sábado, 30 de junho de 2012

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TV glitch



A TV analógica deu-nos dois ícones de distorção, a areia branca e negra da ausência de sinal ou as estrias ondulantes da má sintonização. A TDT tem os erros de compressão/descompressão como imagem do glitch natural, erro ocasional de software ou hardware. Juro que não andei a mexer na caixinha descodificadora.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

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Plataformas móveis: novos territórios criativos


As aplicações destacadas nos pontos anteriores dependem do computador. Hoje a taxa de penetração e utilização de plataformas móveis, em particular telemóveis, por crianças e jovens é muito elevada (Cardoso, Espanha, Gomes, & Lapa, 2007). O debate sobre a utilização destas na educação está aberto. Visões sobre a utilização caem entre temores face a usos indevidos destas tecnologias que permitem acesso direto e em tempo real do exterior à sala de aula e experiências de utilização como leitores de livro eletrónico ou manipulação interativa de dados, caso do Projeto Go[1] de utilização de georreferenciação em PDAs (Noivo & Ferreira, 2012). Começa a desenhar-se um corpus de sugestões de trabalho com este género de aplicações. Barreiras de acessibilidade e preço impedem para já uma utilização comum destas tecnologias, mas o crescimento exponencial do seu uso leva a preconizar um futuro próximo em que estas sejam de uso comum por crianças e jovens.
Boa parte dos estudos centra-se no sistema operativo iOS e plataforma iPad, que conta já com uma enorme gama de aplicações de fotografia, desenho digital, edição de imagem e modelação 3D de grande qualidade. Na nossa opinião a sujeição a uma só plataforma de hardware de custo elevado não é suficientemente abrangente para uma generalização da utilização pedagógica destas tecnologias. Dispositivos em sistema Android parecem-nos mais promissores pela sua capacidade de penetração e menor custo. Há que apontar a progressiva intercompatibilidade de aplicações entre tablets e smartphones advinda das versões mais recentes deste sistema operativo, o que nos leva a preconizar utilizações por parte dos alunos utilizando smartphones. Embora não tão vasta e divulgada, a gama de aplicações disponível para android está a crescer e inclui algumas com muito potencial pedagógico. Das disponíveis, destacamos as seguintes, que sendo representativas de alguns aspetos plásticos não esgotam a diversidade de programas gráficos disponível nos repositórios de software para android.

Truesculpt[2]: Esta é a primeira aplicação para android que permite modelação 3D de tipo mudbox através de interface de toque. Na versão mais recente é possível criar formas tridimensionais a partir da manipulação de uma esfera com operações de extrusão esférica, pontos e linhas, adicionar ruído, suavizar e aplicar cor em modos simétrico replicando a ação nas duas metades do objeto ou não simétrico. Os resultados são exportados em formato OBJ, possibilitando a sua aplicação noutras aplicações de modelação e animação 3D.

Sketchbook Mobile Express[3]: Gratuita, esta é uma aplicação de desenho bastante completa que permite pintura digital com uma gama apreciável de pinceis, desenho, edição de imagem. Uma das suas vantagens é permitir trabalhar em diferentes camadas com efeitos de mesclagem.

Sketcher Lite[4]: Aplicação de desenho procedural. Dispõe de pinceis para desenho e pintura com o dedo no ecrã. Distingue-se de outras aplicações do género pela imprevisibilidade de traçados e efeitos possibilitados pelo algoritmo de pintura.
Estes modos de criação utilizam o computador como meio de expressão, pincel elétrico da era contemporânea. Mas na sua essência utilizam-no de forma superficial, como base para o desenvolvimento de propostas estéticas que simulam técnicas tradicionais ou procuram um hiper-realismo digital. Podemos ir mais longe, procurando nas características intrínsecas dos blocos elementares do digital modos de expressão que apontem para uma linguagem estética própria.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

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The Sorcerers and Their Apprentices


Frank Moss (2011).The Sorcerers and Their Apprentices: How the Digital Magicians of the MIT Media Lab Are Creating the Innovative Technologies That Will Transform Our Lives.  Nova Iorque: Crown Business.

O título é sugestivo, e o conteúdo não lhe fica atrás. Mas se esperamos pegar neste livro e ver impactos directos dos projectos do Media Lab na sociedade contemporânea esta não é a obra para isso. Escrita por um ex-director do centro de investigações, traça um panorama dos vários grupos de pesquisa salientando alguns dos mais intrigantes projectos saídos de um laboratório concebido de raiz como um recreio de sabedoria. O aspecto mais reforçado é o carácter interdisciplinar - descrito pelo autor como anti-disciplinar, das metodologias de pesquisa, alicerçadas em processos de reforço a partir do erro e do falhanço, atitudes hands-on e focalizado num derrubar de barreiras disciplinares na formulação de problemas cuja aplicabilidade é imprevisível. Robótica avançada, interfaces naturais, inteligência artificial aplicada, arte aumentada pelo digital, educação, são algumas das áreas onde os investigadores deste laboratório deslumbram com inovações inesperadas e conceitos intrigantes. Não são o tipo de invenções criadas com o fim expresso de fazer chegar ao mercado um novo gadget para maravilhar as massas, mas desenvolvimentos com impacto profundo na forma e objectivos do uso de tecnologias cujos reflexos se encontram muitas vezes longe das áreas originais de investigação. Quebrar barreiras conceptuais e hiperligar o conhecimento, é o que o Media Lab nos habituou. Só para recordar, no campo da educação o Media Lab é responsável por conceitos que possibilitam novas e criativas abordagens como a linguagem Scratch, o Processing ou os lego mindstorms, entre outras ferramentas que potenciam aprendizagens profundas.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

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O Princípio da Sabedoria


A Cinemateca está a organizar um ciclo de homenagem ao cineasta António de Macedo que trará de volta ao público boa parte da sua obra cinematográfica. É uma iniciativa que peca por ser tardia e isolada, mas típica do contexto cultural português onde a memória oficial parece estar destinada apenas a alguns que estão conforme o padrão considerado aceitável enquanto aqueles cujas obras não se adequam à norma cultural são habitualmente esquecidos ou citados como meras curiosidades para nota de rodapé nas historiografias culturais.

