terça-feira, 26 de setembro de 2023

Signs, Symbols and Ciphers: Decoding The Message



Jean Georges (1998). Signs, Symbols and Ciphers: Decoding The Message. Londres: Thames and Hudson.

Um mergulho na história dos símbolos, de forma abrangente. Olha-se para a linguagem, os alfabetos, as simbologias que nos permitem registar e veicular informação, para os meios de transmissão de informação, e um pouco para o lado esotérico dos símbolos. Estes estão no cruzamento de culturas e necessidades de comunicação, e a riqueza da sua história é um pouco esquecida no nosso dia a dia, onde tanto depende deles. Edição profusamente ilustrada, como mimo para o olhar.

domingo, 24 de setembro de 2023

URL

Esta semana, os destaques vão para a ficção científica norte-coreana (sim, é uma cena, mas só ao agrado do querido líder), novos caminhos para Wonder Woman, e recordar a ironia elegante de Evelyn Waugh. Olha-se para quem mais lucra com a inteligência artificial (pista: mete hardware), o potencial da IA Generativa nos efeitos especiais cinematográficos, e a regra 34 na IA Generativa. Reflete-se sobre serventes de cleptocratas, atrocidades gastronómicas, e os dramas de Xinjiang.

Ficção Científica e Cultura Pop

Logging on. From this 1985 French computer magazine: Surrealismo Digital.

(Re)Assistindo: Os Góticos Italianos de Barbara Steele: Um regresso aos filmes clássicos onde Barbara Steele pontuou, entre o horror e a exploitation. Sejamos honestos: parte da atração destes filmes é mesmo a beleza desta atriz clássica contrastando com o tom gótico.

The strange, secretive world of North Korean science fiction: Desconhia por completo que a Coreia do Norte tinha uma cultura de ficção científica, embora isso seja óbvio. A legitimação pelas artes é uma das características dos regimes totalitários. Ao ler este artigo, percebemos que as utopias norte-coreanas são ditadas pela visão do partido, de projetar futuros otimistas, onde a ciência, o espírito indómito do cidadão fiel aos preceitos do juche, triunfam face às ameaças perversas do exterior. Confesso, tenho alguma curiosidade em descobrir estas histórias. O seu valor literário não deve ser elevado, a literatura feita à medida de princípios ideológicos raramente o é, mas é sempre interessante conhecer estas vertentes da ficção científica.

Spider-Man Would Like to Remind You All That The Punisher is a Villain: Que, de facto, é, apesar da aura de anti-herói que tem adquirido. Não é por acaso que o seu símbolo costuma ser adotado por grupos pouco recomendáveis.

The Strange Inspirations Behind Movies and TV: Uma lista de coisas que não fazia a mínima ideia que faziam sentido, e agora que as sei, não estou particularmente enriquecido por isso, mas não deixa de ser divertido sabê-las.

Books by Robert Graves, recommended by Sophie Roell: As melhores obras de um dos grandes romancistas de história.

Tom King Wants Wonder Woman To Get Her Own Dark Knight Returns: Uma versão grimdark, ou rebelde, da amazona? O passado militar deste argumentista dita muitas das suas escolhas narrativas, e pela descrição, vai valer a pena ler a sua visão sobre esta personagem.

Evelyn Waugh is laughing at you: Ler este autor é mergulhar num universo literário de ironia corrosiva, alguém que desmonta do seu interior um mundo muito próprio das altas sociedades inglesas da primeira metade do século XX. Apropriada, a piada de que é um daqueles escritores que hoje tem de ser lido com alguns avisos à navegação, não vá deixar chocados e traumatizados leitores mais incautos.

Tecnologia

Paul Lehr cover art for “Analog” magazine, May 1979: A clássica revista.

How ChatGPT turned generative AI into an “anything tool”: Uma das grandes virtudes desta forma de usar modelos LLM é a sua flexibilidade, o poder ser usada em múltiplos casos, com modelos de treino que não se circunscrevem aos dados de origem.

This is Apptronik’s humanoid robot, Apollo: Calma, que para este tipo de robots chegar ao mercado, há ainda imenso que testar. Mas o protótipo é impressionante.

Pluralistic: Supervised AI isn't (23 August 2023): As recentes bizarrias em textos publicados pela Microsoft, gerados por IA, mostram que ainda há muito que fazer na evolução desta tecnologia ao nível da fiabilidade. 

Stephen King: My Books Were Used to Train AI: E a perspetiva da potencial aquisição de consciência pela inteligência artificial não assusta o grande autor de terror.

The Internet’s Next Great Power Suck: Um olhar para a pegada ecológica do mundo digital, que se prevê crescer enormemente à medida que o uso de IA Generativa cresce. No panorama do combate às alterações climáticas, o consumo energético do digital é um factor que não pode ser descurado.

India becomes the fourth country to land a spacecraft on the Moon: Uma excelente missão, que teve a sua alunagem com sucesso.

Nvidia just made $6 billion in pure profit over the AI boom: E os lucros indicam tendência de duplicação. No momento, a empresa domina o mercado ligado ao hardware necessário para correr modelos e aplicações de IA, e tem beneficiado imenso com a explosão da IA Generativa.

You can now train ChatGPT on your own documents via API: É este tipo de aplicações que tornam a IA Generativa mais útil, indo além do modelo generalista, e trabalhando com os dados que realmente necessitamos.

M.F.A. vs. GPT: Uma reflexão de como o ato de escrever vai muito além da mecanização trazida pelos LLMs.

Why we should all be rooting for boring AI: Se a IA Generativa garante as atenções, é no lado menos visível destas tecnologias que os usos mais úteis se encontram. A tradução automática, ou as sugestões que aceleram a escrita de emails, são alguns exemplos de aplicações que não sendo tão sexys quando a geração de imagem ou vídeo, são realmente úteis no dia a dia.

VFX artists show that Hollywood can use AI to create, not exploit: Há duas formas de encarar a IA generativa. A linear, a mais popular nas discussões sobre o tema, teme a substituição da criatividade humana pela produção exclusivamente algorítmica. É uma visão alarmista, que não leva em conta as reais capacidades das ferramentas de IA. A outra forma é aproveitar as valências desta tecnologia para acelerar o lado rotineiro da criação audiovisual, e procurar novas formas de representação. É o que está em destaque no SIGGRAPH, onde se demonstram algumas ferramentas de IA Generativa que facilitam, complementam e levam mais longe o trabalho dos artistas visuais.

