segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Colheitas


A colheita do Amadora BD deste ano. Confesso que não vou a estes eventos para me abastecer das novidades editoriais. Para isso há as livrarias, ou a banca do Público no Colombo onde dá para comprar os livros das colecções que editam sem ter de me chatear a caçar as bancas que vendem o jornal com o livro. Prefiro as surpresas, as raridades relativas, as obras inesperadas. A estas não resisti: Estilhaços e Sob um Mar de Estanho, duas curtas de uma colecção esquecida por José Carlos Fernandes, um dos nomes da cultura portuguesa que venero; o divertido Free Lance  de Diogo Carvalho, apesar da minha alergia à fantasia épica; o inesperado Histórias do Outro Mundo, uma antologia de BD de ficção científica que me passou completamente despercebida; Rei, onde Rui Zink e António Gonçalves exorcizam uma viagem ao Japão sob a forma de mangá experimental; o cyberpunk old school  de André Lima Araújo em Manplus, finalmente editado pela Titan Comics; o classicismo didáctico (pelas piores razões) de Portugueses na Grande Guerra, e não resisti a um volume de Doom Patrol porque... Grant Morrison não é argumento suficiente?

E sim, um badge de comunicação social. Usei a colaboração como aCalopsia como alavanca. As prendinhas foram um toque simpático, o badge parece mais importante do que realmente é, mas o que me interessava era poder fotografar à vontade no espaço da exposição, sem interferência dos zelosos vigilantes de sala do Amadora BD.

Comics


Descender #16: Claramente, esta é uma série de longo curso. A aventura space opera de um jovem andróide numa galáxia que baniu todos os robots e inteligências artificiais após uma revolta robótica que ia aniquilando as civilizações humanas e não humanas que se espalham numa confederação de planetas. Desta vez, o robot perfurador que protege o andróide ganha profundidade com uma história do seu passado. Com este fabuloso jogo de linguagem, driller a killer, a recordar um título de filme de Abel Ferrara sobre um dentista e o uso que dá à sua broca.


Serenity: No Power in the Verse #01: Os browncoats percebem. Serenity fica para a história da cultura pop como aquela série fantástica, misto de western e space opera, cancelada ao fim da primeira temporada, lamentada pelos fãs num daqueles casos clássicos de possibilidades perdidas que intrigam o imaginário (suspeito que se tivesse tido continuidade, decairia na banalidade e teria sido esquecida). Vai tendo continuidade em banda desenhada, com a Dark Horse a apostar em pequenas séries que fazem regressar a nave e os seus tripulantes aos fãs. Desta vez, a história envolve salvar uma jovem que, ao juntar-se a um grupo de rebeldes, acaba por ser um alvo da Aliança. Como sempre, a tripulação do capitão Mal Reynolds vai esgravatando a sua sobrevivência através de biscates e assaltos, naquela legalidade duvidosa e zona cinzenta habitada pelos bons ladrões. Mas a história é um pretexto. O que realmente atrai os browncoats é a possibilidade de mergulhar novamente no mundo de Serenity. Como é mesmo a letra o genérico? You can't take the sky from me?

sábado, 29 de outubro de 2016

50





Hinterland da zona das Caldas, Azenhas do Mar e Lisboa.

aCalopsia: H-alt #03

 
O terceiro número da H-alt, revista de História Alternativa e outras ficções em Banda Desenhada, representa um novo desafio editorial. Mantendo a regularidade e a vertente de edição de novos autores, abre agora espaço a colaborações internacionais que poderão funcionar nos dois sentidos. Coerente e em franca evolução, continua a ser um projecto editorial a seguir. Recensão no aCalopsia: H-alt #3.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Batman: Phantom Stranger



Alan Grant, Arthur Ranson (2000). Batman: Phantom Stranger. Nova Iorque: DC Comics.

Uma aventura mística, escrita pelo inglês Alan Grant. O cruzamento entre Batman e Phantom Stranger mistura crime e fantasia, numa aventura que mistura ladrões de campas, artefactos misteriosos,  académicos ligados à mitologia, jovens delinquentes e uma mensagem secreta vinda dos tempos antediluvianos da civilização de Mu. A combinação funciona. Coisa rara, Phantom Stranger é aqui um personagem interessante. O estilo clássico noir do ilustrador Arthur Ranson confere à série um atraente cariz gótico.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Creepy Presents: Bernie Wrightson



Bernie Wrightson (2011).  Creepy Presents: Bernie Wrightson. Milwaukie: Dark Horse Comics.

Bernie Wrightson trouxe ao mundo dos comics um estilo muito próprio, combinando mestria gráfica com um elegante barroquismo visual, alicerçado num fortíssimo sentido de composição e um olho para a espectacularidade visual. O ilustrador teve rédea solta nas páginas da clássica revista Eerie, conferindo às histórias que ilustrava uma qualidade muitas vezes superior aos argumentos. Os confinamentos da história de terror gótico, base das revistas de horror dos anos 70, de que a Eerie (e a Creepy, revista irmã, ambas da Warren Publishing), foram terreno fértil para a iconografia de Wrightson.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

The Courtyard



Alan Moore, Jacen Burrows (2008). The Courtyard. Rantoul: Avatar Press.

