Retirado de um livro sobre futurismo, encontrado em alfarrabista. Adoro estas iconografias clássicas, que hoje nos parecem datadas mas mantém o lustre do otimismo nas suas visões de futuros prováveis.
Retirado de um livro sobre futurismo, encontrado em alfarrabista. Adoro estas iconografias clássicas, que hoje nos parecem datadas mas mantém o lustre do otimismo nas suas visões de futuros prováveis.
Nada como um mergulho nas utopias tecnológicas de meados do século XX. Power and Progress é um livro antigo de divulgação científica, focado nas forças motrizes do progresso: a energia, carvão, à época; os motores a vapor; o petrólelo; as comunicações por sinais; produção em massa; aviação, o telescópio e medicina. Cada tema é explorado sob um prisma de ideário de progresso, de evolução técnica e social. É interessante perceber que as tendências que sentimos hoje já estavam presentes nesta análise, especialmente nas questões ligadas à energia, esgotamento de recursos naturais, ou importância das comunicações no dia a dia.
O livro está irremediavelmente datado, mas hoje não se lê como um preditor, mas sim como marco conceptual da forma como num passado pouco distante se especulava sobre o seu futuro próximo. Tem uma forte mensagem anti-guerra, e de esperança num crescimento contínuo de cultura e prosperidade. Oh my sweet summer child, não consigo deixar de pensar, ao ler estas palavras de esperança escritas nos anos 50, num 2024 onde a humanidade parece ter decidido abraçar o caos, estar-se nas tintas para os problemas ambientais, admirar os retrocessos nos direitos sociais, e o sonho de cada um ter voz graças aos meios digitais se ter tornando um pesadelo infestado de trolls, discursos extremistas e ódio. Lamento, mas apesar de todos os sonhos, não progredimos como o esperado. Até pelo contrário.
Tenho um gosto peculiar por livros antigos de futurismo. Não olho para eles com aquele olhar condescente, de ah, o quanto eles se enganaram naqueles tempos do passado em que se atreviam a especular sobre o futuro. Prefiro lê-los de forma comparativa, percebendo o que ainda hoje nos preocupa, aquilo que ficou irremediavelmente datado, e, também, aquelas esperanças futuras que ainda hoje nos soam a sonho.
Eurico da Fonseca é bem conhecido dos leitores de FC portugueses por ser o prolífico tradutor de várias coleções clássicas (e, dizem os entendidos, não especialmente bom tradutor). Neste livro, segue por outros caminhos, puxando das suas especializações em astronáutica para procurar falar sobre o novo milénio que, no final dos anos 90, estava ao virar da esquina.
É interessante comparar este futuro provável visto do final do século XX com as preocupações que temos hoje. A questão ambiental, que para nós é emergência grave, é aqui ainda pouco aflorada. As preocupações futuristas focavam-se mais no crescimento populacional excessivo, pressão sobre recursos naturais e economia.
O livro ganha vida ao falar de espaço, com detalhadas apresentações de propostas e projetos de exploração espacial, bem como de tecnologias em desenvolvimento. O deprimente, lendo este livro 24 anos depois da sua publicação, é que muitos dos projetos não passaram disso, e ainda continuamos longe de tecnologias que nos permitam ir aos planetas do sistema solar, bem como passar mais além. Esses sonhos, continuam a ser uma esperança longe de ser realizada.
Lendo uma curta biografia do autor na wikipedia, não posso deixar de registar a ironia de ter falecido precisamente na viragem do século que procurou antever neste livro.
A resposta à pergunta de como seria uma guerra entre a NATO e o Pacto de Varsóvia é, felizmente, hoje uma especulação retórica. Não o era no final dos anos 70, quando este livro foi escrito, as realidades da história passada colocavam como quase inevitável um confronto destes. Escrito por um general inglês, este livro é uma visão sóbria e realista de como um conflito destes poderia ter acontecido. Spoilers: não acaba com um holocausto nuclear.
