terça-feira, 31 de maio de 2005

Lamentações

É assim a natureza humana. As experiências que temos no nosso trabalho levam-nos, muitas vezes, a duvidar da sanidade da existência de certas pessoas sobre a terra. Quando lidamos diáriamente com os resultados de dez e onze anos da estupidez e irresponsabilidade de pessoas adultas, perdemos um pouco a fé na humanidade.

Mas esta história não é sobre o habitual. Não se trata aqui de abuso de crianças, desprezo, maus tratos ou desleixo. Isso é que normalmente se fala, e compreensívelmente - o que é que dói mais, um corte no dedo ou um braço partido?

Ontem, na minha humilde hora de atendimento aos pais dos alunos da minha direcção de turma (quarenta e cinco minutos, são estas as horas da educação portuguesa) apareceu-me finalmente a avó de um dos meus menos brilhantes alunos. Após inúmeras convocatórias, cartas registadas e recados verbais, a senhora lá conseguiu aparecer (a três semanas do final do ano lectivo).

O aluno em causa até é bom rapaz, mas perde-se demasiado quando envolvido com um colega que, esse, é um verdadeiro case-study de desastre humano (não lhe chamaria caso perdido, mas isto é o meu eterno optimismo a falar mais alto). Como boa parte dos alunos que frequentam o nosso sistema educativo, não tem uma vida em tons de cor de rosa-telenovela, embora também não a tenha em tons de negro. Simplesmente, o trabalho dos pais não lhes permite muito tempo para acompanharem um filho que precisa de acompanhamento.

O percurso escolar do aluno é típico: mete-se em alguns sarilhos, só se lembra de estudar depois de receber os testes negativos, e a sala de aula, como nós bem sabemos, serve para tudo menos para estar atento e aprender.

(Mas quanto a esta última, quem estiver inocente que atire a primeira pedra... nunca me distingui por ser um aluno particularmente atento - aquelas aulas de matemática, onde tanto desenhei... e sempre que frequento uma acção de formação destinada a professores, fico abismado com o nível de indisciplina demonstrado pelos colegas da classe docente... enfim, mas estas são outras conversas...)

Um ano lectivo quase passado, com muitas negativas, muitas irritações e muitas tentativas frustradas de levar a criança ao redil, aparece-me a avó, numa tentativa de acertar agulhas para tentar que o aluno melhore. Um pouco tarde, talvez, mas a esperança é a última a morrer (mas mesmo assim morre antes do desespero). Não vou revelar o teor da conversa - rego-me por uma certa confidencialidade. Mas não variou muito do esperado. As mesmas ideias de sempre, as mesmas lamentações de sempre. Não é assim tão complicado educar uma criança (poucos ingredientes: amor, responsabilidade, coerência, firmeza, paciência), mas mesmo assim há tanta gente que consegue esfrangalhar-se nesta tarefa. É tão óbvio...

A piéce de resistance deu-se lá para o final da conversa, quando, após ter pintado um quadro bastante tenebroso do presente e do futuro do aluno, a senhora começa a apelar ao bom coração dos professores para que o aluno passasse. E, mais ainda, sendo eu "uma pessoa visívelmente bondosa", poderia apelar, para que nestas três semanas algum milagre aconteça.

Fiquei estupefacto (a parte dos elogios soube-me bem, claro). Não partilhando das paranoias dos meus colegas, que veêm nos encarregados de educação ameaças, não interpretei negativamente as palavras da senhora - uma avó, que, no fundo, só está a fazer o que lhe parece ser o melhor para o neto. O que me surpreendeu foi a fraca noção da realidade demonstrada. A filosofia do favor. Um por favor que consiga eliminar tudo o que foi feito de errado... portas-te mal, não estudas, não te esforças, não fazes nada por ti? Não te preocupes, basta pedir por favor, e logo o nosso coração bondoso te dará a recompensa para a qual nem te preocupaste em te esforçares. Ainda pensei, para com os meus botões, se quando o rapaz, no futuro, for despedido de algum emprego a avó lá estará para apelar à bondade do patrão...

Não quero com isto dizer que defendo uma rigidez absoluta. Mas defendo sim que devemos colher os frutos do nosso trabalho - e sofrer as consequências das nossas acções. Os perdões e indulgências não costumam resolver nada. Prolongam o inevitável.

Ocres

Ocres


E assim o sol se pôs, nesta fantástica maré de ocres...

Será que morde?

Morde

segunda-feira, 30 de maio de 2005

Modernidade

O título do post é pomposo, mas o conteúdo nem por isso... a modernidade que começa a afectar este país reflecte-se nos lugares mais inverosímeis. Hoje, repetindo o meu ritual anual obrigatório, desloquei-me a Torres Vedras para levar o meu carro à inspecção periódica obrigatória. A Inspecção, tirando as rezinguices habituais a qualquer obrigação (uma obrigação é, por natureza, desagradável - pensem no trabalho, ou em pagar impostos) foi provávelmente das melhores ideias para intervencionar o estado geral da condução em portugal, ao obrigar as legiões de possuídores de automóveis mais antiquados, desgastados, menos... recentes (pronto, velhos) a levarem o seu bólide aos mecânicos pelo menos uma vez por ano, obrigando-os a circular em segurança. É chato, mas eu já me conheço. Se não fosse a inspecção, levaria o carro ao mecânico mais ou menos com a mesma frequência com que vou ao médico - ou seja, quando desse conta de que estavam peças a cair pela estrada fora, ou quando o carro fosse travado por uma parede ou valeta, em virtuda de potencial falha dos travões. Resumindo, as inspecções são úteis - mais que não seja porque obrigam preguiçosos assumidos como eu a cuidarem dos seus carros.

Mas a modernidade que detectei hoje não está nas IPOs. Está sim nos métodos das IPOs. Geralmente, bastava levar o carro, aguardar a sua vez, e sentir o coração apertado enquanto os técnicos efectuam uma bateria de testes desenhada para tentar demolir qualquer carro (quando fazem os testes de travagem, juro que penso sempre que o carro se irá desfazer naquele momento). E, fiel a essa crença, hoje me desloquei pelas belíssimas estradas do concelho de Torres Vedras (estradas repletas do tipo de crateras que normalmente se encontram na superfície lunar) para chegar ao centro de inspecção e... descobrir que (está aqui a modernice) que os velhos tempos do chegar e inspeccionar terminaram; agora o centro de inspecções funciona apenas por marcação (tipo dentista, ginecologista ou escritório de advocacia).

