhas lendas tradicionais alemãs e as publicaram de uma forma atenuada, consentânea com os gostos reservados do século XIX. Foi essa a grande contribuição pela qual os irmãos Grimm ficaram registados na história do conhecimento. Ao recolherem contos tradicionais, legaram ao mundo uma herança de narrativas de fábula que ainda hoje encanta e perdura. Lobos ameaçadores, brancas de neve, espelhos mágicos, capuchinhos vermelhos, raínhas malvadas, feitiços de encanto e sortilégios macabros. Os ingredientes imaginários perduraram, embora limpos das suas sugestões mais violentas, nos contos publicados pelos irmãos Grimm.

Terry Gilliam, ex-Monty Python e realizador de filmes delirantes como Brazil e 12 Monkeys, é conhecido pelo excesso visual quase barroco e delirante dos seus filmes. Um filme de Terry Gilliam é, garantidamente, um espectáculo alucinante de cor, o que não deixa de surpreender num realizador que é daltónico. Talvez seja por isso que Terry Gilliam aposta tanto no exagero, nos cenários luxuriantes e na atenção obsessiva nos pormenores. Os filmes de Gilliam são garantidamente belos, e este Irmãos Grimm não é excepção. Gilliam inspirou-se nos contos de Grimm e na sua vida de recolectores de lendas para... reinventar as histórias, transformando os académicos circunspectos em hérois lendários, envolvendo os irmãos Grimm no tecido das lendas que legaram ao mundo.

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Na obra de Terry Gilliam, os irmãos Grimm são trapaceiros que ganham a vida a enganar as aldeias isoladas da alemanha do princípio do século XIX, ocupada pelas tropas francesas. Aproveitando-se das superstições locais, os irmãos Grimm, com ajuda de alguns cúmplices, organizam assombrações que aterrorizam aldeões. Os imrãos Grimm, hérois de armadura brilhante dourada e com vidrinhos, combatem as falsas assombrações a troco de dinheiro. Tudo lhes corre bem, até que as autoridades de ocupação francesa os prendem, e lhes dão a escolher entre a guilhotina e os mistérios de uma aldeia alemã onde as crianças desaparecem misteriosamente. Humilhados, os irmãos Grimm encontram na floresta que circunda a aldeia a personificação do espirito das lendas: uma rainha malvada, envelhecida e imortal, que procura a eterna juventude através de um feitiço que envolve o desaparecimento de doze crianças que, numa noite de eclipse, lhe restaurarão a beleza da juventude. A floresta é um local mítico, habitado por àrvores que se movimentam furtivamente e pelo ser mais temido dos arquétipos antigos - o lobisomem, encarnação de todos os medos da natureza selvagem misturados com a maldade residente no coração dos homens. No centro da floresta, os irmãos Grimm são forçados a confrontar com a raíz dos mitos, enquanto resolvem as suas diferenças e reafirmam a sua união. Filme de fábula, Irmãos Grimm termina com o desfazer das ilusões, com a quebra do espelho que encerra o mundo para além do espelho. Os delírios do filme incluem um sensível e tétrico general francês que não hesita em declarar guerra a uma florestas - os fogos do iluminismo a iluminar as trevas a partir das pontas das baionetas, um mestre torturador italiano, descendente de uma das mais ilustres dinastias de torturadores italianos, e uma mulher selvagem, tão educada nas artes da natureza como nas artes da civilização, que conhece as velhas maneiras, os velhos saberes e os velhos mistérios.

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Isto dito, convém afirmar que Irmãos Grimm não é um excelente filme. É um filme a ver, um filme que vale pelos cenários tão típicos da imaginação delirante de Terry Gilliam e pelas imensas referências ao legado de fábulas coligidas pelos verdadeiros irmãos Grimm. No entanto, falta-lhe intensidade. Embora supreendente, o filme não é inesperado. Esperava-se um pouco mais da imaginação delirante de Terry Gilliam.

sábado, 12 de agosto de 2006

Leituras

BBC | Twenty five years of the IBM PC A máquina que revolucionou o mundo fez vinte e cinco anos de idade. Vinte e cinco anos depois do primeiro PC IBM 5150 ter sido posto à venda com uns revolucionários 16K de memória, o crescimento explosivo destas máquinas que democratizaram o acesso às novas tecnologias está ameaçado por um verdadeiro ecossistema de dispositivos algumas ou mesmo todas as tarefas desempenhadas pelos PCs. Para a história ficará a máquina que gerou fortunas imensas e revolucionou a nossa forma de trabalhar, de estar e de comunicar.

Correio da Manhã | Empresas vão procurar petróleo na costa portuguesa Um consórcio formado pela Petrobrás, pela Galp e pela Partex, detentora da Gulbenkien, planeia pesquisar a existência de jazidas petrolíferas ao largo da costa portuguesa. A história do petróleo em Portugal já é antiga. Lembro-me de nos anos 80 se terem feito pesquisas aqui para os lados de Torres Vedras, com algum sucesso. Sabe-se que o território português contém jazidas de petróleo, inexploráveis na altura por ser de extracção e refinação muito cara, logo económicamente inviável. Mas nos dia de hoje, com os preços do petróleo a disparar, com as reservas tradicionais do médio oriente sob ameaça da exaustão ou da instabilidade política, tornou-se viável a extracção de petróleo em zonas mais remotas. Os russos expandem as suas explorações nos inclementes gelos siberianos, as empresas petrolíferas extraem petróleo em locais cada vez mais remotos do planeta. Os canadianos extraem petróleo das areias betuminosas do rio Athabasca, um processo altamente complexo e dispendioso, tornado rentável pelos altos preços do crude nos mercados internacionais. Talvez o petróleo português se tenha tornado rentável.

