terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Where's my jetpack?


Pois. Estamos em 2014 e o futuro com que sonhámos continua distante. Outros futuros se desenvolveram, alguns promissores e outros desapontadores. Neste final de um 2013 arrasado pelas oligarquias austeritárias apostadas em regredir o desenvolvimento social humano aos níveis que antecederam a revolução industrial no momento em que o progresso tecnológico nos dá diariamente maravilhas, talvez a mais importante mensagem para um novo ano é nunca deixar de sonhar. Sonhemos utopias, e não baixemos os braços no construir de um futuro melhor. É o meu voto e resolução neste tenebroso final de ano. Até para o ano.

Legs Weaver: Il Tempio Maledetto; Il Potere Della Mente.


Antonio Serra, Luca Enoch (1996). Legs Weaver #07: Il Tempio Maledetto. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Se acham que Legs tem o seu quê de dominatrix nesta capa, esperem até chegar ao miolo. Condicente com o papel de rainha do mal, Legs passa todo o álbum a passear-se em lingerie. Há um momento particularmente ridículo em que ela demonstra que para se sentir fresca no deserto não há melhor do que passear em soutien, cinto de ligas e chicote debaixo do sol ardente. O auge deste fetichismo está no recontro entre Legs e May... em que Legs em modo dominatix chicoteia a voluptuosa May, reduzida a trajes menores rendilhados. O nível de perversidade vai alto nesta aventura de Legs Weaver.

Talvez se recordem do príncipe árabe com ilusões vernianas de senhor dos ares e do mundo do segundo volume de Legs Weaver. Está de regresso, desta vez aliado a um dissoluto grupo conhecido como clube do pecado. Deitou as mãos à antiga tecnologia egípcia e prepara-se para libertar o antigo deus Seth, enterrado sob a poeira e poluição do Egipto do futuro. Resta uma descendente de Bastet com as suas múmias robóticas para o travar... e a agência Alfa, encarregue de investigar estranhos acontecimentos no museu egípcio do Cairo. Como Legs anda desaparecida em parte incerta esta missão cabe à voluptuosa May, amiga e companheira de casa da nossa heroína. E por onde anda Legs? Regressado à ribalta o príncipe árabe, que sempre teve um fascínio especial pela agente, hipnotiza-a e transforma-a numa rainha das trevas, aliada perfeita na luta pelo domínio do mundo. Nem o cruzamento fortuito entre May e Legs a arranca do controle do príncipe. Este terá de morrer às mãos do ressuscitado Seth, de vez desta vez, a menos que algum argumentista o consiga ressuscitar de esqueleto carbonizado, para que Legs se liberte do seu jugo e se concentre na tarefa impossível que é derrotar uma poderosa entidade divina egípcia, que num toque Wellsiano arrasa as armas da mais moderna tecnologia humana mas é impotente perante o ar altamente poluído do futuro.


Michele Medda, Fabio Jacomelli (1996). Legs Weaver #07: Il Potere Della Mente. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Legs Weaver não se distingue por ter sido uma série particularmente bem conseguida. O seu futurismo está extremamente datado e a fórmula que mistura ficção científica com aventuras e humor volta não volta tem resultados patéticos. É o caso desta aventura, centrada na caça a uma criança japonesa cujos poderes mentais a tornam na derradeira arma, cobiçada por militares e cientistas. Mas a criança apenas quer ser criança. Há uma difusa crítica desconstrutiva ao hiperfuturismo robótico do mangá, com Medda a ridicularizar os temas do género sem que se saia ele próprio muito melhor. Há um momento interessante em que Medda reconstrói uma narrativa típica do género, com crianças poderosas e robots ao estilo do anime dos anos 80, que é o único ponto alto num álbum francamente desapontador.

Fluorescing Ray Guns


Um sonho húmido de ficção científica militarista golden age"two hundred gleaming metal arms raised upward. A hundred fluorescing ray guns pointed at the cloudless sky of the Gobi Desert. One hundred steel fighter robots poised motionlessly; their mechanical workings were operating, but this was not outwardly detectable."

K. H. Scheer Perry Rhoda: Space Battle in the Vega Sector.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

FC e F portuguesa

Partiu como um desafio sem o saber do Luís Filipe Silva, quando no Fórum Fantástico deste ano ao conversar de raspão sobre as escolhas literárias do ano, que no meu caso andavam pelas ficções fantásticas francesa, italiana e japonesa. Então e portugueses? Encolhi os ombros. Pois, não tinha. Torna-se um pouco absurdo andar a fugir à prevalência anglo-americana, descobrindo as ricas tradições de literatura fantástica europeia e mundial, e não olhar para o que se vai fazendo por cá. Que pode ser pouco, nem sempre com a melhor das qualidades, mas representa um esforço de indivíduos decididos a manter viva a chama dos voos literários de imaginação pura num nicho cultural de dimensões muito reduzidas. Podemos entrar em muitas discussões sobre o declínio/não declínio da FC e fantasia em Portugal, mas se não apoiarmos quem se atreve a produzir e colocar cá fora obras literárias dentro destes géneros de que tanto gostamos a tarefa de construir por cá uma base sólida de desenvolvimento torna-se mais difícil. Esse apoio traduz-se em ler, divulgar e criticar de forma isenta e construtiva, elogiando sucessos, apontado eventuais falhas e sugerindo melhorias. Como fã destes géneros sinto que é quase uma obrigação prestar atenção ao que se faz por cá. Por isso o foco deste blog vai olhar com mais atenção para a Ficção Científica e Fantasia escritas por autores portugueses, com muita atenção às novas vozes e revisitando os clássicos. E também um pouquinho de coisas brasileiras que vão irrompendo pela internet fora. Tudo arquivado na etiqueta FC e F Portuguesa, que identificará estas leituras.

Isto não é resolução de ano novo, até porque quem estiver mais atento a este espaço já percebeu que de há poucos meses para cá se tem prestado atenção à nossa literatura de género. Também não é um manifesto ou declaração de intenções. Não tenho muito por hábito declarar à partida intenções grandiosas que depois, pelas usuais razões de sobrecarga de projectos, acabam por ficar a meio gás. Isto é para se ir fazendo, à medida das leituras que se vão encontrando.