É a modernidade. As tascas estão a ser substituídas por cafés e discotecas. As epidemias de falta de higiene e analfabetismo que caracterizavam o zé povinho estão a ser sanadas. Já não se vai a casa da vizinha, telefona-se com o telémovel de terceira geração (mesmo sem se saber para que servem tantos botões). E a cultura do desenrasque está a ser substituída pela cultura da marcação prévia. Toques evolucionários.

Ao contrário dos franceses, que estão a involuir - deram a vitória ao Não no seu referendo sobre a constituição europeia (escrita, diga-se de passagem, por um francês, Giscard D'Estaing). Perde um pouco a ideia de uma europa unida, entidade supranacional, união política e económica que acabe de vez com os ridículos nacionalismos. Mas a União Europeia não se desfazerá - no fim de contas, se há algo que caracteriza o processo de construção europeu é a sua idiosincrática lentidão, e a sua resiliência.

Onde está o palm?

Palm Pilot Was Here O site para aqueles aventureiros que levam o palm para todo o lado - como eu, só que eu não me desloco para o iraque, nem deixo o palm aproximar-se das dentuças da minha cadela...

domingo, 29 de maio de 2005

Wind from Nowhere

Desenho


Um dos últimos livros de J. G. Ballard que li foi o Wind from Nowhere, um dos seus romances catastróficos onde as forças da natureza, à solta para a destruição dos artefactos da civilização, espelham o que vai na alma humana (outros livros semelhantes são o Highrise, The Crystal World e The Drowned World). No livro, a civilização encontra-se sobre o "ataque" indiscriminado do vento - um vento que começa levezinho, insidioso, e que em poucas semanas leva ao abandono da superfície terrestre - excepto por um bando de resistentes, que tenta construir uma pirâmide de betão e aço, capaz de resistir à força destrutiva do vento. Só com a morte do líder deste grupo obsessivo e determinado é que o vento que devasta o mundo amaina.

A razão deste devaneio? O vento, hoje, é rei e senhor da Ericeira, vergando as àrvores e fazendo tremer portas e janelas. Na verdade, está uma daquelas ventanias valentes, dignas de dias mais tempestuosos do que aquele que na verdade hoje está.

Mas o vento pouco me incomoda. Tenho estado às voltas com alterações ao blog. Alterei a minha fotografia (sim, estou a arder de ideias...) e coloquei aquele logo no topo da página. O logo está um bocado farsola; aquela mistura de robots (a mulher-robot do filme Metropolis, de Fritz Lang, para ser mais exacto), com um dos meus desenhos de linha e o pôr do sol, conjugado com o electricismo das letras, faz lembrar qualquer coisa de surf, praias e verões. Tem algo a ver com a ericeira, mas não comigo.

Next: mais trabalho - o arraial do agrupamento da ericeira está aí à porta: dia nove de junho, nos terrenos da escola do primeiro ciclo da ericeira (ao pé dos correios). Tenho uma série de trabalhos para mostrar - as maquetes da escola utópica do 5ºD, o teatrinho O Príncipezinho, que os alunos do 5ºD estão tão entusiasmados a preparar, umas dramatizações feitas pela minha direcção de turma (nada de especial, mas enfim...) e aquelas peças multimédia, os peixes em papier-maché conjugados com as placas pintadas com animais marinhos e as silhuetas de animais marinhos a montar de forma inventiva desenvolvidos pelos meus outros quintos anos (o A, o B e o C). O que vale é que dia 10 é feriado.

Nota final: são revoltantes, algumas das medidas de combate ao défice. O congelamento das nossas carreiras e o aumento de impostos são altamente prejudiciais à nossa já tão diminuta carteira. E agora mais duas novinhas, só para nós, professores: o fim dos horários zero em pré-reforma (injusto; um professor a um ano de se reformar está sériamente danificado no cérebro) e uma redução nos destacamentos para sindicatos (justo: não são assim tantos quanto isso, mas é um sinal de moralização. A quantidade de sindicatos de professores existentes leva-me a desconfiar das reais razões para a sua existência, desconficanças aprofundadas quando alguns colegas que conheço, dirigentes sindicais, apenas o fizeram para evitar dar aulas - geralmente pela clássica razão das colocações distantes de casa).

Dinheiro? Só daquele virtual, mesmo.

A minha aldeia

Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.

Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
Angulo novo, nova ideia;
outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.

Os homens da minha aldeia
divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desampara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.

Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
cada qual é seu irmão.
Valência de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergem,
todos os homens convergem
no centro da minha aldeia.


António Gedeão

Logo

inter


Vou fazer umas experiências, alterar o visual do blog. Vamos ver no que é que dá...

sábado, 28 de maio de 2005

IR

Autoretrato

Autoretrato

Porque está na altura de alterar... não pode ser sempre o mesmo.

Clive Barker

Hellraiser


Hellraiser
Site Oficial de Clive Barker
Curta biografia crítica
Site mais antigo
Bibliografia
Conto online:Lost Souls

Barker é o autor da série de filmes de culto Hellblazer, uma das mais potentes e imaginativas séries de filmes de terror/fantasia dos finais do século XX. Senhor de uma imaginação particularmente tenebrosa, Barker é um mestre na criação de mundos fantásticos e dimensões paralelas com permanentes pontos de contacto com o nosso mundo, onde a clássica luta do bem contra o mal assume proporções cataclísmicas.

Terminei recentemente a leitura de Everville, típica história do autor sobre os cataclísmicos acontecimentos numa cidade que é um ponto de encontro entre mundos, vidas, obsessões com o poder mágico, obsessões com o bem e o mal, e semi-deuses nietzschianos, acima do bem e do mal, que olham para as nossas tragédias com a curiosiade que nós reservamos à observação da vida animal. Para Barker, o horror e o mal são algo de físico e externo, supradimensional, mas práticamente inócuo… até que a verdadeira maldade, a eterna ambição humana pelo poder e superioridade, solta o mal com consequências inesperadas e devastadoras.