Uma das primeiras aventuras de Moore nos territórios dos Mythos de Lovecraft. Um investigador especial do FBI une os pontos que relacionam três assassinos, responsáveis por mortes tétricas mas sem aparente relação entre eles. Há um elemento comum, que o agente irá encontrar no bairro nova-iorquino de Red Hook. Lá, encontra-se o Club Zothique, ponto de encontro das vanguardas musicais lideradas pelos Ulthar Cats, cuja voz da vocalista Randolph Carter é inesquecível na canção as melodias de Zann. É ao som desta banda que irá conhecer Johnny Carcosa, traficante de Aklo, a droga mais poderosa do momento. Em busca de provas que irão deslindar os casos que investiga, decide tomar três doses da droga. Carcosa sussurra-lhe três palavras ao ouvido, em sucessão. Aklo não é uma substância, é uma linguagem vinda dos tempos esquecidos dos Grandes Anciãos, que abre a percepção para exóticas e monstruosas visões de um mundo para lá do desconhecido. O detective descobre-se contaminado pela linguagem, que lhe muda a percepção do mundo e o leva a cometer certos rituais sangrentos, adequados à nova realidade em que vive.

Os elementos barrocos e algo ingénuos do terror lovecraftiano, visto aqui na continuidade que une Lovecraft a Machen, Ashton-Smith e Chambers, são revistos por Moore num registo que lhes retira a linguagem ornamental e se centra na incompreensibilidade escatológica do horror cósmico. Vertente que virá a aprofundar em Neonomicon e Providence, mostrando que ligando as pontas, os Mythos continuam um terror válido para este novo século.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Canary in the Coal Mine

"Increasingly, our concepts of past, present and future are being forced to revise themselves," wrote J. G. Ballard in 1995— science fiction, as ever, the canary in the coal mine. The future is ceasing to exist, devoured by the all-voracious present. We have annexed the future into the present, as merely one of those manifold alternatives open to us." 
 James Gleick (2016). Time Travel: A History. Nova Iorque: Pantheon.

Comics


Hellboy and the B.P.R.D. 1954 Black Sun #02: Bolas, que soube a pouco. Sendo a mitologia sobre ovnis nazis e bases secretas na antártida um dos meus prazeres culposos, devo dizer que me desiludiu a rápida conclusão desta mini-série de Hellboy. Tocou nos pontos certos, prometia, mas desenrolou-se demasiado depressa para se poder saborear a insanidade retro da combinação bastarda entre ovniologia e o lado ocultista do nazismo.


Weird Detective #05: Os mythos de Cthulhu colidem com o policial procedimental, nesta história onde um enviado dos grandes anciães ocupa o corpo de um polícia corrupto para combater as terríveis criaturas lovecraftianas que se ocultam nas ruelas decadentes de Nova Iorque. Talvez o mais weird deste comic seja a ideia, rara, de que poderão haver monstros lovecraftianos bondosos. É daquelas coisas que arrepia a espinha.

sábado, 22 de outubro de 2016

Cinzentos


Ílhavo...


Gaeiras...


Vila Franca de Xira...


Alcochete.

Mas o outono ainda não se fez, realmente, sentir.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

aCalopsia: Criminosos do Sexo, volume 1



Suzie e Jon partilham de uma capacidade rara. Sempre que atingem um orgasmo, o tempo pára, literalmente. Capazes de se mover num mundo suspenso pelo clímax sexual, aproveitam a inusitada liberdade para resolver os problemas financeiros da biblioteca local com uma metodologia pouco legal. Acabam surpreendidos por outros que, partilhando esta bizarra capacidade, tomam a seu cargo a tarefa de policiar o mundo dos criminosos do sexo. Crítica no aCalopsia: Criminosos do Sexo.

Avengers: Kree/Skrull War


Roy Thomas, et al (2012).  Avengers: Kree/Skrull War. Nova Iorque: Marvel Comics.

Habituados como estamos a uma indústria de comics que se especializa em histórias convolutas, de estética marcada por trabalho de enquadramentos e exploração profunda dos dramas dos personagens, tem o seu quê de refrescante pegar numa variante mais antiga, saída dos anos 70, menos complexa e mais directa do género. Já longe do simplismo das eras dourada e prateada, já a começar a explorar as linguagens narrativas que caracterizam os comics de hoje. O grande destaque desta série de aventuras dos Vingadores é escapar ao formato episódico e formar um longo arco narrativo, sempre em crescendo, levando os personagens de aventura em aventura até ao final grandioso.