Confesso que não sabia o que esperar deste cineasta. Sabia o pouco que todos sabem, que é uma espécie de maldito cujas tendências para o ocultismo, fantástico e ficção científica lhe retiraram a credibilidade num meio cultural elitista. Parece que traiu as raízes no cinema novo dos anos 60/70 e fez uns filmes esquisitos, crime de lesa-majestade no panorama umbiguista do mainstream. 


O Princípio da Sabedoria inicia-se com uma sessão espírita, longa e assombrosa cena que puxou os limites dos efeitos especiais disponíveis em Portugal na época em que foi realizado. A imagem sobreposta de um espírito quadricéfalo invocado por uma mulher de sabedoria numa aldeia algarvia que toca as presentes dando-lhes a ver o que mais desejam parece prenunciar um clássico filme de fantasmagorias e assombrações. Quando esta mulher se cruza com um arquitecto que vive fechado numa casa senhorial tudo muda, e o queixo do espectador começa a cair.

Note-se o Arquitecto, senhor todo-poderoso de laivos sadianos que se fecha no seu domínio, servido por servos fieis. É uma clara referência ao ocultismo, à ideia do grande arquitecto criador do mundo, mas este arquitecto está queimado e dedica-se apenas aos prazeres sensuais adequados à sua fina e muito própria sensibilidade. Aqui o filme começa a revelar-se obra de elevado surrealismo, com personagens desviantes que se movem em cenários claramente inspirados na pintura surrealista (e Jim Steranko também me veio à mente). Um mordomo encurvado resplandecente no seu uniforme azul de berloques dourados que procura o relógio perfeito, uma sensual governanta cujas relações com o seu amo nunca são clarificadas, um sátiro criado servidor extraordinário de vinhos degustados em copos de formas imprevisíveis, um músico agrilhoado ao seu piano forçado a criar continuamente obras nunca ouvidas, encerrados numa casa luxuosa onde o barroco e o surreal convivem como num sonho opiáceo. É esse o panteão que rodeia o solene arquitecto junto do qual a mulher de bruxarias contrasta pela normalidade.

A descoberta de uma mão decepada dá o mote a uma série de estranhos acontecimentos. Cioso da sua tranquilidade, o arquitecto manda colocar ao seu portão um cartaz ambíguo anunciado que algo foi encontrado no seu jardim que será entregue a quem o provar ter perdido. O resultado é inesperado. O jardim mostra-se um ponto focal da realidade, onde todos perderam e voltam a encontra algo que lhes é importante, desde parafuso de grafonolas à fé budista... e violoncelos, filhas surdo-mudas, bombas anarquistas, tesouros inúteis... o arquitecto solipsista acaba forçado a conviver com a realidade que o rodeia. Apetece-me compará-lo a uma divindade ausente forçada a conviver com as suas criações pela força das solicitações.

Neste filme circular, o desejo humano revela-se o arquitecto da sua nulificação. O desfilar de personagens icongruentes recorda-nos a enorme diversidade da vida, essa rica marcha de saberes individuais.

O que se inicia como conto fantasmagórico transforma-se em obra iniciática onde a filosofia do oculto, teísmos e a circularidade do desejo humano nos são apresentados com uma dose fortíssima de humor e surrealismo. Acrescente-se a isso um impecável sentido estético, com enquadramentos perfeitos onde o olhar mais treinado nota a aplicação das regras de composição pictórica da arte clássica e um sentido de cor vibrante que só é traído pela qualidade da película e temos um filme memorável, sendo lamentável que esteja quase esquecido.

Ver este filme na sala onde já vi ou revi obras como Citizen Kane, M.A.S.H., Simple Men ou Satyricon obrigou-me a olhar para este filme de Macedo como uma obra que noutro país seria marcante, influente pela sua estética e conteúdo. Troquemos Sinde Filipe por Mastroianni, Guida Maria por Anna Magnani, Carmen Dolores por Claudia Cardinale, a aldeia algarvia por uma aldeia da emilia-romagna e teríamos vastas elegias a este filme de um Fellini português. Mas num meio onde as preocupações estéticas se centram nas vicissitudes da vida ou lirismo soporífero uma obra pedrada no charco como esta parece envergonhar e destina-se à curiosidade de rodapé e semi-obscuridade. Talvez esta iniciativa da Cinemateca dê frutos e dê a Macedo a projecção que merece no panorama cultural nacional. Esta primeira sessão contou com a presença do cineasta, que nos deliciou com algumas curiosidades técnicas que mereciam um registo para a posteridade.

Não gosto de usar tons imperativos no que escrevo. Imposições são para mim repelentes e fujo do estilo de  discurso-pregação do que considero ser útil, virtuoso ou importante. Mas neste caso abro excepção: urge conhecer e divulgar a obra deste autor. Não o fazer é condenar a sua visão, estética e temáticas únicas a um desmerecido esquecimento.