Why Today’s Chatbots Are Weird, Argumentative, and Wrong: O problema, não é o estarem errados, mas a forma subtil como os seus erros se manifestam, sem que os utilizadores se apercebam.

The science behind why social media algorithms warp our view of the world: Um olhar para os mecanismos psicológicos facilitadores do interesse em conteúdos extremados.

Google’s Duet AI becomes a meeting assistant, doc summarizer, and chat companion: Diria que este é o caminho das ferramentas de IA, o tornarem-se assistentes do nosso dia a dia digital.

Google Meet quiere ir a las reuniones por ti: su nueva IA te permitirá estar en otra parte mientras tanto: Ah, o perfeito seria se uma IA me substituisse nas reuniões presenciais.

Are We Ready For This Site's Endless Feed of AI-Generated Porn?: Sem grandes surpresas, a regra 34 chegou à IA Generativa.

Google’s AI-powered note-taking app is the messy beginning of something great: Este serviço da Google, ainda a definir-se, promete. A capacidade de aplicar IA Generativa aos dados que usamos, produzimos e analisamos é o melhor que a IA tem para nos oferecer.

The end of the Googleverse: Não sei, diria que anunciar a morte da Google, mesmo como força cultural, é manifestamente exagerado.

Modernidade


Agente Hawks: Destinazione Bangkok: Pulp Old School.

Pluralistic: How the kleptocrats and oligarchs hunt civil society groups to the ends of the Earth (24 August 2023): Doctorow tem estado particularmente acutilante na sua crítica às injustiças da sociedade atual, e neste texto atira-se à extensa rede de sicofantas que possibilita aos ultra-ricos safar-se com tudo, desde lavagem de dinheiro a serviços de limpeza pública de imagem. É uma rede global daquelas que enoja, sabendo particularmente que é feita de milhares das ditas pessoas de bem, respeitáveis membros da sociedade que não vêm nenhum dilema moral em ajudar os ultra-ricos a enriquecer, mas geralmente se encolerizam à mera menção de melhores salários para os trabalhadores, ou direitos laborais. Portugal também está em destaque nisto, graças ao nepotismo empresarial da angolana Isabel do Santos, que tem sido ajudada pela firma de advogados PLMJ. Dos quais um dos sócios é conhecido comentador televisivo, de ar culturalmente sóbrio e responsável, daqueles que nos exorta a não cair nos extremismos e nas exigências exageradas, enquanto enriquece fazendo serviços para limpar o dinheiro dos escroques.

BRICS invites Argentina, Saudi Arabia, Egypt, Ethiopia, the Emirates and Iran to join the bloc: Não se pode imaginar países mais apropriados para integrar esta óbvia jogada chinesa contra o sistema ocidental. Todos, exceto a Argentina, países onde reina a autocracia violenta, direitos humanos nem sequer são considerados.

Is Salsa Gazpacho?: Leiam este artigo, que acha que não há diferenças entre um gaspacho e um pico de gallo, e perguntem-se: não podemos varrer esta atrocidade à gastronomia da face da terra? É para isto que as bombas atómicas foram inventadas.

"Sobrevivente do Gulag Chinês", por Gulbahar Haitiwaji: Relatos arrepiantes de quem vive na pele a bonomia com que o regime chinês trata as suas minorias. O caso de Xinjiang Uighur é bem conhecido por quem analisa as tendências de inteligência artificial, é o laboratório onde as empresas chinesas testam as suas tecnologias de hipervigilância digital ao serviço das medidas de repressão governamentais, que depois empacotam e vendem ao resto do mundo.

Enough With the Pre-Raphaelites Already!: Vou arriscar e dizer que o crítico não aprecia especialmente os pré-rafaelitas. Que, diga-se, tinham um estilo mais decorativo do que interessante.

Naomi Klein unmasks Naomi Wolf's wild conspiracy theories in new book: Confesso, fui daqueles que confundi as Naomis. Quando a covid atacou e comecei a ver os textos, até à altura, interessantes, da Naomi Wolf a decaírem para as mais absurdas patetices conspiracionistas, fiquei abismado. Como é que a autora de The Shock Doctrine ou No Logo poderia ter tido um retrocesso mental daqueles? A verdade, é que não teve. E esta confusão depressa passou de fait-divers divertido para séria chatice.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Tomie 1 no Motelx

 



Apanbado no Motelx, onde a Devir me desafiou para participar do lançamento de Tomie 1, o primeiro volume do lendário, fascinante, perturbador e fabuloso manga de terror do mestre Junji Ito. A sessão decorreu no lounge do festival, como conversa entre mim e a editora. Foi uma oportunidade para partilhar o gosto pelo trabalho deste grande mestre da banda desenhada.
@archizer0 Uma graciosa surpresa da Devir. Para já, só à venda no Motelx. Para a semana chega às livrarias. #booktok #booktokpt ♬ Berlioz Symphony Fantastique, Op 14, 5 - The St Petra Russian Symphony Orchestra

Quanto ao livro, foi-me oferecido pela Devir, e posso dizer-vos que é uma excelente edição, num tamanho que faz justiça à qualidade do traço de Ito. Só conhecia este trabalho através das edições da Dark Horse (livros venerados na minha biblioteca), e foi bom reler em português, com pranchas grandes. O livro chegou às livrarias esta semana, e espero que seja bem sucedido, para que a Devir continue a aposta também neste género de mangá, mais adulto e erudito.

Infelizmente, este ano foi o único momento em que tive oportunidade de ir ao Motelx. O encerramento do 3Digital em Aveiro quebrou-me a tradição de mergulhar no cinema de terror antes de iniciar as atividades letivas.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O Burro de Ouro


Apuleio (1978). O Burro de Ouro. Lisboa: Editorial Estampa.

É preciso ter cuidado com as jovens bruxas da Tessália. Podem ser fogosas debaixo dos lençóis, mas se quisermos experimentar os seus encantamentos, rendidos como estamos aos seus encantos, algo pode correr mal. Como se comprova pela história deste Lúcio, viajante grego que se vai metendo nalguns sarilhos libinosos nas suas viagens, e no seu desejo de novas experiências, pede a uma aprendiz de feiticeira que o transforme num pássaro, tal com a sua ama consegue fazer. A jovem feiticeira não é tão destra nas artes mágicas quanto a sua ama, e o pobre Lúcio descobre-se feito num burro. 

