quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Quem é esta pessoa?


A fazer upload de ilustrações da Creepy e no final do processo levo com isto. É o problema dos automatismos. Os algoritmos de reconhecimento facial automático parece quase miraculosos, mas facilmente se transformam num empecilho. Dilemas da hipermodernidade.

Teatro Rápido - Fevereiro Por Amor

Condizente com o dia de S. Valentim, o tema das peças deste mês foi Por Amor. Para um anti-romântico assumido da minha laia, que olha para o funesto catorze de fevereiro como um resquício de velhos tempos em que lobisomens cheios de tesão andavam à solta para violar qualquer virgenzinha que apanhassem à frente e não como o festival de lamechices cor de rosa que é, um tema destes causa algum receio. Mas é o Teatro Rápido, pensei. É sempre interessante e inovador, com volteios inesperados aos temas propostos. E é também um prazer lá ir, ver as peças e beber uma bebida no bar acolhedor do teatro (com wifi gratuito, o que só acrescenta aos encantos para um agarrado ao tablet como eu).

Quatro salas, quatro peças, quatros bombas psicológicas a encantar, desconcertar e surpreender o espectador. Na sala 1, Onde é que Julgas que Vais, momento fortíssimo com uma fantástica Fernanda Neves a encarnar o papel de prostituta que sabe que é ao mesmo tempo mulher e objecto, momentaneamente enfraquecida pelo carinho de um cliente. Este, interpretado solidamente por João Passos, oculta a sua fragilidade debaixo de uma camada de masculinismo. A solidão e os pequenos gestos que a quebram mesmo nas condições mais inesperadas estão em destaque num ambiente de intimidade soturna.

A sala 2 reserva-nos surpresas desconcertantes com um casal que aparentemente parte da audiência começa a discutir e joga um curioso jogo de equilíbrios de forças em Não Sou Eu, És Tu. Um jovem Hugo Ramos e uma madura Rosa Villa colidem nos altos e baixos de uma relação de desigualdades de vidas, idades e experiências que tem em comum a paixão que os une.

Na sala 3 uma imóvel Cristina Areia, em pose de estátua quebrada por um inquietante sorriso de deleite sensual mergulha-nos num monólogo onde uma mulher de meia idade reflecte sobre a sensualidade e os tabus que enfrenta quem ao reconstruir a vida percebe que pode recomeçar novamente, e pode experimentar, apesar das sensações de experiência trazerem consigo o peso de mágoas ou remorsos. Goodbye é um momento dominado por uma actriz resplandecente.

Quem perdeu alguém, e a quem isso nunca aconteceu, sabe o peso da solidão opressiva, da espera por quem sabemos que não regressa, das memórias desesperantes e o eco do vazio na alma. Lídia Muñoz inquieta os espectadores com uma interpretação fortemente intimista em que a alma abalada da personagem se coloca a nu em Onde é que estavas quando te vi pela última vez. Na sala 4, um sofá, fotos e o olhar intenso da actriz a mergulhar dentro de nós.

Novamente, as peças curtas do Teatro Rápido tocaram a alma, inquietaram o espírito e intrigaram a mente. O formato e o espaço convidam à envolvência e a qualidade teatral revela-se cada vez mais apurada. Para março o tema é Em Nome do Pai e a programação já está disponível na página do Teatro Rápido.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Rocha Conde de Óbidos





Dos meus recantos favoritos de Lisboa. Um bom local para dizer bom dia à minha aldeia.

Creepy (II)

George Evans

Angelo Torres

Gene Colan

Gray Morrow

Gray Morrow

Gray Morrow

Jay Teecee

Reed Crandall

Steve Ditko

Steve Ditko

Reed Crandall

John Severin

Wally Wood

Mais horror icónico dos artistas da Creepy Magazine. Destaque para a solidez de Reed Crandall, o futurismo de Wally Wood e o psicadelismo de Steve Ditko. Angelo Torres era especialista em cenas medievais evocativas e se os aviões de Gene Evans são tão belos... é bom recordar que ilustrou algumas das melhores histórias de Aces High, comic clássico da EC Comics sobre aventuras de pilotos de combate.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

6666


Havia de lá chegar, eventualmente. Atingiu-se o número de 6666 posts. Ui, que isto foi muito post. O próximo 6 talvez já seja mais difícil de atingir. Para referência, este post descaradamente congratulatório é o #6667. E vai sair antes dos 17 pré-agendados (o meu segredo para manter o blog em movimento nas alturas de sufoco profissional).

O Sangue e o Fogo




António de Macedo (2011). O Sangue e o Fogo. S. Pedro do Estoril: Saída de Emergência.