(Adoraria ilustrar este post com fotogramas do filme ou um clip, para mostrar até que ponto é impressionante a sua qualidade visual. Lamentavelmente nada se encontra. É que nem um dvd...)

terça-feira, 26 de junho de 2012

Yellow Peril


A ideia surge nos fluxos de feeds do google reader e vai queimando a mente até se arranjar um par de horas para a levar avante.


Hora de arrancar o Vivaty Studio e começar o jogo mental de desmontar a imagem em formas geométricas, procurar as formas que melhor descrevem os objectos, manipular vértices e acertar posicionamentos e rotações.


O dxf exportado vai direitinho ao Bryce para texturização, composição e rendering. Hard fun. Representar em 3D é um jogo de xadrez mental.

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Vampire Forensics


Mark Jenkins (2010). Vampire Forensics. Washington: National Geographic.

Não se percebe muito bem do que trata este Vampire Forensics. Será estudo literário sobre as origens e evolução da criatura? Apontamento histórico sobre a evolução do mito do vampiro nas tradições europeias? Ensaio sobre a superstição como forma pré-cientifica de compreender o mundo? O livro vai tentando abarcar estes campos, mas sem grande sucesso. O resultado final é desconexo e pouco profundo, embora seja de saudar a tentativa de desmistificar e procurar origens deste influente mito através de incursões à história da cultura.

Space patrol




Sou essencialmente um puto crescido. No fundo sigo um concelho que me foi dado há anos por uma amogia de adolescência... nunca deixar morrer a criança dentro de mim. E não há nada como brincar com a imaginação. Hard fun, como dizem os gurus do MIT Media Lab. Brincar é coisa séria.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Criatividade e ferramentas digitais

Nos contextos sociais e educativos atuais pensamos que já não é possível dissociar a utilização de meios digitais da aprendizagem de técnicas artísticas. As ferramentas computacionais de expressão plástica marcaram um território próprio, abrangendo formas de expressão que vão do desenho digital à tridimensionalidade hiper-real e à utilização de código e hardware como elementos plásticos. No ensino das artes consideramos ser desejável que mesmo nos níveis mais elementares se tire partido da riqueza destas novas linguagens como mais-valia conferida à aprendizagem dos alunos. Não queremos desvalorizar o ensino de meios tradicionais, apenas apontar as novas possibilidades trazidas pelos meios digitais. Para além da descoberta das suas potencialidades plásticas, a utilização do computador como meio de criação por crianças e jovens estimula usos do digital que vão para além do consumo de produtos mediáticos e da recolha e tratamento de informação.

Mitchel Resnick fez no artigo Computers as Paintbrush uma apologia do uso de tecnologias digitais como estimuladoras da criatividade, focalizando as suas ideias numa observação do estímulo ao uso criador e propondo ferramentas e abordagens que permitam às crianças e jovens fazer uso criativo das tecnologias digitais, referindo que “children have many opportunities to interact with new technologies – in the form of video games, electronic storybooks, and “intelligent” stuffed animals. But rarely do children have the opportunity to create with new technologies” (2006, p. 4). Nesta perspetiva, os computadores são mais do que máquinas de informação, sendo meios de expressão criativa que possibilitam aprendizagens eficazes se baseadas em mais do que interação com conteúdos pré-elaborados, apontando para uma construção ativa e criativa de conhecimento alicerçada no potenciar os uso da tecnologia através do envolvimento dos interesses pessoais dos alunos na construção de projetos em grupos utilizando formas distintas de trabalho.

A tecnologia na escola pode oferecer à generalidade dos alunos de forma estruturada e abrangente aquilo que alguns já fazem individualmente, potenciada com enquadramento pedagógico que aproveite capacidades de uso criativo de meios digitais integradas na construção de conhecimento.

Databending


Não existe para o corrector ortográfico do Word, que uso para traduzir textos escritos em português para português AO. Ah, entediante e monolítico produto da microsoft, ícone do cinzentismo em tons de azul.

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Pocket Paint no Xperia X1

Emperor Mollusk Versus The Sinister Brain



A. Lee Martinez (2012). Emperor Mollusk Versus The Sinister Brain. Nova Iorque: Orbit.

É impossível ler este livro sem que a mente se encha de imagens multicoloridas de criaturas de filmes de série B, monstros estilizados, arquitecturas utópicas e mecanismos brilhantes de pura ficção científica. Esta é uma obra que homenageia divertidamente o lado mais anárquico do género, essencialmente uma desculpa para a utilização de alguns dos mais icónicos dos seus conceitos. Civilizações perdidas, invasões alienígenas, raios da morte, arquitecturas utópicas ao estilo limpo da space age, monstros apocalípticos, buracos no espaço-tempo, naves espaciais de cromado reluzente e cérebros ambulantes manipuladores são alguns dos divertidos ingredientes desta homenagem aos estilismos sublimes que excitam a imaginação.