Não é o pior dos destinos, basta que o homem transformado em animal coma uma rosa para regressar à condição humana. O problema, é que tudo lhe corre mal. É roubado por ladrões, usado como jumento de carga, trocado entre amos, alguns brutamontes, outros mais agradáveis. Acaba, até, no leito de uma matrona especialmente lúbrica (esta parte do romance seria impublicável, hoje...). Depois de muitas desventuras, será graças à intervenção da deusa Ísis que regressará à condição humana. A partir daí, as suas viagens de descoberta irão assumir um caráter mais espiritual, com a sua iniciação nos mistérios da deusa, e, posteriormente, nos de Osíris. 

Romance de impenitente impertinência, entre o obsceno e o libertino, é também uma história que contém histórias. Quer como Lúcio, quer como burro, o personagem cujas desventuras seguimos cruza-se com outros viandantes, que contam histórias. Há pequenos romances e tragédias dentro deste grande romance clássico, que estão entre o moralista e o humorista, lidando quase sempre com traições conjugais, e inclui ainda um detalhado contar do mito de Cupido e Psiché. Apesar de o ter lido numa tradução algo maçuda do século XIX, é fácil de perceber a sedução irreverente desta história sobre a busca constante de novos conhecimentos, experiências e limites, de ir mais longe mesmo que se vivam consequências funestas dessa vontade. E, confesso, não me é difícil imaginar um antigo romano a rir-se às gargalhadas de algumas das passagens mais escabrosas deste romance.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

As Mil e Uma Noites - Histórias Apócrifas


Antoine Galland (2023). As Mil e Uma Noites - Histórias Apócrifas. Lisboa: E-primatur.

Se há clássicos que mantém o seu encantamento, estas histórias são um destes. Mesmo sabendo, hoje, que estes contos têm o seu quê de adulterado por visões românticas de orientalismo que interpretaram os contos tradicionais não deixam de exercer um certo fascínio. Sabemos ao que vamos quando pegamos num livro com este, uma viagem aos mundos orientais.

Estes contos são uma visão mítica do oriente, das distantes arábias, de um mundo de génios que concedem desejos, sultões benévolos, mercadores honestos, belas princesas árabes, príncipes corajosos e honrados. Mas, também, de bruxas e magos malévolos, de homens e mulheres cheios de inveja e intriga. A magia e o banal cruzam-se nestes contos, que mitificam o passado islâmico. 

Sabemos que são contos de fadas, não retratos de realidades históricas. Os contistas tradicionais que mantiveram viva a tradição que os escritores europeus orientalistas não são Homeros, a condensar um contínuo narrativo que forma a identidade de um povo, embora partam da mesma tradição de contar histórias que se perpetuam ao longo de séculos. Não lemos as Mil e Uma Noites para sentir o questionar íntimo de heróis acometidos pelos dramas de se ser humano, como nas histórias gregas. Lemos, para mergulhar na evocação dos fumos do oriente, da sensualidade das descrições de opulentos palácios e riquezas, do olhar sensual de princesas árabes (mesmo sabendo o quão distante isso está da realidade cultural, e que estas evocações de sensualidade são uma construção da imaginação europeia em contacto com o oriente nos idos do século XIX).

Estas histórias apócrifas recolhem contos que não terão feito parte das recolhas originais editadas na Europa. No entanto, recordo-as da minha primeira leitura desta obra, ainda criança, nuns algo desfeitos livros das edições Romano Torres. Ler estas histórias apócrifas foi regressar à história do honesto ladino Aladino, do sagaz Ali Baba e a sua ainda mais sagaz escrava, a alguns dos encontros do sábio sultão Al-Rashid, que gostava de se disfarçar de homem pobre para poder percorrer, incógnito, as ruas da sua Bagdad, e com isso conhecer as maravilhas da época de ouro da sua cidade. São contos que ganharam o seu espaço no nosso imaginário colectivo, deixando-nos ceder à tentação do orientalismo, pelo prazer de mergulhar neste imaginário.

domingo, 17 de setembro de 2023

URL

Esta semana, destacam-se listas de sugestões de leitura, a química do odor a livros, e as vantagens de aliviar a carga livresca da biblioteca pessoal. Olha-se para a história das apresentações multimédia antes do deprimente PowerPoint, o cruzamento de imagiologia cerebral e inteligência artificial, e o uso criativo de IA Generativa. Reflete-se sobre a origem das obras no acervo do CCB, dilemas da massificação turística e sonhos iberistas.

Ficção Científica e Cultura Pop

Shigeru Komatsuzaki, 1964: Space Opera.

Comic Creators Who Got Credit, and Who Didn't, in Blue Beetle Movie: A questão da autoria é um problema nos comics. Ao longo de décadas, os personagens sofrem alterações, modificando-se face às versões originais, seguindo por caminhos muito distantes dos concebidos pelos criadores originais.

24 libros recomendados para leer este agosto por el equipo de Xataka: Bem, agosto já se foi e só regressa para o ano, mas isso não significa que se deixem para trás recomendações de leitura.

90's tech culture was a jumbled mess: A Wired no final dos anos 90 era um misto curioso de fé tecnológica e otimismo excessivo. Com mais um ingrediente, fortes doses de luxúria dos gadgets.

The Best Fantasy Novels With Battle Couples, recommended by Valerie Valdes: Sugestões de leitura no âmbito da fantasia épica.

Why Do Old Books Smell So Good?: A química por detrás desse aroma delicioso que é o cheiro a livros, especialmente a livros antigos.

In Good Omens, diversity is divine: Quando li o genial Good Omens, há algumas décadas, não me apercebi de todo do subtexto queer da relação entre Crowley e Aziraphale. Não me pareceu ser mais do que uma amizade entre dois adversários, que por estarem no terreno e afastados dos cultos ideológicos dos seus pares, descobrem que há mais vida para além do dogma. Isso na série televisiva foi muito mais aprofundado, o que não surpreende, há muito que Neil Gaiman é conhecido pela sua abertura à diversidade.

Get Rid Of Your Physical Books: O quê? Terão de me arrancar os livros das minhas mãos geladas de morte. Piadas à parte, o artigo faz sentido, é boa ideia de quando em vez dar uma volta à biblioteca e perceber quais são os livros que são para a vida, os que nos interessam, e aqueles que podemos doar. Tem a vantagem extra de se conseguir ganhar espaço para mais livros.

The Best Counterfactual Novels, recommended by Catherine Lacey: Romance contra-factual é uma forma erudita de dizer "realidade alternativa", e assim os escritores podem especular à vontade sem se macular com termos ligados à ficção científica.

