sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Leituras


Rosetta: The Ambition To Turn Science Fiction Into Science Fact: E isto é o dinheiro dos nossos impostos a funcionar. Muito bem, diga-se. A ESA investiu numa curta de ficção científica para acompanhar o programa espacial da sonda Rosetta. Algo que oscila entre o uau e o estranho, porque não se espera que agências espaciais se dêem ao trabalho de olhar para a FC. Sendo justo, é de referir que a ESA tem desde há anos atrás um discreto programa de incentivo à inovação das ideias tecnológicas através da FC, mas que eu saiba nunca tinham ido tão longe como produzir um filme. O filme em si sofre um pouco daquela pomposidade de utopia institucional, mas note-se que com eurocratas a olhar atrás dos ombros a coisa não poderia ir de outra forma.

Transrealism: the first major literary movement of the 21st century?: Damien Walter surpreende-nos com este excelente ensaio onde sintetiza, em traços gerais, o que caracteriza a literatura transrealista, aquela fronteira fluída entre literatura no sentido clássico e erudito e as ficções fantásticas e de ficção científica. Brilhante, esta tirada: "Both sci-fi and realism provide a measure of comfort – one by showing us the escape hatch from mundane reality, the other by reassuring us the reality we really upon is fixed, stable and unchanging. Transrealism is meant to be uncomfortable, by telling us that our reality is at best constructed, at worst non-existent, and allowing us no escape from that realisation."


Photographer Reveals The Cheesy Glory Of The Holy Land Experience: Estou indeciso sobre o que é que poderá ser mais absolutamente espantoso, da categoria queixo tão caído que os maxilares saem do lugar, nesta série de fotografias. O Jesus-boxeur, posando com os seus suados músculos no ringue de boxe? Ou talvez o Jesus-motard, bad boy montado na sua Harley com um sorriso de salvador e asas de anjo. O post do Neatorama leva-nos a uma galeria da Juxtapoz com o trabalho de Daniel Cronin, que deve ter passado umas excelente horas a fotografar um parque temático cristão ao qual os adjectivos de farsola ou foleiro não são suficientes para caracterizar o seu glorioso kitsch.


Não resisto a mais uma. Porque o lendário abrir das águas do mar morto não estaria completo sem um tubarão gigante voador. A ironia, por vezes, não precisa de nenhum ponto de vista específico.

The Laborers Who Keep Dick Pics and Beheadings Out of Your Facebook Feed: Há uma razão para as nossas redes sociais serem tão alegres e cativantes: exércitos de editores a pisar a linha fina entre curadoria e censura que eliminam dos fluxos das redes sociais os indícios do pior que a humanidade tem de oferecer. Ou, sob a superfície rosada da rede social há um esgoto profundo e virulento, mantido sob controle por trabalhadores que lidam diariamente com o pior do que a humanidade consegue fazer. Vai muito para além dos pares de maminhas que parecem irritar os censores do facebook. São assassínios por degolação, violência macabra sobre animais, constantes fluxos do pior do que a alma humana é capaz. Não são os perigos da internet, são o reflexo do lado mais negro da humanidade.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

BD: Living Will #03, Pessoas que usam bonés-com-hélice.


André Duarte, Joana Afonso (2014). Living Will #03. Lisboa: Ave Rara.

Continua a amarga saga de Will, um velhote que encontra na busca da redenção uma razão para viver os seus anos cinzentos. A história vai-se tornando mais amarga, porque se esta vontade de olhar para o passado deixa Will melhor consigo mesmo, o confronto com aqueles que magoou reaviva más memórias e deixa-os novamente presos a sentimentos tristes. Num certo sentido, a busca moral de um homem pelo perdão pode ser um acto tão ou mais egoísta como os actos que o levaram à culpa.

Bem escrita e deliciosamente ilustrada, Living Will continua a manter-se como uma das melhores séries de BD portuguesa contemporânea.


José Carlos Fernandes (2003). Pessoas que usam bonés-com-hélice. Lisboa: ASA.

José Carlos Fernandes é daqueles que mesmo em registos mais leves é melhor do que muitos argumentistas/desenhadores. Tendo sempre presente na mente a obra magistral que é a série Pior Banda do Mundo, recentemente reeditada pela Devir (mas não caso único, e basta ler obras como Um Catálogo de Sonhos ou Terra Incógnita) é-me difícil categorizar este Pessoas que usam bonés-com-hélice uma obra maior deste veterano de excelência da BD portuguesa. Em parte, parece uma derivação de A Pior Banda do Mundo, com o mesmo estilo gráfico e pendor para o transrealismo poético. É interessante a forma com que ironiza a banalidade das caricaturas. Convém explicar que sou daqueles poucos que são imunes à arte da caricatura (por breves segundos considerei colocar a palavra arte entre aspas, mas isso seria injusto). Em termos iconográficos parece-me sempre que todos os caricaturistas usam o mesmo estilo, com as mesmas características. E sinto que lhes falta intemporalidade, com o seu foco no ironizar imediatista da contemporaneidade. Neste livro JCF faz uma bela caricatura da banalidade iconográfica do género, dando-nos as figuras de proporções deformadas que lhe são tão comuns, mas perverte as expectativas com toques contínuos de surrealismo poético, sempre naquela linha borgesiana erudita que tem caracterizado a sua obra. Mas não é um livro excepcional. É apenas bom.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Sepulturas dos Pais


David Soares, André Coelho (2014). Sepulturas dos Pais. Lisboa: Kingpin Books.