Indo beber à tradição ocultista e à história de Portugal António de Macedo oferece-nos em jeito de argumento de peças teatrais três sólidas histórias de mistério que fazem sonhar a imaginação. Em O Osso de Mafoma somos mergulhados nos gélidos ermos pedregosos das beiras de um Portugal ainda por nascer para uma história de amor que seitas ocultas, monges fanáticos e relíquias santas não são capazes de travar. A Pomba leva-nos às planícies de um Alentejo acossado pelas lutas da Guerra da Restauração, onde a velha sabedoria feminina embruxa um capitão de tropas portuguesas que vem defender das incursões espanholas uma aldeia raiana que oculta um segredo tenebroso.A Nova Ilusão leva-nos a uma cidade contemporânea, uma Lisboa mal disfarçada, onde as investigações de um professor universitário e os seus amigos descobrem a possibilidade de recuperar registos sonoros a partir de fragmentos de olaria decorada com padrões criados por estiletes, e com isso conseguem ouvir a voz de Jesus, gravada inocentemente por um oleiro que o ouvia enquanto trabalhava. A possibilidade de ouvir as reais palavras da figura basilar da cristandade levanta a ira das forças religiosas e políticas, que se abatem sem dó sobre aqueles que apenas buscam a verdade.

Às vezes soturno, divertido, misterioso, fiel às realidades históricas e com descrições que nos fazem sentir que estamos dentro dos espaços e ambientes de um passado histórico visto à luz de mistérios ocultos ou iniciáticos, este livro dá-nos três contos em jeito de peça teatral que pedem uma adaptação mais visual para cinema ou outro meio. O Sangue e o Fogo é uma obra enérgica de um velho mestre de invejável vitalidade, um livro que se distingue por uma aparente simplicidade que esconde um gosto pelo fantástico, erudição sobre as raízes históricas e tradicionais portuguesas e um profundo saber gnóstico.

Tive o prazer de iniciar a leitura deste livro numa noite gélida de verão na Guarda, onde a inaudita frescura compensava o calor de um dia em que havia visitado Viseu, cidade histórica de laivos medievos que é referida na primeira das peças. Nos dias seguintes as leituras nocturnas era feitas após viagens à descoberta da austera vastidão beirã, com os seus evocativos castelos medievais, aldeias de granito e uma imensa paisagem serrana onde o azul do céu contrasta com os castanhos da vegetação tisnada pelo sol de agosto. Pelo caminho visitei Marialva, aldeia que inspira o intrigante filme A Maldição de Marialva de Macedo, e Almeida, fortaleza que evocou as zonas raianas da guerra em que Portugal combateu pelo restauro da sua independência. As desventuras da busca da verdade nas palavras cristãs foram lidas no meio da Serra da Estrela, num quente fim de tarde à beira de um riacho que se vai tornar o rio Zêzere. Este duplo mergulho na portugalidade, pela deambulação geográfica e pelas palavras sábias de Macedo conferiu uma marca especial a esta leitura.

Numa palavra, tratava-se de um autómato.


"Abriu-se uma porta e penetrámos em abóbadas subterrâneas, além das quais se avistava como que um lago de prata e que na realidade era de mercúrio. A princesa bateu as palmas e apareceu uma barca conduzida por um anão jovem. Embarcámos e logo me apercebi de que o anão tinha o rosto de ouro, os olhos de diamantes, a boca de coral: numa palavra, tratava-se de um autómato que, por meio de pequenos remos, cortava o mercúrio com grande perícia. Este estranho barqueiro conduziu-nos até aos pés de um rochedo que se abriu, fazendo-nos entrar num novo subterrâneo, onde mil autómatos nos ofereceram um espectáculo singular. Pavões abriam o leque, exibindo uma cauda esmaltada coberta de pedrarias. Por cima das nossas cabeças, esvoaçavam papagaios com plumagens de esmeraldas. Negros de ébano apresentavam-nos bandejas de ouro, repletas de cerejas de rubis e uvas de safira. Milhares de objectos espantosos enchiam estas abóbadas maravilhosas, de que não avistávamos o fim." (p. 191)

Outra vinheta para a minha colecção de visões imaginárias do virtual e do robótico. Esta vem de  Manuscrito Encontrado em Saragoça, compilação de narrativas fantásticas interligadas que mergulha o leitor em mundos progressivamente fractais de fantasia. Digamos que cada personagem do livro conta o seu conto, do qual fazem parte outros personagens que contam os seus contos nos quais outros personagens contam os seus contos. Escrito entre 1790 e 1810 pelo polaco Jan Potocki, este livro é uma pérola de imaginário fantástico e ocultista, com voos de imaginação que se iniciam nas serranias andaluzas mas depressa nos transportam para narrativas de irrealidade sublime. Neste fragmento, um dos personagens conta a sua aventura no castelo assombrado da princesa de Monte Salerno, bela e rica jovem que criou para si um paraíso terrestre de riquezas e deleites, sendo por isso amaldiçoada a passar a eternidade nos seus paraísos artificiais. Antes de acordar nas ruínas do castelo, rodeado por piedosos frades que vivem nas celas que outrora foram salas de riqueza incomensurável, o narrador é mergulhado na fantasmagoria da maldição da princesa com uma visita ao paraíso artificial.

