quinta-feira, 19 de março de 2020

As Fronteiras do Possível


Jacques Bergier (1971). As Fronteiras do Possível. Lisboa: Editorial Verbo.

Ler um livro futurista escrito há cinquenta anos é uma experiência deprimente. Não pela ideia de o mundo não ter evoluído no sentido esperado. Antes, é sentir que a nossa visão do mundo, da evolução social e tecnológica que espelhamos nas nossas concepções de futuro, parecerá tão datada, algo absurda e levemente ridícula aos que daqui a cinquenta anos nos sucederem, como estas de há cinquenta anos atrás nos parecem a nós.

Não sei se Bergier é dos melhores nomes para ler visões sólidas sobre os futuros prováveis da sua época. É um nome ligado ao ocultismo pop, aos mistérios com toque sobrenatural. Parece que não foi só isso, tendo estado ligado à ficção científica e divulgação científica. Este livro espelha isso. Se a ciência que cita parece datada (quão datada? Cita abundantemente sábios soviéticos) , é ciência, e não especulação sobre o eventual sobrenatural.

Apesar das tendências do presente serem o alicerce o futuro, este tem uma certa tendência a evoluir de formas inesperadas. Para Bergier, de acordo com este livro, talvez a mais inesperada das evoluções seria a forma como a computação e a tecnologia digital se tornaram essenciais para a humanidade. São tecnologias que só aflora levemente, com algum desdém sobre as suas capacidades.

Começa com predições sobre a criação de vida artificial. Não em modo frankenstein, ou de extensão de capacidades humanas, mas numa extrapolação das capacidades da bioquímica, afirmando que em breve, seria possível criar vírus e outros microorganismos. A escrever nos anos 70 do século XX, Bergier não podia antecipar o que hoje se faz com biocomputação, possibilitada pela sequenciação genética. Tanto quanto sei, continuamos sem criar vida artificial, e não parece haver grande interesse nisso. O pormenor curioso é a forma como Bergier descarta de todo a possibilidade de inteligência artificial. Toca no assunto, mas considera o mecanicismo dos “ordenadores” (esta tradução revela o quanto a edição está datada) como artificial e impossível de se tornar vivo. Isto, apesar de citar um então jovem Marvin Minsky. Segue-se um tortuoso argumento, tentando misturar física que claramente não compreende com ficção científica elementar, a defender a possibilidade de viajar no tempo, embora não se atreva a imaginar como.

E comunicar com extraterrestres? Bergier aborda o assunto, citando abundantemente o trabalho de sábios soviéticos (isto mostra o quanto o livro está datado, o que é natural), especulando sobre formas de captar sinais de vida inteligente via rádio ou laser. De raspão, cita Fred Hoyle, observado que as hipotéticas civilizações alienígenas cujas comunicações detetássemos poderiam ser máquinas inteligentes. Seguindo a onda alienígena, Bergier pergunta-se se poderemos construir naves que nos levem às estrelas, apontando algumas soluções hoje quase esquecidas, entre reatores Broussard e propulsão nuclear. Termina as suas visões futuristas, ou melhor, de potenciais tendências, com a ideia de transmissão de energia por vias sem fios, algo cujo impacto ambiental teme. As redes de electricidade sem fios poderiam aquecer o ambiente, observa. Bem, diria que não precisamos dessa tecnologia para aquecer o clima, e é curioso que das tendências apontadas por este autor, a transmissão de energia sem fios parece ter sido a única que realmente se tornou realidade. Não em grande escala, mas para aumentar a conveniência de eletrodomésticos e telemóveis, graças aos carregadores por indução.

Termina o livro com uma exploração do que considera impossível, essencialmente o que está restringido por limites físicos, mas também culturais. Nestas, há um impossível que se está a mostrar ser possível: a tradução automatizada, que para Bergier nunca iria ser possível, mas que hoje é uma das aplicações corriqueiras da Inteligência Artificial.