Uma fábula negra, sobre magia intemporal e a transiência do desespero. David Soares não parece ser grande crente na bondade humana. As suas personagens oscilam entre o trágico e o perverso, e isso sente-se com muita força nesta história sem heróis, apenas com personagens destroçados por tragédias pessoais ou homens sem escrúpulos ou empatia para com o outro. Um velho filho de pescadores, guardião do segredo da magia das areias, cruza-se com uma trágica jovem que procura na sexualidade descontrolada um alívio para a perda. Com ela vêm os homens que se aproveitam de tudo o que lhes possa fornecer prazer. Uma colisão que acabará mal, mesmo que por momentos fugazes dê lampejos de uma felicidade mágica. O que se mantém imutável é a intemporalidade da magia encerrada nas areias, que a necessidade lógica humana quer interpretar como um reencontro de almas entre mulheres sepultadas na praia e homens largados ao mar, tradição de que o velho descendente de pescadores é a última testemunha. Mesmo quando a modernida irrompe, sob a forma de um luxuoso empreendimento turístico que destrói a praia tradicional, a magia encerrada nas areias mantém-se. E, num final assombroso, reafirma-se como independente das necessidades humanas, fiel a uma aleatoridade inconcebível pela razão. No meio das trevas, reluz essa espécie de fé em algo que está para além de nós. Sempre esteve, sempre continuará.

Se a narrativa de David Soares se desenrola entre complexidade filosófica, sentimento mágico e descrença na redenção, o traço de André Coelho reafirma o lado negro da fábula, com um toque de grotesco. Apesar de estar mais comedido e menos experimentalista do que em Terminal Tower (como aliás se esperaria, uma vez que estamos a falar de uma outra vertente de banda desenhada), lega-nos algumas vinhetas assombrosas. Na minha mente perduram os olhos do barco sobre a praia ou as criaturas de areia que se levantam dos traços do pescador.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Leituras


In the future we will absorb technology from the inside out and enhance our senses by eating ourselves: Um vídeo de uma beleza assombrosa, descoberto graças ao bom gosto impecável do but does it float. Com uma estética de cores ricas e esterilidade cirúrgica, a mexer com transumanismo, biotecnologia, clonagem e bleeding edge científica. E faz pensar naquilo que Bruce Sterling disse en passant num dos últimos SXSW. A vanguarda estética da FC que reflecte sobre os desafios de um mundo de tecnologias pervasivas e pesquisa as novas possibilidades estéticas dos meios digitais não se encontra nas mega-produções cheias de efeitos especiais de Hollywood ou Bollywood. Está aqui, nos vídeos experimentalistas criados por coders, artistas performativos ou videoartistas que experimentam e soltam a beleza mordente da hipermodernidade na internet.

A Science Fiction Classic Still Smolders: Estonteante, este ensaio de Jon Michaud para a New Yorker sobre A Canticle for Leibowitz. Consegue em poucos parágrafos dissecar o humor negro, a parábola sobre o poder das insituições e as visões pós-apocalípticas que catalisam os medos fundados da guerra nuclear com a experiência pessoal do autor enquanto combatente, em nada menos que Monte Cassino, ao mesmo tempo referência de grandes batalhas e destruição cega de património milenar. Ainda aponta o livro como uma influência na tendência de catastrofismo resvalante que caracteriza a cultura pop contemporânea.

This is how we imagined aerial warfare 120 years ago: Um mimo para os fãs de steampunk, cheio de ilustrações de barcos voadores, majestosos sob os enormes balões que os mantém nos céus. Note-se que não estou a falar de steam ou proto-steampunk. Este artigo recorda dois livros dos idos de 1800 e troca o passo, aventuras futuristas que concebiam futuros sob o prisma das contemporaneidades em que foram escritos.

Microsoft Integrates Kinect into 3D Builder, Allowing Full Body Color 3D Scanning and Printing: Esperem lá, li bem? A venerável Microsoft tem uma app para Windows 8 para modelar e imprimir em 3D, que ainda por cima se integra com kinects para fazer 3D scanning com facilidade? De repente o Win8 tornou-se interessante para mim.

Escape from Microsoft Word: As ferramentas digitais que utilizamos poderão influenciar, modelar e modificar os nossos processo mentais? É uma variande do media is the message mcluhanista, dissecada neste ensaio da New York Review of Books sobre o acto de escrever. Enquanto olhamos para as possibilidades e ferramentas oferecidas pelo processador de texto o mais elementar no acto de escrever - a relação entre pensamento e palavra, ficará constrangida? Habituamo-nos a tudo, mas pessoalmente sou daqueles que usa o Word para editar versões finais. Escrever, o deixar sair as palavras para o ecrã, organizar as linhas de pensamento, é algo que prefiro fazer num humilde txt ou numa qualquer caixa de texto de aplicações web. Sem distracções, sem preocupações com formatos e tipos de letra, apenas com o fluxo de ideias e encadeamentos de palavras. Ou, como o ensaísta coloca bem melhor do que eu: "Intelligent writers can produce intelligent prose using almost any instrument, but the medium in which they write will always have some more or less subtle effect on their prose. (...) When I work in Word, for all its luxuriant menus and dazzling prowess, I can’t escape a faint sense of having entered a closed, rule-bound society. When I write in WordPerfect, with all its scruffy, low-tech simplicity, the world seems more open, a place where endings can’t be predicted, where freedom might be real."

