segunda-feira, 31 de março de 2014

Is there no hope?


"A dream will always triumph over reality, once it is given the chance."

Stanislaw Lem (1985). The Futurological Congress: From the Memoirs of Ijon Tichy. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich.

Comics


The Sandman Overture #02: No universo mítico do Senhor dos Sonhos até os antigos anciães que dormem nas tenebrosas profundezas sonham. Resta o aspecto lovecraftiano de Morpheus para os fazer sonhar, acarinhando-os enquanto esperam adormecidos pelo inevitável despertar. É uma piscadela de olho de Gaiman a Lovecraft numa linha narrativa onde confluem uma infinidade de variantes de Sandman. As mitologias variam entre culturas, mas há arquétipos universais, mensagem que já na série clássica Gaiman se esforçava por transmitir.


Visualmente o comic está esplendoroso. A DC, ciosa da visão de The Sandman como um comic de referência e elevadíssima qualidade, deu carta branca à equipa criativa. Se de Gaiman já sabemos o que esperar, J.H. Williams III está a levar o grafismo a limites pouco usuais nesta editora mainstream. Já as capas de Dave McKean.... o que dizer? O que sai da mente e das mãos deste ilustrador é sempre um mimo para os olhos. A aposta está em refrescar a série com um momento pontual de prestígio. Claro que, sendo fã quer de Gaiman, quer do personagem, quer dos ilustradores, a minha opinião é muito suspeita. Digamos que este fanboy está nas nuvens a delirar com esta nova série de The Sandman.


Fatale #21: Esta série tem sido consistente na sua elevada qualidade. Aproxima-se do fim e nota-se que Brubaker e Phillips já estão a olhar para outros horizontes. Afinal, carta branca da Image para fazerem o que quiserem é um desafio e tanto. Percebe-se que a conclusão iminente de Fatale esteja a ser apressada, com Brubaker a encafuar todos os elementos que foi deixando dispersos ao longo da série em poucas páginas. Esperava-se um final melhor, dentro da linha de argumentos de alta qualidade a que este escritor nos habituou, e não uma conclusão feita à pressa. Mas ainda mantenho esperanças que o grande final faça jus e coloque um merecido ponto final nas aventuras da mais elusiva e fascinante das mulheres fatais dos comics da actualidade.


Midas Flesh #04: Ainda não tinha destacado aqui esta intrigante série de FC juvenil da Boom Studios. A história é simples, num registo space opera em que um grupo de adolescentes enfrenta um vasto império galáctico, e a ilustração tem uma simplicidade refrescante, conseguindo manter de forma muito informal a espectacularidade da FC em modo de aventuras espaciais. Visualmente interessante, mas o conceito de base não lhe fica atrás. Num longínquo futuro, com a galáxia dominada por uma imponente aliança militar, um grupo de rebeldes composto por uma jovem milionária, uma hacker muçulmana e um dinossauro inteligente procuram vingar-se da opressão das forças aliadas. Na fuga da destruição do seu planeta e quase extermínio da sua espécie o dinossauro depara-se com documentos que comprovam a existência do mais bem guardado segredo da galáxia: uma arma ultra-secreta guardada num planeta deliberadamente esquecido nos mapas estelares. E assim os três jovens rebeldes chegam à Terra, um planeta congelado no tempo porque o lendário toque de Midas foi uma maldição que transformou todo o planeta em ouro. Há por aqui muitos mistérios a desvendar. Midas é o único ser de carne pulsante num planeta onde tudo se transformou em estátuas de ouro. Um toque do dedo dele, arrancado com grande cuidado pelos intrépidos adolescentes, é o suficiente para aniquilar uma portentosa nave estelar. A questão que vai ficando mas nunca é respondida é a de se a maldição será revertida e a Terra voltará à normalidade, após milénios como um rochedo dourado com céus azuis. Fiel ao publico YA da série, esta centra-se na dinâmica interna das relações entre os personagens. E notem que mesmo aqui é interessante. A capitã quebra os estereótipos masculinos do género, e é forçada a decisões incómodas. A mais capaz dos tripulantes mistura o optimismo hacker da tecnologia com uma reverência profunda pela tradição islâmica. E o corajoso dinossauro inteligente é a óbvia metáfora das consequências intelectuais das xenofobias. Junte-se a isto a saudável dose de rebelião contra autoritarismo, que vai tão ao encontro do ideário dos adolescentes, e temos os ingredientes para uma série muito interessante de comics.

The Manhattan Projects #19: Conhecem a expressão batshit insane? Lamento, mas não consigo encontrar melhor para descrever esta edição do comic mais destrambelhado de Hickman. As múltiplas personalidades de Oppenheimer que dão um dos motes a esta série colidem num conflito final. Infindas variações das personalidades enfrentam-se numa guerra civil dentro do mundo contido no cérebro do cientista. Só uma sairá vencedora e dominará para sempre a mente finalmente unificada, a menos que... no momento do seu triunfo um sobrevivente Albert Einstein consiga regressar dos mundos perdidos por onde andou e abata Oppenheimer com um certeiro tiro na mioleira. Yep. Leram bem. Guerras civis de múltiplas personalidades dentro de uma mente e Einstein como last action hero. Esta série tem sempre uma surpresa guardada na manga.


The Wake #07: Scott Snyder dividiu com muita precisão The Wake  em duas partes. A primeira deu-nos o horror claustrofóbico dentro de uma base submarina assolada por uma criatura monstruosa acordada depois de descoberta nas profundezas oceânicas. Na segunda parte o tom é o de ficção pós-apocalíptica, com um mundo que se desmoronou assolado por uma infestação de monstros submarinos. As ordens políticas desfizeram-se, as nações colapsaram, e senhores da guerra tentam manter os territórios de terra seca livres de monstros ou de humanos que se adaptaram para viver nas zonas onde o mar colide com a terra. É uma curiosa mudança de registo numa série que começou por ser de puro horror e que agora entra definitivamente no campo da FC.

sábado, 29 de março de 2014

Modernidade Centenária


Cyborgs avant la lettre? Sempre que vejo imagens destas penso: bolas! Andamo-nos a pensar tão modernos e tecnologizados e afinal os dadaístas/surrealistas/cubistas/futuristas intuíram e inventaram a nossa hipermodernidade contemporânea cem anos antes dela nos levar nesta avalanche de maravilhosos objectos de desejo tecnológico que expandem as possibilidades do que podemos fazer, aceder, pensar e comunicar. Sempre que me falam em multiplicidade e simultaneidade de pontos de vista penso como algo de novo penso no cubismo. O interface do 3d scanning dá-nos as visões fluídas onde se mesclam diferentes pontos fixos de vista em colisão sonhadas pelos futuristas. Ou a ideia do ser humano aumentado por tecnologia, de capacidades ampliadas por próteses cibernéticas ou ciência genética, intuída em conceitos como o do homem mecânico ou imagens como esta. A modernidade contemporânea, afinal, é centenária...

Tinha que ser uma colagem de Max Ernst.

E é sintomático que apareça como algo de novo e interessante em sites dedicados ao estilo steampunk... até porque aquele astrolábio que salta dos olhos faz pensar no gosto contemporâneo pela sabedoria encontrada nos padrões estatísticos recolhidos por míriades de aplicações. Aquelas libélulas têm o seu quê de drones, enquanto que os aparato mecânicos deixam imaginar exóticos instrumentos de comunicação. A máquina fotográfica explica-se a si própria.

Tráfego




Metal cromado e lentes de fresnel sob motor de combustão interna num crepúsculo molhado.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Nocturno




Esta cidade que se espraia pelas colinas. Entre as Escadinhas de São Cristovão e o Teatro Taborda.