A narrativa coloca-nos a seguir as desventuras de um octópode super-inteligente que depois de conquistar o planeta terra decide que está farto de ser conquistador galáctico e se dedica à pesquisa de tecnologias exóticas com aplicações potencialmente letais. Amado pelos terrestres, em parte porque o seu método de conquista envolveu não a aniquilação com armas poderosas mas a introdução de uma substância que tornou os humanos pacíficos, é odiado pelas restantes civilizações do sistema solar. Rumores de uma ameaça levam as forças policiais de um dos seus planetas inimigos a protegê-lo para que mais tarde o possam castigar por crimes contra o planeta. E que ameaça é essa? Uma sucessão de pistas e armadilhas que levam o dominador octópode e uma saurópode agente secreta venusiana através de uma atlântida de mercenários militares, civilizações fungícas perdidas em cavernas antárticas, míticas cidades esquecidas nos himalaias ou selvas primevas onde monstros do passado e do futuro entram em colisão genética. É aqui que ovnis robóticos são abatidos por dinossauros voadores que disparam lasers dos olhos, e se esta frase não vos leva a pegar neste livro, bem, decididamente este não é um livro para vós. Uma conspiração sinistra por parte de um colégio de cérebros preservados de grandes figuras histórias é destroçada por mensagens enviadas do futuro pelo octópode inteligente.

Emperor Mollusk Versus The Sinister Brain é das leituras de ficção científica mais divertidas que fiz nos últimos tempos. Escrito numa prosa leve, recupera iconografias clássicas da golden age, levando o leitor a mergulhar nos mundos fantásticos prometidos pelas capas de cores berrantes das revistas pulp.

domingo, 24 de junho de 2012

Impossível azul

Hipermodernidades intencionais: 


 Rever o espaço através de ecrãs, CAM.


 Planos entrecruzados, CAM


Hotel Sheraton visto da arcada decorativa quadrilátera de um centro comercial num momento de impossível azul.

Foguetes



Apeteceu. E agora ganhei a mania de renderizar em tamanho technicolor.

sábado, 23 de junho de 2012

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Cábula


Apanhado na escola lisboeta onde estou a passar uma cálida tarde de sábado. É sempre bom ver que as prioridades educativas estão bem alinhadas. Tudo se empenha para os exames e o que se espera dos alunos é sucesso e melhoria nos rankings. Certo, os exames têm a sua importância para aferir aprendizagens, mas... é só para isso que serve a escola? Um sistema educativo que se focaliza na preparação para exames é essencialmente autofágico. Alimenta-se a si próprio. Dentro do sistema tudo até pode correr muito bem, mas o ecossistema social não vive só disto.

Resmungo

Pronto, já vi o meu recibo de vencimento. E sim, dei por falta de qualquer coisa. Daquela segunda folha de junho que discriminava o subsídio de férias. Não, isto não é uma lamúria de inacreditabilidade face ao desaparecimento do precioso subsídio. A medida já havia sido anunciada há bastante tempo e o contacto com a realidade final não foi nada inesperado. Mas é um resmungo. Porque já perdi a conta aos cortes a que ando sujeito e esta história dos subsídios é apenas a cereja em cima de um longo bolo.

Primeiro vieram os congelamentos de progressões aquando da criação do modelo de avaliação de desempenho docente. Seguiram-se congelamentos por razões orçamentais. Em 2010 3,5% do meu vencimento passou a ser cativado como medida de combate às derrapagens orçamentais. Do meu e de todos os professores que conheço. Como não chegou, vai de cortar subsídio de natal. E como os senhores que nos regem ainda não ficaram contentes, lá foi o resto numa medida dita como temporária mas que não se prevê que tenha fim tão cedo. A quantidade de dinheiro que já perdi ao longo destes anos começa a ser apreciável. Ao mesmo tempo as minhas responsabilidades estão em proporção inversa aos rendimentos do trabalho.

Só isto já é irritante. Mas mais irritante ainda é ver que nada disto vai adiantar para combater a famigerada "crise". Para além da óbvia relação menos rendimento - menos despesa, logo menos consumo e tudo o resto que lhe está associado, há o arrepiante resvalar em direcção a ideologias hiper-liberais que colocam o lucro a curto prazo acima de tudo e todos; o constante apregoar da necessidade de reduzir serviços públicos considerados como "gordura" estatal, como se assegurar condições elementares aos cidadãos não fosse uma obrigação governamental; e pior. Ver o sangrar da população portuguesa em nome de uma austeridade que só se reflecte nos serviços públicos e sociais. Em tudo se corta, mas os sorvedouros de dinheiro das parcerias público-privadas, contratos milionários e buracos gargantuescos em mega-projectos que são exemplos do melhor da gestão danosa e corrupta continuam intocados. O que nos é martelado diariamente pelos responsáveis políticos é que as negociatas milionárias e contratos danosos não são significativos. O que realmente suga dinheiro ao país são os administrativos, os professores, os médicos, os polícias... enfim, todos aqueles que trabalham para os cidadãos. Porque o dinheiro de todos é tão mais bem aplicado nos bolsos de bancos e instituições financeiras.

O chantily cremoso que dá sabor à cereja em cima do bolo? Estar a assistir a uma reforma curricular apresentada como um avanço educativo mas que se resume a fazer regredir o sistema ao nível em que estava quando eu era aluno. A educação artística regride tremendamente. A focalização regressa em força ao desempenho em exames, porque as estatísticas a curto prazo são mais importantes que a formação dos indivíduos a longo prazo. A eliminação de disciplinas, redução de tempos e aumento do número de alunos por turma tem efeitos práticos na quantidade de professores necessários. Essencialmente é um desinvestimento tremendo e um despedimento massivo pintado com as cores luminosas de uma reforma para melhorar alicerçado no conservadorismo que tranquiliza os espíritos em tempos de crise. E isto é uma área dos serviços públicos portugueses.