Leituras

Bruce Sterling answers your questions: Sterling em grande forma, a responder a questões de utilizadores do Slashdot. Em rajadas rápidas desmonta o mito preditivo de 1984 e Brave New World. Aponta Aelita como o exemplo maior de distopia, referindo que o filme se o bizarro filme é forçado a ter um final utópico por imposição dos comissários soviéticos poucos anos depois toda a equipe estava a frequentar gulags. Também muito certeiro na morte criativa por grupo de foco de Hollywood e no olhar para Bollywood como local onde ainda não têm medo de fazer coisas bizarras, e aponta o genial cyberpunk made in bollywood Endhiran como exemplo de como ele gostaria de ver as suas obras adaptadas ao grande ecrã. É particularmente arrepiante na sua visão da decadência da ficção científica enquanto força cultural: "We've gone away from science because our whole society's gone away from science. We're in a science-hostile society now, it's politically dominated by Creationists and climate denialists. "Science fiction" was created in an American 1920s society that had heaps of fiction and a little bit of science. Now we're in a society that's increasingly indifferent to both its fiction and its science. The core audience of techie guys who might like "hard science fiction," they wouldn't have a lot of spare time to read print nowadays. They're in Maker spaces, they like Kickstarters. They don't read any 1920s Hugo Gernsback paper mags about scientifiction and crystal-radio sets. They read Slashdot.". Certeiro no que toca à hostilidade social perante a ciência. Basta olhar para as polémicas anti-vacinação que correm por aí, ou o emergir dos esoterismos encarados com seriedade quase religiosa, e no caso americano a influência de grupos fundamentalistas religiosos na definição de currículos educativos nas áreas científicas. A elegância com que foge ao argumento de a fc está a decair porque parece que vivemos no futuro é notável. Pois, certo. Aqueles que vivem no futuro estão demasiado ocupados a criar e construir do que a ler projecções futuristas.

Quanto à estética cyberpunk, Sterling é implacável: "as for the "cyberpunk" part, forget about "the movies." Abstract motion-graphics coded in Processing and posted on Vimeo, that's "cyberpunk." You don't wanna make movies that are about guys with computers. You want to use digital composition to seize control of the means of producing cinema. And then do it all yourself! That's "punk." Hollywood product is commerce, it's about fanboy culture." Não procurem a iconografia cheia de detalhes visuais mas vazia de conteúdos, diz-nos. O espírito do cyberpunk está bem vivo nas comunidades de artistas que utilizam e reinventam os meios digitais para abrir novas vertentes de exploração estética, e não nos produtos de entretenimento que entopem a cultura popular.

Sinceramente, se não conhecem o filme Endhiran, vão descobri-lo. É qualquer coisa de assombroso, mau filme com efeitos especiais de topo e momentos lunáticos de absoluta insanidade. Acreditem que a sinopse an human-android constructed by a scientist falls in love with the to-be bride of his creator do IMDB não faz justiça a este filme de espanto.

Creepypasta: Num misto de técnicas copy-paste, discussões de fóruns e lenda urbana grupos de leitores/escritores estão a redefinir o conceito de quem conta um conto acrescenta um ponto e a repensar a ficção de terror na internet. Com pérolas assombrosas num imenso mar de mediocridade, esta tendência de contar de histórias em ambiente de sabedoria das multidões é ao mesmo tempo um hino ao grotesco e arrepiante e um sublinhar da necessidade de fuga aos medos reais que nos assolam no dia a dia. E também como um constante mas reprimido medo nos acompanha na vida digital: "As for the haunted attachments, games and files, our use of networked computers is daily coloured by fear of infection and corruption, of predators and those who would assume our identity, of viruses and data-sucking catastrophes. What if something dark is able to breach that all-important final firewall, the gap between the central processing unit and the person sitting at the keyboard? ".

A Scientist Predicts the Future: Estas predições de tendências de Michio Kaku são bastante amenas, dentro da linha do positivismo tecnológico. Mas houve uma que me deixou boquiaberto: capitalism will be perfected. A sério? Tanto optimismo na mão invisível do mercado na era em que reina o capitalismo auto-fágico selvático alastrante e a erosão dos direitos sociais e laborais é constante, onde a erosão dos pilares da moderna sociedade democrática ameaça a derrocada das instituições que nos definem e um regresso aos tempos de profunda desigualdade em que a humanidade viveu durante milénios.

The Infinity Augmented Reality Concept Video - YouTube: Ou como impingir os conceitos de realidade aumentada aos oligarcas. Confesso que fiquei chocado ao ver este flatpack future (adoro esta expressão do Bruce Sterling que qualifica muito bem as visões futuristas limpas e luzidias criadas pelos departamentos de marketing das empresas tecnológicas). Um tipo que conduz um ferrari, usa apps para fazer batota ao bilhar e engata a empregada do bar com uma ajudinha digital é a metáfora encontrada para demonstrar as virtudes da realidade aumentada, versão óculos que sobrepõem informação sobre o espaço real. É toda uma nova definição de glasshole. Esta visão design fiction/flatpack future é muito creepy.

Undocumented Feature: Recordam-se do conceito de comunidade de prática? A ideia de grupos de pessoas que no espaço digital se cruzam, encontram e estabelecem comunidades virtuais que se vão sobrepondo aos laços reais porque é através de meios digitais que conseguem encontrar outros que partilhem dos mesmos interesses? É esse o cerne do conceito de rede social, hoje muito diluído pelas stacks apostadas em espremer o máximo de dados aos seus utilizadores para lucrar com publicidade adaptada. Neste cartoon o XKCD está em modo spot on: porque uma rede social, fundamentalmente, não é um veículo publicitário mas um ponto de encontro virtual para pessoas que partilham interesses semelhantes ou cujas vidas se intersectem nalguns pontos. Esta é a resposta do sempre genial Randall Munroe à pervasividade da monetização dos dados dos utilizadores das redes sociais. E sim, o dedo está apontado a uma certa rede social de logotipo azul onde aposto que estão a ler isto...

domingo, 29 de dezembro de 2013

BD: Univerne T01, Paname; Comics: Steam Wars.


Jean-David Morvan, Nesmo (2011). Univerne T01: Paname. Toulon: Soleil.

Álbum de estética deslumbrante, revê a influência de Verne sobre uma lente de ucronia steampunk. A história inicia-se no rescaldo da comuna de Paris, onde numa tentativa de fuga aquele que viria a ser o editor de Júlio Verne morre ao fugir de soldados napoleónicos. Sem este homem, a obra de um dos pais da FC nunca vê a luz do dia, mas o poder da sua imaginação é tão grande que a realidade se metamorfoseia. Assim nasce o mundo de Univerne, um delírio steampunk de metalurgia e dirigíveis onde a belle époque com toques de Robida colide com o retrofuturismo de sabor novecentista. A história parece ser vasta, com este primeiro volume a apresentar-nos uma personagem curiosa, mulher jornalista num mundo machista e conservador que após entrevistar a aprisionada mulher de Verne se torna o alvo de cyborgs a vapor que a atacam para recuperar uma disquete cheia de segredos. Para a proteger há um cientista secretamente foragido da ilha Licoln e um jornalista atrevido que ao tentar galantear a jovem se vê arrastado para um turbilhão de aventuras. Mas a jovem também conta com a protecção de misteriosos andróides mecânicos.