Correio da Manhã | Mulheres sauditas iludem polícia Num dos mais restritivos países islâmicos, as mulheres jornalistas estão a obrigar a sociedade a mudar. As jornalistas sauditas são conhecidas pela sua determinação em exercerem a sua profissão apesar das leis de um país onde é ilegal uma mulher aparecer em público se não estiver acompanhada por um membro da sua família.

Guardian | What makes a great conversationalist? A arte da conversação parece estar a extinguir-se. Numa sociedade cada vez mais acelarada, dependente do comentário curto e da mensagem rápida, a arte da melhor articulação de ideias através da sua discussão acalorada parece estar a perder-se. No entanto, a explosão de blogs e do uso de telmóveis está a dar um novo e inesperado fôlego a uma arte que depende fortemente da sociabilidade.

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Na Estrada

Durante uma viagem recente pelos lados de Sintra o meu olhar foi atraído por um cartaz que anunciava uma representação do Hamlet de William Shakespeare. A atenção dispensada à condução impediu-me de perceber onde era a representação, e por qual companhia de teatro; mas conduzir um automóvel, apesar de todas as agruras e da necessidade de estar alerta a todos os estímulos, é por vezes um momento muito propício a reflexões que vagueiam através dos nossos pensamentos, tal como o veículo deambula pela estrada. Estas reflexões são um dos prazeres da condução, especialmente quando não termina com um abraço de metal e plásticos contra qualquer obstáculo na estrada - como uma àrvore incauta ou um peão mais atrevido. Atravessar Sintra de carro é uma delícia. A mente vai-se recordando de pormenores sinfónicos da época romântica, pedaços de textos a aproximarem-se do gótico, fragmentos revivalistas de visões neomanuelinas e pinturas históricas com tágides desnudas a saudar os heróis. A menção a Hamlet recordou-me as palavras do bardo de Stratford-Upon-Avon que Neil Gaiman tantas vezes homenageou nas histórias do Sandman.

Não consegui deixar de pensar em Píramo e Tisbe. Na antiga Babilónia onde Semiramis reinava, Píramo e Tisbe eram filhos de duas famílias rivais. As suas casas ficavam ao lado uma da outra, e apenas uma parede e a inquebrável rivalidade das suas famílias os separava. As agruras aguçam os amores, e uma curta racha era o suficiente para os dois apaixonados trocarem suspiros e juras de amor. Cansados de suspirar por um amor proibido, os dois apaixonados decidem fugir. Entre sussurros, combinam abandonar as suas famílias e marcam a sua tão desejada reunião num túmulo abandonado que ficava já fora das portas da cidade. Tisbe foi a primeira a chegar ao túmulo. Aguardando na noite escura, ocultada por uma amoreira branca, é surpreendida por um leão que se passeia por entre as ruínas iluminadas pela fria luz da lua. Assustada, esconde-se por entre as sombras, mas na fuga perde o seu manto, que o leão pisoteia com as suas patas ensanguentadas. Píramo, ao chegar ao túmulo, inquieta-se por não ver a sua amada Tisbe. Ansioso, procura-a por entre as trevas, e acaba por encontrar o manto ensanguentado junto à amoreira. Temendo o pior, Píramo desespera. Enlouquecido, pensando que Tisbe jazia morta, Píramo decide unir-se a Tisbe no além, e enterrou a sua espada no seu coração. O seu sangue jorra e ensopa as raízes da amoreira. Tisbe regressa ao túmulo e depara com Píramo moribundo, caído sobre o seu manto ensanguentado. Num relance, compreende tudo. Arranca a espada do corpo de Píramo e enterra-a no seu seio, pedindo à amoreira que sirva de testemunho do tão trágico amor. Os dois amantes uniram-se, enfim, na morte. As suas famílias desavindas respeitaram os seus desejos. Os amantes repousaram juntos no túmulo, e até hoje a amoreira dá frutos vermelhos, em memória do sangue derramado pelos amantes.

Soa a qualquer coisa bem conhecida, não soa? Troquem Babilónia por Veneza, as famílias babilónicas pelos Capuletos e pelos Montecchios, a antiguidade pelo renascimento e o leão pela peste. A lenda de Píramo e Tisbe foi a semente da mais admirada obra de Shakespeare, Romeu e Julieta. Não se trata de uma cópia; trata-se antes da recriação de um mito que nos acompanha desde os tempos mais remotos.

Há tempos atrás surgiu uma interessante tese de cujo autor não me recordo. A tese sustentava que toda a ficção assentava em seis temas basilares - pelo menos, creio que eram seis. Como memes, como arquétipos, esses temas fizeram surgir toda a nossa ficção, os contos tradicionais, a poesia homérica, as narrativas ficcionadas dos romances, do cinema e de tudo aquilo que nos entretém. Homem encontra mulher é um desses temas basilares, mesmo que a conheça no sentido bíblico, ou não. Outro desses grandes temas é a viagem de descoberta, ilustrada por narrativas imortais como a Argonautica ou Coração das Trevas. Infelizmente não me recordo dos restantes temas. Mas o que me fascina é saber que gravado no nosso cérebro se encontram grandes ideias arquetípicas, que a nossa imaginação necessita de transmutar nas histórias que adoramos contar e ouvir. A raiz das histórias que contamos é a nossa raíz. Não somos capazes de a esquecer, nem o queremos. Há verdades que o são desde os tempos primordiais, que a nossa natureza não deixa desvanecer.

(O que faria eu sem a minha cópia da Mitologia de Bulfinch?)