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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Avatares no Cloud Party


Para quem está habituado à variedade de opções e liberdade de animações dos avatares em VRML o sistema do Cloud Party parece um bocadinho limitado. Mesh masculina/feminina, com poucas possibilidades de personalização, movimentos restritos. Parece que possibilita a importação de avatares individualizados desde que respeitem os requisitos do Cloud Party. Vou ter de me debruçar um bocadinho sobre isto.

A History Of Violence


John Wagner, Vince Locke (2004). A History of Violence. Nova Iorque: DC Comics/Vertigo.

Não há redenções, o passado regressa sempre para nos morder. E por vezes o melhor é pegar em armas e resolver de vez os problemas, custe o que custar. A History of Violence é um livro sem piedade, onde a libertação de passados tenebrosos se faz na ponta da arma de fogo. Nesta história de um homem que tenta fugir a um passado de crime mas é identificado por acaso pelos criminosos que o perseguem não há finais felizes, apenas os sentimentos que violência gera violência e que a alma humana desce com muito boa vontade a profundezas tenebrosas.

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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Cloud Party

Oops. Poucos minutos no mundo virtual e já estou a atingir os limites...

Isto rebentou anteontem para os meus lados: uma aplicação do facebook que permite interacção em tempo real em mundos virtuais tridimensionais. Aderi e a primeira impressão foi boa. Parece reunir características de mundos tipo second life e mundos dedicados de chat, com ilhas de fácil acesso, espaços comuns e espaços individualizados. Possibilita a cada utilizador configurar o seu espaço com elementos pré-definidos e objectos 3D enviados para os servidores. Parece-me uma aposta interessante. A integração no facebook elimina problemas de acesso e dá-lhes uma base de utilizadores potencialmente enorme. O interface é simples e de fácil aprendizagem. Não requer clientes pesados ao estilo do Second Life, e não detectei grandes tráfegos enquanto visitava os espaços virtuais.

Um dos problemas que temos nos mundos em VRML/X3D é a compatibilidade entre visualizadores de VRML, clientes e browsers, que pode ser uma barreira à introdução a estes espaços. O Cloud Party resolveu isso muito bem com a integração no facebook. Talvez não seja tão configurável e personalizável como o VRML, onde podemos construir um mundo de raíz, mas é capaz de ser interessante. E estou curioso: quais as tecnologias que se escondem debaixo do capot da aplicação? WebGL, html5?

As paletas de objectos com elementos pré-definidos e meshes importadas.

Upload de meshes 3D: até agora só o consegui fazer em OBJ. VRML e DXF, os meus formatos habituais, não são compatíveis. Cuidado ao importar objectos compostos por muitos elementos: o Cloud Party parece ter um limite de objectos por utilizador, o qual atingi com uma mesh composta por vários objectos... o problema é torneável no Vivaty com operações booleanas de união que transformam um modelo composto por diversos objectos num objecto único, mas como se pode ver com o foguetão às vezes a coisa não funciona lá muito bem. Talvez uma passagem ao Meshlab seja preferível...

Aplicar objectos para quem está habituado aos alçados e isometrias dos programas de 3D é um bocadinho difícil, mas com jeitinho vai-se lá.

Casinha versão 0.1. Não há pressa, o meu espaço há de ficar mais composto.

De qualquer maneira ainda é cedo para prognósticos relativamente a este mundo virtual. O arranque está a ser interessante, mas resta saber se terá pernas para andar a médio prazo. Se o conseguir, será um interessante recurso no já vasto panorama dos mundos virtuais. Mas não consigo deixar de pensar no caso da Vivaty. Em 2008 lançaram uma plataforma de pequenos mundos de chat individualizados e conseguiram integrar uma app no Facebook. Era interessante e prometedor, até porque a Vivaty utilizava o X3D como tecnologia de base, mas pelo que sei não se aguentaram financeiramente e foram adquiridos pela Microsoft. Da Vivaty não resta oficialmente nada. Felizmente o editor 3D para VRML/X3D Vivaty Studio, sucessor do FluxStudio, ainda anda em circulação... e ainda bem para mim, porque este tornou-se a minha aplicação de eleição para criar conteúdo 3D e mundos virtuais.

Será uma ameaça concorrencial ao Babel X3D? Nem por isso. As tecnologias e objectivos são diferentes. O Babel possibilita a quem quiser construir de raiz e albergar os seus mundos virtuais a custo zero, utilizado tecnologias abertas. O Cloud Party estará sujeito às pressões do mercado e às inconstâncias dos utilizadores das redes sociais. Cá por mim vou brincando com isto a ver no que dá. Talvez evolua suficientemente para importar um mundo virtual X3D para um espaço tipo ilha no Cloud Party e dar uma aula virtual aos meus alunos em 3D no facebook... ok, estou a sonhar alto, eu sei. De qualquer forma, uma plataforma de mundos virtuais 3D de fácil acessibilidade e levezinha é sempre bem vinda.

Fóruns do Cloud Party
Em 2008 a Vivaty chegou à Wired...
Babel X3D: mundos virtuais

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terça-feira, 19 de junho de 2012

Stop Forgetting to Remember



Peter Kuper (2007). Stop Forgetting to Remember. Nova Iorque: Crown.