No panorama mais vasto Verne reuniu na ilha perdida de Lincoln um conjunto de cientistas e homens esclarecidos para criar uma utopia social e científica. Sentido-se ameaçadas, as nações do mundo unem-se para, sob liderança francesa, arrasar a ilha e destruir quaisquer vestígios do progressismo verniano. É nesse rescaldo que somos lançados à história, numa Paris imperial triunfante, visão de barroquismo steampunk que, ao celebrar a sua exposição mundial, permite ao leitor um périplo pela arquitectura fantasista desta ucronia. 

Partindo de um conceito interessante, e com uma história com o seu quê de previsível, o que deslumbra neste álbum é o excelente trabalho de ilustração, directamente inspirado nos estilos da arte nova, retro-futurismo novecentista de Albert Robida e estética steampunk. As vistas da Paris ucrónica são de tirar o fôlego.


Fred Perry (2013). Steam Wars. San Antonio: Antarctic Press.

Uma intrigante e divertida variante do influente clássico da FC cinematográfica. A Guerra nas Estrelas é recriada em modo steampunk, com dirigíveis espaciais, cavaleiros quânticos, comboios de combate e mais tecnologia a vapor do que o recomendável. As aventuras do filme original são recriadas com base numa perseguição a uma princesa rebelde que leva numa sacola o segredo do império - um tipo de carvão capaz de fazer levar os seus engenhos voadores a vapor a ultrapassar velocidades super-lumínicas. O que se segue é uma avalanche de aventuras e perseguição por storm troopers com um ar decididamente florentino do século XV mas ainda a sofrer do seu síndrome de falta de pontaria. Visualmente é interessante, desenhado num estilo simplista que deve muito ao manga e que é apanágio desta editora, mas sem esquecer as largas e intricadas visões de tecnologia permitidas pelo estilo steam. Disponíveis no site da Antarctic Press.

Into the white.








sábado, 28 de dezembro de 2013

Ekhö: T01, New New York, T02, Paris Empire.


Christophe Arleston, Alessandro Barbucci (2013). Ekhö T01 - New New York. Toulon, Soleil.

A premissa de um mundo paralelo de magia que ecoa o mundo real é interessante. O espaço ficcional de Ekhö replica o mundo natural utilizando magia e criaturas fantásticas para substituir a ciência e tecnologia. Somos levados para lá das fronteiras por uma jovem rapariga que se descobre herdeira de uma tia que apesar de ter falecido há muitos anos no mundo real é recém-falecida no mundo-espelho. A resposta ao mistério é-nos dada pela transferência da jovem. É preciso morrer no mundo real para habitar no paralelo, como descobre um incauto passageiro que é levado junto com a jovem heroína. Segue-se uma narrativa-périplo que com base num mistério de assassínio nos leva a conhecer uma Nova Iorque paralela. Visualmente o álbum é deslumbrante, misturando estilismo de inspiração fantástica e medievalista com um tom arquitectónico do século XIX e uma elegância com traços de manga no desenho dos personagens.


Christophe Arleston, Alessandro Barbucci (2013). Ekhö T02 - Paris Empire. Toulon, Soleil.

O que salva esta série da banalidade total é o traço do ilustrador, que se delicia a recriar as visões urbanas do nosso mundo com uma delicada e ornamentada iconografia de fantasia. Neste tomo o gosto fin de siécle dos boulevards parisienses leva uma camada mítica neo-medievalista, com uma torre Eiffel de pedra e dragões a sobrevoar a cidade-luz. O estilo mistura o realismo da bande dessiné com um lado caricatural inspirado no manga. Se o conceito de mundo paralelo onde a magia substitui a ciência e tecnologia e a ordem é mantida por uns seres com ar de ratinhos simpáticos que bebem constantemente chá para não se transformarem em monstros é interessante, o argumentista mantém-se num esquema simplista de repetição de intrigas policiais e palacianas desenvolvidas de forma quase infantil. Mas não deixa de ser um deslumbre contemplar as pranchas desta série.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Antologia Fénix de Ficção Científica e Fantasia, III Volume


Marcelina Leandro, Álvaro Holstein, ed. (2013). Antologia Fénix de Ficção Científica e Fantasia, III Volume.

O fanzine Fénix tem-se afirmado pela sua periodicidade e carácter prolífico. Num ano já soma três edições, a dar voz às vozes que por cá se dedicam à literatura fantástica. Promete mais, com o lançamento regular de edições temáticas. O esforço é meritório, alimentando o gosto literário dos fãs destes géneros e possibilitando a publicação aos que desenvolvem trabalho literário, grupos quase indistinguíveis num meio tão pequeno quanto o nosso. Da leitura desta edição temática de natal percebi que se o mérito da publicação intensiva está lá, falta provavelmente dar o passo seguinte, o necessário salto qualitativo editorial. Não que esta edição seja uma desilusão. Os contos de Anton Stark, Carlos Silva, Carina Portugal, Inês Montenegro e Vítor Frazão conseguem alcançar excelentes níveis literários, o que é particularmente interessante tendo em conta a economia de páginas numa antologia de contos curtos.

Não se espera que todos os contos de antologias que dão voz aos autores novos sejam obras primas, mas nesta antologia notou-se uma fortíssima clivagem entre contos bem estruturados de linguagem narrativa polida e obras incipientes a precisar de um sério trabalho de aconselhamento editorial (e, incrivelmente, um desses trabalhos pertence a um dos editores). Desconheço que critérios utilizam na selecção dos autores, e sublinhe-se que o meio português é amador, obrigando a manter estes esforços a par de outras actividades exigentes, e mesmo assim esta equipe vai sendo prolífica. Mas creio que todos teríamos a ganhar com um trabalho de edição mais rigoroso que puxasse pelos textos com deficiências narrativas e estilísticas. Os autores pelo empurrão na melhoria das suas capacidades literárias, os editores por conseguirem um trabalho de referência, algo mais do que uma simples colectânea de histórias. E os leitores por maior diversidade e qualidade literária neste cantinho de géneros de que tanto gostamos.

Mas não confiem unicamente na minha opinião. Descarreguem e leiam a Fénix no Smashwords.