Diga-se que o tema permite-o. O que é curioso é que em vez de seguir o caminho da Space Opera, Roy Thomas prefere utilizar a Terra enquanto campo de batalha, com enigmáticas intervenções dos Kree e dos Skrulls, essas clássicas espécies alienígenas antagónicas, com um motivo que só nos será revelado no final. A ilustração está dentro dos parâmetros dos comics da época, mas é impossível não destacar as pranchas ilustradas pelo traço extraordinário de Neal Adams.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Welcome to Night Vale


Josef Frink, Jeffrey Cranor (2015). Welcome to Night Vale. Nova Iorque: Harper Perennial.

Confesso que não esperava que este livro me desiludisse tanto. Para quem desconhece, Night Vale é um genial podcast que, mimetizando um programa de informação na rádio, transmite as notícias sobre a estranha comunidade de uma cidade perdida no tempo. A voz alegre de Cecil, o apresentador, discute os terrores da vida, anota as tragédias que assolam constantemente os habitantes, e transmite as instruções rigorosas da polícia secreta cujas ordens não devem ser ignoradas. É um podcast brilhante, que brinca, cheio de elegância e absurdismo, com as iconografias e pressupostos da ficção de terror.

Escalar o conceito de formato áudio para livro é um passo lógico, que permitiria explorar mais a fundo o interessante mundo ficcional de Night Vale. Nesse sentido, o livro é bem sucedido, mergulhando mais a fundo nalgumas das bizarrias da vila, que formam a base do podcast. Como, por exemplo, as criaturas aterrorizantes que são as bibliotecárias da biblioteca, local onde raros são os bibliófilos que entram e sobrevivem para contar a história.

Há uma tremenda dissonância entre o carácter absurdista do mundo ficcional e um romance que depende de linearidade narrativa. É aqui que o livro falha. Tenta envolver-nos nas histórias confluentes de duas personagens, atraídas por palavras indeléveis misteriosas e que ganham coragem para enfrentar os vários perigos e desvendar o mistério, mas não consegue. Estas passagens são duras de ler, pesadas, e não envolvem o leitor nem despertam a sua curiosidade. O que vai safando a leitura são as interjeições saídas do podcast, com o omnipresente programa de rádio que domina a vida da cidade.

Como romance de terror, Welcome to Night Vale falha. Morno, fraquinho, sem especial interesse. Funciona melhor como expansão do mundo ficcional, com o formato narrativo a permitir aprofundar elementos que, necessariamente, ficam difusos no podcast. Talvez a real falha do livro seja a manifesta incapacidade dos autores de transpor para o livro o elemento que dá ao podcast o seu toque especial, a liberdade associativa de ideias assente na oralidade. Convenhamos, também não é uma tarefa fácil.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

O entrelaçamento electroquântico de que são feitas as lendas



Rui Bastos (2016). O entrelaçamento electroquântico de que são feitas as lendas. Imaginauta.

No deserto que é a Ficção Científica portuguesa, o projecto Imaginauta destaca-se pelo esforço que coloca quer na promoção do género quer na edição literária. Este conto de Rui Bastos insere-se no mundo ficcional original Comandante Serralves, e desvenda-nos um dos mistérios intuídos na antologia que reúne os primeiros contos deste universo de Space Opera. Numa prosa clara e bem ritmada, Rui Bastos mostra-nos a tecnologia que permite a Serralves ser virtualmente imortal. O conto está disponível no Smashwords, e não deixem de visitar a Imaginauta para ficar a conhecer este projecto.

Night Force



Marv Wolfman, Gene Colan (2011). Night Force. Nova Iorque: DC Comics

Preso no interior da sua mansão de Washington, obrigado por castigo a estar confinado a um tempo e espaço específico, o irascível, aparentemente imortal mas sábio barão combate o mal por meios pouco ortodoxos. É obrigado a usar agentes, capazes de intervir no mundo exterior, que manipula para que enfrentem situações perigosas. Impedido de sair para o mundo contemporâneo, pode ir ao passado. É-lhe tão fácil quanto abrir uma das portas da mansão. Ponto mutável no tempo, qualquer porta pode dar para outros tempos e geografias do passado. É uma experiência desconcertante para quem visite o barão. Agregou os seus associados na Night Force, uma equipa informal que, sob suas instruções, enfrenta os serviços secretos soviéticos, empenhados em transformar os poderes sobrenaturais numa arma ao serviço do estado, um misterioso ser que isola os habitantes de um prédio nova-iorquino, prendendo-os na armadilha dos seus desejos, e o mal encarnado que gosta de se incorporar como a grande besta bíblica. São os desafios que o barão Winters enfrenta, com o seu vasto poder oculto e a fidelidade de Merlin, o tigre de estimação com que partilha o pólo multi-temporal da sua mansão.