Kev F Sutherland Asks British Kids What Comics They Actually Read: Um ilustrador inglês foi perguntar aos miúdos de uma escola primária o que é que eles gostavam de banda desenhada, e os resultados podem chocar. Ou nem por isso, dada a idade das crianças, muitos dos títulos não são para eles. É curioso ver que os comics marvel/dc não lhes despertam interesse, e nem sequer se apercebem da venerável 2000 AD. Já a primazia dos mangá, é o esperado.

As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy: Olhar para a edição coligida de um dos grandes clássicos da BD portuguesa.

Tecnologia

A CompuServe ad from the August 1988 issue of OMNI magazine: Visões da internet.

Revealed: The Authors Whose Pirated Books Are Powering Generative AI: Tem o seu ar de escândalo, este uso de bibliotecas pirata para treinar modelos LLM. No entanto, talvez caiba na definição de uso legítimo,uma vez que o objetivo desta base de dados é auxiliar o desenvolvimento científico e tecnológico. O argumento dos criadores deste corpus é muito pertinente, porque esta base de dados dá a todos meios de treino de algoritmos que, de outra forma, só estariam disponíveis a empresas com grande volume de financiamento. Não é uma questão linear.

La función más infravalorada de Android es también una de las más productivas: convertir el móvil en un PC: É para mim um dos grandes mistérios do mundo contemporâneo, a forma como estilhaçamos o uso da computação. Trocamos entre telemóvel, tablet ou computador, e não nos lembramos que podemos integrar as diferentes plataformas.

Next slide, please: A brief history of the corporate presentation: Houve toda uma era antes da tirania do powerpoint. Um tempo em que as apresentações podiam ser sofisticados espetáculos criados profissionalmente, com múltiplos projetores de diapositivos, coreografias elaboradas e efeitos cénicos. A digitalização trazida pelos softwares de apresentação extinguiu esse tempo, e democratizou a capacidade de criar apresentações. Algo que, dada a proliferação de death by powerpoint (ou canva, ou outro slideware da moda) e o espartilho mental trazido pelo uso de apresentações, talvez não seja coisa boa. O problema fundamental nem é a ferramenta, mas sim a nossa atitude de esquecer que uma apresentação deve ser uma discussão de ideias, e não uma sucessão de slogans e efeitos para impressionar.

Anti-Piracy Group Takes Massive AI Training Dataset 'Books3′ Offline: E onde é que as empresas que desenvolvem modelos de linguagem para IA vão buscar dados? Bem, as bibliotecas pirata são uma das soluções. Se bem que a questão não é linear. Se por um lado há a questão da propriedade intelectual de autores, por outro, este tipo de arquivos permite a investigadores sem os meios financeiros dos pesos pesados da IA poder desenvolver os seus próprios modelos.

Reino Unido acaba de instalar el primer "radar" de tráfico por IA. Es una noticia terrible para los infractores: É um passo lógico, e algo arrepiante. Videovigilância associada a inteligência artificial permite um polícia a cada esquina. A tecnologia, a permitir um velho sonho autoritário.

Tod Machover On How AI Will Change Music: Poderão os artistas temer a IA generativa? Na verdade, esta tecnologia torna-se mais um instrumento ao serviço da sua criatividade.

Buyers of Bored Ape NFTs sue after digital apes turn out to be bad investment: A sério que investir milhões em bonecos digitais foi má ideia? Os bored apes são o momento túlipa holandesa das criptofinanças.

Just How Well Does AI Score In Creativity Tests?: Confesso que me pergunto exatamente que tipo de criatividade estes testes medem.

Luna 25’s Demise: Raising Fundamental Questions About Russia’s Space Program: Um país em guerra agressiva, sob sanções, a regredir claramente na ciência e tecnologia, é o que vê nesta tentativa gorada de alunar uma sonda.

The Right to Not Have Your Mind Read: Isto soa um pouco a ficção científica, mas começa a tornar-se tecnologia real. A combinação de imagiologia cerebral e inteligência artificial começa a mostrar que se torna possível ler o pensamento. Claro, usar MRI e treinar algoritmos nos dados não é um processo simples, mas a tecnologia tem evoluído, e não se torna difícil perceber implicações sociais e éticas muito negativas na aplicação desta tecnologia.

Is Interest In AI Waning?: Os dados mostram que o número de utilizadores do ChatGPT, Bard e Bing tem vindo a diminuir. É prematuro ver aqui uma queda de interesse na IA generativa, o mais natural é que muitos quiseram experimentar, mas o deslumbre desvaneceu-se para aqueles que não passaram da fase de experiência inicial. Isto é normal nas tecnologias, a curva hype cycle da Gartner mostra isso, deslumbre inicial, queda no interesse, e estabilização a longo prazo enquanto a tecnologia é incorporada no nosso dia a dia. Há outra teoria sobre esta quebra no uso, que tem a ver com as férias escolares... vamos ver se em outubro a utilização de LLMs recupera, para perceber até que ponto o cabular é um factor de uso. 

Developers are now using AI for text-to-music apps: Demorou, mas está a chegar, a revolução da IA Generativa tem se feito sentir na imagem, vídeo, texto e 3D. Na música, apesar de algumas experiências, as coisas pareciam estar mais calmas. Isso, vai mudar.

Ruling On AI-Copyright Has Enormous Implications: Calma, que o tema é complexo. Um juiz determinar que uma obra totalmente criada por IA generativa não está sujeita a direitos de autor, não significa que obras criadas recorrendo a IA Generativa também o estejam. Depende do grau de envolvimento humano no processo de criação. Simplificando: se é carregar num botão e gerar bonecada, não merecer qualificação para direitos de autor. Se há trabalho de afinação de prompts, seleção de outputs para afinação, edição posterior, aí sim, o envolvimento de um criador humano justifica os direitos de autor.

How culture drives foul play on the internet, and how new “upcode” can protect us: É de recordar que o mau ambiente digital, do cibercrime ao trolling, não é nada de fundamentalmente novo, é apenas mais um meio em que o lado negro da alma humana se manifesta. 

Is Generative AI The Most-Wanted Cyberbully?: Ah, porreiro, automatizar o bullying. Bela ideia.

Crypto botnet on X is powered by ChatGPT: Faz sentido. O LLM gera tweets automáticos, para alimentar centenas de contas zombie. 

How AI Can Help Make Books: Se estão a pensar em ferramentas para escrever livros, desenganem-se. O artigo mostra como a IA Generativa se torna uma ferramenta útil para gestão dos processos editoriais.

Modernidade

Hawkwind - Warriors On The Edge Of Time (1975): Épicos psicadélicos.

