sexta-feira, 13 de maio de 2005

O Quetzal Sonhador III

3.
Eu cheguei à cidade coberta de selva após uma longa viagem em busca de algo que eu não sabia o que era. Também não fazia muito esforço em procurar...
Espantou-me ter chegado à cidade. Eu já tinha passado por inúmeras cidades como esta, espalhadas pelo grande deserto humano em que o planeta se tinha tornado. Muitas estavam desertas, mas em algumas ainda havia pessoas por entre as àrvores e os pássaros. Essas pessoas eram bizarras. Aliás, todos os sobreviventes que conheci (eu incluido ) eram bizarros. Todos viviamos de acordo com estranhos rituais, sobrevivendo entre cafés abandonados e supermercados desertos. Nós não eramos nenhuns sobreviventes de qualquer catástrofe, eramos apenas homens e mulheres que nos tínhamos recusado a sair das cidades, a abandonar a civilização industrial, quando a humanidade em geral se dispôs a isso.
Nos meados do século XX, era crença generalizada que a humanidade só abandonaria a civilização industrial após a catástrofe nuclear. Na realidade, foi preciso menos. O escassear de recursos e o aumentar da violência tornaram a vida nas grandes cidades quase impossivel. E, lentamente, uma nova moda tornou-se a resposta: abandonar as cidades, deixar para trás a civilização industrial com as suas fábricas e máquinas, chaminés e arranha-céus.
Primeiro pouco a pouco, depois em êxodos massivos, os homens deixaram as cidades. À saida das cidades, deixaram os simbolos da vida que agora abandonavam. Todas as cidades desertas tinham as suas colinas de gravatas, moedas, sinais de trânsito, televisores, torradeiras, lâmpadas, relógios...
Muitos reverteram a um estado de completo barbarismo. Outros tentaram utilizar os conhecimentos tecnológicos para criarem colónias rurais auto-sustentadas, pondo ao seu serviço os melhores conhecimentos de sociologia e psicologia para criarem as sociedades perfeitas. Mas alguns quiseram ficar.
Nos primeiros tempos, aqueles que ficaram comportaram-se como crianças cujas fantasias se tornaram realidade. Ninguém se preocupou em manter a ordem social e o status quo. Dançou-se sobre os automóveis, deixaram-se apodrecer as orgulhosas torres de vidro. Mas, lentamente, isso começou a mudar. A agitação deu lugar a uma estranha viragem para o individuo. Todos começaram a agir como estranhos, partindo em busca de estranhos objectivos esotéricos. Uma estranha nova doença começou a afectar-nos: a intemporalidade. (eu sofro dessa doença.) Foi mais ou menos por essa altura que nos começamos a chamar "sobreviventes".
Foi também mais ou menos por essa altura que os homens livres começaram a morrer.

Aqueles que tinham abandonado a civilização começaram a morrer da mesma doença que mata os animais capturados na selva e depois enjaulados nos jardins zoológicos. Mas com um aspecto irónico: os homens livres morreram por se sentirem livres. Um dia, chegaram intimamente à conclusão que mais nada havia para fazer. E sentaram-se placidamente à espera da morte.Durante a minha viagem, vi muitas congregações de cadáveres, sentados a olhar para uma tela invisível.