Peter Kuper segue neste livro a tão americana tradição do comic auto-biográfico. Misturando reminiscências da adolescência com reflexões sobre momentos íntimos da vida contemporânea, Stop Forgetting to Remember segue à risca o cânone deste género de banda desenhada tão querida dos criadores independentes americanos. Mas deste autor espera-se mais do que recordações de charros fumados, reminiscências de antigas namoradas ou colisões com o mundo das fraldas. O artifício de criar uma autobiografia de um cartoonista fictício modelado no autor é intrigante mas o poder de Kuper está na sua linguagem visual, que neste livro não é levada ao seu nível habitual. Este género de banda desenhada é tão explorado que é difícil não ultrapassar o banal, e Kuper só o consegue quase nas últimas páginas da graphic novel, quando o choque do 11 de setembro se faz sentir na sua vida.

Railsea


China Miéville (2012). Railsea. Nova Iorque: Del Rey.

Imaginem, se de tal forem capazes. E se não o forem, as palavras de Miéville depressa vos geram imagens na mente. Imaginem: um mundo coberto de vias férreas, linhas que volteiam e se entrecruzam em vastas planícies. Imaginem que a humanidade se acotovelava em ilhas que sobressaíam por entre o emaranhado de caminhos de ferro. Imaginem uma fauna perigosa de mamíferos subterrâneos que emerge mortífera por entre a terra que segura os carris. Imaginem locomotivas e vagões a navegar nos oceanos ferroviários. Comboios militares ferronavais. Nómadas que percorrem as vias férreas em comboios à vela. Comboios de mercadorias a saltitar entre carris interligando portos ferroviários. E comboios de caça às criaturas que percorrem o subsolo, baleeiros das ferrovias que atravessam carris em busca de portentosos mamíferos mortíferos.

 É neste cenário exótico e surreal que se desenvolve Railsea, misto de história de crescimento com homenagem fantástica a Moby Dick. O indeciso jovem Sham Op Soop embarca como aprendiz no Medes, comboio de caça a toupeiras gigantes capitaneado por uma mulher obcecada em capturar a maior destas gigantes. Mergulhando na aventura do mar ferroviário, acaba por descobrir a sua vocação de explorador das vias férreas através do encontro com um par de jovens recuperadores de material descendentes de exploradores que teriam encontrado o limite inimaginável do mar de ferro: uma linha férrea única até ao horizonte. Piratas das vias férreas, recuperadores de destroços, caçadores de toupeiras e nómadas ferroviários vêem-se envolvidos numa viagem épica que os leva para lá do horizonte, através dos mitos e até à impossível estação terminal onde os descendentes andrajosos dos construtores de caminhos de ferro aguardam a possibilidade de cobrar bilhetes aos passageiros. Para lá do terminal reside a promessa de novas aventuras no mar aquoso, de caça a animais submersos.

 Os óbvios traços de Melville são depressa esbatidos pela diversidade imaginativa do panorama fantástico deste romance. Note-se que estou a utilizar fantástico como género, designando a forma literária, e não como adjectivo. É este panorama onde Miéville deixa a sua imaginação correr sem limites, traçando com precisão um mundo de fantasia sugerido como futurista, onde restos de alta tecnologia são recuperados do subsolo coberto de vias férras, a terra é considerada nociva, e se contam lendas de um passado distante pautadas por cidades e um mundo que não estava rodeado de vias férreas a perder de vista. Mergulhar em Railsea é sentir fantasia especulativa pura, num voo de imaginação sem limtes.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Second World



Jeremy Robinson (2012). Second World. Nova Iorque: St. Martin's Press.

Pensem num elemento das teorias de conspiração mais surreais e encontram-no neste livro. Armas exóticas de destruição massiva. Armas secretas nazis. Conspirações governamentais ao mais alto nível. Sobrevivência do regime nazi após o colapso da II guerra. Ovnis. Bases nazis ocultas debaixo dos gelos antárticos. Paraísos subterrâneos na antártida. Sobrevivência criogénica de Hitler. Robots assassinos. Bases ultra-secretas norte-americanas interligadas por túneis onde correm comboios maglev. Deixei alguma coisa de fora?

Second World é assumidamente um mau livro. Escrito numa linearidade atroz, lê-se como se veria um mau filme de acção de série B. O amontoado de ideias bizarras é interligada por uma narrativa de corrida contra o tempo, em que um pequeno grupo de heróis tenta salvar o mundo da aniquilação pelo poder nazi ressurgido. Uma arma secreta desenvolvida no final da segunda guerra provoca o caos no início do século XXI. Para travar o ressurgimento do poder nazi entranhado ao mais alto nível governamental e acordado de um longo sono criogénico um polícia militar americano auxiliado por uma agente secreta da República Federal Alemã e um escritor checo de teorias da conspiração com propensão para uso de pistolas de elevado calibre correm contra o tempo e através do planeta para resolver o mistério das catástrofes que retiraram o oxigénio a Miami, Tokio e Tel-Aviv e travar a aniquilação da humanidade por uma arma exótica lançada por um núcleo nazi que visa exterminar a humanidade impura e dominar um planeta povoado por descendentes arianos.

A sanidade duvidosa e a incoerência imperam neste livro. Apesar disto, classifica-se no conjunto de obras que é tão má que se torna divertida. Thriller inconsequente, é uma leitura leve, cheia de ideias incomuns e nada atrapalhada por narrativas complexas.

domingo, 17 de junho de 2012

Prometheus


Comecemos já por esclarecer duas coisas: Prometheus não é o grande filme de ficção científica do início do século XXI, destinado a tornar-se clássico, e apesar das suas enormes falhas fiquei de forma algo masoquista apaixonado. Depois de tanta fanfarra de promoção, a prometer um clássico instantâneo e objecto de culto venerável pelos mais conhecedores do género, o que chegou ao grande ecrã foi uma profunda desilusão que ficou muito aquém quer do prometido quer do esperado por parte de Ridley Scott.