Blue-Chip Artworks Seized From Top Portuguese Collector Will Be Featured in New Art Museum in Lisbon: Fico com a sensação que o CCB vai ficar conhecido como o museu dos caloteiros. Mantém a coleção Berardo, agora em bolandas legais graças aos processos que recaem sobre o empresário com dívidas, e vai receber a coleção Eclipse. Esta foi criada por outro dos nossos génios da finança, que teve um fim apropriado à sua honestidade: João Rendeiro. 

Si compartes el plato, dos euros de tarifa extra: Italia marca el camino en medidas anti-turismo: Não sei se qualificaria ações de escroque como esta de medida anti-turismo, é mais um aproveitamento desonesto sobre turistas. Dica óbvia:  ler sempre o menu, se o local não tiver os preços visíveis, é de evitar.

200 Ships Are Stuck in the Panama Canal: O tráfego marítimo está condicionado numa das artérias do comércio global, graças a uma seca que diminuiu o nível das águas. São as consequências do aquecimento global a fazer-se sentir.

Remains of Teenage Girl May Push Back Funerary Traditions in Neolithic Iberia by a Millennium: O passado longínquo, sempre surpreendente.

Estados Unidos da un paso más en la militarización del espacio: su 75º escuadrón es una declaración de intenciones: Bem, ainda não é uma força de ataque espacial, mas é uma unidade dedicada à anulação de meios informacionais espaciais.

Wish you weren’t here! How tourists are ruining the world’s greatest destinations: Não sei se serão os turistas, mas sim a ganância dos que vivem do turismo e adotam práticas que conduzem à sobre exploração. É fácil apontar o dedo aos turistas mal educados (que os há, desde os bandos de ingleses à procura de bebedeiras aos turistas individuais que pensam que por não estarem na sua terra, podem fazer o que lhes apetece), mas há quem lucre com isto. E a perda, é de todos. Quem viaja, sabe cada vez mais que o destino que procura está desfigurado pelo aproveitamento comercial, com a vitalidade dos centros urbanos a ser substituída por lojas de tralha e restaurantes de má comida. Quem vive nos locais pitorescos, tem de levar com o encarecimento do nível de vida e a hordes de viandantes, quer turistas, quer nómadas digitais. A massificação do turismo, se por um lado tem o aspeto positivo da democratização do viajar, faz-se pelo mínimo denominador comum, na corrida ao lucro mais fácil. E, com isso, destrói aquilo que necessita.

Unir España y Portugal ha sido un viejo sueño durante siglos. Uno que apoyan ya el 70% de los españoles: Ah, os velhos fantasmas. Mas a ideia é sedutora, em termos económicos, uma união ibérica seria a terceira economia da zona euro. Na verdade, uma união política está fora de questão, mas a tendência de estreitar laços através de acordos regionais nas áreas da economia, saúde e segurança já está a acontecer. Não precisamos de jurar fidelidade lusa a el rey, para explorar as relações regionais na península. Só gostava de saber onde foram desencantar o líder do movimento iberista português, nunca se ouviu falar do homem. 

Artists Sound the Alarm on Censorship in Spain: Já não é a primeira vez que leio sobre políticas restritivas em Espanha. Desta vez, centra-se nas ações a nível municipal, em municípios onde a extrema direita ganhou representatividade concelhia, e começa a proibir espetáculos e exposições que lhe desagradam.

Eleven theses on globalization: O bom, e o mau, da globalização, em onze pontos concisos.

O que há por baixo dos chafarizes de Lisboa? Uma viagem pelas águas que tiraram a sede à cidade: Uma visita às antigas estruturas que canalizavam a água pelos chafarizes de Lisboa.

Newly Discovered Servant’s Quarters Near Pompeii Reveal Little-Known Details About the Lives of the Ancient Roman Underclass: Sabemos bem como viviam as classes altas romanas. Sobre os seus escravos, sabemos menos, mas estes achados no enorme manancial pompeiano dão-nos mais pistas para compreender a vida nos tempos de Roma.

'Near Collisions' of Commercial Jets Happen All the Time, Horrifying FAA Records Show: Isto não é uma leitura aconselhada para ser fazer antes de um voo. E a razão pela qual há tantos quasi-acidentes, é laboral - faltam controladores aéreos, despedidos durante a contração pandémica e nunca mais recuperados. Será que a situação europeia é similar?

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Infinity Gate


M.R. Carey (2023). Infinity Gate. Londres: Orbit.

Uma das razões pelas quais detesto trilogias é que se o primeiro livro é bom, teremos de aguardar bastante tempo para ficar a conhecer a continuação da história. E este, parece-me ser um desses casos. Infinity Gate é uma daquelas leituras que nos agarra, damos por nós a passar a página de forma compulsiva, mesmo que estejamos numa fase menos interessante da narrativa.

A história inicia-se num mundo em colapso ambiental, onde todos os limites foram ultrapassados e se sucedem os colapsos políticos, económicos e sociais. Num instituto de pesquisa em Lagos (Nigéria, não Algarve, desculpem, não resisti à piada), que tem o condão de ter sido bem financiado e por isso está bem provido, resiste uma cientista, isolada face à cidade em colapso e ao abandono dos colegas. Sabe que está no limiar de uma descoberta, potencialmente relacionada com energia limpa. E consegue ser bem sucedida, se bem que os resultados são anómalos. Recruta a única ajuda que lhe é possível num centro abandonado, uma inteligência artificial quase consciente, para perceber a amplitude da sua descoberta: não energia limpa e abundante, mas um meio de viajar entre universos paralelos. Enquanto a Terra onde a cientista vive está em colapso irremediável, abrem-se as portas de outras Terras, de uma infinitude de universos paralelos.

A descoberta desta possibilidade não passa despercebida. Não na Terra condenada, mas noutras Terras, parte das infinitas permutações, integradas  numa entidade política que se intitula Pandomínio (anda perto de pandemónio, e a sua decadência nisso é parte da história). Uma espécie de organização burocrática multiversal, que controla os acessos entre planetas paralelos, para garantir um tráfego contínuo e sem sobressaltos. Uma organização assente numa quase-IA que gere o sistema, e contando com um poderoso braço armado para se defender de quaiser intromissões.

Os universos do Pandomínio não são benévelos. A sua prosperidade baseia-se na extração de recursos das Terras paralelas. Afinal, para quê preocuparmo-nos com sustentabilidade se no universo ao lado há uma cópia de todos os recursos terrestres, e na maioria dos casos em Terras paralelas inabitadas? A lógica demente das economias de extração, de esgotamento de recursos, é algo pervasivo neste romance,  ao nível macro e micro. Todo o panorama geral parte dessa ideia (que é, também, a ironia da cientista, ao perceber que o acesso a novos recursos chegou tardiamente para salvar a sua Terra). O início do romance parece levar-nos pelos caminhos do Cli-Fi, antes de avançar pelos universos paralelos. Nas histórias individuais dos diferentes personagens, também assistimos à implacabilidade da exploração, de quasi-escravaturas, de regimes que tratam os indivíduos como elementos descartáveis.

