quinta-feira, 12 de maio de 2005

O Quetzal Sonhador I

1.

A fuga começou no momento em que eu vi a cidade estendida a seus pés. Num minuto, via uma série interminável de ruas ladeadas de prédios brancos de várias formas, intersectando-se e enovelando-se num labirinto cuja única saida era o rio.
No minuto seguinte, só via verde.
" Porquê verde ? " perguntei-me,, à medida que me separava em infinitas imagens de mim próprio.
O tempo dissolvia-se em multiplas reflexões, os muitos passados e futuros tornando-se momentos individuais à medida que multiplas imagens de mim próprio desciam a colina em direcção à cidade. O sol estava a pôr-se, mas isso não pareceu afectar as multiplas imagens mim próprio. Num estado de fuga, para além do tempo, elas começaram a perder-se no grande labirinto que era a cidade imaterializada, cada imagem criando o seu próprio labirinto, seguindo caminhos dispersos que inevitavelmente levavam ao mesmo ponto.
Acordei fascinado pela inescritivel geometria desenhada sobre as fotos de seios, ancas, torsos e rostos de mulher (de várias mulheres, realmente) que preenchiam a parede. Lá fora, pousados sobre plátanos cobertos de lianas, vários quetzais espreitavam-me. Ocasionalmente, um fragil papagaio, preso à terra por um quase invisivel fio de nylon, quebrava miriades de raios de luz no céu.
"Deve ser Foster . O papagaio trai-o."
Apenas Foster teria sido capaz de fazer voar aquele grande quetzal de madeira e papel colorido, tal como anteriormente apenas Foster, cumprindo um enigmático ritual interior, tinha sido capaz de cobrir as casas com palavras numa lingua há muito desaparecida.
Tinha conhecido Foster pouco depois de chegar à cidade abandonada, quando me dei ao trabalho de seguir o fio de nylon amarrado aos restos de um papagaio colorido despedaçado em cima do fossil de um ford mustang coberto de lianas. Encontrei-o a trabalhar febrilmente num novo papagaio.
"Gosta dos meus papagaios ? Lindos, não são ? "perguntou-me Foster, mal tirando os olhos do pano que estava a pintar.
Fiquei muito intrigado com esta liberalidade da parte do homem.
"Chamo-me Foster. E voçê é..."
"Newman. "
"Então, Newman, gosta dos meus papagaios? Dê-me a sua opinião sincera. É da maior importância."
"Bem, gosto... acho-os extremamente intrigantes."
"Intrigantes? Hah! Seja bem vindo, amigo Newman! " e começou a rir loucamente.