É indiscutível que o pior do filme reside no argumento. Incoerente e desconexo, consegue a proeza de ser argumento de ficção científica cheio de pontapés na ciência. O mais óbvio é o divinizar da teoria interessantemente surreal de Von Daniken, charlatão que não hesitava em falsear dados para provar a todo o custo a veracidade dos seus antigos astronautas. O filme vai mais longe do que rabiscos em cavernas Dogon ou estelas astecas e dá-nos ovnis gigânticos, ADN alienígena a rodos e uma estranha cena de criação em que um alienígena se dissolve aos gritos em pó para semear a vida num planeta. Talvez esta dissolução seja um acenar aos clássicos de horror em que Drácula termina como um amontoado de pó fumegante ao raiar do sol. Talvez. A verdadeira riqueza de Prometheus está na quantidade de referências visuais.

A baixa atenção dada à ciência no binómio ficção científica dá-nos verdadeiras pérolas de cretinice made in hollywood. Exploradores em planetas de atmosfera hostil que retiram os seus capacetes mal têm indicação de presença de oxigénio dentro de um edifício arruinado. Bactérias e vírus... não lhes ocorreu... a cientistas? Uma nave high-tech que precisa de entrar na atmosfera de um planeta para que se fique a saber a sua constituição. Uma análise espectrográfica seria talvez demasiado complexa para o público do filme? A minha favorita está nos dois anos de viagem sub-lumínica para um sistema solar próximo da Terra, quando o sistema mais próximo dista se bem me recordo quatro anos-luz do nosso planeta. Terá o argumentista passado tanto tempo a decifrar a prosa iluminadora de Chariot of the Gods que não teve oportunidade de pegar num simples manual de astronomia? Possivelmente o esforço mental de criação do conceito de uma super-língua alienígena que um andróide capaz de aprender todas as línguas terrestres não só decifra mas utiliza na forma verbal e simbólica tenha esgotado o brilhante autor do argumento.

Se a ciência sai deste filme com equimoses e um olho negro, a narrativa não se safa melhor. Este é um filme de tremendas incoerências estruturais onde as acções dos personagens não fazem sentido. A maioria age como se sofresse de um sério ataque de síndrome de personalidades múltiplas. A motivação é algo de pouco claro, algo que se torna aparente no briefing inicial em que a tripulação é informada das razões da viagem aquando da chegada ao seu destino e apesar do carácter bombástico das revelações ninguém se mostra minimanente espantado ou interessado. Porque, enfim, cientistas têm o hábito de se engajar em missões que duram anos sem saber o porquê delas e a hipótese de darem de caras com uma civilização alienígena não é suficientemente intrigante para que se levante um sobrolho.

O resvalar na ladeira continua. Temos um biólogo que entra em pânico quando vê os restos fossilizados de um extra-terrestre mas não hesita em tratar uma criatura serpentiforme como um animal bonitinho e sofre as viscerais consequências disso. Um geólogo capaz de mapear uma estrutura subterrânea alienígena que se perde dentro dela. Um arqueólogo que fica deprimido por chegar ao destino e não dar caras com os extra-terrestres cujos indícios milenares investigou... porque, enfim, como se sabe o sonho de qualquer arqueólogo é rastejar por uma caverna até encontrar uma colónia esquecida de neandertais numa galeria subterrânea ou deitar abaixo a parede de um templo e deparar-se com um bando de antigos egípcios dispostos a partilhar uma caneca de cerveja. O comandante e os pilotos, depois de um filme em que se comportam de forma errática, decidem no final aceitar uma uma missão kamikaze a pedido de alguém que mal conhecem fundamentado em dados incoerentes. E, claro, a mulher de armas do filme, ripley falhada deste descalabro de argumento, tem talvez a maior das incoerências comportamentais. Inseminada por ADN alienígena, realiza uma cesariana em si própria mas poucos minutos depois já anda a correr pelo filme fora de barrgia agrafada. Apenas o andróide tem direito a ser trabalhado enquanto personagem com profundidade, incluindo comparações a Peter O'Toole como Lawrence da Arábia e cenas reminiscentes da solidão espacial de 2001 antes da chegada a Júpiter. Sem esquecer um computador que cumprimenta o robot com um elegante hello, dave.

Uma lista dos acidentes do argumento seria demasiado exaustiva para aqui. Depois de uma cavalgada de incoerências e buracos narrativos, o filme termina com um previsível castigo aos maus da fita e numa nota de tipo à boleia pela galáxia com a heroína a sequestrar uma nave alienígena. Porque basta ter à mão um andróide decapitado para se ser capaz de pilotar uma nave desconhecida com tecnologias de controle desconhecidas com métodos de propulsão desconhecidos em direcção a um destino desconhecido.