Literáriamente, Barker é um dos mestres da literatura escapista. Enredos bem urdidos, capítulos curtos com estórias que se interrelacionam, um estilo linguístico apurado, embora perto do vernacular. Não muito diferente, estilisticamente, de Stephen King ou de qualquer outro escritor de horror/dark fantasy. A qualidade excepcional de Barker está na sua capacidade de conjurar mundos fantásticos, autênticos dioramas que não se esgotam num só livro, nem numa só leitura.

Barker é, infelizmente, desconhecido do público português (excepto do seguidores de tendências de culto), não tendo nenhum livro traduzido. É pena. Não se perderia nada com uma leitura dos Books of Blood

Pose

Pose


A margarida, por vezes, parece que está consciente de que deve posar para a fotografia

Photoshop Phun

Ice


Aqueles tutoriais são uma perdição... uma ilusão de gelo, e uns scherzos à volta de imagens ilosórias.

FireClaw


Garras

Post scripts

Nocturno


Ao crepúsculo de ontem. Notem a linha de céu ainda azul, no espaço por entre as nuvens.

Space Music: Voyager Termination Shock A sonda Voyager ultrapassou os limites do sistema solar e transmitiu para a terra o som dessa passagem. Sons verdadeiramente espaciais, capturados a milhões de quilómetros da terra. Mais sons espaciais em Space Audio

E já que estamos numa onda high tech, a costa portuguesa vai tornar-se o primeiro ponto do mundo com uma central de energia que produz energia através das correntes marítimas. O termo correcto escapa-me, mas podem ver do que se trata em Ocean Power Delivery. O comunicado a anunciar o investimento está disponível aqui.

sexta-feira, 27 de maio de 2005

Post Script

As nuvens
Hoje amanheceu fresquinho e chuvoso. O céu abandonou os tons de azul, optando por este cinzento pesado. Se há algo de memorável no meu dia de anos, para além da generosidade dos meus amigos e a sua tolerância aos meus dotes culinários, foi a revoltante notícia das medidas governamentais para controlar o deficit. Fiquei a saber, nesse dia, que tinha a carreira congelada, passarei a pagar mais impostos indirectos, gastarei mais dinheiro em cada vez menos litros de combustível, e é melhor começar a pensar em deixar de fumar. Está a ficar caro demais. É revoltante porque somos nós, classe média, que tem o direito de colher os frutos do seu trabalho, que se vê empobrecida para pagar as dívidas e os desvarios dos irresponsáveis e incompetentes corruptos que gerem os dinheiros públicos. Uns exemplos curiosos são o do novo alto comissário da ONU para os refugiados, António Guterres, e o do presidente da comissão europeia, Durão Barroso. Grandes responsáveis pelo que se está a passar no nosso país, a sua incompetência foi premiada com uma promoção a altos cargos de destaque mundial. Seguirei o exemplo dado, e tornar-me-ei o professor mais incompetente que conseguir. Se for bem sucedido, para além do cargo óbvio de ministro da educação, certamente que conseguirei chegar aos pináculos do poder mundial. Uns sons para afogar tristezas orçamentais: Dream Time Mix Good Rockin' Tonight Into The Groove

quarta-feira, 25 de maio de 2005

Off Top

Flash


O crepúsculo, ontem.

Hoje. Nasci há trinta anos. Trinta... nem acredito que já vivi tantos anos... boa merda.

A verdade é que trinta é só um número. Nem lhe ligo muito... a idade não me alterou as perspectivas sobre a vida. Não são os trinta que me vão fazer pensar de modo diferente, viver de modo diferente. Não me vou juntar a nenhum culto milenar, nem renascer em cristo. Tenciono continuar a ser o mesmo anarca tranquilo de sempre.

Trinta anos, carregado de trabalhos e dívidas... that's life, man. As minhas navegações pelos sites de tutoriais photoshop estão a fazer-me questionar sériamente a minha profissão. Para que é que eu ando a aturar cepos ambulantes cujas expressões artísticas só me dão vontade de ficar cego, quando prefiro sériamente criar novas visões? Bem, aturar os cepos paga as contas...

Party sounds
Futurism Ain't Shit
3 Notes and Running
Lounge World

Por agora chega. Tenho de ir trabalhar, para pagar as contas. E não ligar muito à minha clássica depressão nostálgica de aniversariante.

Photoshop Master

Nuvens


Mais umas imagens fantásticas que obtive aplicando os truques dos tutoriais do Nsane. Por incrível que pareça, aquele céu é totalmente artificial. E a carne aqui em baixo só não está mais realista porque deixei-a direitinha...

Carne viva

terça-feira, 24 de maio de 2005

Crepúsculo

Crep


Thai Classical Music
Bizantine Choir Chants
Ditties for the Party
Lionel Vinyl
Glitch|Electronica
David Sylvian

Nunca deixarei de me sentir fascinado pelas cores do crepúsculo. Gradações perfeitas, choques luminosos, contrastes inspiradores.

O que se segue: ando a ruminar um post sobre a relação entre a opera, as megaproduções cinematográficas e os jogos de consolas 3D. E irei fazer trinta anos. Trinta. Nem acredito. Estou tramado.

Mais tutoriais sobre photoshop em NSane

Pop

Halterofilia


Mais um scherzo, a experimentar as criaturas que já criei no corel. Divertido, mas não está grande coisa.

Tutoriais criativos

Onda de choque


No Tutorial Outpost encontrei tutoriais fantásticos que ultrapassam os limites do photoshop. Após uma simples leitura, aprendi a fazer estes efeitos explosivos fantásticos.

A explosão

segunda-feira, 23 de maio de 2005

Pin

Pin Vermelho


Um divertido scherzo... agora se eu misturar mais umas criaturas semelhantes, numa paisagem pop/abstracta... é capaz de sair daqui qualquer coisa de interessante. Pelo menos, sempre vario das obras obsessivas a preto e branco.