Robot Building to Become Obligatory Subject in Armenian Schools: Encontrei isto a flutuar numa thread do Reddit sobre futurismo/futurologia. Há poucas informações sobre isto, talvez porque os arménios envolvidos neste projecto não se estejam para chatear com coisas como sites em inglês. Suspeito que se soubesse arménio ser-me-ia fácil encontrar mais sobre isto. O conceito chama-se Nairi Laboratory e é uma abordagem integrada que envolve introdução à programação (com Scratch, mas pois claro), robótica e impressão 3D. É curioso como não parecem empenhados em publicitar o projecto, mas como já observei, a língua arménia é-me totalmente desconhecida (mas hey, que letrinhas tão exóticas tendes, caros arménios). Mexe com CTEM, educação, criatividade e tecnologias. Soa como um projecto de sonho, e não me importaria nada de estar envolvido em algo semelhante por cá. Este vídeo ainda me deixa mais intrigado: Nairi Lab Highlights.

Happidrome Part One: Uma crónica brilhante de Adam Curtis que começa por olhar para os kurdos mas acaba a debruçar-se sobre a hierarquização das sociedades potenciada pela tecnologia e formas de controle social skinnerianos baseados não no medo mas no prazer que são de facto tão ou mais insidiosos do que os totalitarismos mais sangrentos. Não resisto a citar uns parágrafos particularmente certeiros, que começam com uma análise de experiência do psicólogo B. F. Skinner (que, no mundo da educação, é uma das figuras incontornáveis das teorias e modelos de ensino precisamente por causa da poderosa relação estímulo-recompensa) e terminam numa reflexão profundamente certeira sobre o poder na hipermoderna sociedade contemporânea:

"What emerges in the hospital is a new, ordered hierarchy created by a system of reward - but one where the patients don’t feel controlled - instead they feel “empowered” because it was through their actions that they received the reward. Skinner makes clear in the film that he sees this as a model for how to run a future kind of society.

Watching these sections of the film does make you think that what is being described is spookily close to the system we live in today. And that maybe we have misunderstood what really has emerged to run society since the 1980s.

The accepted version is that the neo-liberal right and the free market triumphed. But maybe the truth is that what we have today is far closer to a system managed by a technocratic elite who have no real interest in politics - but rather in creating a system of rewards that both keeps us passive and happy - and also makes that elite a lot of money.

That in the mid 1980s the new networks of computers which allowed everyone to borrow money came together with lifestyle consumerism to create a system of social management very close to Skinner’s vision.

Just like in the mental hospital we are all given fake money in the form of credit - that we can then use to get rewards, which keep us happy and passive. Those same technologies that feed us the fake money can also be used to monitor us in extraordinary detail. And that information is then used used to nudge us gently towards the right rewards and the right behaviours - and in extremis we can be cut off from the rewards."

Amadora BD 2014


O tradicional festival de banda desenhada da Amadora comemora este ano 25 edições. E fá-lo de forma muito discreta. Comparado com anos anteriores, o festival está mais comedido e espaçoso. Tem na sua área central uma zona comemorativa dos 25 anos, com uma selecção de livros e pranchas que marcaram as várias edições do festival.


A exposição dedicada ao Batman é um dos grandes chamativos desta edição, mas para algo que pretende comemorar a longevidade do personagem fica um pouco aquém do esperado. Há algumas pranchas em exposição, capas clássicas revistas por autores contemporâneos e um toque nostálgico com algum merchandising da personagem.


Joana Afonso é a autora em destaque este ano. Destaque merecido, embora talvez prematuro dada a idade da autora. Mas, repito, merecido. Em três espaços podemos admirar o seu traço em pranchas originais para BDs, rascunhos em moleskines e o trabalho no premiado O Baile. Já a exposição Galáxia XXI teve uma curadoria notável, mostrando junto de um público já de si conhecedor as novas tendências da BD nas suas várias vertentes, que mostram a vitalidade do género.


O espaço mais criativo do festival pertence a Jim Curioso, livro de BD que recorre ao 3D gráfico tradicional. É, num sentido muito literal, um mergulho dentro do mundo ficcional do livro, dentro de um espaço iluminado com luz negra que nos faz sentir dentro dos abismos submarinos, rodaeados das suas maravilhosas criaturas. No exterior a quilha de um barco mostra-nos pranchas do álbum e justaposições de transparências para simular a estereoscopia.


O estilo expositivo do Amadora BD continua confortável na sua criatividade, como se nota no espaço dedicado a Mafalda. Confesso que apesar de admirar a verve de reflexão politico-social do autor, ainda hoje perfeitamente actual, nunca senti grande empatia por esta personagem. Mas kudos a quem se lembrou de recriar esta vinheta.


A comemorar a edição portuguesa da Parábola, colaboração entre os lendários Stan Lee e Moebius, temos um belíssimo Silver Surfer.

Não deixo por aqui fotos de pranchas ou detalhes gráficos. Este ano fui surpreendido por um simpático colaborador do Festival (não estou a ser irónico) que me perguntou se tinha badge para fotografar e, não o tendo, não poderia fotografar as exposições por questões de direitos de autor. Poderia ter perguntado precisamente que alínea da legislação sobre propriedade intelectual e direitos conexos estava a violar, ou até que ponto ameaçariam os direitos dos autores fotos de qualidade média de um telemóvel tiradas por um blogger que divulga a literatura e banda desenhada sem qualquer compensação financeira, mas o colaborador não só foi simpático na abordagem como me informou que poderia registar-me junto da recepção do festival para poder fotografar. Pronto, respeitemos a vontade da organização e deixemos aqui apenas fotos dos espaços que mais interessantes pareceram. Mas, meus caros, neste dia e era ameaças à propriedade intelectual não vêm propriamente de fotos amadoras semi-desfocadas tiradas em festivais para partilha rápida nas redes sociais...