Se o descalabro narrativo é gritante, há incoerências curiosas que têm sido debatidas e apontam para uma continuidade de Prometheus num corpus mítico relativo ao clássico Alien. A primeira que detectei está no planeta visitado, que não corresponde ao L-426 onde os infelizes tripulantes da Nostromo colidem com o ninho de aliens. Outras são mais subtis. A evolução da criatura alien, do estado inicial de ADN em gosma preta, passando por verme, criatura serpentiforme que infecta corpos humanos com resultados licantrópicos, mistura com ADN humano que impregna mulheres estéreis e gera lulas que crescem até dimensões cthulóides que eventualmente impregnam seres extra-terrestres e geram uma versão curiosamente humanóide do que posteriormente se tornará o visceral e formicida Alien que encanta audiências há décadas. Parece haver também uma referência velada à mitologia judaico-cristã com árvores de natal no espaço e concepções científicamente virginais, mas no meio da falta de clareza de um filme que de vez em quando nos recorda que se passa entre o natal e o ano novo isto passa muito despercebido.

Nem tudo é mau nesta catástrofe de filme. O que tem de bom é a razão que me deixou embevecido pela obra: um visual estonteante. É o único aspecto de Prometheus que não desilude, o único ponto onde o filme consegue chegar perto ao lugar almejado como obra de high SF. Vibra com uma estética irrepreensível, necessariamente ancorada em efeitos especiais mas mais centrada na construção de um universo visual do que na espectacularidade dos efeitos. Da Terra primeva às entranhas da estrutura alienígena em LV-223, passando pela hipertecnológica nave espacial, os cenários do filme deslumbram pela sua beleza.

A quantidade de referências aparentes dão aos espectadores mais conhecedores alimento para um verdadeiro banquete visual. Há coisas que esperamos: as visões de H. R. Giger realizadas em grande esplendor, bem como cenários orbitais de tirar o fôlego. Outras não são inesperadas, como as imperdíveis referências a Syd Mead: na cena onde conhecemos o idoso patrão da Weyland Industries, a imagem de terraformação replica na perfeição o estilo deste influente designer futurista, que de certeza também teve mão na concepção dos veículos que transportam os cientistas pelo planetóide. E algumas apanham-nos de surpresa. Ridley Scott recupera a iconografia que Giger e Moebius criaram para Dune, esse outro filme lendário que acabou por ter um visual totalmente diferente do originalmente planeado. Traços de Moebius são também visíveis em vários elementos do filme e até um ar classicista blakeano na criação dos engenheiros alienígenas. Também não podia faltar um carácter tentacular lovecraftiano aos monstros do filme.


Para mim, a mais espantosa das cenas, tão fascinante que me apeteceu levantar e bater palmas de pé, é a da aterragem da Prometheus em LV-223. A nave em plano contrapicado, enquadrada pela atmosfera de nuvens portentosas e o planeta gigante anelado. Impossível não olhar e sentir um resumo do melhor da ficção científica, a atirar para a cinematografia dos anos 50 com os seus foguetões a aterrar em planetas desconhecidos ou para as referências icónicas de Chesley Bonestell ao ilustrar o sistema solar na sua obra gráfica. Parece-me também impossível ficar indiferente à candura da cena em que o andróide se vê mergulhado num mapa holográfico do universo, que o rodeia num ambiente de magia. Visualmente bela, apesar de totalmente incongruente, e confesso que ainda não consegui perceber exactamente o que essas imagens me trazem à memória. Toques de Meliès? Planetários de cobre polido dos séculos XVIII e XIX?


Esta espectacularidade visual tem as suas falhas. Ocorrem-me duas. A Prometheus falta o carácter grítty que dava textura aos universos fantásticos de Alien e Blade Runner. O ar limpo e polido do filme aponta para 2001 no interior da nave, enquanto o planeta é um deserto asséptico. Falta pó, sujidade, óleo a verter, dando ao filme um lado hiper-real mais conducente ao de uma boa ilustração de ficção científica do que a uma obra com as ambições de Prometheus. Outra é gritante e envolve os interfaces digitais com que os personagens interagem. Alien  era um filme de época, onde o interface com a inteligência artificial que controlava a nave era verbal ou através de uma mainframe. Talvez os conceptores deste filme tenham achado que o conceito de interagir com computadores através de teclados e ecrãs pretos com texto verde seria demasiado estranha para a geração tablet e smartphone. Criam com isso um curioso anacronismo. Prometheus antecede cronológicamente Alien, mas a sua tecnologia é mais avançada. Talvez num próximo filme os autores resolvam a coisa através de alguma catástrofe singularitária. Com tanto pontapé no argumento, já nada surpreende.

Prometheus poderia ser um excelente filme de ficção cientifica senão pelo seu argumento falhado e atentados à ciência mais elementar. Todo a expectativa gerada à sua volta deslindou-se num enorme descalabro entre o esperado e o que resultou. Dentro da continuidade da mitografia Alien o filme aponta caminhos curiosos, mas a premissa banalizante da influência de antigos astronautas na geração da humanidade torna-se redutora. Redime-se um pouco pela qualidade do seu aspecto visual baseado em sólidas referências iconográficas, mas isto não chega para o tornar um bom filme. Apesar das falhas gritantes, consegue despertar aquela sense of wonder que fascina na Ficção Científica. Pena é que se espalhe em tudo o resto.

Airboy


A ler a mais recente iteração de um clássico da golden age, agora ressuscitado em estilo manga pela Antarctic Press. Não está mal, até porque não é difícil melhorar o original. O ilustrador Ben Dunn fez um excelente trabalho com o desenho de aeronaves. A (... o?) improvável Birdy ficou com um belíssimo aspecto, fiel ao original mas reminiscente de aeronaves como o me 163 Komet. Confesso é que nunca percebi porque é que o avião bate as asas.