Tendo sido escrito por um general, não esperem uma pérola literária. É essencialmente um imenso infodump especulativo, alicerçado no conhecimento das tecnologias militares, escolas de pensamento estratégico e relatórios sobre condições políticas. Tem um lado otimista, com o ocidente a triunfar e uma certa antevisão da desagregação da União Soviética, e a visão conservadora do militar coloca de lado algumas vantagens sociais óbvias (como ter sociedades onde as organizações laborais são uma voz ativa, embora há que reconhecer que nos tempos da guerra fria a instrumentalização destas no jogo político tenha sido uma realidade). Como adoro infodumps e retro-futurismos, mergulhei a gosto neste livro.
Hackett extrapola algumas das condições históricas do final dos anos 70. Com as economias europeias a desinvestir na vertente militar, e os Estados Unidos moralmente enfraquecidos após a guerra do Vietname, a União Soviética explora os movimentos políticos no médio oriente e áfrica, para tentar garantir um progressivo controle de recursos naturais, ao mesmo tempo que mantém debaixo de olho o crescimento da China como potência asiática (curiosamente, sem grandes explicações, Hackett imagina uma espécie de união entre a China comunista e o Japão capitalista, o que não faz muito sentido, mas dá-se o desconto do livro ser sobre a europa). Mas o crescimento da influência soviética na geoestratégia global tem um reverso. As sociedades dos países da Cortina de Ferro (hey, lembram-se disto?) estão a ficar instáveis, em grande parte pela sua proximidade com a europa ocidental. Torna-se difícil convencer os cidadãos dos benefícios de viver na utopia soviética quando, do lado de lá da fronteira, os cidadãos dos países da europa ocidental gozam de um nível de vida muito superior.
Hackett imagina uma sequência de movimentações políticas e diplomáticas que conduzem a uma decisão funesta. O esmagar das veleidades cidadãs nos países da cortina de ferro é contra-balançado por uma intervenção americana a favor destes. E a guerra torna-se inevitável. Será a Alemanha o palco principal do conflito, embora Hackett analise o impacto global, especialmente focado no atlântico norte.
A análise especulativa reflete o potencial histórico, com a superioridade numérica e em artilharia soviética a enfrentar o menore número de soldados, mas equipados com melhores tecnologias, da NATO. Hackett descreve um cilindrar inicial dos europeus e americanos, a enfrentar vagas esmagadoras de tanques e artilharia soviética, mas a serem travados por táticas inteligentes e uso de armas avançadas anti-tanque, que erodem a superioridade numérica. Junta-se a isto uma luta pela superioridade aérea e naval, em que os meios ocidentais se revelam superiores em capacidade tecnológica e perícia das tripulações.
A guerra é curta e brutal, Hackett observa que o fortíssimo desgaste de meios militares que não podem ser rapidamente substituídos é o principal fator da necessidade de rapidez no conflito. O uso de armas nucleares é evitado a todos os momentos, temendo-se sempre alguma decisão irrefletida no terreno (uma das observações de uma potencial guerra era que, face à superioridade numérica soviética, seriam os militares da NATO a usar armas táticas como forma de deter os soviéticos). Mas o que decide o conflito é o uso de uma explosão atómica sobre uma cidade britânica, logo respondida com detonação similar sobre uma cidade soviética (uma aplicação das teorias de guerra nuclear estratégica limitada, com ataques contidos recíprocos para garantir a contenção do conflito). Uma ação que terá como consequências o afastamento dos países do pacto de Varsóvia da guerra, que não querem arriscar ter as suas cidades aniquiladas, bem como uma revolta no interior da União Soviética, porque as repúblicas não-russas também não se querem ver envolvidas no conflito. A União Soviética entra em derrocada, porque o seu poderio militar não consegue contrariar a evolução política, nem a necessidade de melhores condições económicas para os seus cidadãos.