Típico personagem dos títulos dedicados ao sobrenatural da DC, não conquistou as boas graças do público e acabou cancelado ao fim de catorze edições. Winters pertence ao tipo de personagens cujo conceito de base é mais interessante do que as histórias em que é usada. A primeira temporada, escrita por Marv Wolfman e desenhada por Gene Colan, fica-se num terror muito morno, apesar da hipérbole manifestada nos argumentos. Winters tem sido recorrente como personagem secundária noutras séries da DC, especialmente em Swamp Thing, Phantom Stranger e Constantine Hellblazer. Mantendo viva a memória, a DC lança, com pouca regularidade, novas mini-séries que recuperam a Nigth Force.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Comics


Reborn #01: Mark Millar tem jeito contar histórias divertidas a partir premissas bastante batidas. Nesta nova série da Image, a morte não é o fim... antes, é o renascer num mundo de fantasia onde os antepassados e familiares combatem contra forças malévolas. Uma mistura de FC e Fantasia que, como é habitual em Millar, vai tocar nos pontos certos sem perder tempo com profundidade.


The Sheriff of Babylon #11: Quase a terminar, esta meditação de Tom King sobre a violência sectária e a guerra no Iraque, através do envolvimento de um polícia americano bem intencionado que se vê envolvido com forças que vivem para a violência. A caça ao terrorista iraquiano está quase a terminar, e o verdadeiro vilão talvez seja a personagem mais inesperada.

sábado, 15 de outubro de 2016

Intervalo




Cinefilias.

aCalopsia: The Walking Dead #14

 
Na calma precária de uma comunidade isolada, rodeada de ameaças mortais, pode bastar uma pequena brecha para que tudo se desmorone. Neste novo volume de The Walking Dead, a possibilidade de redescobrir a paz revelar-se-á um sonho sem outra saída possível do que a violência das hordas de zombies. Crítica no aCalopsia: Walking Dead #14 - Sem Saída.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

The Fall of Kingpin



D.G. Chichester, et al (1993). The Fall of Kingpin. Nova Iorque: Marvel Comics.

A sombra de Frank Miller paira, pesada, sobre este Fall of Kingpin. É impossível não fugir ao momento seminal de Daredevil, orquestrado por Miller e Mazzuchelli. Até porque está na sua continuidade, uma vingança do herói contra aquele que, minucioso e implacável, o derrubou. O argumentista dá-nos um herói frio e calculista, cujas ações desmontam o puzzle do império de crime. Mas não está ao nível do antecessor. Desmontar e vingar a queda de Murdock em poucas páginas, com pressa, funciona mal e é preciso vir buscar entidades terceiras. Aqui, a SHIELD e a Hydra entram na luta, com os criminosos nazis herdados da continuidade do Capitão América a serem a força que irá derrubar o rei do crime. Ou, pelo menos, abalá-lo, já que um personagem como Kingpin não se deixa cair sem mais nem menos. É esta a maior diferença desta série sobre a que a possibilita e inspira. Miller montou a queda de Murdock/Daredevil como um intricado policial noir aplicado a um super-herói relativamente fraco no que toca a poderes. O toque de génio de Frank Miller foi reconhecer que Daredevil não é o tipo de personagem que funciona melhor nas histórias típicas do género, revendo-o dentro dos pressupostos do policial. Recorrer a crossovers e personagens externas dilui essas características, banalizando o que poderia ser uma boa história. A sombra da época de Miller também se faz sentir na ilustração, com o trabalho gráfico a tentar imitar o estilismo noir com que Mazzuchelli soube vincar a iconografia da personagem.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Spacehawk



Basil Wolverton (2012). Spacehawk. Seattle: Fantagraphics.

Há um delicioso surrealismo não intencional neste comic clássico de Basil Wolverton. Conta as aventuras de um herói do tipo clássico, alienígena humanóide de queixo quadrado, dotado de enorme coragem e tecnologia que faz parecer que tem super-poderes, dedicado a proteger este sistema solar das ameaças de criminosos. São histórias deliciosas na sua inocência, típica do género à época, mas espantosas no que toca ao grafismo. Wolverton povoa o sistema solar de criaturas feéricas, disformes, bizarras como sonhos de Hyeronimus Bosch em quadricromia. As paisagens, sempre desoladas em rochedos e montanhas, dão-nos vinhetas quase abstractas. A sua visão da tecnologia e urbanismo futurista está em contraste com o barroquismo de fetichização tecnológica característico da FC. As cidades são reduzidas a planos geométricos abstractos e multi-coloridos, os artefactos tecnológicos têm uma estética simples de brutalismo industrial. São elementos que têm todas as condições para não funcionar, mas que se tornam eficazes graças ao traço e uso garrido de cor por parte de Wolverton. Spacehawk não tem o poder icónico de um Flash Gordon ou de um Buck Rogers em despertar o imaginário de mundos fantásticos. As suas premissas e mundo ficcional são muito elementares. É o traço do ilustrador, surreal e vibrante, que lhe confere vida.