A capa tem o seu quê de Judge Christmas in Mega City 1. Tenho a sensação que o ilustrador Rui Ramos se inspirou numa possível colisão entre iconografias natalícia e 2000AD para a capa.

Biscoitos de Natal: A arrancar a antologia um conto de Alexandra Rolo com um descontraído sabor animé. O bom humor tétrico impera nesta história onde o pai natal é a prenda para manter um bem frigorífico abastecido. O estilo narrativo necessitaria de algum afinamento mas a gargalhada descomplexada para iniciar a leitura tem o seu quê de saboroso.

Um Conto de Natal: um texto difuso a tocar no incompreensível. O natal foi invadido por hordes de seres sobrenaturais? Alienígenas? Zombies? Pais Natal cthulóides? Este trabalho de Álvaro Holstein percebe-se mais como um rascunho do que conto completo.

Uma Questão de Nervos: o lado negro do natal revisto em modo de fantasia grimdark com retoque épico numa história onde a mitografia das fábricas no pólo-norte cheias de duendes sorridentes a manufacturar brinquedos para entrega pelo bonacheirão gorducho que gosta de se  vestir de vermelho é revista pelo lado da exploração capitalista pura com um tom de sensibilidade corporate. Um belíssimo esforço de Ana Luiz.

Um Último Presente: fiquei espantado com este conto de Anton Stark. Um ritmo implacável, linguagem narrativa fluída e elegante, e uma capacidade narrativa daquelas que mantém o leitor agarrado são as características estruturais que me deixaram fascinado pelo conto. A ideia em si, de um pai natal que se farta das chatices todas e decide celebrar a quadra natalícia aos tiros, está muito bem conseguida.

Frio, Cada Vez Mais Frio: outra excelente surpresa pela qualidade literária. A iconografia clássica do natal solitário da criança orfã leva neste conto de Carina Portugal um encantador tratamento tenebroso. Um conto que até aos parágrafos finais nos deixa com a sensação de que algo catastrófico ou horrendo irá acontecer, mas termina com uma deliciosa visão de ternura a condizer com o espírito da época.

Tomar a Nuvem por Juno: o toque classicista do título faz prometer mais do que realmente é dado ao leitor neste conto simples de Carlos Espargueiro, que peca por um certo tom condescendente e santimonial numa história onde o materialismo é o cavalo de tróia que possibilita uma invasão alienígena.

Natal no Abrigo: confesso que já há muito tempo que não me passava pelo radar uma obra literária inspirada naqueles medos hoje históricos do apocalipse nuclear. Este conto de Carlos Silva recordou-me isso, com uma história de ritmo bem medido que nos leva a um mundo pós-apocalíptico, onde miseráveis e consanguíneos sobrevivem num abrigo a um inverno nuclear tão intenso que o sol não passa de uma vaga memória nos mais velhos. Numa terra sem luz nem tempo, o natal é quando o homem quiser, e se o homem em questão for o patriarca degenerado de um clã de descendentes de sobreviventes pode mesmo ser todos os dias.

O Presépio: o que enfraquece o conto de Carol Louve é uma certa falta de nitidez. Sente-se que precisaria de mais algum desenvolvimento conceptual para que compreenda melhor o cerne narrativo. Percebe-se apenas que algo de transreal centrado em figuras do presépio manipula os personagens de forma sangrenta.

A Revolução Polonórtica: ou a mitografia dos duendes que se afadigam a construir brinquedos para entrega pelo patriarca barbudo revista à luz do marxismo catastrófico. O conceito do conto de Daniel Gomes é interessante e tem o seu quê de pertinente nestes dias de capitalismo autofágico selvagem alastrante, mas a linguagem carece de mais desenvolvimento.

Disfraces: A recursividade de um pai natal que findo o dia de trabalho despe o fato e se revela um homem decaído que ao regressar à solitária casa despe o fato de humano envelhecido e se revela um pai natal e... pronto, estão a ver, a coisa é cíclica e pode tender para o infinito. Ideia curiosa, remexe na vertente temática do natal enquanto espaço de solidão e mantém-se na língua nativa de Francesc Barrio.

Noite de Sonho: diálogo imaginário entre dois... duas... conceitos? Entidades? Um texto incompreensível que mistura filosofia bala com a incapacidade de chegar a conto.

O Anjo: uma bem escrita revisitação do mito judaico-cristão que sublinha a tradição natalícia. A história em si tem o seu quê de vinheta edificante saída de um catecismo, mas a capacidade narrativa de Inês Montenegro confere-lhe um belo carácter literário.

O Primeiro Natal ao Vivo e a Cores: num registo vivaz, João Rogaciano brinca com o tema natalício e um dos mais usados artifícios narrativos da ficção científica num conto onde um alienígena refugiado em Lisboa é recrutado para recuar no espaço-tempo e eliminar uma ameaça na Belém romana. Imaginem qual...

Diálogo no Pólo Norte: conto incipiente de Joel Lima, escrito de forma algo banal e que termina com um desnecessário remate.

Pinheirinho: este conto deixou-me dividido. Com um estilo narrativo promissor, arranca de forma apaixonada e coloca-nos num mundo medievo na Ibéria da reconquista. A paixão com que este início é escrito leva-nos a perdoar algumas necessidades de desenvolvimento. Mas como um conto sobre batalhas entre corsários vikings e proto-portugueses talvez não se insira no tema da colectânea, há toda uma segunda metade do conto passada num tempo contemporâneo que depressa resvala para o patético. É pena, porque a primeira metade do conto de Luís Corujo é muito promissora.

Filhós e Azevinho: um conto bem humorado onde um demónio capturado numa igreja dá um sabor diferente ao natal dos aldeões. O pormenor da linguagem coloquial sublinha o tom jocoso do conto de Manuel Mendonça.

Missão de Colonização: no conto de Marcelina Leandro o mito do génesis é revisto à luz da FC, com Adão e Eva como astronautas de uma missão de colonização planetária de longo prazo.

Noite de Surpresas: narrativa mediana em ritmo de suspense onde duendes malvados se antecipam aos elfos natalícios. Conto de Nuno Almeida.

Os Três Fantasmas: Ricardo Dias metamorfoseia lentamente a prosa clássica de Dickens na mitologia bíblica e mais além num conto onde os fantasmas de A Christmas Carol se vão revelando como arquetípicos reis magos, arautos de possibilidades.

Julgamento de Natal: um curioso conto de Rui Bastos assente no plot twist como artificio narrativo, onde um justiceiro caçador de pais natal recebe a melhor prenda que lhe poderiam dar.