Aproveitei para adquirir o mais recente livro de David Soares, ilustrado por André Coelho num estilo mais comedido do que o que mostrou em Terminal Tower. Na sessão de autógrafos atrevi-me a dois dedos de conversa com o escrito (timidez profunda é um dos meus mais irritantes traços de personalidade) e fiquei a saber que para além de mais um projecto de BD David Soares tem na calha um livro de não-ficção e um romance. Algo que quem o segue nas redes sociais já se tinha apercebido. Aquelas fotos de gatos e livros são indícios fortíssimos de que algo se passa na frente de pesquisa de um autor tão cuidadoso na erudição.

Mal se dá pelo Amadora BD este ano. Arrisquei ir lá no sábado, pensando que iria encontrar as habituais enchentes, mas ao estacionar com facilidade percebi que se calhar ainda não está no radar dos possíveis visitantes. Tem-se comentado que talvez tenha havido falha na divulgação atempada do evento. As exposições em si, apesar de muito boas, não surpreendem por aí além. Algumas apostas óbvias ficam aquém do esperado, a comemoração das 25 edições do festival é muito difusa. Até os espaços dos livreiros estão comedidos. Suspeito que nestes tempos de austeridade imposta e no domínio cultural, só o facto da continuidade do festival e presença de livreiros já seja de saudar. Este 25.º Amadora BD é mais um sintoma de um país reduzido ao mínimo mas que ainda insiste com um programa minimalista mas ambicioso. Para além dos espaços tradicionais do festival em vários locais da Amadora ainda há exposições na FNAC Chiado, Mouraria (dedicada a José Carlos Fernandes, tenho de ir cuscar), Institut Français (aí não há riscos financeiros porque a Nouvelle Librairie aposta pouco na literatura francesa de FC) e Instituto Goethe.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Conquistas


"Esforça-te. Esforça-te sempre. Mesmo que a conquista seja pequena, não penses que é pequena, pensa que é conquista."

(Esta frase parece ter lido a minha mente e traduzido toda a minha postura neste últimos anos.)

Do livro Contos do Androthélys, de António de Macedo.

Comics


Lazarus #12: Greg Rucka sublinha ainda mais a já de si pouco subtil crítica aos desmando das oligarquias numa edição centrada num baile, daqueles à antiga onde os aristocratas se embonecavam e fingiam uma civilidade elegante enquanto continavam os seus jogos de poder. Rucka sublinha a pomposidade de uma nova aristocracia financeira que dividiu entre si o mundo no futuro distópico hiperliberal onde os meritocratas se tornaram os novos donos do mundo.


Memetic #01: Ataques meméticos são um conceito intrigante mas pouco utilizado na ficção científica. Que me recorde apenas encontrei esta ideia explorada no conto Blit de David Langford (graffitis nocivos que provocam epilepsias e esgotamentos mentais infestam as ruas urbanas) e no episódio Invasive da série Global Frequency por Warren Ellis (uma mensagem alienígena decifrada por um computador ligado ao SETI@Home revela-se uma forma de vida víral memética que modifica os cérebros dos infectados). Memetic é o terceiro. É escrito pelo mesmo argumentista da série The Woods, esta também uma interessante variante sob o tema da aventura adolescente com toda uma escola misteriosamente transplantada para o meio de uma tenebrosa floresta alienígena. Jame Tynion não nos poupa e dá-nos esta simpática preguiça, cuja iconografia remete para os memes virais da internet, a espalhar-se como fogo em mato seco através das redes digitais. Nesta primeira edição não só nos dá uma boa história de meme transformado em arma como nos põe a reflectir sobre os frenéticos fluxos de informação digitais potenciados pela eterna busca de novidades jornalísticas. Grande primeira edição, esperemos que os próximos não desiludam.


The Multiversity: The Just #01: Grant Morrison volta a levar-nos a outro recanto estranho da DC Comics: um mundo paralelo onde os filhos dos super-heróis se contentam em levar uma vida de celebridades enquanto fazem reconstituições das grandes batalhas do passado. Com um planeta tornado seguro por uma legião de Super-homens andróides, legado do Super-Homem original antes de partir para o espaço, não há muito que os novos heróis possam fazer para manter o heroísmo dos pais. Mas o vírus multi-dimensional que se propaga através de bandas desenhadas também chega a esta Terra alternativa, e os heróis irão ter finalmente um problema de proporções épicas para resolver. Teria que pesquisar para saber em que arquivo poeirento da DC Morrison foi buscar este mundo de filhos de heróis, mas há que sorrir perante o toque de vaidade vácua que claramente brinca com a icongrafia das celebridades mediáticas que alimenta a cultura popular.