Gea: L'orco


Luca Enoch (2001). Gea #06: L'Orco. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Uma das características que torna Gea interessante é a forma como Luca Enoch subverte as expectativas. A base é previsível, sabemos que a adolescente é uma peça da eterna luta do bem contra o mal, mas as ameaças que combate raramente são as mais óbvias. Neste episódio esta característica é particularmente aparente. Estamos condicionados para ver os Orcs como criaturas de pesadelo, mas o real pesadelo com que Gea se defronte é a de um cirurigão que não hesita em assassinar crianças dos estratos sociais mais baixos para vender os seus orgãos a bom preço. Tememos o mítico, o desconhecido, o que está fora das zonas da nossa experiência quotidiana, mas aquilo que tememos é por vezes o que nos salva, enquanto no que confiamos nos pode destruir. Para além deste fortíssimo texto Enoch adensa as personagens secundárias, quer as que representam o lado bom, como o detective emigrante que luta pela justiça ou o agente do FBI que se dedica a investigar ocorrências estranhas, quer os monstros ocultos sob pele humana com que Gea se cruza mas não se defronta.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Playtime


Reverenciemos, pois ei-lo!

Ficções

A Maldição de Nazaré: Este conto mistura a estrutura clássica do conto de terror, com uma pequena cidade isolada devastada por estranhos acontecimentos com um toque linguístico tão fácil de distinguir que nos faz notar que estamos perante uma obra criada por um escritor que evolui numa cultura ao mesmo tempo similar mas distante da nossa. Se bem que nestas coisas das literaturas de género, quer sejam do fantástico, FC, policial ou outras, os toques culturais nativos são um detalhe, um pormenor pervasivo, indicadores de diferenças de nacionalidade que entrosam no universalismo dos cânones dos géneros. A Bang! está a trazer-nos na sua vertente digital contos de escritores do lado de lá do atlântico, iniciativa que é de saudar.

O que vivia na cave: Uma nostalgia pela infância longínqua dá o sabor a este conto de profunda arquitectura. O destaque é dado aos espaços decrépitos de uma casa, de onde espreitam uma assombração perdida e as recordações. Finaliza com um toque subtil de circularidade narrativa. Conto interessante, apesar de alguns momentos de menor clareza narrativa.

Halloween: Um conto promissor de Nádia Batista, apesar de sofrer de problemas técnicos que complicam a sua compreensão. A mística de cerimónias ocultas em cemitérios, os mistérios de bunkers ocultos e o evoluir de um espírito de brincadeira adolescente para alucinações sérias conjuga-se com o clássico conto narrado sob o ponto de vista de um paciente encerrado num manicómio, que nos leva sempre a questionar a realidade do que lemos. É um relato verosímil, dentro dos confins do mundo ficcional da história, ou uma óbvia alucinação? A autora joga bem com estas ambiguidades, apesar da sua técnica narrativa não possibilitar uma leitura clara do texto. Mesmo com esta falha é uma leitura intrigante e promissora. As ideias, esse grande ponto de partida, estão lá. O resto é uma questão de prática e a experiência que com ela vem.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Likes e selfies? Pode ser a partir da uma e meia?

As limitações que foram impostas ao acesso à internet nas escolas pelo ministério são uma questão técnica, mas que começa a ser aproveitada para moralismos duvidosos e histerias. Já se desconfiava. Há quase um ano que sei que as actualizações do Windows estão bloqueadas até às 17:00 para aliviar o tráfego na rede. Agora ficámos todos a saber que foram aplicadas mais restrições no acesso a redes sociais e sites específicos. Facebook, Instagram, Tumblr e appstores foram apontados, quase demonizados, como zonas a restringir. E limites de tráfego são aplicados a outros serviços. A justificação é técnica mas depressa resvalou para um moralismo fácil que é do agrado dos media e trai o conservadorismo inato no carácter português.

Da minha experiência, sei que as coisas não são como estão a ser retratadas. Sem cair na ingenuidade de acreditar que não haja abusos pontuais e problemas concretos de indisciplina. No que toca às redes sociais, em particular o Facebook,  não são habitualmente usadas durante as aulas embora o possam ser como espaço de partilha de actividades. Há cada vez mais escolas, estruturas educativas e associações de pais que as utilizam para divulgar o que fazem. Pode-se questionar se um site dedicado à partilha social poder ser de utilidade pedagógica, mas não é assim tão difícil fazê-lo. Num caso muito específico, quando decorreu a semana Hour of Code, organizada em Portugal pela ANPRI, foi criada uma página no Facebook onde professores e alunos partilharam os registos das actividade desenvolvidas neste projecto internacional.  Se o Facebook está a ser utilizado durante uma aula, das duas uma: ou o é dentro de uma actividade prevista, incluindo aqui a ideia de usar o acesso como uma recompensa após conclusão de tarefas, ou então os alunos estão a fazê-lo às escondidas. E isso não é um problema técnico, é disciplinar, existiria sem a rede social, e não se resolve cortando acessos. Quem se distrai arranja sempre algo com que o fazer. No meu tempo e no meu caso era a desenhar naves espaciais e armas nos cadernos de Matemática. Mas é sempre cómodo vir apontar o dedo moralista e criticar o uso destes serviços como uma degenerescência dos bons costumes.

Bloquear o Facebook cria um problema inesperado. É possível que se tentem aceder a outros sites não bloqueados e não se consiga, porque usam o login através do Facebook e o tráfego para as credenciais não passa. Pode acontecer com recursos muito populares no meio educativo como o Prezi, o Slideshare ou o Academia. Um exemplo, muito específico: imaginemos que um docente de línguas, para estimular o gosto pela leitura, organiza um clube literário utilizando a rede social Goodreads, dedicada aos amantes da leitura, para partilhar críticas e estatística de leitura. Como esta utiliza o login do Facebook, está de facto de acesso bloqueado.

O YouTube é usado intensivamente por professores para mostrar conteúdos em vídeo aos alunos: mini-documentários, simulações, reconstituições históricas ou clips de cinema. Fico estupefacto quando o vejo equacionado como um site para desperdiçar tempo. Acreditem, há mais pelo YouTube do que música e vídeos de gatinhos de ar amoroso a sofrer tropelias. No meu caso, é habitual mostrar vfx breakdowns aos meus alunos para que fiquem a saber como se fazem os efeitos especiais nos filmes. Tal como o foi nas aulas de artes mostrar animação de qualidade em 3D ou noutras técnicas. Não está bloqueado mas sujeito a limitações de uso, que ainda não percebi que impacto terão. Mas já o senti, em Janeiro, quando duas turmas que tinha a trabalhar edição de vídeo viram o desenvolvimento dos trabalhos complicado pela lentidão de acesso ao site.

Chamar rede social ao Tumblr é incorrecto. É uma plataforma de blogging com elementos de rede social. Uma página criada no Tumblr é de acesso público, e o site tem um processo interno de edição e partilha de conteúdos similar ao das redes sociais. Mas, no essencial, é uma forma de publicar conteúdo na Internet. A criação de blogs é uma actividade pedagógica de valor comprovado. Raramente tenho tempo de a incentivar entre os meus alunos (3D e multimédia obrigam a curvas de aprendizagem que obrigam a escolhas difíceis. Mas não ponho de parte). O leque de utilizações pedagógicas de blogs é muito vasto, e o Tumblr é apenas uma de várias plataformas possíveis de criação de páginas de Internet.

O Instagram ganhou fama como local de partilha de milhentas fotos de comida e selfies com efeitos especiais e parece fácil descontá-lo como algo com potencial educacional. Mas notem: o que tornou o Instagram um caso de sucesso foi a possibilidade de com filtros simples fazer fotografias criativas. Não parece descabido dinamizar um concurso de fotografia digital para tirar partido dos filtros da aplicação, se bem que esta seja uma ideia muito pontual.