Conto de Natal: se a ilustração de capa diverte e está bem conseguida, o esforço narrativo de Rui Ramos salda-se pela incoerência. É um conjunto de frases soltas e ideias incompletas que fará todo o sentido na mente do escritor, mas pouco na de quem o lê.

Santa Claus Sideral y la Gota de Oro Navideña: estão a ver aquelas iconografias cheesy de série B com pais natal, monstros marcianos, luchadores e aventuras patéticas? É este o espírito que o conto de Samir Karimo recupera.

O Último Natal: conto tocante de Vítor Frazão. A narrativa bem estruturada e a prosa ritmada constroem progressivamente um ambiente de nostalgia e perda.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Little Brother: Empowering citizenship in a digital future.


Little Brother reads like a combination of manual for an hacktivist operating system and a manifesto for liberty in a progressively digital world. Behind a seemingly innocuous and rather stereotypical story of misadventures of a young boy fighting injustice is a powerful reflection on privacy, power of media, individual rights and freedoms, the balance between the powers of states and citizens rights, paranoia and political opportunism associated with wars on terrorism.

Doctorow uses quite effectively a narrative structure where a hapless hero has to suffer mishaps, glaring injustices and torture until his fight for the values ​​of freedom ultimately triumphs. It's a classic story of struggle of good against evil, between libertarian hackers and oppressive laws raised in the name of security. The book has the express purpose of using the young adult sub-genre to raise awareness on issues such as privacy, online security, and the struggle between free culture and political and economic interests that claim compelling needs to impose unreasonable restrictions.

Within the characters struggle against the injustices Doctorow gives us a manual for ethical hacking, exploring in depth methods of social struggle and technologies to defend individual rights. The explicit purpose is to teach young readers about privacy, encryption, hacker culture, smart mobs, free culture, open-source movements, wireless networks, civil rights and new forms of social organization enhanced by digital technologies.

Written in 2008, this book today seems eerily prescient. In our post-wikileaks/Snowden world, we know that shady governmental agencies worldwide have no qualms on using our digital tools to spy without legal oversight. Drones overfly us, surveillance cameras lurk in every corner of urban spaces. Privacy as a concept withers in a society where we freely give away personal data in exchange for services, unbeknownstingly sharing personal information. Doctorow spotted these trends early on and gave us an empowering manifesto to assert individual rights in the face of pervasive vigilance.


Coelho, A. (2009). Little Brother. Retrieved 16/12/2013 from http://intergalacticrobot.blogspot.pt/2008/07/little-brother.html

Doctorow, C. (2008). Little Brother. Nova Iorque: TOR.

Doctorow. C. (2013). Little Brother News. Retrieved 16/12/2013 from http://craphound.com/littlebrother/

(This being the last essay I'll do a little misuse of this space to wish you, unknown reader, a merry Christmas and an happy new year. I do hope you've enjoyed sharing this course and... best wishes!)


(E agora num toque autocongratulatório, há que sentir uma pontinha de orgulho numa apreciação destas: "Does the link in a foreign language mean that English is a second language for you? If so, that's extremely impressive. A few minor hiccups, but nothing major. Your vocabulary is great, and your paragraph structure makes sense. I would say that you get a bit carried away with listing things in places. A 2 from me. Well done!")

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Interzone #249


Uma edição regular da revista, a apostar mais na qualidade das ideias do que na legibilidade dos contos. Tidhar e Shirley, vozes experimentadas, representam os pontos altos desta edição mas os conceitos por detrás dos contos de Tim Lees, Jason Sanford e Sarah Brooks têm o seu fascínio, apesar da prosa não corresponder à promessa. O ansible link é, para não variar, incisivo e divertido e as críticas literárias e cinematográficas uma mina de boas sugestões. A entrevista de John Shirley sublinha o papel interventivo que a FC pode ter hoje numa realidade contemporânea cega pelo neoliberalismo alastrante, que se condena ao empobrecimento e caos social e ambiental enquanto crê cegamente no favorecimento de oligarquias. O ensaio de Jonathan McCalmont redescobre os comics enquanto género capaz de pegar nos mais intrigantes e excêntricos conceitos, recriando-os conceptual e visualmente.

Unknown Cities of America - um início promissor. O título seduz-nos com visões de urbanismo fantástico de contornos borgesianos, com a possibilidade de nos perderemos em mapas para os quais não há territórios. O conto cumpre parcialmente essas promessas, com vislumbres de cidades esquecidas na vastidão das américas, mas o tom dominante é o de perda e busca incessante nesta história onde um homem atravessa recantos desolados na auto-estrada em busca da mulher que ama, raptada pelos seus familiares. A sua origem é difusa e intui-se que por detrás da história de uma rapariga fugitiva do seu meio está algo de sobrenatural com toques místicos, mas o foco narrativo fica-se pelo trauma da perda e tenacidade numa busca pouco esperançosa. Conto de Tim Lees.

Paprika - A premissa é muito interessante. Neste conto de Jason Sanford uma humanidade imortal vai-se extinguindo lentamente pelo puro ennui do tempo ilimitado. Neste futuro difuso onde o tempo pára a nanotecnologia mantém as pessoas e as cidades vivas, mas o espírito vibrante foi-se há muito. Temendo este momento, os imortais criaram seres artificiais, autómatos programados para gravarem as memórias e personalidades dos humanos com que entram em contacto. Paprika, a heroína do conto, é uma dessas criações cujo contacto constante com um criador de brinquedos que vai buscar inspiração às memórias nostálgicas dos seus clientes modifica a sua programação. Mais do que preservar artificialmente as memórias humanas dentro dos universos-bolso que os autómatos carregam, Paprika preserva a sua memória da humanidade, e vai modificando os genes das espécies que sobrevivem ao desvanecer dos imortais que se cansaram do tempo infinito. Apesar da vastidão da premissa o estilo narrativo demasiado elaborado torna a leitura algo penosa. A linguagem distingue-se pelo carácter poético mas, excessivamente trabalhada, trava a fluidez do conto.

Filaments: é um conto de Lavie Tidhar, e aqui devo confessar que sendo fã deste autor a voz crítica não é de todo isenta. O conto em si tem a marca da prosa leve e imaginação intrigante do autor, mas lê-se mais como vinheta de algo maior do que obra autocontida. A ideia em si é fabulosa, com um robot-sacerdote a interpretar o conceito de fé numa perspectiva cibernética. Tradições judaicas e sincretismo digital cruzam-se neste conto passado no curioso universo ficcional de Central Station, mundo futurista em que uma Jerusalem multicultural é o ponto de ancoragem terrestre de um elevador orbital, ponto de confluências dos seres e ideias que vagueiam pelo sistema solar.