Starlight #06: Confesso que vou sentir falta desta série. Millar foi irónico e previsível, encerrando-a com um final simplista que, novamente, é uma vénia aos clássicos do género. O traço de Goran Parlov, a meio caminho entre Moebius e Flash Gordon, deu à série uma estética nostálgica de fábula de ficção científica. A série termina mas o ilustrador fica debaixo do radar.

domingo, 26 de outubro de 2014

Insta





Sejamos honestos. Todos filtramos o real que se cruza com os nossos campos perceptivos, com filtros ideológicos,psicológicos, culturais ou até tecnológicos. O real é uma alucinação consensual.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Ficções

Alan Bean Plus Four: Aposto que há por aí muito escritor ou aspirante a escritor a sentir-se furibundo e a pensar "bolas, este tipo escreve um conto e vai logo parar à New Yorker só porque é actor de filmes de primeira linha". Já o mundo online prefere colocar o actor antes do escritor porque, convenhamos, Tom Hanks não ganhou fama pela sua voz literária. Mas tem-na, tal como o eterno problema de ter fama e querer reconhecimento noutro campo mais intelectual. O conto em si não é mau. Tem o seu quê de paródia bem humorada às ideias sobre exploração espacial privada, com a história de um grupo de amigos que no quintal e com tecnologia amarfanhada constrói uma nave para os levar a fazer uma órbita à lua. O tom optimista disfarça um rigor científico inexistente, mas o que sobressai é um profundo respeito nostálgico pelos tempos do the right stuff, do sonho da exploração espacial, do fascínio pelos foguetões capazes de levar o homem a pisar a Lua. Essa nostalgia futurista quase chega para perdoar a mediania numa publicação que sempre nos habituou à excelência.

An Officer and a Gentleman:  O livro Steampunk's User Manual, editado por Jeff Vandermeer, parece um daqueles típicos shut up and take my money, cheio de vislumbres cuidadosamente escolhidos pela edição sagaz de Vandermeer. Este conto faz parte do livro. É um momento de pura aventura steam, com piratas do ar a assaltar mercadores aventureiros. São batalhas em tudo similares às histórias clássicas de pirataria com dirigíveis a vapor. E no centro disto um jovem herói que tem de provar perante si e os seus companheiros a sua coragem e capacidade de liderança. É um belíssímo teaser para o livro e para a série Pneumatic Zeppelin de Richard Ellis Preston. É um docinho delicioso a tocar nos pontos certos que os fãs de steampunk adoram.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Editar a banalidade




O sítio é sempre o mesmo, só muda a data. Não, não é nenhum idílio paraíso rural, é um banal exúrbio algures na megalópole lisboeta. Eu é que tenho cuidado nos pontos de vista e edito a banalidade das filas de trânsito na rotunda e a arquitectura depirmente. Diga-se que este verão improvisado nos dá belíssimos amanheceres e anoiteceres. E não, não são fotos do pôr do sol. É este o amanhecer com que me tenho deparado quando saio da porta do prédio nestas manhãs.

Quando o tempo anda curto recorre-se às imagens. Sobrecargas de trabalho que roubam tempo às leituras, um maior investimento na reflexão sobre as TIC em 3D, ajudar a insuflar nova vida no Babel X3D, avaliações de alunos... esta coisa chata do dia ter apenas vinte e quatro horas e algumas terem de ser passadas a dormir por vezes incomoda.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Own it.


Era assim que se utilizavam os computadores nos tempos primordiais do Eniac. Gosto de imaginar que estas operadoras estão a executar programas escritos por Von Neumann ou algumas das primeiras investigações de algoritmos evolutivos simuladores de vida de Nils Barricelli.

Os meus alunos sofrem um bocado com o meu gosto pela história da tecnologia digital. Estão eles prontos a ligar o computador e começar a fazer coisas e têm de me aturar em prelecções sobre como evoluiu algo que para eles sempre fez parte do seu ambiente. Penso que é importante perceber como é que evoluiu a tecnologia digital, porque é que surgiu, quais foram os passos que levaram a abstracção matemática de Leibniz a Turing a materializar-se. Sem muitos, detalhes, claro, porque não quero traumatizar crianças e sim, é muito mais importante fazer coisas. Mas também o é saber um pouco mais e ter noções sobre como nasceu a geografia dos espaços digitais.


Entretanto, vindo através do fluxo de feeds (sim, porque sou um fã incorrigível de RSS) apanhei este estado da arte vanguardista de tecnologias computacionais de 1900. Complexas máquinas de cálculo para tabulações, uma das raízes da computação que surgiu não pela vontade humana de partilhar fotos de gatos em redes sociais mas sim pelas necessidades de cálculo para navegação, criptografia e balística, entre outras aplicações. O admirável mundo digital em que vivemos foi uma consequência inesperada e de todo não planeada. Imaginariam os tabuladores de 1900, orgulhosos detentores destas engenhocas reluzentes de cobre, ou os simuladores de explosões atómicas em milhares de tubos de vácuo, que nos primórdios do século XXI estaríamos interligados, dependentes de sistemas digitais complexos e a temer as consequências da automação algorítmica/robótica? Alguns autores de ficção científica sim, tiveram essa intuição um pouco mais tarde, mas isso são outras conversas e uma perigosa aproximação à ideia elementar mas incorrecta que a FC é um oráculo preditor de futuros.


Porque é que é importante conhecer outros aspectos da tecnologia para além do seu uso? Suspeito que este poster da iFixit explica tudo. Saber como evoluiu e para que serviu ajuda-nos a conceber novos usos, novas vertentes. Apropriarmo-nos da tecnologia alarga o espectro das suas aplicações, liberta-a de estar limitida a uma elite rarefeita de iniciados nos seus arcanos mistérios ou controlada por interesses estritamente económicos. O Cory Doctorow explica isto muito melhor do que eu, mas digamos que partilho a visão do potencial da tecnologia como libertador da criatividade humana, e limitar os utilizadores é reprimir a evolução da tecnologia.