É problemático sentir que na mentalidade pública estes serviços digitais são rotulados como espaços de lazer, desperdícios de tempo útil e perversões à seriedade do trabalho escolar. A criatividade dos professores e alunos tem mostrado o oposto, que até os serviços supostamente mais inúteis podem ser utilizados como ferramenta ao serviço da aprendizagem. Considerá-los meros desperdícios é sinal de baixa compreensão do impacto e leque de possibilidades aberto pelo mundo digital. Algo que até se percebe, neste ritmo acelerado de inovação em que muitos não têm acesso ou tempo para digerir o cada vez mais vasto mundo digital. Os argumentos moralistas nestas coisas disfarçam a incompreensão.

Bloquear tráfego das lojas de aplicações android e iOS talvez seja um reconhecimento do sucesso da utilização da internet nas escolas. É um problema que se coloca para dispositivos móveis, que acedem através das redes wifi que cobrem as escolas e que talvez formem de facto a maioria dos dispositivos que utilizam a internet nas escolas. Os tablets e smartphones são pervasivos entre os alunos. Percebe-se que actualizações automatizadas saturem uma largura de banda que é partilhada por todos os estabelecimentos de ensino. Novamente, é uma questão técnica. Controlar temporariamente este tráfego para aguentar a qualidade do serviço não nos complica a vida, a menos que se planeie uma actividade que obrigue os alunos a irem às appstores buscar uma aplicação que necessitem. Como, por exemplo, o caso de um professor que se lembrou de experimentar realidade aumentada com modelos 3D criados pelos alunos e que mesmo sem bloqueios perdeu imenso tempo a ensinar a descarregar as apps correctas na floresta de variantes do android. Este ano ainda não me atrevi a repetir a experiência.

Já as restrições às actualizações do Windows preocupam-me muito. Aqui fala o meu lado de gestor de sistemas informáticos na escola. Saber que tenho cem computadores que, porque as aulas terminam pelas quatro horas e nas limpezas diárias são desligados, não estão com as actualizações de sistema e anti-vírus em dia não me deixa tranquilo. Saber que no tempo diário que tenho para tratar da gestão destes equipamentos não posso fazer esta vertente do meu trabalho também não me deixa tranquilo. Há formas de tornear este problema através de políticas de grupos e segurança que automatizem o encerrar dos computadores fora de horas, e estou a olhar com muita atenção para o WSUS, porque não me agrada nada que os equipamentos estejam ligados e a consumir electricidade após o fecho diário da escola só para que estejam actualizados. Esta não é uma questão menor. Computadores desactualizados representam um risco de segurança para a rede interna das escolas. Vírus a afectar pens e ficheiros são uma consequência menor de um problema que pode levar ao corromper de dados de backoffice.

Estas restrições não causam tanta mossa quanto isso. Acessos ao Facebook, Instagram e outros durante o tempo lectivo não são tão prevalentes quanto se pensa. Há mais coisas para fazer durante os intervalos do que aproveitar para ir ver as novidades dos amigos virtuais - como, por exemplo, tentar dar encaminhamento aos dilúvios de email, e quem os usa como recurso pedagógico encontra forma de tornear as restrições temporais sem sequer se dar ao trabalho de usar ferramentas para o fazer. Os logins suspensos em sites de terceiros são um pequeno incómodo, mas torneia-se. Restringir o streaming de vídeo no YouTube pode ser problemático. Pessoalmente, o que me preocupa mais é o bloqueio às actualizações do Windows. O resto são situações pontuais que não afectam em quase nada o dia a dia nas escolas. Sublinhe-se o quase, uma vez que esta situação pode estar em conflito com a abordagem ao programa da disciplina de TIC, como refere e muito bem a ANPRI.

O que é danoso é tentar utilizar esta questão técnica para tentar passar para o público que as escolas públicas são uma rebaldaria onde os professores, alunos e funcionários passam todo o tempo a fazer likes no facebook e a partilhar selfies no instagram em vez de se dedicarem ao trabalho duro e sério a que estão obrigados. Passa a ideia que nada é feito nas aulas porque crianças e adultos passam o tempo a brincar na internet. Ou então fica-se pelo classicismo conservador do argumento que a escola serve para aprender a ler, escrever e contar como deve de ser e laivos de tecnologia são um desvio a essa missão sagrada.

O tom das notícias não ajuda, com pérolas como esta a abrir a notícia no JN: "a limitação de acesso a redes sociais nas escolas poderá ser vantajoso uma vez que muitos alunos utilizavam o Facebook durante as aulas, gerando indisciplina na sala". Como disse? Faz parecer que não havia indisciplina antes do facebook. Ou da internet. E que esta é a causa das situações de indisciplina. Esta visão é ofensiva para a profissão, e prejudicial ao trabalho daqueles que procuram integrar a tecnologia na escola. Vem alimentar aqueles que, por se sentirem ultrapassados, não a compreenderem, ou serem simplesmente clueless, gostariam de banir as tecnologias digitais.

Welcome to Night Vale


Joseph Fink, Jeffrey Cranor, Cecil Baldwin (2013). Welcome to Night Vale. Commonplace Books.

Distinguimos as ficções de género pelos elementos iconográficos que lhes estão associadas. A cada género corresponde um conjunto vasto de elementos bem definidos e esperamos que os autores os utilizem de formas inventivas. Alguns concentram-se em elementos específicos, outros são mais abrangentes. E por vezes encontramos formas que conseguem coalescer os mais díspares elementos de um género ficcional numa narrativa coerente que nos faz sorrir pelo elevado número de referências iconográficas que consegue utilizar mantendo-se como história coerente.

O que dá gosto a este Night Vale é a forma como remistura os mais díspares elementos do fantástico e do horror numa narrativa episódica sempre surpreendente e divertida. Night Vale é uma série de podcasts regulares que replica um programa de rádio comunitária informativo sobre a vida numa atípica cidade americana.

Night Vale é descrita como saída daqueles filmes melosos sobre as delícias suburbanas, se a tranquilidade burguesa fosse mantida por uma força policial secreta, entidades tenebrosas do além espaço e éditos à população que lhes exigem os comportamentos e pensamentos certos, senão destinos piores do que a morte aguardam os prevaricadores. Em Night Vale há casas que ocupam espaços interdimensionais, criaturas lovecraftianas ocultam-se nos becos, os bibliotecários são perigosas criaturas sanguinárias, as montanhas que se vêem ao longe no deserto não existem por decreto camarário, a escola local tem como director uma nuvem brilhante de tendências totalitárias. Estranhos acontecimentos sucedem-se na vida da vila, contados por uma voz optimista que vai relatando os eventos mais espantosos e tenebrosos da relativa segurança da estação de rádio.

A mistura de absurdo surreal com iconografia de horror é perfeita. Night Vale está na intersecção de Lovecraft, Ligotti, M.R. James e Borges, com uma dose saudável de humor dadaísta. O podcast pode ser escutado no SoundCloud, e é uma experiência que se recomenda. Alguns fãs dedicados vão disponibilizando transcrições dos episódios, disponíveis no google drive em vários formatos. Sigam o conselho amigo dos agentes velados da polícia secreta e vão ouvir Night Vale. Senão... os bibliotecários devorar-vos-ão as mãos, o dragão de cinco cabeças que também é um homem candidato à câmara da cidade chamusca-vos o cabelo, a nuvem brilhante que domina a escola irrita-se,

terça-feira, 25 de março de 2014

Revista Trasgo #02


Rodrigo Van Kampent, et al (2014). Trasgo Ficção Científica e Fantasia #02.

A segunda edição da Trasgo consegue manter o nível de qualidade da primeira. No seu conteúdo podemos assinalar uma diversidade de vozes que nos trazem o gosto exótico de ler ficções fantásticas numa língua que, supostamente igual à nossa, tem variações suficientes ao que consideramos normal para que quase saiba a algo muito diferente. Esse é um dos pontos de interesse desta colectânea que nos chega do além-atlântico. Confesso que sabe bem ler FC e Fantástico de tom lusófono. Como curiosidade, refira-se que Van Kampen termina o seu editorial convidando-nos a mergulhar na leitura com um sonoro allons-y. Whovianos. Há-os nos sítios mais suspeitos.