E aqui, uma prova de que o talento, e as boas ideias, não precisam de muitos recursos - Diamonster. Uma paisagem veneziana, pintada com... o Paint. 500 horas de trabalho... e eu ainda me considero obsessivo...

domingo, 22 de maio de 2005

Lapin

Lapin



Links sobre Amadeu
Olhar sobre a orbra de Amadeu
Blog sobre pintores portugueses


Não me cabe aqui elaborar sobre a vida e obra de Amadeu de Sousa Cardoso. Talvez um dia... deixo apenas expressa a minha opinião de que Sousa Cardoso, apesar de um pouco esquecido, é a figura incontornável da pintura portuguesa do século XX. No início do século, era ele que estava mais disposto e aberto à grande vaga modernista. Infelizmente, morreu cedo... só por isso não o temos ao lado dos grandes, de picasso, mondrian, ernst, na grande galeria de pintores do século XX.

Et in arcadia ego

arcadia


Sei bem que este não é o meu estilo habitual, altamente abstracto. Mas tive de fazer este trabalho, carregado de referências que ninguém compreende. O trabalho surgiu à dois anos, no final de uma acção de formação em Corel Draw no centro de formação de Mafra, onde aprendi aquilo que sei sobre desenho vectorial. Como trabalho final, criei este desenho onde apliquei os vários recursos e efeitos disponíveis no corel.

Optei por cores muito claras, a tocar no farsola, para dar um ar idílico à coisa. O coelho, para além de ser um óbvio jogo comigo próprio, é uma muito laboriosa imitação de um coelho pintado por Amadeu de Sousa Cardoso (provávelmente, o melhor artista luso do século XX) E, com florzinhas, coelhinhos a pular, e um ceúzinho azul, claro que me lembrei daquele conceito poético do século XVIII, a Arcádia - esse país idílico, povoado por ninfas e pastores, que conversam em rima e riem com trinados de flautas...

E assim estou na arcádia.

Sporting

Bem, deixem-me clarificar o post sobre o jogo de quarta-feira com uma pequena metáfora: imaginem um hamster, na sua gaiola. Imaginem bem a gaiola do hamster, com as suas grades, os comedouros e bebedouros, a palha espalhada pelo chão, o ninho do ratinho, e, presa às grades, uma daquelas rodas grandes e brancas que servem para o hamster se exercitar.

Agora imageinem o hamster a correr, a correr, estafando-se a correr enquanto a roda gira, e gira... muito corre o nosso hamster, sem sequer sair das mesmas coordenadas geográficas...

Perceberam a relação? É isso que não compreendo no futebol, todas as discussões e emoções acesas e veementes sobre algo que... passa em poucos meses, e anos depois só os fãs mais hardcore é que se lembram de quem é que jogou e ganhou um qualquer campeonato já esquecido entre as brumas do tempo. Valerá a pena tanto esforço por algo tão efémero?

(ou então isto sou eu armado em esperto, com a mania das imortalidades...)

sexta-feira, 20 de maio de 2005

Modern Toys

Litlle Gangster


Um curioso projecto artístico, que transforma as visões estereotipadas dos brinquedos baratos em ícones do mundo conteporâneo... a ver!

Crepúsculo

Quatro Sois


Pôr do sol compósito

Um pequeno scherzo tentando fixar a mutabilidade do tempo. A primeira imagem regista quatro momentos do crepúsculo de ontem. A segunda imagem é um compósito das quatro fotos, conseguida colocando a opacidade das camadas da imagem digital a 50% e a 25%, criando assim transparências que permitem mesclar os sóis. Ideias a desenvolver: tirar uma foto, do mesmo exacto ponto (com tripé), ao mesmo ponto do horizonte durante um dia, e mesclar o resultado. Outra ideia: estudar melhor os fotógrafos que fazem fotografias que capturam o arco solar ao longo de um ano - um trabalho meticuloso, que envolve uma foto por dia, exactamente à mesma hora, no mesmo sítio, do mesmo ponto, sobrepondo várias exposições sobre o mesmo fotograma.

Se gostaram do som retro de ontem, cá vai mais um link: Vegas Vic.


Crepúsculo Compósito

Sporting

Não percebo as celeumas que se geram à volta do futebol. E muito mais siderado fico quando vejo todas as emoções antes de um grande jogo, como a final da taça na quarta-feira. A equipe de futebol perdeu, qual é o problema? Seria mais deprimente se ganhasse… em 2006, já poucos se lembrariam de quem ganhou em 2005. E em 2010, só indo consultar aos livros. Parece-me um pouco absurda, esta luta renhida por uma fama que se desvanece em semanas…

(mas pronto, isto sou eu que tenho a mania que sou esperto…)

Star Wars

Laser Orbital


Bush likely to back weapons in space

Mas não essa, cujo sexto filme (terceiro episódio) estreou ontem, mas sim sobre a clássica guerra das estrelas dos anos oitenta. Quem se lembra dos velhos tempos da união soviética, com aquelas paradas militares ao longo da praça vermelha presididas por uns dinossaúricos Brejnevs, também se lembra das constantes iterações do conceito de guerra nuclear. Lembrem-se lá, vá. Esqueçam as tristezas dos sportings e os affaires sórdido-ridículos que povoam os media, pois tudo isso é transiente e destinado ao oblívio e esqueçimento. E lembrem-se dos tempos em que Lisboa desapareceria debaixo de um cogumelo nuclear, caso as coisas azedassem sériamente entre a Casa Branca e o Kremlin (o comando atlântico da NATO fica no estoril, o que quer dizer que passámos anos a fio com mísseis soviéticos apontados a Lisboa… nada mau para o portugal dos pequeninos, aquele país que parece passar sempre ao lado de tudo…).

Talvez se lembrem de um presidente americano que gostava de se armar em cowboy e iniciou a sua carreira política em westerns de série B e que agora, após a sua morte, começa a ser apontado como uma força positiva no colapso da URSS (nem vou discutir). Tinha eu os meus dez, ou menos, anos, quando esse presidente anunciou a SDI - iniciativa de defesa estratégica, que serviria para complementar o guarda-chuva nuclear de mísseis americanos (que nos protegeriam dos mísseis soviéticos do império do mal) e que consistia, básicamente, no desenvolvimento de armas espaciais - rail guns, satélites de caça, lasers orbitais e silos nucleares orbitais. Na sequência da recente estreia do episódio quarto - primeiro filme da Guerra das Estrelas, os media logo apelidaram este projecto de guerra das estrelas.

Alguns anos depois, após muitos protestos diplomáticos, algumas tecnologias desenvolvidas e rios de dinheiro gasto, a SDI foi abandonada, e juntou-se aos arquivos históricos naquela secção onde as quimeras tecnológicas se entrelaçam com as loucuras políticas.