Não estou a querer entrar na visão romântica dos hackers que criam invenções capazes de mudar o mundo na sua garagem. É uma visão recorrente, mas falaciosa, para não dizer falsa. Note-se que para o Jobs e o Wozniak começarem a inventar na garagem teve de haver generais a apostar naqueles engenheiros estranhos que pegavam em tubos de raios catódicos para aplicar à lógica matemática. Mas... own it. O conhecimento é valioso. Façam takeown ou sudo à tecnologia para libertar o seu potencial e as vastas capacidades criativas humanas. Criatividade é o único recurso natural que não esgota, mas depende da energia que lhe é dada pelo conhecimento. Descobrir ideias gera novas ideias.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Babel x3D


O portal Babel X3D está de regresso. Dedicado aos mundos virtuais e tecnologias subjacentes, reúne ligações, espaços virtuais tridimensionais, recursos e tutoriais para todos os interessados nesta temática. E, breve haverá mais novidades, com reforço da área de notícias e novos tutoriais de introdução ao 3D. Visitem-nos em http://portal.babelx3d.net/.

Impressão 3D no Fórum Fantástico 2014


A edição deste ano do Fórum Fantástico contará com a presença da BeeVeryCreative, que virá ao auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro mostrar a tecnologia de impressão 3D e as impressoras Beethefirst.


Empresa portuguesa sediada em Aveiro, a Beeverycreative apostou na impressão 3D desenvolvendo aquela que é a primeira impressora 3D desktop nacional. Apostando num mercado alargado que inclui educação, design ou prototipagem conceberam uma impressora que atravessa a fronteira do espaço maker/diy deste género de equipamentos com uma máquina pensada para ser fácil de utilizar por qualquer um. A ideia é disseminar ao máximo o potencial da impressão 3D. O conceito, tecnologia e design  da impressora têm vindo a conquistar prémios, dos quais os mais recentes foram as distinções como Best Consumer Printer e Best Prosumer Printer no 3D Printshow em Londres.


Num evento dedicado ao Fantástico nas diversas vertentes artísticas é muito importante contar com a presença das tecnologias criativas. O potencial da impressão 3D/manufactura aditiva é enorme e aponta para intrigantes possibilidades transformativas nas artes, sociedade e economia. No Fórum também se pensa o futuro e a presença desta vanguarda tecnológica mostra formas de expressão criativa potenciadas pela tecnologia. Nesta oportunidade, graças à amável colaboração da Beeverycreative, o público do Fórum Fantástico 2014 poderá tomar contacto com uma fantástica tecnologia inovadora.

A impressora Beethefirst e a equipe da Beeverycreative estarão no Fórum Fantástico no dia 15 de novembro.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Festival Área de Contenção


Área de Contenção já tem página oficial. Já está também disponível o programa final e os horários das sessões. O programa promete. Para além dos filmes e curtas metragens contemporâneas a vénia deste festival aos clássicos é profunda. Estão agendadas projecções de filmes tão fundamentais do terror como O Gabinete do Dr. Caligari, Plan 9 From Outerspace, The Phantom of the Opera, Frankenstein, Vampyr e o incontornável Nosferatu. A obra de Ed Wood, aquele que é considerado o pior realizador do mundo, também tem direiro a ciclo próprio dentro do festival.

Resta fazer as escolhas e rumar ao Cartaxo. Visitem o site do festival Área de Contenção para mais informações.

Comics


The Devilers #04: Este comic escrito por Joshua Fialkov para a Dynamite não se distingue por fugir à banalidade. Tem uma premissa muito clássica, naquela vertente do sobrenatural e oculto em colisão com a igreja católica como instituição. Um grupo de pessoas com capacidades além do normal funcionam como grupo de intervenção ao serviço do papa num momento em que os infernos invadem a Terra. A diferença, em relação ao que é habitual nestas estruturas narrativas, é que apenas um dos membros do grupo é católico devoto. Os defensores da igreja incluem um muçulmano, um hindu, uma letal judia treinada pela mossad e até um ateu. Pormenor curioso. Um ateu a combater por algo que é para si uma impossibilidade. E a páginas tantas Fialkov vai um pouco mais longe e mete deus a aparecer aos heróis... uma divindade única, que se metamorfoseia de acordo com a crença de cada crente. Até a do ateu. Pormenor curioso, que dá algo extra a uma série banal mas divertida.


Trees #06: Ainda não se tornou clara a ligação entre os personagens dispersos por zonas geográficas distantes criados por Warren Ellis para Trees. O que têm em comum é estarem imersos em processos de auto-descoberta, sempre na sombra das indiferentes àrvores alienígenas. Ellis anda em busca de algo neste comic, às voltas com normalidades catastrofistas, instituições clássicas que se querem manter poderosas enquanto sofrem processos sociais e políticos de erosão acelerada, mundos atomizados onde a globalização do pensar local assume contornos estranhos. As árvores alienígenas são um catalizador para aquilo que é uma reflexão sobre os dilemas da contemporaneidade.


Wild's End #02: Animais antropomórficos encantadores contra tenebrosos monstros mecânicos vindos de Marte. Abnett mantém bem o equilíbrio entre o texto clássico da guerra dos mundos e a inocência das fábulas antropomórficas de inspiração vitoriana. Culbard consegue no seu estilo gráfico inconfundível misturar a iconografia de inspiração vitoriana destas fábulas com o classicismo tecnológico das visões sobre a obra de Wells. Este título da BOOM! Studios merece a leitura.