É mantida a estrutura de contos e entrevistas aos seus autores, que nos revela um pouco das suas inspirações e motivações. Também inclui um pequeno portfolio do ilustrador da capa, Alex Leão, e é intrigante ver que a belíssima capa foi criada em pintura digital utilizando um tablet.

Rosas, o conto de Ana Merege que abre esta publicação, é uma deliciosa surpresa. A narrativa em si não trás nada de novo, mas é uma muito elegante e bem feita variação do conto clássico tenebroso, onde o crime macabro e as suas motivações dão o tom soturno a uma história que, fiel aos pressupostos deste género de contos, termina com uma surpresa que encaixa e completa o puzzle narrativo.

O vasto foco de Cinco Bilhões, conto de Victor Faria, é admirável. Tem o seu quê de space opera à escala cósmica misturada com paradoxos temporais, oscilando entre quase inconcebíveis futuros distantes onde a humanidade é um constructo biológico criado por inteligências artificiais que têm no cerne da sua programação a tarefa de preservar a vida humana biológica, e um tempo presente em que as futuras IAs ainda mal passam de esboços na mente dos seus criadores. A escala temporal é vasta, levando-nos do futuro onde o sol se aproxima da sua extinção final ao nosso presente contemporâneo. Posto isto, a execução narrativa deixa muito a desejar. A narração é fragmentada, com pontos de vista difusos. Por si isto não seria problema se a escrita fosse mais fluida e elegante.

As modas bibliográficas que desvirtuam clássicos com novas roupagens tidas como sexy, apelativas ou actualizadas são satirizadas por Jim Anotsu em Hamlet: Weird Pop. A encenadora de uma versão hipsterizada de Hamlet tem de enfrentar um Puck, advogado de um além onde o espírito de Shakespeare utiliza as armas da legislação sobre direitos de autor para travar uma interpretação que lhe desagrada de um dos seus textos.

Toques da ciência fora de controlo de Frankenstein, visões apoquentadoras da biotecnologia e um sabor à FC clássica onde cientistas loucos se deleitam a trocar os cérebros entre corpos das suas vítimas colidem em Código Fonte. No conto de George Amaral cientistas reclamam ter encontrado o segredo da imortalidade e da eterna juventude, só que o preço dessa fonte da juventude implica a trasnferência da mente de velhos para o corpo de jovens. Para tornar as coisas mais óbvias o autor coloca uma referência directa a Ponce de Leon numa das suas personagens.

O emergir contemporâneo de FC e fantástico com sensibilidades globais, que ultrapassam a tonalidade anglo-americana que associamos ao género, sublinha um certo carácter uniforme nas abordagens e temáticas. As variantes locais repetem as iconografias globais, com variações de diversas profundidades. O conto A maldição das Borboletas Negras surpreendeu por conseguir ser uma obra sólida de fantástico no seu sentido mais clássico e remeter para sensibilidades e mitologias que o afastam do tradicional corpus do género. Quer o tema quer a linguagem narrativa replicam um folclore sincrético inigualavelmente sul-americano, mistura em turbilhão das tradições índias, das lendas trazidas pelos migrantes de vários continentes e memórias colectivas do tempo dos bandeirantes. Há aqui um monstro, que oscila entre o aterrorizante e o patético, e o seu emergir cíclico e telúrico é o tema deste conto que se torna mais delicioso por usar uma linguagem regionalista brasileira. A obra de Albarus Andreas é, de longe, a melhor surpresa desta segunda edição da Trasgo.

Para terminar, um regressar ao conto clássico de sabor pós-apocalíptico com O Homem Atômico de Cristina Lasaitis. É uma narrativa directa, um contar de uma ascensão e queda de quem aparenta ser um sem-abrigo mas acaba por se revelar um profeta de destruição, radioactiva no caso.

A Trasgo pode ser lida online e descarregada no site da revista.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Comics


American Vampire Second Cycle #01: Se o público gosta e a coisa vende, há que lhe ir fazendo as vontades e melhorar a rentabilidade editorial. American Vampire está de regresso, mas nota-se que Scott Snyder está a levar a série numa direcção diferente da do primeiro ciclo. Pearl, a simpática vampira que durante o primeiro ciclo teve uma relação de constantes intersecções violentas com o icónico Skinner Sweet, anda a traçar a genealogia das espécies de vampiros, em busca da infecção original. E Skinner Sweet está de regresso. Mas isso é de esperar. American Vampire sem o escatológico Sweet não seria bem a mesma coisa.


Lazarus #07: O mundo ficcional desta série tem o seu quê de premonição arrepiante. Imaginem se os oligarcas contemporâneos decidissem dar o passo lógico da sua busca pelo domínio mundial e juntassem territórios ao seu poder económico e financeiro. Os estados colapsam e as fronteiras baseadas em nacionalismos desfazem-se numa míriade de feudos pertencentes ao punhado de Famílias que dominam a economia e agora a terra. Ser da família, algo a que se chega apenas pelo berço, é pertencer a uma aristocracia dominante que se socorre da lealdade de servos dedicados. Que o são, porque a alternativa a uma servidão que dá os confortos da classe média é ser considerado desperdício humano, massa infecta que se aglomera nas fronteiras feudais em busca de uma remota oportunidade de ser aceite como serva. É um curioso fechar de ciclo conceptual, uma distopia muito apropriada ao momento em que vivemos, em que se sente que o poder está de novo das mãos das velha e nova aristocracias, que não hesitam em empobrecer o planeta para manter as suas margens de lucro e transformaram de facto o mundo no seu feudo. É a sensação que hoje vivemos tempos em que só falta um passo muito curto para esta distopia que torna o comic de Greg Rucka tão acutilante.


Rocket Girl #04: É uma rapariga de uniforme futurista a voar com o seu jetpack nos túneis do metro de Nova Iorque. Numa história de paradoxos temporais e saltos entre um futuro de estilo retro-futurista e um passado de retro assumido nos anos 80. Tem personagens a voar com os seus jetpacks pelos céus de metrópoles do futuro. E em Nova Iorque. Vá, vamos lá a dispersar, não há muito mais para ver, fãs babados dos jetpacks e rayguns.


The Unwritten Apocalypse #03: Mike Carey solta em Londres um exército composto pelos soldados das centenas, ou talvez milhares, de ficções que mostram a cidade como palco de guerras fantásticas. Os conhecedores das literaturas fantásticas percebem o que o argumentista está a homenagear, as visões de Guerra Futura que caracterizaram a génese da FC inglesa. Mas também não se esquece as comédias de costumes, tragédias shakespeareanas, fantasia épica, zombies nazis, guerras no ar e até H.G. Wells, até porque ele foi o pai deste género de ficções. Os exterminadores marcianos vieram, num curioso paradoxo, salvar a pele de Tommy Taylor e dos seus amigos, capturados pelo exército de tropas ficcionais. E chegamos ao fim com estas pranchas épicas. Há algo de fantástico nesta ideia de casacos-vermelhos coloniais a abater mortos-vivos da Wermacht, roedados de hordes medievais, criaturas de pesadelo, enquanto caças das duas guerras mundiais se digladiam nos céus por entre zeppelins e tripés marcianos a disparar raios da morte. Suspeito que um S. Jorge de espada flamejante cruza os céus montado num dragão.


