terça-feira, 15 de agosto de 2006

A Morte de Inês

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João Aguiar, Inês de Portugal, Edições ASA, 2006

ASA | Inês de Portugal
Wikipédia | Inês de Castro

A história dos trágicos amores de Pedro e Inês é um dos mais tétricos episódios da história de Portugal. Quando D. Pedro, filho de D. Afonso IV e futuro rei de Portugal se toma de amores por Inês de Castro, dama fidalga de uma nobre família galega, planta as sementes de uma tragédia que perdurou na nossa mitologia nacional. A paixão de D. Pedro punha em perigo a natural sucessão do reinado, envolvia o futuro rei de Portugal nas intrigas sucessórias castelhanas, e era uma afronta aos costumes de um país temente a deus - D. Pedro consumou abertamente os seus amores com Dona Inês, apesar de ser casado com D. Constança Manuel, com a qual teve o legítimo herdeiro da coroa portuguesas. Não que fosse assim tão mal visto um rei dar as suas escapadinhas fora do casamento legítimo. De bastardos está a história cheia... mas as aparências deviam ser mantidas a todo o custo - o tipo de filosofia que fez equivaler os conventos às alcovas na época barroca. Os amores de D. Pedro tornaram-no culpado de um crime: o de sobrepôr as razões do seu coração às razões de estado. O rei D. Afonso IV tomou o passo mais lógico - eliminou aquela que considerava a inimiga do sei reinado, condenando Inês à morte por decapitação. Tresloucado, D. Pedro revolta-se abertamente contra o seu pai, gerando uma guerra fracticida que eventualmente foi sarada. E aqui seria o fim da história, não fosse o carácter vingativo do infante.

Chegado ao poder, D Pedro I preocupa-se em fazer vingar a morte de Inês. Não podendo fazer cair a vingança sobre o seu pai, que ordenara a execução, fez cair a sua sanha sobre os três nobres que haviam executado as ordens reais: Diogo Lopes, que logrou escapar-se para o reino de França, e Pero Coelho e Álvaro Gonçalves, entregues pelo rei de Castela ao rei português. O castigo que D. Pedro lhes deu foi exemplar, obrigando o carrasco a arrancar-lhes o coração dos peitos. Mas, mais uma vez, a história não termina aqui. Após a sua vingança, D. Pedro traslada o corpo de Inês de Castro da sua sepultura em Coimbra para o túmulo real no mosteiro de Alcobaça. É este sim o final da história, com a lúgubre procissão nocturna que levou o corpo de Coimbra a Alcobaça, iluminada pelas torchas seguras pelos nobres da corte, e com a tétrica cerimónia em que se diz que D. Pedro obrigou a sua corte a prestar homenagem à sua rainha, cadáver entronizado a que os nobres tiveram de beijar a mão.

Ao longo dos séculos a história de Pedro e Inês, com os seus tons de amor e morte, tragédia e vingança, tem encantado a imaginação dos escritores, e sido contada de formas mais ou menos românticas. Luís de Camões faz-lhe alusão n'Os Lusíadas, estabelecendo aí o mito da pobre donzela que, de mão dada aos seus aterrorizados filhos, implora misericórdia ao implacável rei que a quer ver morta. Este Inês de Portugal, da autoria de João Aguiar, conceituado romancista já com uma vasta obra onde se incluem Os Comedores de Pérolas e os livros juvenis da série Bando dos Quatro, reconta o conto tantas vezes contado. A prosa de João Aguiar, incisiva e concisa, dá-nos uma outra luz sobre este episódio histórico tantas vezes mitificado. De foram ficaram os excessos românticos da lenda macabra. Inês de Portugal debruça-se antes sobre as razões de estado que levam os homens a ensurdecerem perante as vozes do seu coração e sobre a crueldade natural de uma época em que o sangue e a guerra nunca andaram muito longe.

O livro centra-se nos últimos dias da vida dos dois conspiradores justiçados pelo rei, passando-se nos paços de Santarém, que agora são as belas Portas do Sol, o local mais belo da capital ribatejana e no castelo de Alcanede (um castelo que me traz boas memórias de noites de conversa bem regada sob a luz da lua). Em recordações, revemos os momentos chave dos amores trágicos, em paralelo com as discussões sobre justiça e vingança. Atendendo ao tom trágico do episódio, o livro está estruturado num De Profundis, oração fúnebre que se completa no exaltante final, em que a morta é erguida à posição que pelo direito do amor lhe pertencia.

Inês de Portugal é um livro viciante, cuja leitura, mesmo para os mais profundos conhecedores dos factos históricos, certamente que não deixará de ser empolgante. E, sem romantismos piegas, faz-nos reflectir sobre o coração dos homens, enquanto nos recorda a rica história do nosso país.