O livro é otimista, mas tenta ser brutalmente realista. A guerra é curta, mas sangrenta e brutal, com um enorme potencial de derrota ocidental. Hackett não poupa esforços a traçar um quadro global detalhado do conflito, suas origens e consequências. Não é por acaso que, apesar das suas idiossincrasias, este livro se tornou um clássico da especulação militar.
É curioso lê-lo nos dias da guerra Ucraniana, onde uma Rússia que se afirma herdeira do império soviético tenta absorver uma Ucrânia independente. Curiosamente, no livro de Hackett, a faísca que levará a União à derrocada parte precisamente de independentistas ucranianos no seio do governo soviético. É curioso ver nas notícias que as táticas de esmagamento do adversário por intensas barragens de artilharia e tanques são hoje o elemento de combate russo, com consequências horrendas e criminosas para os civis. E, também, que o uso de mísseis anti-tanque portáteis anula a premissa do tanque como arma primordial de guerra. É, obviamente, uma curiosidade amarga.
"Tenho aqui uma coisa que ia colocar na reciclagem eletrónica, mas quis mostrar-te, talvez tenha interesse...", disse-me aqui há dias uma colega, que logo a seguir tira um portátil antigo da sacola. Normalmente torço o nariz a doações bem intencionadas de material obsoleto para a escola, mas olhei com atenção. Isto é excelente para o eventual futuro museu da tecnologia aqui na escola, disse-lhe. Ao longo dos anos tenho vindo a agregar exemplares de tecnologias antigas, obsoletas ou caídas em desuso que vão chegando, entre doações e coisas esquecidas no fundo dos armários. Alguns ainda a funcionar. Talvez um dia consiga encontrar forma de os mostrar.
O computador dela deu entrada na colecção. Parece estranho, mas estamos sempre tão deslumbrados com as novidades tecnológicas, que nos esquecemos da importância da memorialização. Quer como curiosidade, quer como recordação da história das tecnologias que usámos, que nos permitiram fazer coisas interessantes e diferentes, ou explorar diferentes formas de ensinar.
Aposto que algures, nalgumas bibliotecas universitárias, estão esquecidos alguns artigos e teses a analisar o impacto do uso do gravador de fita magnética na aprendizagem, ou a elencar estratégias inovadoras para o seu uso.
O obsoleto de hoje já foi o inovador do passado, e há que saber valorizar essa memória histórica e tecnológica. Para não se cair no desvalorizar de passos fundamentais para se chegar onde chegaremos amanhã. Para contextualizar as inovações de hoje (não por acaso, nas formações de capacitação digital nível 3 que dou, incluo um texto de Quintiliano nas leituras sugeridas). E, também, porque recordar esta evolução ajuda a distinguir o trigo do joio nas correntes discussões e hypes sobre as tecnologias educativas.
Podemos aprender com as antevisões passadas sobre o futuro? Podemos ler estes livros em tom jocoso, assinalando onde falharam redondamente. É a forma mais fácil de os interpretar, a que nos tranquiliza, porque a outra forma - lê-los como ideias racionais, postuladas por aqueles que, no seu tempo, extrapolaram o seu momento presente para futuros possíveis, coloca em questão o nosso deslumbramento com o pico cultural e tecnológico do momento presente, e a forma como antevemos a sua evolução. Ou seja, dentro de poucos anos, as nossas visões do futuro irão parecer tão anacrónicas com estas vindas do passado nos parecem.
Este livro colige textos escritos nos anos 70, que tentavam antever como seria o mundo em 1980. Curiosamente, não erraram nas tendências, que sentimos nos dias de hoje - a necessidade de integração europeia, a necessidade de desenvolvimento de novos urbanismos, a aceleração da economia e sociedade, o surgir dos problemas ambientais, e a progressiva integração da tecnologia digital no nosso dia dia.