The Witcher #01: Fantasia épica com variante ocultista não é género que me atraia, mas este Witcher surpreendeu. A história parece pegar no que é habitual no género, com um mago viajante a encontrar uma amizade numa pausa casual dos cansativos périplos. Este mago trai a seriedade habitual dos magos com histórias da sua irreverência obscena. As suas viagens não são uma busca para combater o mal, antes fugas dos habitantes em fúria das terras por onde passa porque, após os salvar de males inomináveis, andou a desvirtuar as donzelas da terra sem qualquer intenção de as tornar mulheres honestas. Já o companheiro é uma espécie de Sancho Pança torturado pela visão da mulher, morta e revivida por bruxas vampiras. Diria que The Witcher tem o seu quê de D. Quixote sem a carga de humor patético do romance de Cervantes. Para completar o desfile de lugares-comum narrativos, os heróis atravessam uma floresta assombrada onde os caminhos se dobram em labirintos. Nada de novo, mas o ambiente negro e tenebroso do argumento, a condizer com a escuridão imprecisa da ilustração, deu a este primeiro número uma intrigante ambiência de horror.

domingo, 23 de março de 2014

>estrada_fora




Não quero soar negativista, mas se calhar o vislumbre de primavera foi falso alarme.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Leituras


Chairman Bruce dixit. E tem tudo a ver com o próximo artigo que me despertou a curiosidade. Entretanto, a mais recente das suas já tradicionais e lendárias conferências de encerramento do SXSW, que medem tão bem o pulso ao mundo tecnológico e digital, pode ser ouvida no SoundCloud: Bruce Sterling Closing Remarks SXSW Interactive 2014.

Who Wants To Be A Cyborg?: Uma intrigante visita a um grupo de pessoas que não está para ficar sentada à espera que o progresso da ciência e tecnologia os leve aos futuros imaginados e se entretém a experimentar com a tecnologia e o seus corpos. Implantam ímanes e sensores no corpo, ampliam e descobrem novos sentidos de percepção através de usos intrigantes de tecnologias já existentes. Alguns colaboram com investigadores tradicionais, outros desenvolvem os seus projectos numa sub-cultura dedicada à transcendência da natureza humana, mesclando a carne com a tecnologia. É curioso que se apelidem de grinders, termo com que deparei há uns anos quando descobri o hipermoderno Doktor Sleepless do Warren Ellis. Há por aqui experiências fascinantes, como do pintor daltónico que com uma prótese tecnológica ouve as cores, ou do grinder que implantou ímanes nos ouvidos e ouve música graças a bobines indutoras que usa como colares, mas que já está a experimentar o ligar de contadores geiger e outros sensores sonoros que lhe dão uma perspectiva radicalmente diferente sobre o espaço real.

Elegy for a Contry's Seasons: Um poético ensaio que nos leva a enfrentar a dura realidade do aquecimento global através das pequenas mas marcantes alterações aos ciclos naturais. Toca em muitas vertentes, desde a descrição das modificações climatéricas nas estações com os invernos mais rigorosos e chuvosos, verões mais quentes e meias-estações quase desaparecidas, um espiralar cíclico que a cada ano nos traz uma nova alteração nos ritmos naturais; a cegueira auto-induzida dos responsáveis e negadores das alterações, centrada em visões de curto prazo e recusa em aceitar o que é para todos evidente; a dura realidade de países de terceiro mundo para os quais as catástrofes ambientais não são um argumento, são um facto que se repete a cada ano com maior intensidade; o sentimento de impotência perante a incapacidade de, enquanto sociedade e espécie, travar algo que a cada ano que passa cada vez mais se aproxima do irremediável. "Each country has its version of this local sadness", reflecte-se a meio do ensaio.

Reading to have read: Retirei algumas coisas deste artigo demolidor de Ian Bogost sobre mais uma app que promete facilitar a forma como lemos. Primeiro, do ridículo da app em sim, que transforma o acto de leitura diagonal numa corrida tecnologicamente assistida. Não temam mais, dizem-nos os seus criadores. Acabou-se o problema da falta de tempo para ler com esta app que permite que um livro como Guerra e Paz seja lindo num dia. O problema óbvio aqui é que ler não é apenas aglomerar letras em palavras, é compreender o que está escrito, seguir a linha de raciocínio dos parágrafos do texto, reflectir sobre o que lemos para o transformar em memórias e conhecimento. Não há aqui atalhos. Os nossos neurónios precisam de tempo para processar esta informação, e não há pílulas mágicas que façam desaparecer esta necessidade. O que o Bogost intui e afirma é que talvez ler, compreender e conhecer não seja hoje o objectivo. Num mundo digital caracterizado pelo excesso de informação, onde se produzem  e consomem por dia quantidades gargantuescas de palavras, o foco não está nos textos em si mas nos dados trazidos pelas suas partilhas. Ou seja, o que interessa é que um artigo seja publicado, partilhado, ganhe visibilidade, acumule cliques, e não que seja realmente lido: "In today’s attention economy, reading materials (we call it “content” now) have ceased to be created and disseminated for understanding. Instead, they exist first (and primarily) for mere encounter." Porque as stacks vivem disto, deste imparável fluxo de conteúdos interligado por minúsculas transacções publicitárias que se acumulam num bolo que vale biliões: "technology and media companies might want to compress more and more interactions with content (let’s not mistake them for reading) into a smaller and smaller amount of time. Think of it as an attentional version of data compression: the faster we can be force fed material, the larger volume of such matter we can attach to our user profiles and accounts as data to be stored, sold, and bartered." Nesta automatização progressiva quase que poderemos imaginar uma situação-limite, em que o elemento humano pode ser retirado desta complexa equação de bits, conteúdos e dinheiro sem que o sistema colapse. Bots a mastigar e trocar conteúdo para que bots o partilhem e bots registem o acumular financeiro do conteúdo produzido por bots para que bots registem o comportamento dos bots de partilha.

We Love Screens, not Glass: Uma intrigante reflexão sobre a nossa relação com superfícies capazes de exibir informação para visualização. Talvez os ecrãs, hoje objectos portáteis que cabem no bolso e que contam com uma ascendência genealógica que inclui os canhões de electrões televisivos, as telas de projecção cinematográfica, as telas de pintura, enfim, qualquer superfície impressa, respondam a alguma necessidade intrísecamente humana de tocar em algo de externo ao corpo, um refúgio de fisicalidade na abstracção digital.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Ir à praia


E aproveitar para ver o mar pelo olhar da tecnologia. Novas formas de ver, novas estéticas.


Já o algoritmo de fotogrametria do 123DCatch sentiu-se um pouco confuso com a profusão de rochas e pedras nas praias. Mas não temam, os algoritmos aprendem depressa. Quanto mais informação lhes é dada em alimentação mais eficazes se tornam.

Comics: Malinky Robot; Yesterday's Tomorrows


Sonny Liew (2011). Malinky Robot. Berkeley: Image Comics.

Há neste livro uma curiosa mistura de sensibilidades. Temos por um lado o estilismo bonito e atraente das personagens infantilizadas como desenhos animados. Por outro, o futurismo alastrante de sabor asiático das megalópoles que misturam o hipermodernismo dos arranha-céus de vidro brilhante com o fervilhar humano ao nível das ruas. Isto é FC, mas de forma difusa, uma visão poética que digere influências da FC tradicional e das visões de futuro do manga e anime.

Malinky Robot vive de um certo experimentalismo gráfico, que não hesita em reformular as estrutruas gráficas de diversos géneros de banda desenhada, e de uma profunda inocência narrativa nas aventuras simples dos dois amigos e um robot. Faz recordar Charlie Brown, se as suas inocentes aventuras tivessem sido escritas por Charles Schultz e ilustradas por um artista que misture os talentos de Myiazaky e Otsomo. De facto, uma colisão simpática entre os Peanuts, Akira e Chihiro é o que melhor me ocorre para descrever este delicioso livro.


Rian Hughes (2011). Yesterday's Tomorrows: Collected Comics. Berkeley: Image Comics.