Haunts: conto mais a puxar à fantasia do que FC de Claire Humphrey, lidando com um mundo fantástico onde os fantasmas de duelistas mortos em combate assombram a escola onde aprenderam as regras do desporto mais aplaudido da terra. Tudo contado sob o ponto de vista de uma ex-duelista que vai vendendo os dedos para poder manter os edifícios intactos mas acaba por conhecer um fã que lhe revitaliza a escola e a alma.

The Kindest Man in Stormland: o problema deste conto de John Shirley é a sua elevada plausibilidade. A história é directa, num registo policial em que um agente privado da lei vai ao inundado sul dos estados unidos em busca de um assassino em série. A visão distópica de um planeta onde o aquecimento global fez subir drasticamente o nível das águas, deixando sumbersas boa parte das zonas costeiras, com o previsível colapso social daí advindo, conjuga-se com um neoliberalismo alastrante onde tudo tem um preço de venda ou renda. Não é difícil perceber a extrapolação que Shirley faz do momento contemporâneo que vivemos.

Trans-Siberia: An Account of a Journey, with added notes from The Cautious Traveller's Guide to Greater Siberia by L. Girard (Mauriac Publishing, Paris, 1859) - Sarah Brooks a encerrar a revista com uma prosa poética e uma hisrtória curiosa, que desperta o sonho das viagens e faz pensar nas vastidões de território que medeiam entre as costas asiáticas e os centros europeus. Um jovem artista chinês embarca no mítico Trans-siberiano para uma viagem a Paris, onde o espera um futuro enquanto pintor. Mas no mundo difuso deste conto os territórios ocultam ameças obscuras e a viagem tem preços que podem ultrapassar o pagamento do bilhete. Soturnas criaturas assombram o comboio e o jovem artista ficará para sempre marcado pelo seu cruzamento com um destes seres que infestam as longas viagenes sobre os carris.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A olhar para os céus


Em 1968, no dia 24 de Dezembro os astronautas da Apollo 8 captaram este nascer da Terra a partir da Lua. Estamos novamente naquela época do ano em que os dias são mais fugazes e a noite mais profunda. por isso caros amigos, colegas, companheiros de aventuras digitais, amantes da palavra impressa e ideias, alunos que me aturam, e todos aqueles cujas vidas intersectam num qualquer ponto singularitário a minha, cá ficam os meus votos de bom natal. Esta é a melhor imagem em que consigo pensar para desejar a todos os leitores habituais ou incautos deste espaço um Feliz Natal/Celebração do Solstício.

Playtime


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Leituras Digitais

À procura de leituras para aproveitar bem o tempo de pausa lectiva? Ficam aqui algumas sugestões gratuitas de literatura fantástica em português.


A revista Bang! (que também se pode encontrar em papel no Centro de Recursos Poeta José Fanha) já colocou online a versão digital da sua edição mais recente.


O fanzine Fénix desafiou autores portugueses a reimaginar visões de natal para a sua terceira antologia. Pode ser descarregada no Smashwords.


Do outro lado do atlântico chega-nos este promissor projecto Trasgo. FC e fantasia com sotaque brasileiro, a descobrir na página do projecto.

Estas edições digitais são publicadas em pdf e epub, formatos óptimos para experimentar usar os tablets e os phablets que cada vez mais trazem para a escola para ler livros em formato digital. Atrevam-se!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Comics


East of West #08: Hickman em modo ideológico. Desta vez olhamos para uma das grandes líderes da América alternativa do mundo da série. Criatura sedenta de poder, não hesita em vender o seu povo aos cavaleiros do apocalipse que desejam paz social enquanto trabalham para destruir o mundo. É difícil de não ver nesta edição uma pouco subtil crítica às lideranças políticas contemporâneas, muito afoitas a prejudicar os cidadãos para favorecer os interesses de oligarquias discretas que se escondem por detrás das rédeas do poder.


Extinction  Parade #04: A Avatar Press permite mais visceralidade do que o habitual e Max Brooks aproveita-se bem desta liberdade para este comic. A premissa tem interesse, com hordes de zombies a avassalar a humanidade e vampiros em êxtase, a aproveitar a ocasião para orgias de dentadas ensopadas de sangue. Mas por entre a felicidade sangrenta e a vaidade de criaturas que se sentem superiores ao gado humano começa a desenhar-se a ideia que no mundo global o alastrar de hordes de zombies devoradores de humanos talvez coloquem em perigo a fonte de alimentação dos vampiros.


Locke & Key Alpha #02: Terminou. Foi um final tranquilo, a rematar as últimas pontas soltas e em modo reflexivo sobre todo o arco narrativo. Tem o seu quê de velório reminiscente e libertação do peso da história. Termina quase em círculo, regressando ao ponto inicial de morte violenta e tensões não resolvidas entre pai e filho que iniciou a série. É uma boa despedida para esta longa e influente série. O brilhantismo gráfico das ilustrações de Gabriel Rodriguez vai deixar saudades.


Sledgehammer 44 Lightning War #02: Estas mini-séries de Mignola surpreendem pela simplicidade. Pura aventura em mundos de fantasia bizarra directamente inspirados na tradição pulp. Histórias divertidas, em modo de entretenimento puro e sem pretensões de complexidade. Neste caso com areonaves secretas e missões que enfrentam os mitos da tecnologia ocultista nazi.


Samurai Jack #03: Não é fácil replicar o elegante estilo retro de Genndy Tartakovsky, mas nesta edição o ilustrador Andy Suriano faz um belísimo trabalho. O seu grafismo expressivo não tem a limpeza do traço original mas está a ir buscar como referência as estilizações da animação e grafismo de ilustração dos anos 50, e a fazê-lo muito bem. Quanto à história, é o que se espera, aventura pontual sem grande complexidade. A série original valia precisamente pela sua iconografia única, que a distinguia num meio saturado de produtos visual e conceptualmente similares.

Who

Há dúvidas?

domingo, 22 de dezembro de 2013

Playtime


Descubra as semelhanças


António de Macedo revisto digitalmente por Miguel Bonneville, no intrigante happening integrado no Festival Temps d'Images A Importância de Ser António de Macedo. Homenagem desconstrutiva à carreira de um dos maiores realizadores portugueses, com uma obra cinematográfica singular e cativante, surpreendeu pela reinterpretação de referências aos filmes de Macedo e, em particular, pelo final que projecta o realizador nas virtualidades deste início de século.

Pessoalmente, não consigo deixar de ver umas referências muito de viés a outras personificações da confluência entre a imaginação e tecnologia. Talvez esteja aqui a ver mais do que uma intrigante homenagem que oscilou entre toques lynchianos e humor subtil à influência da obra de Macedo, mas pronto, terão de me perdoar.