A militarização do espaço é um dado adquirido - qualquer país com forças militares importantes dispõe de um comando espacial, mas a utilização militar do espaço, por consenso internacional, está limitada ao uso de satélites de observação. Nada de armas. O que, claro, vai muito contra a vontade dos estrategos militares, que adorariam ter umas armas completamente space age a orbitar sobre as suas cabeças (e as dos seus inimigos).

Estas reminiscências e pensamentos foram ressuscitados ontem por um artigo no Guardian, que indica a vontade do presidente Bush de dar um docinho aos que querem militarizar o espaço, tendo já removido uma série de barreiras legais ao uso militar do espaço por parte das forças armadas americanas. Os analistas falaram logo da colocação em órbita de satélites de caça (satélites capazes de reposicionar as suas órbitas, armados com armas capazes de destruir outros satélites), estrelas da morte (lasers orbitais de alta potência) e de varas de deus (a expressão inglesa é brutal - rods from god, e reflecte bem estes tempos de conflito com islamismos) - rail guns, que são acelaradores magnéticos de matéria inerte (acelerem em órbita um quilinho de tungsténio ou outro metal, e a soma da acelaração com a distância e a constante gravitacional implica que o quilinho de matéria inerte impacte o chão com uma força equivalente à de uma explosão nuclear).

Vai haver consequências, claro. Qual será o país que levará a bem a capacidade americana de o atingir com uma arma espacial de dez em dez minutos (o tempo médio que um satélite em órbita geostacionária demora a circundar a terra)? E, para além das tempestades diplomáticas, temos aí uma nova corrida às armas - os russos, ainda com uma capacidade espacial de respeito, e os chineses, com uma indústria espacial tremenda e emergente, não ficarão quietos. E, talvez, quem sabe, nós europeus também não começemos a usar Kourou para lançamento de cargas militares… é um cenário ideal de ficção científica, mas pouco tranquilo, que se desenha.

quinta-feira, 19 de maio de 2005

Explosões


Fogos do crepúsculo

Era este o céu ontem, ao fim da tarde. A beleza do fim de tarde é que todos os dias, é o mesmo - o sol põe-se, o dia escurece, anoitece. Mas todos os dias é diferente... não há dois crepúsculos iguais. O acontecimento repete-se, mas todas as vezes algo muda - as nuvens, o céu, a intensidade da luz. omnia mutantur, nihil interit... tudo muda, no entanto, tudo fica na mesma (isto para aqueles que não souberem traduzir citações latinas).

Se tenho andado silencioso, colocando posts anónimos com imagens, deve-se a uma epidemia de dores dentárias que me assolou, ultimamente. E sendo eu o covarde que sou, no que toca a dentistas (até tremo, só de pensar), ontem foi o dia em que desisti de resistir, e fui onde já deveria ter ido. Ao... dentista, palavra que gera imagens sangrentas de brocas fulminantes e cadeiras de tortura medieval, com mesas repletas de instrumentos afiados cuja função é provocar a dor mais pura.

Ideias ridículas, não são? Mas são as ideias que me fazem tremer como varas verdes mal me aproximo de um dentista. Não são nada razoáveis, mas a razão tem pouco a ver com paranoias...

Na verdade, sempre fui bem tratado pelos dentistas. Quer em Santarém, pelo Dr. Cohen, um holandês com um sentido de humor negro (gostava de interromper as operações de brocagem para me mostrar a sua mestria na reconstrução dentária, com espelhos - verdadeiras visões dantescas), quer aqui em Mafra, pela Drª. Sandra, que me está a tratar sem olhar a poupanças na anestesia. É claro, a minha relutância irracional em visitar dentistas só piora a minha relação com eles... não vou ao dentista com medo, e só vou quando é inevitável, e os tratamentos são mais dolorosos.

O inconsciente é mesmo muito pouco inteligente...


Bem, para esquecer as incomodiades das desvitalizações dentárias, cá vai um som fantástico disponível no blog SpaceDebris: Oswald d'Andrea : Le Temps 0-12-24, um easy listening dos anos 70 repleto de reminiscências e sons verdadeiramente vintage. Vale a pena ouvir (ou, no vosso caso, navegadores de banda larga, fazer o download e ouvir...).

Desvitalização: cá está o que me vai acontecer, completo com belíssimas ilustrações em tons de vermelho...

Tratamento de canais mais detalhes, com menos ilustrações sangrentas.

Saúde Oral uma oferta do millenium bcp aos seus clientes (quanto melhor estiverem de saúde, mais dinheiro podem fazer ganhar ao banco...)


explosão de luz

terça-feira, 17 de maio de 2005

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Stormy Weather


Cai a àgua

Billie Holiday: Stormy Weather

Don't know why there's no sun up in the sky
Stormy weather
Since my man and I ain't together,
keeps rainin' all the time

Life is bare, gloom and mis'ry everywhere
Stormy weather
Just can't get my poorself together,
I'm weary all the time
So weary all the time
When he went away the blues walked in and met me.
If he stays away old rockin' chair will get me.

All I do is pray the Lord above will let me walk in the sun once more.
Can't go on, ev'ry thing I had is gone
Stormy weather

Since my man and I ain't together,
keeps rainin' all the time



Aproxima-se a tempestade

domingo, 15 de maio de 2005

O Quetzal...

O quetzal sonhador é uma pequena história que escrevi nos meus loucos tempos de universidade, quando competia com o meu bom amigo Diogo a ver quem escrevia o conto mais marado. O quetzal não é nada de original - na altura, estava embebido em J. g. Ballard, e o estilo seco, conjuntamente com o surrealismo das ideias de balard fizeram-se sentir neste conto.

Não passa de uma peça de juvenilia, que me divertiu imenso.

Bem, escritor é coisa que não sou. Mas admito-o, e não sobrecarrego o mundo com as minhas ilusões... só um bocadinho, neste blog que ninguém lê.

Tokyo-Ga


Tokyo-Ga

O filme de Wim Wenders, Tokyo-Ga, sempre me fascinou pelas partes em que funciona como diário abstracto, com a câmera a captar imagens desconexas da cidade de tokio. Fascinante uso da estética do acaso, criando uma colagem audiovisual que nos faz mergulhar, como nenhuma história conseguiria, no exotismo moderno do japão.

