quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A Terceira Guerra Mundial


John W. Hackett (1978). A Terceira Guerra Mundial: Agosto de 1985. Lisboa: Livros do Brasil.

A resposta à pergunta de como seria uma guerra entre a NATO e o Pacto de Varsóvia é, felizmente, hoje uma especulação retórica. Não o era no final dos anos 70, quando este livro foi escrito, as realidades da história passada colocavam como quase inevitável um confronto destes. Escrito por um general inglês, este livro é uma visão sóbria e realista de como um conflito destes poderia ter acontecido. Spoilers: não acaba com um holocausto nuclear.

Tendo sido escrito por um general, não esperem uma pérola literária. É essencialmente um imenso infodump especulativo, alicerçado no conhecimento das tecnologias militares, escolas de pensamento estratégico e relatórios sobre condições políticas. Tem um lado otimista, com o ocidente a triunfar e uma certa antevisão da desagregação da União Soviética, e a visão conservadora do militar coloca de lado algumas vantagens sociais óbvias (como ter sociedades onde as organizações laborais são uma voz ativa, embora há que reconhecer que nos tempos da guerra fria a instrumentalização destas no jogo político tenha sido uma realidade).  Como adoro infodumps e retro-futurismos, mergulhei a gosto neste livro.

Hackett extrapola algumas das condições históricas do final dos anos 70. Com as economias europeias a desinvestir na vertente militar, e os Estados Unidos moralmente enfraquecidos após a guerra do Vietname, a União Soviética explora os movimentos políticos no médio oriente e áfrica, para tentar garantir um progressivo controle de recursos naturais, ao mesmo tempo que mantém debaixo de olho o crescimento da China como potência asiática (curiosamente, sem grandes explicações, Hackett imagina uma espécie de união entre a China comunista e o Japão capitalista, o que não faz muito sentido, mas dá-se o desconto do livro ser sobre a europa). Mas o crescimento da influência soviética na geoestratégia global tem um reverso. As sociedades dos países da Cortina de Ferro (hey, lembram-se disto?) estão a ficar instáveis, em grande parte pela sua proximidade com a europa ocidental. Torna-se difícil convencer os cidadãos dos benefícios de viver na utopia soviética quando, do lado de lá da fronteira, os cidadãos dos países da europa ocidental gozam de um nível de vida muito superior. 

Hackett imagina uma sequência de movimentações políticas e diplomáticas que conduzem a uma decisão funesta. O esmagar das veleidades cidadãs nos países da cortina de ferro é contra-balançado por uma intervenção americana a favor destes. E a guerra torna-se inevitável. Será a Alemanha o palco principal do conflito, embora Hackett analise o impacto global, especialmente focado no atlântico norte.

A análise especulativa reflete o potencial histórico, com a superioridade numérica e em artilharia soviética a enfrentar o menore número de soldados, mas equipados com melhores tecnologias, da NATO. Hackett descreve um cilindrar inicial dos europeus e americanos, a enfrentar vagas esmagadoras de tanques e artilharia soviética, mas a serem travados por táticas inteligentes e uso de armas avançadas anti-tanque, que erodem a superioridade numérica. Junta-se a isto uma luta pela superioridade aérea e naval, em que os meios ocidentais se revelam superiores em capacidade tecnológica e perícia das tripulações. 

A guerra é curta e brutal, Hackett observa que o fortíssimo desgaste de meios militares que não podem ser rapidamente substituídos é o principal fator da necessidade de rapidez no conflito. O uso de armas nucleares é evitado a todos os momentos, temendo-se sempre alguma decisão irrefletida no terreno (uma das observações de uma potencial guerra era que, face à superioridade numérica soviética, seriam os militares da NATO a usar armas táticas como forma de deter os soviéticos). Mas o que decide o conflito é o uso de uma explosão atómica sobre uma cidade britânica, logo respondida com detonação similar sobre uma cidade soviética (uma aplicação das teorias de guerra nuclear estratégica limitada, com ataques contidos recíprocos para garantir a contenção do conflito). Uma ação que terá como consequências o afastamento dos países do pacto de Varsóvia da guerra, que não querem arriscar ter as suas cidades aniquiladas, bem como uma revolta no interior da União Soviética, porque as repúblicas não-russas também não se querem ver envolvidas no conflito. A União Soviética entra em derrocada, porque o seu poderio militar não consegue contrariar a evolução política, nem a necessidade de melhores condições económicas para os seus cidadãos. 

O livro é otimista, mas tenta ser brutalmente realista. A guerra é curta, mas sangrenta e brutal, com um enorme potencial de derrota ocidental. Hackett não poupa esforços a traçar um quadro global detalhado do conflito, suas origens e consequências. Não é por acaso que, apesar das suas idiossincrasias, este livro se tornou um clássico da especulação militar. 

É curioso lê-lo nos dias da guerra Ucraniana, onde uma Rússia que se afirma herdeira do império soviético tenta absorver uma Ucrânia independente. Curiosamente, no livro de Hackett, a faísca que levará a União à derrocada parte precisamente de independentistas ucranianos no seio do governo soviético. É curioso ver nas notícias que as táticas de esmagamento do adversário por intensas barragens de artilharia e tanques são hoje o elemento de combate russo, com consequências horrendas e criminosas para os civis. E, também, que o uso de mísseis anti-tanque portáteis anula a premissa do tanque como arma primordial de guerra. É, obviamente, uma curiosidade amarga.