quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Monstro do Pântano

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Originalmente criado por Berni Wrightson e Len Wein para a DC Comics, o Monstro do Pântano era uma personagem destinada ao esquecimento. Na sua origem, o Monstro do Pântano era Alec Holland, um cientistas que ao estudar um novo método de fertilização de plantas é assassinado por uma bomba que o projecta para o pântano. A vegetação contaminada pela fórmula de Alec ressuscita-o sob a forma de uma criatura verde e disforme, o Monstro do Pântano, que procura restaurar a sua humanidade. Inicialmente, esta personagem surge numa pequena história de banda desenhada, mas o seu sucesso levou a DC a criar um comic próprio, dentro da temática de horror/fantasia que se associa à personagem - um monstro, entristecido e quase humano, incapaz de comunicar com os que o rodeiam. Mas a primeira iteração do personagem não foi muito brilhante, logo relegado para histórias sensacionalistas de terror que depressa levaram o personagem ao esquecimento.

Quando Wes Craven, o realizador que chegou à fama com Pesadelo em Elm Street, o clássico slasher dos anos 80, realizou um bastante mediocre filme sobre o personagem, o interesse renasceu, levando a DC a ressuscitar o comic. Após algumas edições desinteressantes, Alan Moore é desafiado pela DC para escrever os argumentos do título. E aqui é que as coisas começam a ficar interessantes.

Alan Moore alterou profundamente a personagem. Livrou-se das temáticas clássicas e simplistas dos comics de horror e transformou a personagem numa figura mítica, uma personificação das forças da natureza. Ao fazê-lo, revolucionou também o mundo dos comics, dando-lhes um carácter literário que fez com que efectivamente o género crescesse, tornando-se menos simplista e mais adulto. Foi o trabalho de Alan Moore com o Monstro do Pântano que permitiu o surgimento de comics de grande qualidade, como The Sandman ou Jonh Constantine, cujas qualidades literárias levaram ao surgimento da graphic novel como o comic no seu mais alto nível. A revolução de Alan Moore fez-se ao nível da mitografia da personagem, mais imaginativa, nos temas abordados, que ultrapassavam o simplismo associado aos comics, e através da sua prosa e estilística literária, que introduziu textos complexos com fios condutores bem delineados numa estrutura circula num género que nunca foi conhecido pela excelência literária. Para mais, Moore abriu caminho a toda uma geração de argumentistas que souberam aproveitar bem a oportunidade criada. Sem o trabalho percursor de Moore, o apaixonante trabalho de Neil Gaiman em Books of Magic e The Sandman não seria possível, até porque Books of Magic é um trabalho derivativo de centelhas criativas deixadas por Moore na sua mitografia do Monstro do Pântano.

Alan Moore foi às raízes do personagem e alterou-o profundamente. Pegou no conto clássico do trauma que cataliza a transformação de homem em super-herói - como o assassinato dos pais de Bruce Wayne, futuro Batman, ou a aniquilação do planeta de origem do Superhomem - e deu-lhe uma nova dimensão. Ao cair nos pântanos da Louisiana, Alec Holland não ressurge como o Monstro do Pântano. Antes, é a força da natureza que se personifica num Monstro do Pântano convencido que é Alec Holland, até que intervenções exteriores de Jason Woodrue (um vilão menor do panteão da DC conhecido como homem florónico e de John Constantine o levam a descobrir a sua verdadeira identidade, tão para além da humanidade.

O toque Louisiana é puro Alan Moore. O Monstro do Pântano não tinha local definido pelos seus criadores. Ao localizar a criatura nos bayous do Mississipi, Alan Moore permitiu que as ricas tradições cajuns viessem influenciar a mitificação da personagem, bem como permitir a John Totleben e Steve Bissete, os desenhadores encarregados de visualizar as palavras de Moore verdadeiros voos delirantes nas páginas dos comics. Se Moore recriou a personagem, cabe a estes desenhadores o mérito de a terem visualizado. Merecem estar a par com Alan Moore nos louros de mérito da recriação do Monstro do Pântano, pois eram parte plenamente integrande de uma equipe criativa dinamizada por Moore. A imagem que imortalizou este personagem partiu das palavras, mas consubstanciou-se nas imagens criadas pelos desenhadores.

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Na mitologia recriada do personagem, Alec Holland descobre-se como Monstro do Pântano através de um doloroso processo de nascimento mental - atrevo-me a dizer uma maiêutica. Alan Moore começa por, na saga Raízes, revelar que o Monstro do Pântano não era humano, antes era um vegetal que se julgava humano, completo com orgãos que não funcionavam. Introduz aqui o conceito de Verde, uma consciência natural global que permeia o mundo vegetal, e redefine a sua relação com Abigail Cable, a mulher de Matt Cable, personagem que nas histórias originais persegue o Monstro do Pântano do pântano, convencido de que o monstro assassinou Alec Holland e a sua mulher, Linda Holland. Alan Moore faz germinar as sementes de um amor pouco convencional, entre uma mulher e um vegetal, que no fundo é uma relação profundamente espiritual baseada numa séria reflexão sobre a alma humana, que transcende as aparências.

Após este início, o Monstro do Pântano combate um velho inimigo, Anton Arcane, avô de Abigail, que domina o espírito de Matt Cable e envia a alma de Abigail para o inferno após uma relação incestuosa. Esta é salva pelo Monstro do Pântano com ajuda de outros personagens do panteão da DC ligados ao horror - Deadman, Phantom Stranger, Spectre e Etrigan. Aqui Moore começa a elaborar um dos seus mais fascinantes pormenores da mitologia do Monstro do Pântano - o reviver de velhos personagens esquecidos dos arquivos da editora.