O Quetzal Sonhador VII/VIII

7.

Encontrei Foster no àtrio do que aparentemente tinha sido um edificio governamental. Estava sentado, encostado a uma coluna semi-coberta de hera, a estudadar atentamente uns papeis. Como não sabia realmente o que lhe podia dizer, limitei-me a ficar no pórtico de entrada a observá-lo.
Subitamente consciente da minha presença, Foster levantou a cabeça.
"Newman ! Por onde tem andado ?Não o tenho visto. "
"Por aí... por entre estas ruinas habitadas por quetzais. "
"Melodramático, Newman, muito melodramático. O que é que veio aqui fazer ? "
"Voçê chamou-me, Foster. "
"Eu... ?"
"Sim, todos aqueles papagaios caídos perto de mim... eram uma convocatória, não eram, Foster ? Porque é que eu estou aqui, Foster ? Diga-me. "
Ele olhou para mim longamente. Senti os olhos dele a percorrerem-me o corpo de uma maneira subtilmente obscena.
"Voçê anda á deriva, Newman. Vai até aos lugares mais improvaveis ... como posso eu saber porquê ? "
"Fui convocado aqui, Foster. "
"Aqui, à cidade ? Por quem ?... "
Eu senti Foster a rir-se. Não um riso exteriorizado. Foster estaria a brincar comigo ? Teria sido propositado? Teria Foster rodeado-me de papagaios coloridos caídos convocando-me só para ter o prazer de me rejeitar quando eu finalmente respondesse ao chamado ?
"Não à cidade. Aqui. Junto de si.Por si. Todos aqueles papagaios caídos... "
"Coincidência, Newman. Eu não sou um deus. Não convoco os meus fieis. E os papagaios não passam de uma coincidência. Talvez1 os seus pássaros tenham arrastado os meus papagaios até si..."
"Todos estes papeis, Foster... o que é que está a fazer?"
"Criando uma máquina. Uma máquina voadora. Para me libertar. Planeio voar para longe, muito longe detas ruínas. "
"Liberdade, Foster ? Isso... "


8.

No entanto, deixei-me levar pelo projecto louco de construcção de uma máquina voadora. Apesar da era das máquinas já há muito ter passado...

sábado, 14 de maio de 2005

Twilight Zone


A Luz!

You are now entering... the twilight zone!

O Quetzal Sonhador VI

6.

Dia a dia notei que o número de papagaios caidos aumentava. Lentamente, começei a aperceber-me que todos aqueles papagaios caidos tinham algum significado. Pensei que seria talvez uma forma de linguagem, a maneira que Foster tinha de comunicar comigo sem violar a sua decisão de me ignorar. Provavelmente Foster arranjara aquela estranha forma de comunicação como meio de me atrair a ele, repetindo as circunstâncias em que nos conhecemos. Nesse caso, eu tornarme-ia num novo Newman, e Foster poderia esquecer todo o ódio que me tinha.

Eu estava nesse momento a tentar compreender um problema de geometria temporal. Pensava que deveria haver uma conexão lógica entre as minhas fugas temporais e as fotos de partes de corpos de mulher com ângulos, obliquas e retas sobrepostas. E a chave residia talvez no merzbild de Schwitters, com a sua regularidade caotica. Muitas vezes acordei de uma fuga a contemplar intersecções de planos desenhados sobre um seio. Um misto de abstracção e voyeurismo resolviam-se numa satisfação perversamente sexual.
Mas muitas vezes dava por mim a vaguear pelas ruas desertas da cidade abandonada. Certas Memórias difusas das minhas fugas eram compostas por multiplas imagens dos prédios semi-arruinados cobertos de vegetação, maquinaria ferrugenta de onde surgiam flores, pirâmides de gravatas, relógios, discos, frascos, chapéus de sol e penas de quetzal. Os quetzais cercavam-me, poisados nas janelas semi-arruinadas, observando-me num ramo de àrvore, voando acima de mim, dentro de mim. Eu por vezes sentia-me um quetzal, pronto a levantar voo com um simples bater de braços.
Foi para dizer isso a Foster, como desculpa para a minha manipulação dos quetzais, que fiz o que já tinha feito e segui pacientemente o fio de mais um papagaio caido.

Après Matisse


Matisse

De 1996, uma imitação barata de uma odalisca de matisse.

sexta-feira, 13 de maio de 2005


Torel

O Quetzal Sonhador IV/V

.4

A intemporalidade é uma doença com estranhos sintomas. Aqueles que estão contaminados tem tendencia para sofrerem fugas. Essas fugas são ilusões psicológicas de atemporalidade. As barreiras cerebrais que controlam a nossa percepção de tempo quebram-se, e nós desfazemo-nos em inumeras imagens de passado e futuro

5.

Esta era uma cidade igual a todas as cidades. Ficava nas margens de um rio, tinha arranha-céus brancos e ruas labirinticas, pontes de ferro ocre e fábricas com as chaminés corroídas.A vegetação cobria as ruas, os automóveis, as pilhas de gravatas, discos e aerossois nas saidas da cidade. Estava também deserta, para além de Clare/Evelyn, Foster e eu.
E Clare/Evelyn rapidamente partiu. Mas ainda me deixou com algumas imagens da sua geometria corporal, que eu achei fascinante.
A principio, ainda colaborei com Foster na sua frenética obsessão de construir elaborados papagaios de madeira. Mas, temendo que a sua loucura me contaminasse, acabei por me desligar de Foster e entrar no meu próprio mundo de fugas, quetzais e geometrias femininas.
As minhas fugas tornaram-se erráticas. Embora enquanto durassse a fuga eu ficasse paralisado, à medida que se desvanecia eu era capaz de me mover, conseguindo assim antever difusamente o mundo complexo desprovido de tempo. Os quetzais, adivinhando o meu estado de atemporalidade progressivo, passaram a seguir-me para todo o lado, talvez com a secreta esperança que eu os libertasse do tempo, e abandonaram Foster. Foster, na sua frustração, resumiu-se a construir e lançar mais e mais papagaios, progressivamente mais exóticos e coloridos, mas que no fundo não passavam de tentativas toscas de capturar o brilho multicolorido dos quetzais.
Foi mais ou menos por essa altura que Foster deixou de me falar.