O estilo retro-futurista do ilustrador Rian Hughes está em destaque neste livro que colige histórias que ilustrou. Visualmente é um mimo, trazendo ao leitor uma mescla de estilo googie, as cores suaves mas vibrantes em voga nos anos 50, design retro, e toda a parafernália visual de uma tecnologia de ferro curvado e a espiralar para os céus. Histórias como Science Service, Dan Dare e Realy & Truly evidenciam o concretizar no papel destas visões de futuros que nunca aconteceram. Dan Dare, com argumento de Grant Morrison, é a mais brilhante das histórias coligidas. Visualmente está um espanto, com Hughes a actualizar com um toque certeiro de decadência as visões ingénuas de Frank Hampson, criador desta personagem clássica da BD inglesa. Sendo um argumento de Morrison, é de esperar coisa interessante, e não desilude. A inocência luzidia do Dan Dare original leva com uma dose forte de cinismo inspirado no neoliberalismo violento dos anos de Thatcher numa história sobre a amargura da velhice, as ilusões da utopia e o gosto pelo poder a qualquer custo. De Morrison ainda lemos Realy & Truly, talvez escrito sob influência de psicotrópicos com uma ilustração que não lhe fica atrás. Science Service leva-nos a um hipotético futuro, onde os sonhos retro-futuristas moldaram uma realidade que por debaixo do utopismo luzidio esconde a habitual corrupção humana. O resto, apesar de visualmente estimulante, não se distingue da larga massa de normalidade impressa para consumo.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Trillion year spree


Brian Aldiss, David Wingrove (1988). Trillion year spree : the history of science fiction. Londres: Grafton Paladin.

Onde começa a FC? Qual o texto seminal de onde germinou esta forma literária? Aldiss é muito preciso. Rejeita textos clássicos fantasistas como o de Luciano de Samosata ou as viagens fantásticas dos autores enciclopedistas do iluminismo e focaliza-se em Frankenstein como a raiz da imensa floresta da FC. A confluência do romance gótico com visão científica, os traumas pessoais da autora sublimados através de narrativas que fogem ao ocultismo mágico e contemplam as possibilidades científicas, bem como a responsabilidade, arrogância e consequências imprevisíveis do progresso que confluem no drama do Viktor Frankenstein, e o seu lado de romance-périplo que através das aventuras dos personagens leva o leitor numa viagem dupla por entre cenários fantasistas e ideias progressistas são os elementos que Aldiss acusa como elementares para o género.

Para lá de Shelley, Aldiss leva-nos a Poe como outro dos nomes germinais do género. Mas não o faz cegamente. Observa que a grande força narrativa de Poe está no seu lado mais tenebroso e obsessivo e reflecte que as suas incursões na proto-fc são intencionalmente patéticas, como se recusasse ir tão longe nos domínios especulativos quanto vai nos das trevas obsessivas. Então porque é que Aldiss o salienta? Pela sua mestria no domínio do conto, onde de facto foi precursor. Note-se que a capacidade sintética da narrativa curta é uma das grandes características da FC.

Aldiss não esquece outros textos que exploram diversas temáticas que irão coalescer na Ficção Científica. Regressa aos périplos planetários com Luciano de Samosata, Kepler e Voltaire, vai aos proto-universos paralelos de Margaret Cavendish e analisa a longa tradição das utopias e distopias num arco literário que inclui Platão, More, Swift, Defoe, Butler e Zamiatin. As raízes do totalitarismo mecanicista de We encontram-se na utopia esclarecida da República platonista.

Na era Vitoriana Aldiss estabelece a génese do ideário que gerou a FC contemporânea. Não é uma afirmação inocente. Esta é a era em que o conceito de progresso se afirmou, com a ideia que o progresso científico geraria progresso tecnológico e social. Este é um substrato a partir do qual podem nascer visões de futuro, e foi o que aconteceu. Quer a partir do progressismo social de Gilman, da visão de superioridade tecnológica de Bulwer-Lytton, ou da caricatura que traduz um fascínio visceral, difícil de definir, com o artefacto tecnológico patente em Hoffmann ou Villiers d l'Isle Adam. É deste substrato que partem Verne e Wells, de formas diferentes mas profundamente influentes.

Verne, como Robida e outros escritores similares, repensa a tecnologia, a grande novidade da época, e utiliza-a de forma particularmente eficaz como elemento em narrativas de aventuras que têm cativado gerações. Verne não é um verdadeiro futurista, colocando visões tecnológicas arrojadas ao serviço de uma visão de contemporaneidade. Wells parte de uma base similar, mas consegue projectar mais longe as preocupações da emergente era industrializada do progresso técnico. Verne deslumbra-se, Wells preocupa-se com as consequências e a sua mensagem é a de que serão profundamente transformativas. E, no caso das passagens mais fortes de Time Machine, irrelevantes. No longo amanhã tudo será reduzido a pó.

Para além de Wells Aldiss traça o desenvolvimento da FC enquanto forma de literatura popular, onde a preocupação literária fica para segundo plano e a ciência e tecnologia são os elementos chamativos para atrair os leitores. Neste saco Aldiss coloca obras tão díspares como as Edisonades, robots a vapor nas pradarias ou antevisões de guerras futuras que se tornariam horrendamente prescientes poucos anos depois na I guerra. Aldiss também faz notar uma atracção progressiva pelo exótico e selvagem, pela decadência da visão limpa da utopia invadida pela selva primeva. Fala-nos aqui do aventureirismo selvagem de H. Ridder Haggard, do renascer do mito telúrico primevo de Stoker ou dos horrores tecnológicos de M.P. Shiel e até o espírito libertário de Jack London. Parecem nomes curiosos para debater a génese da FC mas Aldiss tem uma visão abrangente, sabendo que o género vai muito para além da ficção especulativa de base científica, indo beber a variadas fontes que por sua vez o modelam e transformam.

Esta é a ponte que leva Aldiss ao trabalho de Edgar Rice Burroughs. Escritor prolífico, foi talvez o primeiro escritor profissional a viver da sua prosa de aventuras exóticas. Não o primeiro, claro, mas talvez o primeiro dos escritores de best sellers constantes que mina até à exaustão uma ideia que agradou ao seu público. Aldiss foca-se particularmente neste aspecto, demonstrando que em Burroughs o rigor científico se esfuma, a visão progressista é deixada para trás pelos conceitos orientalistas do fascínio pelo exótico. Mas legou-nos histórias que perduram, e um gosto pela narrativa de aventura que está mais para o lado do fantástico do que de uma FC que exige rigor científico. É esse o outro ponto onde Aldiss foca: Burroughs está na fronteira entre a narrativa de aventuras com bases progressistas e a pura fantasia de sabor exótico. É com este argumento que o autor olha para Hogdson, Clark Ashton Smith ou o incontornável Lovecraft, como fornecedores de visões proto-surreais do fantástico que não são estritamente horror ou fantasia.

Ao olhar para os anos 30 é impossível fugir aos pulp, e Aldiss não o faz. Antes, opta por um ataque visceral a Hugo Gernsback, editor da seminal Amazing Stories. Detestar não é conceito suficiente para descrever o ataque de Aldiss. Ódio abominável aplica-se melhor. Para este autor, Gernsback representa as duas vertentes que mais detesta nas concepções de FC: a bastardização do género, banalizado em histórias simplistas de aventuras com adereços futuristas, e a escrita a metro sem preocupações de qualidade. Fica claro que Aldiss abomina aquele futurismo optimista retro que William Gibson satirizou com elegante nostalgia no conto Gersnback Continuum.