Enquanto a cientista terrestre começa a explorar os mundos paralelos, escolhendo como base uma Terra muito similar à sua de origem, o Pandomínio enfrenta a sua maior ameaça - o choque frontal com uma inteligência de máquinas, que coloninzou outros universos paralelos. A aniquilação mútua é inevitável. Duas hegemonias que prosperam extraindo recursos chocam, mesmo num panorama em que as alternativas são infinitas. Duas civilizações incapazes de dialogar, as máquinas inteligentes não conseguem conceber o conceito de vida biológica inteligente, e os burocratas do pandomínio apenas sabem reagir ao desconhecido com aplicação de força militar. Estes universos estão em risco, ambos os lados estão a desenvolver armas capazes de levar o outro lado à extinção. Claro, extinção num cenário de infinitas Terras alternativas parece pouco mais do que um grão num imenso areal, mas para quem vive nos mundos sob ameaça, essa perspetiva não anima. Se nós estamos sob uma espada de dâmocles, não é consolador saber que no universo ao lado essa espada não pende. 

A chave para a resolução de todos os conflitos é-nos logo apresentada nas primeiras páginas do romance. Há um narrador omnisciente que nos recorda que os eventos da narrativa estão no seu passado, que ele é a solução que permitiu um futuro de coexistência e não aniquilação. Intuímos que envolve Inteligência Artificial, mas os detalhes disso ficarão para outro livro.

As pedras na imensa engrenagem multiversal iniciam-se com a cientista de uma Terra isolada que descobre o meio de viajar entre Terras paralelas, e a sua companheira artificial, que se mantém na Terra de origem, mas livre de constrangimentos ao seu desenvolvimento. Irão envolver o amante da cientista, um jovem de uma outra terra paralela, cuja infância foi passada às mãos de esclavagistas, e que se tornará um soldado ao serviço das forças militares do Pandomínio. Isto por causa dos descuidos de um burocrata que até faz bem o seu trabalho, mas caiu na mira de um superior vingativo devido a um descuido. Encarregue de monitorizar e eliminar a anomalia que representa o surgir de passagens entre universos não reguladas pelo sistema central, pega num comando de dois soldados que, de gatilho leve, provocam a morte física à cientista, mas não rastreiam o seu ponto de origem. A soldado mais experiente desse comando decide não assassinar o jovem que se encontrava com a cientista, alistando-o como soldado. Já a cientisa morre, mas consegue, moribunda, regressar ao seu laboratório e fazer uma cópia digital da sua consciência. Em dois universos paralelos, a cópia digital da cientista e a inteligência artificial irão unir esforços para compreender as forças que modelam o multiverso, e tentar travar o aparente destino funesto. E, para isso, contam com duas criaturas muito improváveis. Uma adolescente de uma Terra onde os lagomorfos se tornaram a vida inteligente (pensem coelhos humanóides), sobrevivente de um atentado, que incorpora dentro de si tecnologias que a tornam proscrita no seu mundo de origem, tomado por um fervor anti-máquinas após a guerra entre as duas hegemonias. Ao seu lado, o resultado de uma experiência da mega-inteligência mecanicista que está a enfrentar o Pandomínio - um simulacro de vida inteligente, criada para se infiltrar nos mundos habitados e recolher dados incorporando múltiplas extensões da inteligência das máquinas, mas este simulacro desevolve algo de radicalmente novo, um sentido de individualidade.

Infinity Gate é um livro pensado para apelar a dois tipos de fãs de ficção científica. Os que gostam de ficção de ideias deleitam-se com a lógica das Terras paralelas, as suas diferentes variantes, a mecânica das principais hegemonias, as possibilidades dos vários tipos de inteligência artificial, as metáforas pouco veladas sobre o colapso ambiental trazido pelas alterações climáticas e os efeitos de economias de extração. Os que preferem histórias de aventura e ação não saem defraudados, boa parte do livro (por vezes demais, penso eu que prefiro as ideias) é ação pura, por vezes empolgante, por vezes amarga. O livro pega no tipo de estrutura narrativa que geralmente associamos à Space Opera, as vastas paisagens, os conflitos entre blocos gargantuescos, as desventuras de personagens que apesar de serem o foco da história, são minúsculas face ao vasto panorama, e aplica-o ao conceito de universos paralelos. O resultado é interessante, e resta esperar pelos próximos livros para ver que caminhos irá percorrer.

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Figuras do Mito


Maria Mafalda Viana (2022). Figuras do Mito. Lisboa: Tinta da China.

É impossivel escapar à sedução da antiguidade clássica. Tanto da sua herança tornou-se parte de nós, mesmo que já não recordemos a origem de algumas das nossas estruturas culturais. Olhar para os mitos não é um desporto de elitismo académico, mas refletir como as histórias, ideias e modos de ser de um povo há muito desaparecido são parte do nosso tempo. 

O elemento mais cativante dos mitos gregos é o seu profundo humanismo. Mantemo-los na nossa memória através de textos que sobreviveram às vicissitudes do tempo, fragmentos de um todo maior que está parcialmente perdido. Mas o que sobrevive, é suficiente para nos dotar de ideias, apaixonar, perceber as ligações culturais que se enraizaram ao longo dos séculos na cultura europeia ocidental. É interessante notar que a mitolologia grega chegou-nos mais por poemas, teatro e histórias onde o homem confronta os seus deuses, do que por uma teologia distante que explora os atribuitos das divindades.

Este livro leva-nos a refletir isso, analisando três dos grandes personagens dos mitos gregos. Personagens não divinos, mas cujos destinos estão entrelaçados com as ações dos deuses, os seus destinos, e também a sua liberdade, que implica consequências. Olhamos para Ariadne, a trágica mulher do fio, que deu a Teseu o meio para sobreviver ao labirinto cretense, e foi recompensada com o abandono pelo homem que amou, e pelo qual traiu a sua pátria. Ariande é o sinal do berço das histórias gregas, que se fazem em amalgama das tradições das diferentes cidades, mas cujo ponto de partida é traçado à civilização minóica que se ergueu em Creta.