Ou seja, não previram iphones e internet (os que gostam de futurismos simplistas apontam sempre estas falhas), mas puseram o dedo nas tendências estruturantes, nas forças que modelam o nosso modo de vida, dos quais iPhones e internet são, essencialmente, adereços. Dos ensaios, destaco o de Herman Kahn, dos mais prescientes sobre a forma como o digital iria alterar as nossas vidas. As tendências que apontou nos anos 60, são aquelas que caracterizam a nossa relação com a tecnologia, hoje.
Luis Miravitlles (1969). Passaporte para o Futuro. Lisboa: Editorial Verbo.
É sempre intrigante ler antigos livros de futurismo para perceber até que ponto as nossas visões do futuro estarão datadas, daqui a uns tempos. Este foi editado no final dos anos 60, e foca-se nas capacidades humanas (chegando a prever sistemas de comunicação futura via telepatia), nos avanços da biologia, na preocupação com o crescimento da população. Dedica todo um capítulo às máquinas, que é notável, por falar abertamente de inteligência artificial (refere o perceptron, um dos primeiros projetos do género), e de automação com base em informática e mecanismos. Fá-lo sobre uma perspetiva aumentativa, de expandir capacidades humanas com o homem no controlo, embora não descarte a ideia de cérebros artificiais.
Marc Hartzman (2020). The Big Book of Mars. Quirk Books.
Um olhar para o planeta Marte, dividido entre várias vertentes. Primeiro, os mitos das ciências incipientes, sobre canais e possíveis habitantes. Não esquece a interrelação entre cultura popular e estes mitos vindos de observações que posteriormente vieram a ser desacreditadas pelo avançar da ciência. Marte, com os seus canais e civilizações imaginárias, captou a imaginação no cinema e literatura, e não deixou de o fazer quando a ciência nos mostrou ser um planeta deserto e desprovido de vida (tanto quanto se sabe), com o sonho de o colonizar a substituir a aventura clássica. Finalmente, encerra com um panorama do que se sabe, hoje, de Marte graças à exploração levada a cabo por sondas e rovers, bem como uma visão dos planos para o estabelecimento de uma presença humana no planeta vermelho.
M. Vassiliev, S. Guschtchóv (1973). Reportagem no Século XXI. Lisboa: Editorial Futura.
Não resisto a fazer a piada óbvia: a grande falha deste livro de futurismo soviético foi no prever a queda do regime. Mera piada, até porque este mergulho na especulação de antevisão de futuros vinda dos tempos soviéticos prima pela sua dureza. Nada de visões cardboard futures de utopias urbanas, o livro é construído a partir de entrevistas a cientistas que tentam olhar para o futuro das suas áreas. Com um foco na indústria pesada, ciência pura, materiais e agricultura. O futuro soviético não era muito fofo. De fora, tudo o que se veio a revelar a revolução digital, apesar de algumas linhas dedicadas a máquinas eletrónicas capazes de auxiliar o cálculo humano, ou de reconhecimento da automatização da força de trabalho. Talvez sintoma do desfasamento das tecnologias de computação nos tempos da União Soviética face ao ocidente. Nem tudo no livro é indústria pesada, finaliza com conceções sobre veículos autónomos, cidades ambientalmente sustentáveis e o sonho da exploração do espaço. É sempre interessante ler especulações sobre o futuro vindas do passado, na forma como apontam possíveis desenvolvimento que nós, com a visão que temos, sabemos que não se passaram tal como o especulado, mostra-nos que não devemos confiar na linearidade das nossas próprias projeções de futuros. A capa deste livro é um portento de ilustração entre o surreal e o horrendo.
Recordar no Baú da FC um pouco de futurismo e FC encontrado enquanto perscrutava a coleção de revista da II Guerra do meu sogro...
Na sua última edição de 1991, os editores do Expresso decidiram dedicar um dossier especial da revista que acompanhava este sempre espesso jornal à ficção científica. Tem o que se espera, pequenos textos e algumas crónicas sobre o género, bem como a inevitável especulação futurista sobre tecnologias e tendências que iriam moldar o mundo de amanhã, visto do final do ano de 1991.