Judge Dredd Megazine #353: Termina de forma muito abrupta o interessante Ministry of Space. Não se percebe. Tanto trabalho a criar um mundo ficcional sólido, a urdir um enredo com ameaças alienígenas, funcionários públicos austerizados e astronautas do passado regressados de missões secretas ao espaço para... terminar de repente. Dá a sensação que os editores estão mais preocupados em lançar séries novas do que em aprofundar as existentes. Esta parecia um corpo estranho na Megazine, normalmente às voltas com o universo alargado de Judge Dredd. Pode ter terminado de forma abrupta, mas terminou a intrigar e a manter espaço em aberto para uma continuidade que merece ter.

domingo, 19 de outubro de 2014

Pedagogia e Tecnologia Criativa


E porque é que me lembrei de Giotto, pensei. Porque me recordei das aulas de Geometria Descritiva no liceu com o velho professor Luís Gonçalves, adepto de usar um pau de vassoura e as paredes para demonstrar as projecções das retas nos quadrantes. Recordei o que ouvi, décadas atrás, sobre Giotto ter sido um dos precursores da geometrização do corpo e do espaço. Ou seja, um dos primeiros a tentar descrever o corpo humano attavés de formas geométricas, conceito radical e inovador que fazia parte da perspectiva, essa nova tecnologia transformativa que revolucionou as formas de ver e representar o mundo nos velhos tempos do renascimento, há quinhentos anos atrás. Há uma linha de continuidade entre a geometria no espaço da sistematização perspéctica e as magias virtuais do 3D, descendentes directas dos frescos de Giotto e da experiência de Brunelleschi no baptistério florentino. Foi algo que me passou pela mente durante o workshop ABC da Animação 3D, inserido num dia de partilhas de projectos e experiências.


A Escola Secundária D. João II em Setúbal acolheu o ArdRobotic, evento organizado pela Anpri que permitiu reunir no mesmo espaço diversos projectos de utilização das tecnologias na educação e entidades que trabalham na vanguarda da inovação. Por entre os muitos projectos de robótica e open hardware com Arduino estava este As TIC em 3D, mostrando o trabalho realizado pelos alunos do Agrupamento de Escolas Venda do Pinheiro nos campos da modelação 3D, animação 3D e mundos virtuais. Projectos que se sentem um pouco perdidos no meio de tanta robótica, electrónica e programação mas que mostram uma outra vertente do uso criativo das tecnologias.



No espaço das TIC em 3D mostravam-se modelos de Sketchup criados na área curricular de TIC, mundos virtuais de turmas de 2.º ciclo criados em projectos interdisciplinares, e vídeos de animação 3D, 3D Scanning e realidade aumentada que têm vindo a ser criados ao longo dos anos pelos alunos do Agrupamento.

Porque, desculpem-me a especulação, o evento estava pensado como uma mostra de tecnologia nas escolas mas foi de facto uma mostra de pedagogia nas tecnologias criativas. Os projectos participantes distinguem-se por usarem tecnologia como um meio e não um fim. Interessa desenvolver ideias, criar, e não aprender conceitos. É talvez por isso que sejam tão intrigantes e despertem o interesse para tecnologia vista não como elemento de consumo mas como ferramenta ao serviço do engenho criativo.


Estavam presentes algumas empresas. A Nautilus com os seus projectores que permitem transformar qualquer superfície em ecrã interactivo, a Artica com os robots Farrusco  e a Printoo com os seus circuitos modulares flexíveis. Estes intrigaram-me, pela demo com um dirigível criado com motores, circuitos printoo e balões a hélio (tenho um fascínio pouco saudável por zeppelins e similares), e por dinamizarem actividades de AEC com alunos do primeiro ciclo que incluem electrónica e modelação 3D.


Outros espaços da escola estavam abertos aos visitantes. Na biblioteca recordavam-se gerações anteriores da tecnologia digital com uma pequena mostra de scanners portáteis, equipamnto diverso e dois Spectrums com ar de muito uso e que quase me levaram a perguntar se ainda funcionariam. Não é impossível, e aqueles que se interessam por retro computing devem saber como.


Talvez o mais encantador dos presentes no encontro foi o Robot Zeca e o seu criador, José Carlos Fernandes. Não confundir com o autor da fabulosa bandadesenhada A Pior Banda do Mundo, mas igualmente genial e cativante. Ver o ZECA em acção, e em especial a interacção das crianças com a máquina, é algo que espanta. Não resisti a uma experiência com o 123D que agradou ao criador do robot.

Foi muito interessante poder conversar com o seu criador, que veio ter comigo para perceber um bocadinho do que é a modelação 3D. Só tenho a quarta classe, disse-me o construtor de CNCs, robots e que por andar a experimentar com o dar relevo a fotografias para criar baixo e alto relevo na CNC quis descobrir um pouco sobre a modelação 3D. Eu tenhou um pouco mais que isso como formação, mas note-se que naquilo que trabalho com os alunos e vim mostrar e demonstrar no ArdRobotic sou autodidacta. Há aqui uma lição a retirar, e não, não é de alguma suposta inutilidade do ensino formal. Antes, é o poder da curiosidade, do interesse despertado, da vontade de aprender quando algo nos toca no coração, apaixona a mente e dá ideias. Do experimentar, não ter medo de estragar, e assim aprender, evoluir e criar. Nunca cessa de me fascinar esta que é a mais elementar das competências artísticas - é, na sua essência, o acto de desenhar, aplicada ao mundo da tecnologia. Notável, o robot ZECA, pela máquina que é e pela postura de inquietude cognitiva do seu criador.