Ulisses é a segunda figura analisada nestes ensaios. A história do viajante que não desiste do regresso a casa, da sua fiel esposa, das vicissitudes que tem de enfrentar por estar sujeito aos caprichos e castigos dos deuses, a tenacidade de quem coloca o seu desejo acima das tentações momentâneas, o quasi-eterno périplo pelas terras misteriosas de um mediterrâneo de fábula, a sua imbativel argúcia. O livro termina com Édipo, a metáfora da fatalidade do destino, daquele que procura fugir ao futuro que lhe vaticinaram mas, ao fazê-lo, acaba por cumprir as profecias funestas. Uma história sobre inelutabilidade, a incapacidade de escapar aos nossos papeis. 

É uma curiosa escolha de figuras em analise: a mulher potenciadora mas vitimizada, o herói inabalável nas suas convicções, o anti-herói vítima de um destino que lhe foi imposto. Três historias clássicas, essencialmente focadas no humano. Os deuses estão lá, mas mais como pano de fundo. São nucleares aos mitos, mas o que o torna estas histórias tão ricas, e tão pertinentes milénios após as tradições onde foram forjadas desaparecerem, é o seu foco nos humanos, nos seus sentimentos, vontades, forças e tragédias.

O livro termina com um apontamento sobre ninfas e adamastores, um delicado voo erudito sobre outras figuras míticas que se relacionam com a nossa tradição portuguesa através do poema de Camões. Uma obra erudita, que cruza os mitos com os seus reflexos literários ao longo dos séculos, mostrando como a base da cultura europeia (é dela que falamos, sem tentações globalizadoras) está enraizada nas terras gregas.

domingo, 10 de setembro de 2023

URL

Esta semana, destacamos histórias bizarras da II Guerra, criaturas lendárias e o regresso ao Espaço: 1999. Olha-se para as limpezas digitais, cibernética aplicada à economia e o modo de voo nos telemóveis. Reflete-se sobre arte desafiante, sobreviver ao Afeganistão e o impacto do aquecimento global no sriracha.

Ficção Científica e Cultura Pop


“Over a cyclone,” by Andrei Sokolov
: Soyuz e Salyut.

Ku-Go: The World War II Death Ray: Um dos elementos fantásticos da história da II Guerra é a quantidade de pequenas histórias ainda a descobrir. Como esta, da tentativa japonesa de desenvolver armas de raios.

The Gallup Goatman: Um olhar para o curioso mundo dos criptidos, esse cruzamento entre lenda urbana e alucinações, que coloca avistamentos fugazes de criaturas inverosímeis no centro das atenções. 

The Best Noir Crime Thrillers, recommended by Cory Doctorow: São excelentes sugestões, e todas com um ponto comum - não são policiais puros, são livros de ficção científica, fantástico ou fantasia que se apropriam do noir com imenso estilo.

4971) O começo Mike Tyson: As técnicas que permitem a um bom contador de histórias agarrar os leitores. 

HOW A FICTIONAL HISTORY CONNECTS LITERARY LEGENDS: Um olhar sobre uma das mais bizarras criações de P.J. Farmer, um universo partilhado que interliga uma imensidão de personagens clássicas das ficções fantásticas, de aventura e policial. Um local onde Doc Savage convive com Dr. Pretorius (ide ver The Bride of Frankenstein para perceber esta), Sherlock Holmes ou Tarzan.

De Regresso a Alpha: Space 1999 está a ser transmitido num canal de cabo, e eu, como sempre, não apanho nenhum episódio (tenho uns dvds da primeira temporada, se quiser rever, não sei é onde é que meti o leitor de DVD). A Leonor está mais atenta, e disseca a fundo este regresso a uma série clássica que ainda hoje se aguenta, mais pelos excelentes efeitos especiais e (nunca tinha pensado nesta) métodos de filmagem. 

When Mainstream America Discovered Science Fiction: Como explicar essa coisa da FC aos públicos mainstream? É divertido ler as tentativas. 

Cyrano de Bergerac: Grandfather of Voyages Extraordinaires: A viagem à lua de Bergerac, apesar de crítica social humorista do iluminismo, é considerada uma das obras da lista de proto-ficção científica.

The Purplest of Prose: The 2023 Bulwer-Lytton Fiction Contest Winners: Daquela literatura que é tão má, que se torna divertida. Recorda a Thog's masterclass, onde David Langford recolhia os mais absurdos exemplos de má escrita, mas com uma certa ironia divertida. 

Coraline Just Made a Box Office Killing, 14 Years Later: É um filme que não merece ser esquecido, entre o argumento de Gaiman e a estética de McKeen.

Tecnologia


1977 Angus McKie cover art for “Perry Rhodan 31"
: Das ficções germânicas.

Seagram Promised Whiskey Drinkers Their Personal Helicopter Was Coming Soon in 1943: Façam um rápido exercício de visualização, imaginem homens a pegar nos seus helicópteros para regressar a casa depois do trabalho, mas já com uns whiskys no bucho. Soa assustador, não soa?

Idiot Students Are Submitting Answers Saying "I Am an AI Language Model": Quando me dizem que o ChatGPT vai destruir a educação, porque os alunos vão passar a usá-lo para fazer trabalhos (se forem inteligentes, é óbvio que o farão), penso logo em duas coisas. Primeiro, se as tarefas propostas aos alunos são rotineiras, chapa 5, básicas, bem, idiota será o aluno que não automatizar o despachar das estuchas educativas. Segundo, reparem, o ChatGPT não inventou a cábula, a baldice e a fraude académica. Desde quehá escola que há maneiras de dar a volta às tarefas escolares sem esforço. Nestas coisas, quem não pensar vai ser apanhado, e quem pensar, percebe que o output de um LLM pode ser uma base para o seu trabalho ir mais longe. 

In The Age Of Culling: O arquivismo digital é uma forma de preservar a cultura e tornar acessível o passado. Fazer limpezas a sites, no espírito de os tornar mais leves e apagar conteúdo antigo, é péssimo para a preservação da cultura digital. 

Key to Europe's Space Ambitions, Ariane 6 Rocket Delayed to 2024: Surpreendente?  Nem por isso, o desenvolvimento de foguetões não é fácil, e a ESA não é conhecida pelo seu dinâmico ritmo de desenvolvimento. Faz mesmo falta uma indústria privada europeia de astronautica, no mínimo obrigaria a ESA e a Ariane Espace a serem mais dinâmicas. 

Imagine for a moment that you’re an AI: uma intrigante experiência especulativa, que nos desafiar a imaginar como seria uma inteligência artificial consciente. 