Se não soubesse que se tratam de comics publicados nos anos 40 do século XX, diria que este livro se trataria de um excelente revivalismo irónico e de estilismo surreal das estruturas narrativas da era dourada dos comics. É o que mais surpreende neste livro, esta mistura de onirismo não intencional com o simplismo do género, à época. Retire-se-lhe estes elementos de imaginário à solta, e o comic perde o interesse. Algo notório na segunda parte deste livro, em que o autor coloca o seu herói cósmico ao serviço da propaganda de guerra. Frente às representações de forte toque racista dos inimigos da américa, em combate contra as forças do Eixo, nota-se que o interesse diminui. As historias são banais, e o próprio grafismo do autor, deslumbrante nas aventuras espaciais, se fica por uma ilustração rotineira dentro dos padrões estilísticos deste género de comics.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Visões


Miss Peregrine's Home for Peculiar Children (Tim Burton, 2016)


Quaisquer que sejam os méritos do livro, Miss Peregrine Home For Peculiar Children passará a ficar marcado como um filme de Tim Burton. A estética deste realizador topa-se à légua, e adequa-se a histórias peculiares. Explica a escolha, mas não o falhanço. Burton é capaz de mais e melhor do que o que este filme nos dá. Apesar de tentar e se esforçar muito por tornar o filme interessante. O cuidado estético é enorme, num cruzamento suave entre o goticismo do realizador e o visual vintage assumido pela história original. As aventuras, dramas e peripécias estão lá, mas sem alma, a história vai - se contando sem preocupações de criar empatia no espectador. A banda sonora épica que se vai ouvindo está dissociada das meias tintas que vemos no ecrã. O realizador limita-se a filmar e sequenciar, sente-se que não há ali preocupações de ritmo ou empatia. Nem se dá ao trabalho de gerir a linguagem cinematográfica. Diálogos funcionam em intercalado, como nas telenovelas, e em boa parte das cenas os ângulos e movimentos de câmara são previsíveis. De Burton, espera-se muito mais do que este filme sem alma.


Já o trabalho dos atores não é muito melhor. Limitam-se a recitar, sem interferência de emoções. Eva Green está sub-utilizada, numa personagem sem profundidade. Samuel L. Jackson passeia-se pelo filme com aquele ar de que se lixe, este trabalho é dinheiro fácil no bolso que os actores icónicos têm naqueles filmes onde sentem que não vale a pena se esforçarem, porque foram contratados apenas como nome sonante. Os jovens actores que representam as crianças peculiares parecem autómatos. A única excepção é a fugaz aparição de Judy Dench. Quando o personagem que mais agarra o espectador é um rapaz invisível, em excelente CGI, percebe-se que este filme foi uma tarefa incumbida a Burton e não um projecto que lhe despertasse a criatividade. Agruras do lado financeiro do cinema, gerido por executivos mais interessados na maximização de lucros do que nas obras em si. Se o livro teve sucesso e é peculiar, arranje-se versão cinema ASAP, chame-se o realizador peculiar do momento e com sorte ainda nasce dali uma série televisiva. Nem as homenagens de Burton a Ray Harryhausen, quer na cena da luta final com esqueletos (a referência óbvia) quer nas criaturas animadas que lutam entre si, uma delas com corpo de sapateira (esta é menos óbvia) , o grande easter egg para os conhecedores do cinema fantástico, chegam para tornar este filme interessante.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Doctor Strange Strange Tales



Peter Gillis, et al (2016). Doctor Strange Strange Tales. Nova Iorque: Marvel Comics.

Doctor Strange é daquelas personagens da Marvel cujo conceito é mais interessante do que as histórias em si. Algo notório mesmo na época em que era escrito e ilustrado por Ditko, com um fantástico traço surreal. Este Strange Tales mostra bem isso. O conceito é bom, com o feiticeiro supremo a questionar-se, mergulhando num lado negro que terá de experimentar para atingir um novo patamar de pureza, mas as aventuras em si são lineares. A qualidade da ilustração também não é nada que mereça ser discutido. Típico dos comics dos anos 80, onde a atenção dada à estética ainda não se tinha tornado uma das marcas do género.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Comics


Shipwreck #01: Personagens perdidos, com toques de amnésia, em mundos decaídos que mal compreendem e perseguidos por forças desconhecidas é uma das pedras de toque do trabalho de Warren Ellis. Neste novo título, um náufrago de uma missão espacial secreta deriva num mundo em desagregação. É Ellis, e eu sou fanboy confesso. Novo título? Beber as palavras do grande argumentista? YEAH!


Shade The Changing Girl #01:  Quando foi com Thor, a internet veio abaixo. Uma Thor? O másculo louro nórdico musculado substituído por uma mulher? O suspiro de horror coletivo foi profundo e violento. Felizmente, tal não se passou com este regresso de Shade. Já não the Changing Man, agora uma adolescente que encarna uma fã vinda directamente do planeta Meta. O grafismo e a narrativa prometem um regresso do psicadelismo da série original.

sábado, 8 de outubro de 2016

Centímetros Quadrados


No final do Folio, em Óbidos.