Master

O Quetzal Sonhador III

3.
Eu cheguei à cidade coberta de selva após uma longa viagem em busca de algo que eu não sabia o que era. Também não fazia muito esforço em procurar...
Espantou-me ter chegado à cidade. Eu já tinha passado por inúmeras cidades como esta, espalhadas pelo grande deserto humano em que o planeta se tinha tornado. Muitas estavam desertas, mas em algumas ainda havia pessoas por entre as àrvores e os pássaros. Essas pessoas eram bizarras. Aliás, todos os sobreviventes que conheci (eu incluido ) eram bizarros. Todos viviamos de acordo com estranhos rituais, sobrevivendo entre cafés abandonados e supermercados desertos. Nós não eramos nenhuns sobreviventes de qualquer catástrofe, eramos apenas homens e mulheres que nos tínhamos recusado a sair das cidades, a abandonar a civilização industrial, quando a humanidade em geral se dispôs a isso.
Nos meados do século XX, era crença generalizada que a humanidade só abandonaria a civilização industrial após a catástrofe nuclear. Na realidade, foi preciso menos. O escassear de recursos e o aumentar da violência tornaram a vida nas grandes cidades quase impossivel. E, lentamente, uma nova moda tornou-se a resposta: abandonar as cidades, deixar para trás a civilização industrial com as suas fábricas e máquinas, chaminés e arranha-céus.
Primeiro pouco a pouco, depois em êxodos massivos, os homens deixaram as cidades. À saida das cidades, deixaram os simbolos da vida que agora abandonavam. Todas as cidades desertas tinham as suas colinas de gravatas, moedas, sinais de trânsito, televisores, torradeiras, lâmpadas, relógios...
Muitos reverteram a um estado de completo barbarismo. Outros tentaram utilizar os conhecimentos tecnológicos para criarem colónias rurais auto-sustentadas, pondo ao seu serviço os melhores conhecimentos de sociologia e psicologia para criarem as sociedades perfeitas. Mas alguns quiseram ficar.
Nos primeiros tempos, aqueles que ficaram comportaram-se como crianças cujas fantasias se tornaram realidade. Ninguém se preocupou em manter a ordem social e o status quo. Dançou-se sobre os automóveis, deixaram-se apodrecer as orgulhosas torres de vidro. Mas, lentamente, isso começou a mudar. A agitação deu lugar a uma estranha viragem para o individuo. Todos começaram a agir como estranhos, partindo em busca de estranhos objectivos esotéricos. Uma estranha nova doença começou a afectar-nos: a intemporalidade. (eu sofro dessa doença.) Foi mais ou menos por essa altura que nos começamos a chamar "sobreviventes".
Foi também mais ou menos por essa altura que os homens livres começaram a morrer.

Aqueles que tinham abandonado a civilização começaram a morrer da mesma doença que mata os animais capturados na selva e depois enjaulados nos jardins zoológicos. Mas com um aspecto irónico: os homens livres morreram por se sentirem livres. Um dia, chegaram intimamente à conclusão que mais nada havia para fazer. E sentaram-se placidamente à espera da morte.Durante a minha viagem, vi muitas congregações de cadáveres, sentados a olhar para uma tela invisível.

quinta-feira, 12 de maio de 2005

O Quetzal Sonhador II

2.

Foster apresentara-me a uma mulher de olhos impressionantemente verdes chamada Clara. Alguma da sua caótica geometria estava agora pregada à parede do meu quarto, ao lado dos relógios a escorrer de Dalí, ( o símbolo da minha doença ) debaixo dos círculos e linhas de Schwitters. ( o símbolo da minha cura impossivel ) Aparentemente, tinha sido ela a primeira a chegar à cidade coberta de selva. E ela parecia acreditar que tinha a missão sagrada de ajudar a selva a enterrar as desertas ruas brancas num oceano de lianas verdes e quetzais chilreantes.Ela tinha passado o seu tempo na cidade a ajudar a selva a progredir, plantando flores. Tinha sido graças a ela que a principal avenida da cidade se encontrava coberta por um espesso tapete de flores.

Foster viera depois, quando o seu planador apanhara uma corrente de ar adversa e se despedaçou num dos campos de flores criados por Clara. Se Clara vivia em harmonia com a natureza, Foster era o protótipo nato do homem industrial. Depois de tentar (sem grande sucesso ) reparar o planador, Foster começou a percorrer toda a cidade em busca de gasolina, e meteu mãos à obra na construcção de um monumento à industria perdida, à era desaparecida da máquina. ( o monumento consistia essencialmente numa pirâmide feita de automóveis.Após Foster ter terminado, viera Clara e a pilha de metal transformou-se numa pirâmide de flores. ) Depois, recorreu a escrever frases nas paredes das casas. Quando se cansou, tentou recuperar com os papagaios a qualidade de homem alado que perdera. Nitidamente, estava a enlouquecer. Cada novo papagaio era mais exótico e elaborado que os que o antecederam. No entanto, continuavam a ser capazes de voar, acompanhando os quetzais nos céus azuis.
Foster chamava Evelyn a Clara. Quando lhe perguntei a razão, disse-me que Clara/Evelyn nunca revelava o seu verdadeiro nome. "Às vezes, nem eu me lembro do meu nome. ", dissera-lhe Clara/Evelyn.
Pouco depois de eu ter chegado, Clara/Evelyn partiu. Aparentemente, considerava a sua missão terminada, e partiu em busca de um lugar apropriado para recomeçar o trabalho

pintura 3


Pintura III

De 2001, só em azuis.

O Quetzal Sonhador I

1.