Os projectos pedagógicos presentes incluíam modding por Rui Cabral; a criatividade desenfreada do Clube de Robótica da Escola Profissional de Almada (quase com um momento whoviano com o seu orgão a laser a tocar samples passando a mão pelos sensores); o Clube de Robótica do AE de S. Gonçalo, daqui mesmo ao lado em Torres Vedras, com resultados de excelência nos festivais de robótica nacionais e internacionais; o dinâmico Robotis, clube de robótica da AE D. Dinis; a diversidade do Projecto de Arduino da AE Augusto Cabrita, e O Robot Ajuda, projecto de robótica educativa de Paulo Torcato na Escola Secundária da Portela.


Este robot futebolista de S. Gonçalo dá toda uma nova dimensão à angústia do guarda redes antes do penalty. Todos os projectos em exposição têm em comum o abordar a tecnologia através da apropriação criativa dos meios. É por isso que este primeiro ArdRobotic, mais do que um encontro sobre robótica e arduino (com 3D infiltrado) se tornou um encontro sobre tecnologia criativa.


Um aspirante a doutoramento pela Universidade de Gallifrey demonstra os princípios da aerodinâmica pré-TARDIS. Ou melhor, um momento do workshop ABC da Animação 3D. Neste, os participantes puderam ter uma iniciação rápida ao Sketchup, potente e intuitivo modelador 3D, e sofreram um percurso pelas técnicas de trabalho que utilizo para trabalhar com os alunos. No Sketchup mostrou-se a modelação simples e alguns truques mais avançados (a modelação por revolução surpreende sempre quem a está a descobrir). Para a animação 3D fez-se o percurso de criar um objecto no Doga, criar um cenário em Bryce, importar o objecto e criar a animação, sempre com referências à geometria, matemática, perspectiva, artes, trabalho interdisciplinar. Porque, como gosto sempre de assustar os alunos nas primeiras aulas, 3D é matemática. São coordenadas de pontos no espaço cartesiano. São pontos que traçam segmentos que formam superfícies e geram formas. São os pontos de vista, a perspectiva e os alçados. E o trabalho no digital vem de uma longa continuidade histórica e estética. O workshop em si permitiu afinar estratégias para os que serão dinamizados em Novembro e Dezembro no Museu das Comunicações.

Só posso agradecer à Anpri o convite para estar presente neste evento de partilha. Num sábado, em Setúbal, nas instalações de uma escola, mas que mesmo assim teve muitos visitantes. Pela presença, pela oportunidade de partilha. Fez sentir um pouco menos sozinho. Tenho a consciência que o 3D é zona de nicho, entre as Artes, cujos professores olham mais naturalmente para os media tradicionais, vídeo e fotografia, e a Tecnologia, cujos professores entendem numa via mais... tecnológica, falhando-me agora le mot juste. Quando um grupo de alunos visitou o espaço das TIC em 3D e depois de uma discussão sobre técnicas, programas e ideias me deu os parabéns pelo trabalho dos meus alunos, ganhei emocionalmente o dia. Porque é isso. É o trabalho dos alunos, as suas aprendizagens espelhadas nas suas criações, o cerne deste projecto.


Em exposição estava este dispositivo de resposta electrónica, talvez um avô dos clickers de resposta tão admirados pela vertente mais instrutivista da tecnologia na escola, adepta de quadros interactivos, vídeos e aplicações de aprendizagem estruturada. São úteis, e importantes para alguns aspectos do acto de aprender, mas pode e deve-se ir mais longe,

Aprende e ensinar com tecnologia, hoje, já vai muito mais longe do que o aprender processos de trabalho em aplicações específicas. É isto o que o ArdRobotic sublinha. As tecnologias não são um fim pedagógico, são um instrumento potenciador da criatividade. Os projectos partilhados mostraram o poder dessa dimensão criativa, de tinkering, making, empreendedorismo, o que lhe quiserem chamar: o ter ideias, ir aprender mais, pegar nas ferramentas e experimentar, um processo evolutivo onde cada novo passo não nos aproxima do fim mas mostra outros caminhos a desbravar. Um evento deste mostra o que já hoje se faz nas nossas escolas, apesar das pressões destrutivas do formalismo educativo, de um ministério mais apostado em reduzir a educação ao mínimo do que em investir no futuso, da degradação das condições de trabalho dos professers. Todos os presentes fazem o que fazem para além da sua carga lectiva, com dispêndio do seu tempo e recursos pessoais. E fazem-no porquê? Não consigo responder pelos outros, apesar de lhes notar o entusiasmo. Pessoalmente, porque intriga, torna o dia a dia mais interessante, e pelo brilho nos olhos dos alunos quando se apercebem do que conseguem fazer com as ferramentas digitais.


Termino com esta imagem, que mostra o poder da vontade de aprender, da criatividade e do conhecimento tecnológico aplicado. Agradeço ao Agrupamento de Escolas Venda do Pinheiro a abertura e apoio neste projeto das TIC em 3D, e à Anpri pela presença num evento que espero que se repita e ganhe maior dimensão. A organização está de parabéns por ter proporcionado este momento de partilha que pôs em contacto criadores e professores que apostam na criatividade tecnológica para potenciar os seus alunos.