No outono sabe melhor, sem os magotes de humanos que preenchem os centímetros quadrados de areia no verão.





Ok, quem é que foi o malandrim que me colou o Pikachu ao rato?

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

aCalopsia: Walking Dead #13: Longe Demais.



Neste décimo terceiro volume de The Walking Dead, os sobreviventes liderados por Rick Grimes têm pela frente uma tarefa especialmente árdua: reaprender a viver, num simulacro de normalidade. Conseguirão adaptar-se ao desafio da integração numa comunidade que, separada das hordes de zombies por uma muralha de betão, replica um pouco do bucolismo suburbano que o apocalipse extinguiu? Critica no aCalopsia.

Há outra Humanidade no Interior da Terra?



Hugo Rocha (1987). Há outra Humanidade no Interior da Terra? Odivelas: Europress.

Confesso que tenho um fraquinho não explicável pelas teorias da terra oca. Eu sei. Não faz sentido, não têm qualquer base científica, mas para além da ideia com o seu quê de exploração romântica, fascina a paixão que desperta nos seus crentes. De certa forma, é ficção em estado puro, longe de um real que a desmente mas ainda não trabalhada por substratos culturais e estruturas narrativas.

Tem o seu quê de fascinante, o imaginar de mundos fantásticos e exóticas civilizações que se ocultam, desconhecidas e inexploradas, no subsolo planetário. Verne e Burroughs foram os que nos legaram obras mais conhecidas, com a Viagem ao Centro da Terra e a série Pellucidar. É um tema que tem sido explorado na literatura fantástica, e que na literatura para-científica, de temáticas ocultistas, batido até à exaustão por autores que oscilam entre o charlatão e o alucinado. Boa parte centra-se na tradição oculta de seres superiores da antiguidade, de poderes e ciência vastamente superior à nossa, que mantém civilizações perfeitas ocultas sob a terra. Revelar-se-ão no momento em que a humanidade se mostrar digna de tal. Até lá deixam pequenos vislumbres na mente de iniciados nos verdadeiros segredos do mundo. Boa parte deles charlatães puros, que encontram nas legiões de seguidores uma forma financeira segura e fácil de fazer pela vida. Sábios ocultos, herdeiros da Atlântida, místicos de Shamballa, seguidores de Melchisedek, o rei oculto do mundo. Há um padrão de fascínios com aristocracias e ideias incompreensíveis. O lema é quanto menos compreensível, maior a profundidade da sabedoria.

Estes caminhos esotéricos interessam-me pouco. Mais divertidos são os caminhos para-científicos, que postulam a existência de buracos nos pólos terrestres, que dariam acesso a um interior planetário oco, iluminado por um sol central, onde antigas civilizações se refugiam, animais antediluvianos sobrevivem nas selvas primevas, e de onde saem os OVNIs para nos atazanar. O facto desses factos serem desconhecidos e negados por uma ciência que cartografou exaustivamente as regiões polares, dos relatos das expedições científicas serem radicalmente omissos nisso, ou de não aparecerem buracos polares nas fotos de satélite, deve-se claramente a uma conspiração governamental ao mais alto nível. Claro, como não poderia deixar de ser. Há quem misture um pouco de mitologia nazi e sonhe com bases ocultas sob a Antártica, que mantêm viva a chama do III Reich.

Como não achar este ideário divertido, ressalvando que são ficções com o seu quê de alucinatório?

O jornalista e escritor Hugo Rocha é um dos nomes clássicos do fantástico português. Jornalista portuense, legou-nos os seus (nada fáceis de encontrar) Contos Fantasmagóricos, que suspeito serem válidos mais pela raridade de escritores portugueses a explorar este género do que pela sua real qualidade. Também foi escritor de obras sobre esoterismo e ovniologia, livros esses que têm um público mais alargado e influenciável do que a ficção fantástica. Este é um deles. Aresposta à pergunta que se coloca é uma recolha bibliográfica que mistura ficção clássica (Verne e Lytton) e muita obra de índole esotérica. É um livro confuso, escrito numa prosa sincopada onde as crenças e opiniões pessoais do escritor interferem com o resumir dos textos relatados. O foco está na tradição esotérica e percebe-se que Rocha acredita mesmo naquilo que escreve.