AI language models are rife with different political biases: Outro problema trazido pelos LLMs - viés ideológico intrínseco, advindo dos modelos de treino. É curioso ver que o ChatGPT tende para a esquerda e o Llama vai para a direita. Mas o problema aqui é que esperamos destes modelos neutralidade. Note-se que estes enviesamentos não são intencionais, não foram embutidos de propósito nos sistemas. Mas, poderiam sê-lo, e isso abre toda uma nova problemática. 

Alemania se las prometía muy felices con su primer tren de hidrógeno. Se ha topado con la cruda realidad: Faz mais sentido em termos económicos eletrificar do que hidrogeneizar. 

What happens if you don’t put your phone in airplane mode?: Confesso, fiquei surpreendido ao perceber para que realmente serve o modo de avião. Não por causa de interferências com os sistemas da aeronave, mas para evitar interferências com a rede celular. Desconhecia que em voo, um telemóvel aumenta de forma considerável a potência do seu sinal em busca infrutífera de torres, o que causa vários tipos de interferências na saturada parcela do espectro electromagnético que sustenta as nossas comunicações. 

AI isn’t great at decoding human emotions. So why are regulators targeting the tech?: Precisamente pelos erros, e pelos potenciais usos repressivos. Mas é interessante notar que a UE, que procura proibir o uso de reconhecimento facial e tecnologias similares, apoia projectos nesta área, para controle de fronteiras. O que se aplica a cidadãos europeus não se aplicará aos outros.

“O que se perdeu com o Cybersyn?”: o projecto que podia ter mudado o mundo como hoje o conhecemos: No Chile de Allende, estruturava-se um projeto informacional que procurava integrar a economia segundo os princípios da cibernética. 

What happens when AI reads a book: Um excelente exemplo de como usar os LLM como ferramenta de auxílio à análise. 

Iowa School District Used ChatGPT To Decide Which Books To Ban: E, no extremo oposto face ao artigo anterior, um dos mais idiotas exemplos de mau uso de LLMs. Sempre permitiu aos censores um daqueles textos bonitos em que se mostram comprometidos com o avanço do conhecimento através da tecnologia. 

Windows feature that resets system clocks based on random data is wreaking havoc: Ah, esta é uma das pragas do  meu dia a dia (felizmente, não nos servidores), a data desacertar-se é um erro comum nos computadores da minha escola. Pensava que era uma questão de pilhas da placa mãe,  afinal, é bug Windows. 

Modernidade

Syd Mead ‘Blade Runner’ concept art: Clássicos.

Virtual Restitution: Activist Group Takes Scans Of Rosetta Stone And Benin Bronzes And Makes Digital Replicas For Egyptians And Nigerians: Pode ser culturalmente indelicado dizer isto, mas sou daqueles que pensa que estes artefactos fundamentais para a história da humanidade estão mais bem preservados no Louvre ou no British Museum do que no Cairo ou em Lagos, suspeito que se fossem devolvidos aos países de origem a sua preservação ficaria em causa (e reparem que não foram levados para a Europa à força de armas, na verdade eram considerados pedregulhos negligenciados, sem valor, pelas autoridades locais, e dada a volatilidade daquelas regiões, nada garante a sua preservação futura, recordem-se do que aconteceu aos budas de Bamyan (abatidos a tiro de canhão num esforço de pureza islâmica taliban) ou aos vestígios arqueológicos romanos na Síria (misto de destruição e venda no mercado negro da arte para financiar o terrorismo). Mas iniciativas destas, que usam a digitalização 3D para tornar mais acessível o património cultural global, são sempre excelentes ideias. 

O modelo alemão para o capitalismo europeu está esgotado: sendo mais específico, a receita neoliberal com que a UE baseia as suas políticas económicas está a ser arrasador para os cidadãos que diz querer defender, e a cavar o fosso de uma desunião europeia. 

El río subterráneo navegable más largo de Europa está en España. Y es alucinante: Do fascínio pelos espaços subterrâneos.

4972) A não-música de John Cage: A arte que desafia é sempre desconsiderada, a maioria dos públicos aprecia variações sobre o que já conhece.

Afghanistan Changed Me: As experiências de um jornalista, que ao reportar no terreno afegão viveu situações aterradoras.

Un día de planespotting en el aeropuerto de Funchal en Madeira: Visitar o aeroporto para fotografar aviões, é um gosto que compreendo.

The Sriracha Shortage Is a Very Bad Sign: Ficar sem este néctar dos deuses é uma enorme catástrofe. Piadas à parte, esta história mostra-nos como o aquecimento global já está a fazer mosssa nos sistemas agrícolas de que dependemos para a alimentação global. 

Onde não há árvores também pode haver sombra? Como Lisboa e Barcelona estão a arrefecer a cidade: Soluções para um urbanismo mais sustentável na era do aquecimento global. 

sábado, 9 de setembro de 2023

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

The Ladybird Book of British Wild Animals


George Cansdale, Roland Green (1958). The Ladybird Book of British Wild Animals. Loughborough: Wills & Hepworth.

Mais um daqueles deliciosos achados do acaso, não em alfarrabista, mas numa daquelas feiras do livro que  misturam novidades com fundos esquecidos. O livro é infantil, pensado para desafiar à leitura com um texto acessível, mas não simplista, faz parte da série britânica Ladybird de literatura para crianças. O que me levou a trazer o livro foram as suas ilustrações. Não sendo geniais ou inovadoras, são deliciosos exemplos do estilo clássico de ilustração naturalista para livros. Os animais são representados de forma realista, mas nota-se um olhar romântico no enquadramento e caracterização das criaturas. É-me impossível resistir a estes estilismos, são encantadores e marca de uma época que já se desvaneceu.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

National Archeological Musuem


Maria Georgarakus (2023). National Archeological Musuem. Atenas: Ministério da Cultura e Desporto.

O catálogo do Museu Nacional de Arqueologia grego é talvez das melhores recordações que se pode de lá trazer, abaixo, claro, da memória de contemplar o seu vasto acervo, a beleza das suas coleções. Pessoalmente, fiquei encantado com os vestígios minóicos de Akrotiri, a micénica máscara de Agamemnon, e, claro, com a estatuária clássica, helenística e romana. Pegar neste catálogo é um regresso, revendo algumas das peças mais icónicas da coleção, bem como ficando a conhecer um pouco mais sobre a sua origem. Algo que se faz melhor com calma, no sossego do lar, lendo os textos descritivos. Porque ao visitar o museu, a sensação é avassaladora, são muitas peças, muito para contemplar e descobrir.