Despachando a génese dos pulps, Aldiss volta-se para o trabalho de autores considerados parte do cânone literário tradicional mas cuja prosa roça, toca ou mergulha descaradamente na ficção científica. É nesta luz que analisa o absurdo surreal de Kafka, o humanismo de Kapec, ou o proto-psicadelismo social-progressita de Aldous Huxley. Não esquece C.S Lewis, que sendo mais conhecido como fantasista é o autor de uma curiosa e bem urida triloga de FC que mistura o misticismo mítico com uma visão aventureira do sistema solar. Aldiss interliga o trabalho destes autores pela constância de uma visão que vai além do real e pela óbvia reacção ao horror da primeira guerra, muro onde se estamparam os futurismos radicais que prometiam um amanhã construído com fé cega na tecnologia. Termina com uma curiosa comparação entre a FC mítica e fortemente poética de Olaf Stapledon com as pretensões mitológicas do mais popular mas de prosa mais banal Tolkien.

Se as visões a metro de aventura fantástica/futurista editadas ao estilo de Gernsback são aberrantes para Aldiss, o estilo editorial marcante de John W. Campbell dá o mote para uma análise dos autores da ficção pulp que se tornaram grandes mestres da FC. A preocupação do editor com uma boa mistura de especulação ´com qualidade literária legou-nos o trabalho de Jack Williamson, Pohl, Van Vogt, Gunn e Bradbury, entre tantos outros, ao longo de uma influente carreira como editor. Mas fica sublinhada a dicotomia entre duas grandes vertentes da FC. Temos a aventura futurista, onde a plausibilidade não é importante e a prosa é muitas vezes sofrível, apesar dos altos expoentes de EE Doc Smith; e a FC com preocupação literária, pensada a partir de ideias e ambientes que não são necessariamente dependentes de um artifício tecnológico.

Abre-se o caminho para os anos 50, onde o optimismo começa a esfumar-se perante o rescaldo da II guerra e das novas super-armas capazes de destruir a humanidade. Perde-se a fé cega no progresso e na perfeição tecnológica. A razão aplicada, ao contrário do quadro de Goya, é geradora de monstros e estes encontram lugar no melhor da ficção de Asimov, Bester, Vonnegut, Miller Jr., Damon Knight ou Blish. Aldiss sublinha o negativismo e paranóia subjacentes à FC nos anos 50 com uma visita ao incontornável 1984, onde se mostra a queda de todas as utopias. Mas nem tudo é obscuro nesta época e Aldiss avalia o crescimento literário de Bradbury, que nunca abandonou o deslumbre infantil para com o futuro, embora lhe reconheça os fantasmas, e o sublimou num realismo mágico que ultrapassou as fronteiras do género com uma invejável candura. Essencialmente, Aldiss mostra que independentemente das preocupações dos autores a FC atinge a maturidade literária nesta época.

O livro termina com três notas. Primeiro, Alidss vê-se obrigado a olhar para os grandes sucessos do cinema que trouxeram a FC para as luzes da ribalta. É claro que a estética e o ideário de filmes como Star Wars, Blade Runner e 2001 não lhe agrada. Vê-os e ao seu sucesso como uma simplificação bastardizante do género, que se afasta do intelectualismo pelo qual luta ao longo do livro. O torcer de nariz é tão pronunciado que se sente. A finalizar o século XX (e o livro) Aldiss olha para o lado mais intelectual da FC, o movimento iniciado por Moorcock na revista New Worlds que nos legou uma visão de FC experimentalista, literáriamente complexa e em busca de novos temas e estéticas. Analisa a herança de Moorcock e Ballard e o seu reverso, o regresso dos clássicos Asimov, Heinlein e Clarke como detentores do estatuto de visionários multimilionários graças aos best-sellers repetitivos que vendem como pães quentes.

Para encerrar, Aldiss faz um longo apanhado dos autores e tendências da FC nos anos 80. É curioso ler sobre vozes hoje estabelecidas como Greg Bear, William Gibson, Bruce Sterling, David Brin e outros como jovens promessas cujas estéticas apontavam para possíveis novas vertentes de exploração da FC. Outros nomes desvaneceram-se, e outros renderam-se ao comercialismo que Aldiss tanto critica ao longo desta obra.

Ufa. O título aponta para o vasto alcance ambicionado por Aldiss. Esta é de facto uma história da FC, pesquisada e contada por um dos seus praticantes. Não é uma narrativa isenta. Aldiss não se coíbe de opinar e fazer transparecer o que pensa ao longo do livro. Isto é particularmente visível na forma como arrasa Gernsback, Hubbard ou qualquer vertente da FC com que discorde. Mas não deixa de ser um observador presciente, capaz de auto-criticar os vícios do género, entre os quais a predisposição para lutas internecinas. Pela abrangência e profundidade, este é um livro incontornável para quem quer ficar a conhecer bem o que é a ficção científica.

terça-feira, 18 de março de 2014

Asteroide Argo: Il Destino Dell'Impero; Le Cronache di Marte: Il Gladiatore.



Bepi Vigna, Elena Pianta (2012). Asteroide Argo #05: Il Destino Dell'Impero. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Sim. Existe. Lentamente, ao sabor da boa vontade de scanners e uploaders e já mais capaz de atravessar uma barreira linguística de si não muito complexa, vou descobrindo a resposta à minha pergunta. Sim, há uma vertente de FC no fumetti que tem vindo a ser bastante bem explorado. Se nas séries Legs Weaver e Nathan Never a FC existe como elemento decorativo, daí também partiu a variante Universo Alfa, conjunto de publicações geradas a partir dos elementos fulcrais do universo de Nathan Never mas com maior liberdade para explorar variantes de FC. Guerra Futura 2104 explora - e pelo que já vi, muito bem, a FC militarista; Agenzia Alfa expande o ambiente de policial no espaço e Dipartimento 51 leva-nos ao passado do universo ficcional, o nosso passado e presente, para histórias que lidam com o oculto e ovnilogia.

A série Asteroide Argo segue noutra direcção. Por razões que ainda desconheço porque, em Fumetti, as histórias de origen depressa ficam distantes, um grupo de agentes Alfa está à deriva por uma galáxia alenígena. Cruzam-se com um império estelar povoado pelas mais estranhas espécies extraterrestres e neste episódio vêem-se envolvidos em intrigas para controlar a sucessão do líder do império.

Ser interessante não obriga a ser bom. Périplos pelas galáxias é do que mais há por aí, grupos de aventureiros à deriva cruzando-se com civilizações estranhas é uma velhíssima estrutura narrativa da FC. Nada de novo por aqui, excepto este sabor italiano, e ainda agrava pelo pendor dos argumentistas e ilustradores de usarem e abusarem dos estereótipos dos alienígenas humanóides. Para além das habituais cabeças de cérebro à mostra ou humanóides disformes ainda se lembraram de inventar uma espécie cujo rosto tem três narizes triangulares similares aos de porcos e um príncipe em busca de trono que se assemelha a um esqueleto com uma coleira de bicos ao estilo punk no lugar do cabelo. Não, não estou a inventar, sim, estou a descrever alguns dos mais óbvios voos de mau gosto desta série. Como sinal positivo, há de destacar aquelas visões arquitectónicas feérico-orientalistas cheias de cúpulas e espirais para encher o olho.


Bepi Vigna, Germano Bonazzi (2013). Universo Alfa #12: Le Cronache di Marte: Il Gladiatore. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Um curioso aprofundar do futuro ficcional de Universo Alfa. O foco está em Marte, onde duzentos anos após as primeiras tentativas de colonização humana o planeta foi terraformado, e grandes cidades pontuam a desolada paisagem marciana. As agruras da vida em Marte obrigaram os primeiros colonos a desenvolver mutações genéticas intencionais, para gerar seres melhor adaptados às duras condições. Duzentos anos depois a sociedade marciana divide-se entre mutantes superiores, mutantes e descendentes de terrestres. O poder está nas mãos dos mutantes superiores, que instauraram uma ditadura fascista assente na ideia da sua superioridade biológica e social. Os humanos vivem aprisionados em campos de concentração, libertos apenas para trabalhar como mão de obra escrava e manter próspera a economia marciana. O périplo de descoberta é feito através das aventuras de um gladiador humano das arenas de combate marciano, filho adoptivo de um casal de mutantes que não partilha da ideologia oficial.