A óbvia reposta à pergunta do livro está num rápido comentário do Carlos Imaginauta Silva : não, logo na primeira página. Algo que os crentes nestes ideários recusam, apontando que a falta de prova científica é em si prova da sua existência, mantida oculta por seres que querem permanecer secretos. O livro em si não abona muito quanto às capacidades de escrita deste autor. Entre o lamaçal de ideias e o de escrita, esta não é uma boa leitura. Mas, lá está : quanto mais incompreensível, mais se comprova a profundidade do tema, acessível apenas aos iniciados mais iluminados.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Captain America Masterworks Vol. 2


Stan Lee, Jack Kirby (2012). Captain America Masterworks Vol. 2 (Tales of Suspense). Nova Iorque: Marvel

Enquanto Stan Lee se diverte a recriar velhos inimigos e a criar novos adversários, Jack Kirby desenvolve o seu estilismo próprio, misto de elegância atlética nas cenas de combate com delírios de tecnologia intricada.  É nestas histórias clássicas que se forjou aquele que é a personagem mais icónica da Marvel. Um pormenor curioso, que não é repetido noutros argumentistas ou editoras: a forma como Stan Lee quebra a barreira com o leitor, usando cartuchos para lhe dirigir directamente comentários sobre a acção das vinhetas. Assume que as histórias são ficções para divertir, interrompendo com comentários que funcionam como uma camada de diálogo directo entre o argumentista e os leitores. Apesar do simplismo das histórias, dos espartilhos do género, vale a pena mergulhar nestes clássicos. É Lee e Kirby. 'nuff said!

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Sobrenatural


Samir Karimo (2016). Sobrenatural

Há uma curiosa inocência neste livro fragmentário, a de uma voz que procura o seu caminho. Sobrenatural é um livro pouco consistente, mas muito surreal, feito de textos em fragmento que oscilam entre o pensamento solto, a narrativa em associação livre e a recolha onírica. Nota-se que Karimo tem entusiasmo e vontade experimentalista no que escreve, apesar de alguma inexperiência que se traduz em textos a precisar de afinação. Apesar das inconsistências, de alguns fragmentos do texto que poderiam, a bem do livro, ter ficado de fora (toda a parte final, de rascunhos claramente titubeantes, não traz nada à obra), ou de alguns problemas ortográficos que se nuns casos se percebia serem palavras experimentais bem conseguidas, noutros não, intrigou-me o surrealismo de associação livre desta obra. Um bom exemplo do que se intui sobre a capacidade do autor é o conto Valquíria, um mimo de associação livre, deliciosamente desconexo, com alguns coloquialismos de linguagem deselegantes mas, no final, a deixar ao leitor uma boa memória.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O Enciclopedista


John Brunner (1983). O Enciclopedista. Odivelas: Europress.

Os habitantes de uma colónia distante são obrigados a fugir quando a estrela do seu sistema solar se transforma em supernova. Os sobreviventes fogem em todas as direcções, e alguns dão por si no espaço profundo, longe de possibilidades de resgate por parte de outras colónias. Com as naves danificadas e as provisões a esgotarem-se, aterram no primeiro planeta que lhes permite sobreviver. As naves ficam danificadas para além de qualquer reparação na aterragem, e as condições de vida planetária não são as desejáveis. Se o planeta é habitável, a fauna planetária é perigosa. Mas o maior problema é como grupos de pessoas habituadas ao tipo de vida possibilitado por uma sociedade interconectada conseguirão sobreviver sem acesso a fábricas, com equipamentos tecnológicos falíveis e sem especialistas científicos. Por sorte, um dos sobreviventes é um enciclopedista, um homem especialmente treinado para analisar e aconselhar a melhor forma de colonizar um planeta. Não sendo a missão original deste enciclopedista, cujo treino nem sequer está completo, vê-se forçado a ajudar os sobreviventes a estabelecer uma colónia, aprendendo a utilizar os recursos disponíveis para alimentação e abrigos, resolvendo as tensões internas entre indivíduos levados aos seus limites, e enfrentando a impossibilidade de fuga, uma vez que as poderosas naves espaciais onde fugiram à estrela que os ia matando se encontram irreparáveis.

Um romance de Brunner, Polymath no seu título original de 1963, que ainda não está no nível literário de um Stand on Zanzibar ou The Sheep Look Up. Uma narrativa firme e ritmada torna esta leitura imparável. Por detrás de um tipo de história clássica da FC, estão interessantes reflexões sobre equilíbrios ecológicos, interdependência tecnológica e problemas psicossociais em populações isoladas.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Comics


2000 AD #2000: Para celebrar o seu duo milésimo número, a 2000 AD editou um número especial com crossovers entre personagens, revivalismo de séries clássicas ou detalhes de séries correntes. É um número onde Dredd se cruza com os Strontium Dogs, Psi Judge Anderson nos mostra um lado muito feminino, Nemesis the Warlock no traço grotesco de Kevin O'Neill regressa por breves momentos, entre outras histórias autocontidas. Delas destaco o humor perverso de Sinister Dexter, com esta fabulosa vinheta que colide estéticas googie com iconografia cinematográfica e sonhos húmidos de adolescente.