Max Headroom, porque sempre que vejo cabeças de animatrónica digital penso neste personagem de uma série de televisão esquecida dos anos 80. Diga-se que a texturização hiper-realista conjugada com animação intencionalmente artificial deu um tremendo ar uncanny valley ao final do espectáculo.


P. K. Dick android portraint, Hanson Robotics. Poderia ser uma extensão lógica do conceito?

Fluid Vision


Ursula K. LeGuin's The Left Hand of Darkness.

Science Fiction still feels like a boy's adventure club, dominated by male voices. The field is skewered towards specific visions of hard science and futuristic adventure. Whether in the grand vistas of space opera or dark dystopias the tone is similar. High adventure, visions of technology underlining ebullient ideas of possible futures or alternate pasts, and two dimensional characters. As an example I need not go no further than Arthur C. Clarke's grand, optimistic technological visions of mankind's future and his absolutely shallow characters, automatons fully servant to the author's vision. Asimov and the the other golden age greats are also guilty of this. Even the huge scope of the Foundation series is based in a narrow technocratic vision conveniently fulfilled by drone-like characters.

Perceptions of fluid sexuality are the most distinguishing marks of The Left Hand Of Darkness. Writing in an era marked by the classic vision of SF, LeGuin's tale must have been felt as deeply disturbing. At the time, the sinuous relation between the human Ai and the androgynous/male/female Estraven gave editors and the conservative writer's guild heart attacks. This fluid post-modern view of human sexuality hadn't appeared before in the genre.

If this is the most striking aspect of this book, possibly the most influential is the one that gives density to the story and which is also a constant in Le Guin's oeuvre: detailed worldbuilding, centered not in a narrow view of technology and society but in a comprehensive vision that takes into account the confluence of history, sociology, anthropology and cultural studies into the vast fictional societies that form the backdrop and define the plot. Spaceships and FTL communication devices are but elements in a wider interwoven galactic civilization.

Ground-breaking at the time, this book relies on depth of characters, unsettling fluidity and a vision of SF that takes into account both hard and soft sciences, helping to redefine this literary genre.

References:

Wray, J. (2013).Ursula K. Le Guin, The Art of Fiction No. 221. The Paris Review, N.º 206. Nova Iorque: The Paris Review.

Jones, J. (2013). Ursula Le Guin, Darkness, Exile, Dispossessed, and Human Sexuality. Amazing Stories, March 13, 2013.

LeFanu, S. (2004). The king is pregnant. Guardian, January 3, 2004. London: Guardian News and Media Limited

sábado, 21 de dezembro de 2013

Doctor Who: The Roots of Evil


Philip Reeve (2013). Doctor Who: The Roots of Evil. Londres: Puffin.

A páginas tantas o autor não resiste a um aceno à continuidade contemporânea da série Doctor Who, e é esse detalhe a peça que dá sentido à história. Nesta aventura do quarto Doutor este, com a companheira da época, chega a um local muito especial: uma gigantesca cidade-árvore a flutuar sobre a superfície de um planetóide. A árvore é habitada pelos descendentes de colonos que utilizavam estas plantas geneticamente modificadas para terraformar os planetas colonizados. Mas, no passado, uma encarnação do Doutor impediu os antepassados destes colonos de terraformar um planeta e com isso aniquilar as espécies nativas. Por isso toda a colónia se desenvolve com uma ideologia de ódio ao Doctor Who, símbolo de derrotas passadas. Quando é aprisionado pelos aguerridos descendentes este Doutor tem alguma dificuldade em perceber o porquê de tanto ódio, até que se apercebe que foi um certo doutor do futuro a impedir genocídios e a condenar os colonos ao exílio. Um doutor com predilecção por laços.

A visão de uma civilização que habita uma árvore pertence aquele espírito de estranheza que tanto encanto dá à série. O seu lado infantil e brincalhão dá aos criadores uma inusitada liberdade para desenvolver conceitos estranhos sem grandes preocupações de verosimilhança ou rigor científico. Talvez o real encanto de Doctor Who é ser talvez nos media contemporâneos o único local onde o espírito pulp da FC clássica, fortemente inventivo e despreocupado com a sofisticação que hoje é exigiga ao género está vivo e é assumido como característica marcante.

Blimp



A aproveitar os momentos mais tranquilos no rescaldo do final do primeiro período lectivo para recuperar inspirações. E rever as técnicas de trabalho entre o Vivaty Studio e o Bryce. Também anda pelo Sketchfab.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Playtime


Fumetti: Legs Weaver, La Vendetta Delle Dame Nere; Le Lune Di Waldur.



Antonio Serra, Simona Denna (1995). Legs Weaver #05: La Vendetta Delle Dame Nere. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

As damas negras que tanta dor de cabeça deram a Legs Weaver na sua primeira aventura estão de regresso. Desta vez as suas incessantes experiências genéticas geraram autênticas harpias, agentes das suas nefandas intenções que raptam fetos de dragões e agentes secretos. Tornaram-se tão eficazes que as agentes biónicas que as precederam se tornaram obsoletas e decidem retirar-se da vida de crime, auxiliando Legs e os restantes agentes da agência alfa a encontrar o covil das damas negras. Muita acção neste episódio onde o ilustrador se divertiu a imaginar interiores futuristas quase decalcados do filme Alien, mas o humor caricatural exagerado diminui o impacto narrativo.


Antonio Serra, Antonella Plato (1995). Legs Weaver #06: Le Lune di Waldur. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Ó menina Legs, que pose combativa é essa? Que grande e afiada espada segura. E com essa torção da coluna vertebral aposto que o sorriso corajoso esconde fortíssimas dores de ossos. Já para não falar nos arranhões que a armadura favorecedora das formas certamente provoca na sua alva pele. O ar medievo da espada deve ser enganador, que com esses elegantes músculos só se for de carbono é que se aguenta com uma lâmina desse tamanho. A capa resume bem a bizarria deste mais estranho e divertido dos episódios das aventuras da agente futurista.