O momento do nascimento do Monstro do Pântano como criatura mítica é desenvolvido ao longo da saga American Gothic. Moore introduz aqui o personagem John Constantine, que manipula o Monstro do Pântano para o ajudar nos seus combates contra as forças do oculto revelando-lhe pistas sobre a sua verdadeira natureza. Esta é a saga que realmente define a personagem, e uma das melhores obras dos comics dos anos 80. A luta de Constantine contra o oculto permite a Alan Moore revisitar, de uma forma inesperada, as bases da ficção de terror. Sob a égide de Constantine, o Monstro do Pântano combate contra vampiros, lobisomens e zombies, mas... os vampiros são criaturas que abandonaram a superfície, vivendo nas trevas submersas das àguas paradas dos pântanos; o lobisomen é uma personificação dos mitos da mulher e da lua; os zombies reencarnam tensões raciais e os clássicos fantasmas revivem patéticamente os seus crimes numa fantástica reflexão sobre a américa e a sua relação com as armas.

Nesta saga, Alan Moore criou o subterfúgio, na altura revolucionário, de mostrar novas dimensões de um personagem através de histórias em que este não é protagonista. Vai assim desvendando as verdadeiras dimensões do personagem, que nos é revelado como um elemental - uma personificação do espírito do verde, que surge em épocas de crise para defender o verde de ameaças exteriores. Somos assim introduzidos à mitologia dos elementais, com o Grande Url pré-histórico, o Jack-in-the-Green inglês do século XVII, Lady Jane, Alex Olsen, The Heap, e personagens semelhantes ao longo da história. Estas personagens partilhavam, num mito cíclico, as bases da sua génese, sempre relacionada com uma morte violenta pelo fogo num pântano. No fundo, são personificações de um meme que se mantém inalterado no seu âmago, sobrevivendo adaptando-se às mitologias de cada época. Estes elementais são criados pelo Parlamento das Árvores, a personificação máxima da consciência verde, para onde se retiram os anteriores Monstros do Pântano. Os seus conhecimentos e as suas memórias passam a ser parte integrante da consciência verde.

O fim da saga é magistral. Alan Moore faz o seu personagem entrar num dos grandes arcos de histórias que são a especialidade da DC, interconectando personagens e títulos numa estratégia comercial. O Monstro do Pântano é inserido no arco Crise nas Infinitas Terras, uma guerra super-heróica pelo domínio do universo que termina na aniquilação de todas as terras infinitas menos uma, a nossa (o tipo de ideia-base que torna os comics num género respeitado, científicamente correcto e inteligente). Alan Moore ignora as premissas infantis do arco e insere o Monstro do Pântano no contexto de uma luta final entre o bem e o mal. As suas aventuras sob manipulação de John Constantine serviram como um treino, uma preparação que permite ao Monstro do Pântano conhecer as suas capacidades. Como recompensa, Constantine leva-o ao local secreto onde se enraíza o parlamento das àrvores, a nascente do rio Tefé, na mata profunda da Amazónia, mas o Monstro do Pântano é rejeitado pelo parlamento. No final da saga, Constantine e um grupo de personagens ressuscitadas dos arquivos da DC confrontam as trevas finais, enquanto o Monstro do Pântano desce aos infernos, ajudado pelos personagens que o tinham auxiliado a recuperar a alma de Abigail, para tentar travar o surgir do mal. Os heróis são impotentes para travar o mal. A sua luta é inglória e ineficaz. Mas, quando o Monstro do Pântano decide enfrenter o mal, fá-lo de uma forma inesperada. Em vez de o combater directamente, deixa que o mal absorva as suas memórias. Tenta assim responder à questão levantada pelo mal, o filosófico quem sou eu, e revela-nos o mal e o bem como duas faces da mesma medalha, uma relação simbiótica em que cada um propicia a existência do outro. Graças a esta intervenção, o confronto final não é uma luta ciclópica entre bem e mal, mas sim uma união entre dois aspectos da mesma ideia.

Aqui se revela a grande mestria de Moore: trazer aos acessíveis comics conceitos filosóficos e literários profundos, tornando-os acessíveis ao grand público.

Após esta saga seminal, o Monstro do Pântano combate os preconceitos sociais personificados na sua relação com Abigail Cable, é enviado para o espaço, gerando vida noutro planeta e vivendo aventuras dignas de space operas. As personagens criadas ou revividas por Alan Moore, John Constantine, Zatanna, Caim e Abel, Sargon, Dr. Fate, Mr. E, Deadman, Phantom Stranger e Spectre encontram novas encarnações em Books of Magic, John Constantine: Hellblazer e The Sandman, que expandem grandemente as mitografias geradas por Alan Moore.

A interpretação de Alan Moore do Monstro do Pântano tornou-se um ponto de viragem nos comics. Não só pela forma revolucionária como re-inventou o personagem. Através do Monstro do Pântano, Alan Moore levou ao grande público reflexões filosóficas, boa literatura, vislumbres fascinantes do oculto e uma profunda consciência ecológica, anos antes das consciências ecológicas estarem na moda. Este é o aspecto que mais pervade o Monstro do Pântano, uma força da natureza que vive em simbiose com todas as criaturas, com o planeta e com o universo.