Surgeon X #01: O título inesperado e surpreendente com que não se estava a contar. Apesar da Image nos ter habituado a séries creator-owned muito fortes, esta levanta a fasquia. O seu tema está na colisão entre o austeritarismo favorecedor de elites em detrimento das populações, justificado por jogos de palavras, e um futuro onde a eficácia dos antibióticos se desvaneceu, misto da adaptação das bactérias e da falta de investimento das multinacionais da indústria farmacêutica, pouco dispostas a seguir linhas de investigação pouco lucrativas. Neste futuro proximal distópico, os tratamentos por antibiótico são controlados pelo estado, que os dispensa apenas a pacientes cujo índice de produtividade seja considerado alto. O tema é daqueles que soa tão próximo da nossa realidade que arrepia. Os riscos da adaptação das bactérias aos antibióticos que as combatem são bem conhecidos, e apesar das sucessivas crises financeiras, falhanços e salvações públicas de instituições too big to fail, de tiros nos pés de governos europeus apostados em provar que as austeridades funcionam, o idealismo de ganância indisfarçada do neoliberalismo continua vivo e de boa saúde.

domingo, 2 de outubro de 2016

Tweet da sereia

(...) significa que o blogue resistiu ao tuíte (é assim que se traduz?) da sereia.

Spot on, João Campos, e traduz bem o que se observa sobre a preponderância das redes sociais no discurso em espaço digital. São excelentes para promoção a curto prazo e projecção de imagem a médio prazo (algo que, nalgumas vertentes, me tem servido muito bem). Mas se estamos apostados no longo prazo, plataformas que nos criam a percepção de um interminável agora não são as mais adequadas. Neste artigo, o João aponta e muito bem a degenerescência da blogoesfera, comercializada, trampolim para a mediocridade em canais old media, ou abandono porque life happens e o dia só tem 24 horas. Obrigado pelo aceno, e diga-se que o Viagem a Andrómeda deixa saudades.

Nós por cá planeamos continuar. Talvez porque os objectivos não são comerciais, ou de procurar projecção. Quando este blog começou, depois de algum tempo à procura de voz, acabou por se tornar no que logicamente sempre foi. Um diário digital, registo de leituras, observações, artigos de leitura interessante ou eventos intrigantes. O lado pedagógico foi transferido para outros locais virtuais, para sublinhar lógicas formativas. Não é o blog mais lido da internet, nem o pretende ser. É, digamos, uma memória externa na cloud. Se se ficasse só pelo disco rígido, algo de errado poderia acontecer.

sábado, 1 de outubro de 2016

Msg.



O século XIX apareceu e deixou uma mensagem no quadro.

H grande, maiúsculo e másculo.


Isto já não se fazem prefácios como antigamente. Todo um parágrafo único, longa frase do humilde prefaciador, honrado pelo tão capaz e fantástico homem que do alto do seu talento, lhe pediu uma singela apreciação. Note-se o Homem. Com H. Grande, maiúsculo, másculo. É marca de época, com um toque de amador, saído das primeiras páginas de uma edição de autor de contos de ficção científica e policial. Pioneiro do Futuro, escrito e editado em 1970 por Pedro Boaventura com o subtítulo (Sonhos e Fantasias de Hoje, Realidades de Amanhã). Sim, o subtítulo inclui os parênteses. Pérola da FC e F portuguesa que suspeito que pouco se perde se ficar esquecida, mas à qual a minha curiosidade pela evolução do género em portugal não resistiu. Isso, e o contexto de aquisição, com o seu quê de transgressivo, da mala de um automóvel numa rua pouco movimentada.

Um dos sintomas de evolução de sensibilidades culturais é o hoje ser impensável, a roçar o ridículo, um prefácio destes. Hoje avalia-se a obra, a sua qualidade intrínseca e interconexões aos seus contextos culturais, não a sua excelsa simples existência. Abrir um livro editado recentemente com prefácio (ou ler uma crítica) neste tom significa que o prefaciador ou não leu o livro, ou não usa a mioleira.

Não me interpretem mal. Estes arcaísmos são o que são, marcas de época, passos na evolução das sensibilidades. Sem esperar maravilhas desta antologia, de certeza que encontrarei pontos de interesse. O ser edição de autor não é por si só marca de amadorismo extremo ou baixa qualidade. Ainda hoje, o exíguo meio literário de FC e F português sobrevive muito à custa deste género de edições, quer de autor, quer de pequenas editoras criadas por autores.

(Por outro lado, creio que me consigo recordar de pelo menos um caso de um escritor português contemporâneo do domínio da fantasia e pretensão à FC que exige que todas as críticas e apreciações à sua obra sejam sempre neste tom. Bem como a atribuição de pelo menos seis estrelas no Goodreads às suas obras that should not have been, porque a tal genialidade incompreendida cinco são manifesta insuficiência de reconhecimento. Não é caso único, mas é dos mais notórios. Porque... razões. Tipo, LOL. Whatever makes you happy, man.)