sexta-feira, 13 de maio de 2005

O Quetzal Sonhador IV/V

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A intemporalidade é uma doença com estranhos sintomas. Aqueles que estão contaminados tem tendencia para sofrerem fugas. Essas fugas são ilusões psicológicas de atemporalidade. As barreiras cerebrais que controlam a nossa percepção de tempo quebram-se, e nós desfazemo-nos em inumeras imagens de passado e futuro

5.

Esta era uma cidade igual a todas as cidades. Ficava nas margens de um rio, tinha arranha-céus brancos e ruas labirinticas, pontes de ferro ocre e fábricas com as chaminés corroídas.A vegetação cobria as ruas, os automóveis, as pilhas de gravatas, discos e aerossois nas saidas da cidade. Estava também deserta, para além de Clare/Evelyn, Foster e eu.
E Clare/Evelyn rapidamente partiu. Mas ainda me deixou com algumas imagens da sua geometria corporal, que eu achei fascinante.
A principio, ainda colaborei com Foster na sua frenética obsessão de construir elaborados papagaios de madeira. Mas, temendo que a sua loucura me contaminasse, acabei por me desligar de Foster e entrar no meu próprio mundo de fugas, quetzais e geometrias femininas.
As minhas fugas tornaram-se erráticas. Embora enquanto durassse a fuga eu ficasse paralisado, à medida que se desvanecia eu era capaz de me mover, conseguindo assim antever difusamente o mundo complexo desprovido de tempo. Os quetzais, adivinhando o meu estado de atemporalidade progressivo, passaram a seguir-me para todo o lado, talvez com a secreta esperança que eu os libertasse do tempo, e abandonaram Foster. Foster, na sua frustração, resumiu-se a construir e lançar mais e mais papagaios, progressivamente mais exóticos e coloridos, mas que no fundo não passavam de tentativas toscas de capturar o brilho multicolorido dos quetzais.
Foi mais ou menos por essa altura que Foster deixou de me falar.