O título do post é pomposo, mas o conteúdo nem por isso... a modernidade que começa a afectar este país reflecte-se nos lugares mais inverosímeis. Hoje, repetindo o meu ritual anual obrigatório, desloquei-me a Torres Vedras para levar o meu carro à inspecção periódica obrigatória. A Inspecção, tirando as rezinguices habituais a qualquer obrigação (uma obrigação é, por natureza, desagradável - pensem no trabalho, ou em pagar impostos) foi provávelmente das melhores ideias para intervencionar o estado geral da condução em portugal, ao obrigar as legiões de possuídores de automóveis mais antiquados, desgastados, menos... recentes (pronto, velhos) a levarem o seu bólide aos mecânicos pelo menos uma vez por ano, obrigando-os a circular em segurança. É chato, mas eu já me conheço. Se não fosse a inspecção, levaria o carro ao mecânico mais ou menos com a mesma frequência com que vou ao médico - ou seja, quando desse conta de que estavam peças a cair pela estrada fora, ou quando o carro fosse travado por uma parede ou valeta, em virtuda de potencial falha dos travões. Resumindo, as inspecções são úteis - mais que não seja porque obrigam preguiçosos assumidos como eu a cuidarem dos seus carros.
Mas a modernidade que detectei hoje não está nas IPOs. Está sim nos métodos das IPOs. Geralmente, bastava levar o carro, aguardar a sua vez, e sentir o coração apertado enquanto os técnicos efectuam uma bateria de testes desenhada para tentar demolir qualquer carro (quando fazem os testes de travagem, juro que penso sempre que o carro se irá desfazer naquele momento). E, fiel a essa crença, hoje me desloquei pelas belíssimas estradas do concelho de Torres Vedras (estradas repletas do tipo de crateras que normalmente se encontram na superfície lunar) para chegar ao centro de inspecção e... descobrir que (está aqui a modernice) que os velhos tempos do chegar e inspeccionar terminaram; agora o centro de inspecções funciona apenas por marcação (tipo dentista, ginecologista ou escritório de advocacia).
É a modernidade. As tascas estão a ser substituídas por cafés e discotecas. As epidemias de falta de higiene e analfabetismo que caracterizavam o zé povinho estão a ser sanadas. Já não se vai a casa da vizinha, telefona-se com o telémovel de terceira geração (mesmo sem se saber para que servem tantos botões). E a cultura do desenrasque está a ser substituída pela cultura da marcação prévia. Toques evolucionários.
Ao contrário dos franceses, que estão a involuir - deram a vitória ao Não no seu referendo sobre a constituição europeia (escrita, diga-se de passagem, por um francês, Giscard D'Estaing). Perde um pouco a ideia de uma europa unida, entidade supranacional, união política e económica que acabe de vez com os ridículos nacionalismos. Mas a União Europeia não se desfazerá - no fim de contas, se há algo que caracteriza o processo de construção europeu é a sua idiosincrática lentidão, e a sua resiliência.