A fuga começou no momento em que eu vi a cidade estendida a seus pés. Num minuto, via uma série interminável de ruas ladeadas de prédios brancos de várias formas, intersectando-se e enovelando-se num labirinto cuja única saida era o rio.
No minuto seguinte, só via verde.
" Porquê verde ? " perguntei-me,, à medida que me separava em infinitas imagens de mim próprio.
O tempo dissolvia-se em multiplas reflexões, os muitos passados e futuros tornando-se momentos individuais à medida que multiplas imagens de mim próprio desciam a colina em direcção à cidade. O sol estava a pôr-se, mas isso não pareceu afectar as multiplas imagens mim próprio. Num estado de fuga, para além do tempo, elas começaram a perder-se no grande labirinto que era a cidade imaterializada, cada imagem criando o seu próprio labirinto, seguindo caminhos dispersos que inevitavelmente levavam ao mesmo ponto.
Acordei fascinado pela inescritivel geometria desenhada sobre as fotos de seios, ancas, torsos e rostos de mulher (de várias mulheres, realmente) que preenchiam a parede. Lá fora, pousados sobre plátanos cobertos de lianas, vários quetzais espreitavam-me. Ocasionalmente, um fragil papagaio, preso à terra por um quase invisivel fio de nylon, quebrava miriades de raios de luz no céu.
"Deve ser Foster . O papagaio trai-o."
Apenas Foster teria sido capaz de fazer voar aquele grande quetzal de madeira e papel colorido, tal como anteriormente apenas Foster, cumprindo um enigmático ritual interior, tinha sido capaz de cobrir as casas com palavras numa lingua há muito desaparecida.
Tinha conhecido Foster pouco depois de chegar à cidade abandonada, quando me dei ao trabalho de seguir o fio de nylon amarrado aos restos de um papagaio colorido despedaçado em cima do fossil de um ford mustang coberto de lianas. Encontrei-o a trabalhar febrilmente num novo papagaio.
"Gosta dos meus papagaios ? Lindos, não são ? "perguntou-me Foster, mal tirando os olhos do pano que estava a pintar.
Fiquei muito intrigado com esta liberalidade da parte do homem.
"Chamo-me Foster. E voçê é..."
"Newman. "
"Então, Newman, gosta dos meus papagaios? Dê-me a sua opinião sincera. É da maior importância."
"Bem, gosto... acho-os extremamente intrigantes."
"Intrigantes? Hah! Seja bem vindo, amigo Newman! " e começou a rir loucamente.

4:33


Viridiana 421

Como indica o nome, a cor é viridiana 421. Precisamente essa, em honra dos quatro minutos e trinta e três segundos de não música de John Cage.

Distúrbio de comportamento

Desde que me lembro que me injecto com pedaços de metal. Desde sempre que tenho sentido este impulso de fazer incisões no meu corpo e nelas inserir engrenagens, microchips e fios de cobre.
Estas feridas geralmente infectam, o que significa que o meu corpo está coberto por abcessos, chagas e feridas mal saradas com protuberâncias que traem as formas metálicas que encerram.
Lentamente, aproximo-me do meu objectivo: provocar uma série de mutações fisicas que me transformem no meu ideal de homem-máquina.

Reminiscências


Lisboa, estação do rossio


Zippo



Ruas

Umas recordações dos tempos em que eu vagueava por lisboa, de bloco de notas debaixo do braço, e caneta de aparo preparada para registar o que me desse interesse. Desenhos de 1993... há quanto tempo!

quarta-feira, 11 de maio de 2005

Poente


Sol Poente

O enquadramento mar/nuvens/céu valoriza os tons quentes do pôr-do-sol. Todos os dias o mesmo, todos os dias diferente.

Time out

Mais uma vez o tempo parece escorrer. Passa rápido. Mesmo rápido.

Aconselho uma visitinha ao site da BBC sobre a II Grande Guerra. Está repleto de óptimos ensaios que retratam a dura realidade dos anos de 39 a 45.

Ainda estou um pouco surpreendido com o pouco que se tem falado neste sexagésimo aniversário da segunda guerra. Talvez a discussão de ideias históricas e o relembrar o passado não tenham muito interesse, perante os reality shows, as telenovelas e os concursos. É de salientar que a morte do papa, um acontecimento de relativa importância, teve mais exposição mediática do que este aniversário dos acontecimentos que moldaram o mundo contemporâneo.

terça-feira, 10 de maio de 2005

Desejos

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Leituras

Nova ficção online no InfinityPlus:

At the Twenty-Fifth Annual Meeting of Uncle Teco's Homebrew Gravitics Club, por David Levine, sobre um encontro em órbita dos melhores designers de naves espaciais exóticas (vale mais pelo que sugere do que pela história em si);
The Gimatria of Pi, de Lavie Tidhar, belíssima para fãs do código da vinci e outras cenas do género: o assassinato de Yitzhak Rabin previsto no cálculo de Pi.

Perdido nos espaços


Robbie the Robot

Robbie, para quem não sabe, é o robot do clássico filme de ficção científica Lost in Space. Mas este é uma brincadeira feita no corel draw, utilizando o blending de formas curvas para lhe dar uma ilusão de tridimensionalidade.

Próximo passo: levando em conta a posição dos braços e das pernas, tenho de montar o robbie com umas fotos astronómicas, daquelas que o hubble tão bem tirou, sugerindo o robbie a cair para dentro de um buraco negro...

segunda-feira, 9 de maio de 2005

Tempus Fugit


Relógios

Porque o tempo corre, escorre, apressa-se e foge-nos por entre os dedos. Nunca há tempo, mas tempo é sempre tempo, mesmo que seja um instante de planck...

domingo, 8 de maio de 2005

Animações III

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Sim, eu sei que é minúscula, mas estas animações ocupam imenso espaço de memória. Esta é uma experiência diferente - uma pintura que se vai fazendo. Feita pelos meus alunos do 5ºC, tudo malta de dez aninhos.

60 Anos


Iwo Jima

World War Two na BBC
Links para diversos sites sobre a II guerra
Os aviões da Batalha de Inglaterra

Comemora-se hoje o sexagésimo aniversário do acontecimento-pivot do século XX, a II Guerra Mundial, que engolfou a europa, a àsia e o norte de àfrica durante 6 duros anos.
Foi nas cinzas desta guerra que o mundo moderno foi forjado. A UE, a ONU, a guerra fria, a Nova Ordem Mundial, nada disto teria existido sem esta guerra total.
Na realidade, hoje é o aniversário do V-E day, o dia da vitória na europa. Na àsia, o império do sol nascente ainda resistia.


Bf109
E cá vão as imagens dos duelistas mais famosos da história da aviação - O Supermarine Spitfire inglês e o Messerchmit Bf109 alemão, que se degladiaram na batalha de inglaterra.

Spitfire