O subtexto é pouco subtil. O aproveitar da estrutura clássica da distopia de futuro totalitário segue as linhas habituais, mas sendo uma obra de fumetti traz-nos o carácter italiano. Para além da crítica às ideologias e xenofobia totalitarista, vemos aqui uma referência à história recente de Itália. A clique que detém o poder é representada por um mutante supremo, mas o curioso é que todos os mutantes superiores são retratados como clones mal disfarçados de Mussolini, desde o olhar duro no rosto balofo à pomposidade oca da personalidade.

Este é outro dos elementos que forma o universo Alfa. Temos a Terra futura, o sistema solar dividido entre o berço da humanidade, as estações orbitais e o planeta Marte, em guerra entre si com algumas colónias nos restantes planetas, e a Agência Alfa a funcionar como fio condutor da narrativa. Esta versão ampliada do que Nathan Never e Legs Weaver iniciaram tem aspectos intrigantes.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Playtime


Vai crescendo, vértice a vértice, superfície a superfície. Fermento não incluído.

Comics


Batman #29: Já percebemos, Scott Snyder. Não era preciso ser tão óbvio, via-se desde a primeira página deste reboot Year Zero que a vénia, dívida intelectual e homenagem às narrativas estruturantes de Frank Miller é enorme. Snyder recupera um Batman incipiente em toque policial conspiratório, actualizado para o século XXI, com elementos da cinematografia que têm o seu quê de forçados, e sempre que pode cita Year One no argumento e The Dark Knight Returns na iconografia. Como neste painel, em que recuamos vinte anos até ao estilismo de Frank Miller. Bem, uma das características dos comics é a forma como empacotam o mesmo de sempre em embalagens que pouco variam entre si, exceptuando os detalhes que traduzem as épocas. A saga Year Zero não é excepção, embora as capacidades argumentistas de Snyder a tornem uma boa leitura.


Beasts of Burden: Hunters and Gatherers: É impossível não ficar encantado por este comic. A premissa é clássica. Temos um grupo de defensores do sobrenatural que protegem uma cidade que ignora os terríveis perigos que se ocultam nas trevas. O que distingue esta série é que aqui os defensores são um grupo de adoráveis cães e um gato, que defendem a pacata cidade de Burden Hill das mais terríveis ameaças das forças tenebrosas do além. A dissonância cognitiva entre as cores vivas e ingénuas dos animais falantes e as histórias de combate contra o mal dá-lhe um encanto muito próprio. E cuidado. Aquela matilha de cães simpáticos que nos contempla com olhar plácido pode ter objectivos obscuros. É bom que não sejamos vistos com uma criatura das trevas disposta a tudo para arrasar o dia luminoso.


City Mind in the Machine #02: A primeira edição desta série não aqueceu nem arrefeceu. Tipo que cega depois de um acidente. Visto. Corporação malvada que o usa para experiências cibernéticas. Visto. Cientista amigo que se preocupa com as repercussões das vontades do ambicioso gestor da empresa. Visto. Cego que recupera a vida com olhos robóticos. Visto. Olhos esses que são um interface entre o seu cérebro, uma inteligência artificial e as milhares de câmaras de videovigilância que estão espalhadas pela cidade. Olá, esta intriga. Crítica  pouco velada à sociedade panopticon onde a paranóia da segurança se sobrepõe aos direitos fundamentais. Visto. Mas na segunda edição temos vislumbres do que acontece à mente do homem-cobaia cujo olhar abarca as câmaras de videovigilância da cidade. Intui-se uma mescla de homem-máquina, com o cérebro a adaptar-se a este novo sentido de formas inesperadas. A história continua a mesma, mais uma variante das narrativas que colidem segurança com direitos, mas o toque cyberpunk aqui assumido é delicioso.


Captain Marvel #01: Confesso. O que despertou a curiosidade foi a capa. O que encontrei foi uma surpresa. Sabemos que os comics de super-heróis são repetitivos até à exaustão e exímios em reempacotar o mesmo de sempre em novas roupagens. Estas por vezes surpreendem. A nova série da Capitã Marvel promete trazer um toque space opera de aventura pelos recantos mais exóticos da galáxia. É uma curiosa mudança de tom. O género não é estranho à editora, e o último tie-in foi uma space opera militarista de escala épica. Esta nova Captain Marvel talvez seja uma reacção ao classicismo que Jim Starlin veio trazer a Stormwatch na DC, também assente em conceitos clássicos de space opera.


Magnus Robot Fighter #01: A Dynamite não perde muito tempo com personagens originais. Para quê arriscar, se se pode espremer a propriedade intelectual pré-existente? Mas vai tendo algum cuidado nas suas abordagens, que no seu melhor se traduzem em interessantes revisões de personagens clássicos. Magnus é a mais recente adição ao panorama da editora e Fred Van Lente, o responsável pelas bizarrias de Archer & Armstrong, consegue manter um bom equilíbrio entre as bases clássicas do personagem e uma arrojada linha narrativa de pura ficção científica futurista com toques cyberpunk. As bases continuam as mesmas, mas a revisão ao mundo ficcional arrancou-o do retrofuturismo datado dos anos 50 e meteu-o em cheio nas mais viscerais visões de hipermodernidade tecnológica extrapolada para uma visão pós-singularitária. E nota-se que o argumentista está a fazê-lo com um gozo invejável.

domingo, 16 de março de 2014

This is the Future Now

"Those other media have nourished other fandoms which, like clones, resemble the original fandom Trekkies. Dr Who fans, Sword and Sorcery buffs - but are different from it. The masquerades are great, the swordplay terrific, the Skywalker lookalikes fine. Lifestyle imitates art. But even the near past is forgotten when literacy becomes a minor category. There's no kudos in having read John Wyndham or Philip Dick's novels as they appeared. One of the main cohesive factors within the field has faded silendy away. SF? Who reads SF? that seems a common modern fan's cry."

"But if SF as prophecy is out, SF as prodromic utterance definitely in. We have seen how Mary Shelley had a prodromic gift. Our beliefis that SF has something of the same ability. Submerged themes, as we've said already, move through science fiction. Fear of Dehumanization in the fifties, Life-Style in the sixties."

"It is, undoubtedly, safer to take a chance on a tried and product than a new commodity. Easier to serve up more of the same than trust to your own judgement and tempt the consumer with a new brand."

"The subsequent volumes have done the same. The tenacity of poor SF is renowned. It has unfortunately formed the hallmark of the genre."

"This is the Future Now. The few years before century's end will prove a long time in world history; we live, as they say, in interesting times."

"In the coming years we expect to see continued growth and proliferation of mass media technology. Will books themselves remain unaffected by this radical shift in our entertainment habits? Of one thing you can be certain - there's an SF story about it somewhere in the magazines."

"Finally, we predict a growing predilection in the non-literary artistic media for using SF metaphor as an art form; something that will, in time, feed back into the literary form. We see  beginnings of this in the pop video, with its abrupt, telescoped imagery. Art often revitalizes itself by refashioning the popular."

Brian Aldiss, David Wingrove (1988). Trillion year spree : the history of science fiction. Londres: Grafton Paladin.

sábado, 15 de março de 2014

Uma linha que separa.


Para aqueles que, como eu, abominam o vírus memético linguístico da expressão há uma linha que separa... que contamina as consciências através da publicidade, tomem lá esta, cortesia do brilhante horror surrealista de Night Vale: "there is a thin semantic line separating weird and beautiful, and that line is covered in jellyfish".

Respirar.