Legs Weaver é uma série que mistura géneros, oscilando entre o policial, ficção científica e o humor, e neste ainda conseguiram a proeza de se meter com a fantasia medievalista. Aliás, durante as primeiras páginas sentimos uma enorme dissonância cognitiva ao abrir um fumetti futurista e deparar com o mais puro exotismo de fantasia. Chega-se a pensar que os editores se fartaram da Legs futurista e optaram por uma variante das guerreiras bárbaras de passados imaginários. Mas não. A páginas tantas a história revela-se: uma sonda alienígena despenha-se na Terra e Legs é infectada por uma nanomáquina que lhe injecta as memórias gravadas de uma guerreira alienígena. Inconsciente, Legs revive as batalhas passadas de uma civilização antiquíssima num planeta exótico. Entretanto, May, a sua fiel e escultural companheira, luta para lhe salvar a vida, e para isso nada melhor do que transferir a sua consciência para um nano-robot e infiltrar-se no interior do corpo de Legs para combater a nanomáquina alienígena que se alojou no tronco encefálico.

Nesta aventura Antonio Serra consegue misturar a FC policial com fantasia épica decalcada de Red Sonja e um aceno muito pouco subtil ao Fantastic Voyage, com um nano-robot em vez de uma nave miniaturizada tripulada por heróicos exploradores das correntes sanguíneas. Visualmente o fumetti é esplendoroso. O exotismo fantasista alienígena e as paisagens do interior do corpo dão ao ilustrador Antonella Plato uma excelente desculpa para criar ilustrações deslumbrantes, levemente sensuais e cheias de detalhes imaginativos por onde o olhar se perde.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Playtime




... desta vez numa de castelinhos. E porque não?

Doctor Who: The Spear of Destiny


Marcus Sedgwick (2013). Doctor Who: The Spear of Destiny. Londres: Puffin.

Dedicado ao terceiro Doutor, este livro mergulha numa variante das lendas sobre a lança do destino, artefacto mítico do qual se diz que quem o empunhar é invencível em batalha. Sedgwick brinca um bocadinho com a história do mito e a sua ligação ao ocultismo nazi mas prefere seguir noutra direcção, levando o Doutor e a companheira da época à era Viking. Conhecemos o ambicioso líder de uma tribo aguerrida, um certo Odin, que com ajuda dos flhos Thor e Loki mais os seus fieis guerreiros (Falstaff ficou curiosamente ausente) pretende unificar as tribos do norte e, no processo, criar as raízes da mitologia Viking. O seu poder é amplificado pela tecnologia do Mestre, eterno arqui-inimigo do Doutor, que pretende deitar as mãos à mítica lança e opta pelo rigor das observações astronómicas nórdicas para escolher um ponto específico no espaço-tempo. Aparentemente os calendários não eram de fiar na mais conhecida aparição da lança nos registos históricos, o momento da crucificação de Cristo.

Leitura leve, escrita de forma dinâmica mas surpreendendo pela fluidez, conseguindo agarrar este leitor num livro que à partida se assume como leitura rápida e sem grandes pontos de interesse para lá do aspecto de comemoração do quinquagenário Doctor Who. Consegue ir além do esperado e é notável o cuidado na recriação do mundo Viking, remetendo para a clássica justificação das aventuras temporais do Doutor como uma forma de pedagogia histórica.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Fumetti: Dylan Dog: Il Tunnel Dell'Orrore; L'Occhio Di Balor.


Tiziano Sclavi, Giuseppe Montanari (1988). Dylan Dog #22: Il Tunnel Dell'Orrore. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Este é o tipo de livro que nos surpreende a cada página. Pela capa assumimos que se trata de uma clássica aventura de terrores nos túneis temáticos de um parque de diversões. Mas nas primeiras páginas assistimos ao périplo de um adolescente que decide roubar uma metralhadora e aniquilar todos aqueles com que se cruza no parque de diversões. Mas este não é um hbaitual adolescente assassino/suicida. Após raptar uma jovem exige a presença de Dylan Dog, e dá-lhe um caso curioso para resolver: porque é que se sente outra pessoa. Investigando, Dylan depressa se apercebe que o jovem é o resultado de uma experiência de clonagem que se iniciou na alemanha nazi sob os auspícios de um sinistro médico, agora a trabalhar como respeitável cirurgião num hospital público. Com o mistério desvendado, o jovem acaba por não ser salvo graças ao inexplicado excesso de zelo de um comandante militar que opta por trespassar o túnel do terror com balas de grande calibre. Não sendo do melhor de Sclavi, não deixa de ter umas interessantes inversões de expectativas geradas no leitor.



Giuseppe de Nardo, Giampiero Casertano (2013). Dylan Dog #323: L'Occhio Di Balor. Milão: Sergio Bonelli Editore S.P.A..

Dylan Dog sem ser escrito por Tiziano Sclavi... Lê-se, mas não é a mesma coisa. Falta-lhe aquele toque especial de onirismo que o criador lhe dava. Não que o argumentista deste #323 não faça um trabalho interessante. É um mistério do oculto directo e certeiro, que envolve Dylan com a descendente de criaturas míticas que adquirem aparência humana para sobreviver. Uma jovem híbrida embarca numa vingança, matando os mercenários que no passado lhe haviam assassinado a família. Ao investigar as mortes, a pedido do inefável inspector Bloch, Dylan cruza-se com um mitógrafo que sabe mais do que revela sobre os poderes dos antigos seres míticos que ainda vivem entre nós. E, sendo Dylan quem é, não deixa de ser seduzido pela simpática e, quando em forma humana, atraente jovem monstrinha.

I'll start right away






Um dos problemas que sinto ao mostrar arte contemporânea aos alunos é a fortíssima dissonância cognitiva entre a facilidade de compreensão do figurativo, a atracção visual da abstracção e a difícil digestão do conceptual. Para crianças, o figurativo é bonito e espectacular, o abstracto tem cores lindas mas é fácil de fazer e o conceptual varia entre o isto é estranho mas gosto e o então posso trazer um tubo para aqui e dizer que sou artista? Formatados para o figurativismo e aceitando a abstracção como elemento decorativo, rejeição é a resposta mais habitual no confronto com outras formas desafiantes de expressão artística.

Claramente tenho de investigar mais sobre isto. Porque se na escola não se olhar um pouco para isto o fosso entre uma erudição elevada e difusa acessível por uma elite rarefeita e uma cultura simplista de massas virada para o lucro fácil agudiza-se.

Registos do museu colecção berardo no CCB durante uma visita de estudo improvisada, possível graças ao enorme espírito de abertura do museu. Experimentem chegar a outro espaço museológico com cem alunos sem pré-aviso ou marcação a pedir para entrar livremente e vejam que resposta teriam. No CCB só nos pedem para dividir em grupos pequenos para facilitar a visita. Goste-se ou não do CCB e das questões de mecenato, este é talvez um espaço que no que toca à educação presta um verdadeiro serviço público. Mas prometo que para a próxima marco previamente para poder dar aos alunos o gosto de visitarem o espaço acompanhados por guias, se para o ano se mantiver gratuito.