segunda-feira, 24 de março de 2014
Comics
American Vampire Second Cycle #01: Se o público gosta e a coisa vende, há que lhe ir fazendo as vontades e melhorar a rentabilidade editorial. American Vampire está de regresso, mas nota-se que Scott Snyder está a levar a série numa direcção diferente da do primeiro ciclo. Pearl, a simpática vampira que durante o primeiro ciclo teve uma relação de constantes intersecções violentas com o icónico Skinner Sweet, anda a traçar a genealogia das espécies de vampiros, em busca da infecção original. E Skinner Sweet está de regresso. Mas isso é de esperar. American Vampire sem o escatológico Sweet não seria bem a mesma coisa.
Lazarus #07: O mundo ficcional desta série tem o seu quê de premonição arrepiante. Imaginem se os oligarcas contemporâneos decidissem dar o passo lógico da sua busca pelo domínio mundial e juntassem territórios ao seu poder económico e financeiro. Os estados colapsam e as fronteiras baseadas em nacionalismos desfazem-se numa míriade de feudos pertencentes ao punhado de Famílias que dominam a economia e agora a terra. Ser da família, algo a que se chega apenas pelo berço, é pertencer a uma aristocracia dominante que se socorre da lealdade de servos dedicados. Que o são, porque a alternativa a uma servidão que dá os confortos da classe média é ser considerado desperdício humano, massa infecta que se aglomera nas fronteiras feudais em busca de uma remota oportunidade de ser aceite como serva. É um curioso fechar de ciclo conceptual, uma distopia muito apropriada ao momento em que vivemos, em que se sente que o poder está de novo das mãos das velha e nova aristocracias, que não hesitam em empobrecer o planeta para manter as suas margens de lucro e transformaram de facto o mundo no seu feudo. É a sensação que hoje vivemos tempos em que só falta um passo muito curto para esta distopia que torna o comic de Greg Rucka tão acutilante.
Rocket Girl #04: É uma rapariga de uniforme futurista a voar com o seu jetpack nos túneis do metro de Nova Iorque. Numa história de paradoxos temporais e saltos entre um futuro de estilo retro-futurista e um passado de retro assumido nos anos 80. Tem personagens a voar com os seus jetpacks pelos céus de metrópoles do futuro. E em Nova Iorque. Vá, vamos lá a dispersar, não há muito mais para ver, fãs babados dos jetpacks e rayguns.
The Unwritten Apocalypse #03: Mike Carey solta em Londres um exército composto pelos soldados das centenas, ou talvez milhares, de ficções que mostram a cidade como palco de guerras fantásticas. Os conhecedores das literaturas fantásticas percebem o que o argumentista está a homenagear, as visões de Guerra Futura que caracterizaram a génese da FC inglesa. Mas também não se esquece as comédias de costumes, tragédias shakespeareanas, fantasia épica, zombies nazis, guerras no ar e até H.G. Wells, até porque ele foi o pai deste género de ficções. Os exterminadores marcianos vieram, num curioso paradoxo, salvar a pele de Tommy Taylor e dos seus amigos, capturados pelo exército de tropas ficcionais. E chegamos ao fim com estas pranchas épicas. Há algo de fantástico nesta ideia de casacos-vermelhos coloniais a abater mortos-vivos da Wermacht, roedados de hordes medievais, criaturas de pesadelo, enquanto caças das duas guerras mundiais se digladiam nos céus por entre zeppelins e tripés marcianos a disparar raios da morte. Suspeito que um S. Jorge de espada flamejante cruza os céus montado num dragão.
The Witcher #01: Fantasia épica com variante ocultista não é género que me atraia, mas este Witcher surpreendeu. A história parece pegar no que é habitual no género, com um mago viajante a encontrar uma amizade numa pausa casual dos cansativos périplos. Este mago trai a seriedade habitual dos magos com histórias da sua irreverência obscena. As suas viagens não são uma busca para combater o mal, antes fugas dos habitantes em fúria das terras por onde passa porque, após os salvar de males inomináveis, andou a desvirtuar as donzelas da terra sem qualquer intenção de as tornar mulheres honestas. Já o companheiro é uma espécie de Sancho Pança torturado pela visão da mulher, morta e revivida por bruxas vampiras. Diria que The Witcher tem o seu quê de D. Quixote sem a carga de humor patético do romance de Cervantes. Para completar o desfile de lugares-comum narrativos, os heróis atravessam uma floresta assombrada onde os caminhos se dobram em labirintos. Nada de novo, mas o ambiente negro e tenebroso do argumento, a condizer com a escuridão imprecisa da ilustração, deu a este primeiro número uma intrigante ambiência de horror.