sábado, 23 de junho de 2012

Resmungo

Pronto, já vi o meu recibo de vencimento. E sim, dei por falta de qualquer coisa. Daquela segunda folha de junho que discriminava o subsídio de férias. Não, isto não é uma lamúria de inacreditabilidade face ao desaparecimento do precioso subsídio. A medida já havia sido anunciada há bastante tempo e o contacto com a realidade final não foi nada inesperado. Mas é um resmungo. Porque já perdi a conta aos cortes a que ando sujeito e esta história dos subsídios é apenas a cereja em cima de um longo bolo.

Primeiro vieram os congelamentos de progressões aquando da criação do modelo de avaliação de desempenho docente. Seguiram-se congelamentos por razões orçamentais. Em 2010 3,5% do meu vencimento passou a ser cativado como medida de combate às derrapagens orçamentais. Do meu e de todos os professores que conheço. Como não chegou, vai de cortar subsídio de natal. E como os senhores que nos regem ainda não ficaram contentes, lá foi o resto numa medida dita como temporária mas que não se prevê que tenha fim tão cedo. A quantidade de dinheiro que já perdi ao longo destes anos começa a ser apreciável. Ao mesmo tempo as minhas responsabilidades estão em proporção inversa aos rendimentos do trabalho.

Só isto já é irritante. Mas mais irritante ainda é ver que nada disto vai adiantar para combater a famigerada "crise". Para além da óbvia relação menos rendimento - menos despesa, logo menos consumo e tudo o resto que lhe está associado, há o arrepiante resvalar em direcção a ideologias hiper-liberais que colocam o lucro a curto prazo acima de tudo e todos; o constante apregoar da necessidade de reduzir serviços públicos considerados como "gordura" estatal, como se assegurar condições elementares aos cidadãos não fosse uma obrigação governamental; e pior. Ver o sangrar da população portuguesa em nome de uma austeridade que só se reflecte nos serviços públicos e sociais. Em tudo se corta, mas os sorvedouros de dinheiro das parcerias público-privadas, contratos milionários e buracos gargantuescos em mega-projectos que são exemplos do melhor da gestão danosa e corrupta continuam intocados. O que nos é martelado diariamente pelos responsáveis políticos é que as negociatas milionárias e contratos danosos não são significativos. O que realmente suga dinheiro ao país são os administrativos, os professores, os médicos, os polícias... enfim, todos aqueles que trabalham para os cidadãos. Porque o dinheiro de todos é tão mais bem aplicado nos bolsos de bancos e instituições financeiras.

O chantily cremoso que dá sabor à cereja em cima do bolo? Estar a assistir a uma reforma curricular apresentada como um avanço educativo mas que se resume a fazer regredir o sistema ao nível em que estava quando eu era aluno. A educação artística regride tremendamente. A focalização regressa em força ao desempenho em exames, porque as estatísticas a curto prazo são mais importantes que a formação dos indivíduos a longo prazo. A eliminação de disciplinas, redução de tempos e aumento do número de alunos por turma tem efeitos práticos na quantidade de professores necessários. Essencialmente é um desinvestimento tremendo e um despedimento massivo pintado com as cores luminosas de uma reforma para melhorar alicerçado no conservadorismo que tranquiliza os espíritos em tempos de crise. E isto é uma área dos serviços públicos portugueses.