É uma passagem intrigante de um livro intrigante. Potocki cria aqui a imagem de uma gruta habitada por autómatos luxuriosos, um misto de realidade virtual com robótica. Espelha o costume decorativo barroco de criar ambientes artificiais em grutas onde o marulhar das águas, esculturas decorativas e autómatos simples deleitava os nobre convivas por entre vitualhas luxuriosas. Da época datam as vestimentas elaboradas, a comida confeccionada e apresentada como forma de arquitectura e os autómatos como elementos de deleite. Recordemos que a história dos mecanismos que imitam parcialmente a vida é muito mais antiga do que a nossa moderna tecnologia deixa adivinhar, que Da Vinci imaginou mecanismos para autómatos, que nas cortes de 1700 e 1800 era comum o deleite com objectos animados que escreviam poemas ou imitavam animais, como o pato de Vaucanson ou o os desenhadores de Pierre Jaquet-Droz. Da mesma época data a autómato Olympia, musa do conto Der Sandmann de E.T.A. Hoffman. Esta visão feérica de Potocki é mais um reflexo do sonho sublime de recriar mecanicamente o real. Os mecanismos de relógio do passado deram lugar aos servo-motores e software intricado do presente, mas o sonho é o mesmo.

(Na imagem, autómatos dançarinos de Jacquet-Droz.)
Jan Potocki (2010). Manuscrito Encontrado em Saragoça Volume I.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

anatomia_bent


Creepy (I)


Al Williamson
Al Williamson

Alex Toth

Angelo Torres

Angelo Torres

Angelo Torres

Angelo Torres

Frank Frazetta

Gray Morrow

Joe Orlando

Joe Orlando

Gray Morrow

Creed Randall

Reed Crandall

Da marcante revista Creepy, herdeira do horror clássico da EC Comics, sabemos exactamente o que esperar. Histórias curtas de terror irónicas, por vezes viscerais e por vezes inocentes. Os ícones clássicos - vampiros, múmias, monstros, cemitérios, casas assombradas, lobisomens, bruxas, feiticeiros, mistérios, mulheres fatais e criminosos que expiam os seus crimes. Terror previsível, com um clássico tom gótico muitas vezes imitado mas raramente superado. Os argumentos incisivos de Archie Goodwin, Joe Orlando e Russ Jones, entre outros, faziam uso magistral destes lugares comuns. Mas na banda desenhada uma boa história por si só pouco vale, e o que realmente marca é o estilismo único da revista. Aqui, a Creepy caracteriza-se por um elevadíssimo nível de ilustração. Apesar de constrangidos pelos parâmetros do género, ilustradores como Frank Frazetta, Alex Toth, Al Williamson, Angelo Torres, Gray Morrow ou Reed Crandal deslumbram com desenhos de traços pessoais, elaborados, góticos quanto baste e a tornar-se o marco pelo qual este estilo de comic de horror se mede.

A Conspiração dos Abandonados




António de Macedo (2007). A Conspiração dos Abandonados: Contos Neogóticos. Sintra: Zéfiro.

O abandono é o mote deste livro de contos do escritor e cineasta António de Macedo, atrevido autor de uma vasta e única obra que tem no oculto e sobrenatural a inspiração para deliciosos voos de imaginação. Abandono, mas não no sentido de desprezo ou renúncia. Aqui abandono significa mistério oculto, esquecido pela passagem do tempo, empoeirado pelos lustres, reduzido a ruínas de pedras dispersas, fragmentos de histórias condenadas ao oblívio. Destinos imprevistos aguardam aqueles que incautos ou por determinação se cruzam com estes segredos esquecidos pelo tempo contados em seis sólidos contos que são ao mesmo tempo intrigantes, soturnos, excitantes e escritos numa linguagem clara que sublinha a dramaturgia cinematográfica de Macedo.

O Mosteiro Abandonado: Este primeiro conto de A Conspiração dos Abandonados recordou-me Jan Potocki e o seu Manuscrito Encontrado em Saragoça pelo seu lado de mistério feérico num ambiente peninsular. Durante a guerra da restauração uma tropa castelhana entra pelo Alentejo dentro para saquear aldeias e pilhar gado. Os soldados vão desaparecendo misteriosamente, engolidos um a um por um lodaçal, até que restam o capitão e o capelão, que procuram abrigo num mosteiro arruinado. Sendo acolhidos por uma bela e misteriosa anfitriã, depois de uma lauta refeição são levados a conhecer o mistério da casa, três fontes que podem conceder a juventude, o regresso à vida ou a imortalidade. Só se pode escolher uma, e o capitão escolhe a imortalidade. Após beber das águas, tem um vislumbre de uma outra realidade: emboscados por soldados portugueses junto à fronteira, o capitão e o capelão são as únicas vítimas mortais da escaramuça que coloca em fuga as tropas castelhanas. É um conto que se destaca por um onirismo tenebroso, onde a magia revela facetas obscuras.

A Noiva Abandonada: É curioso o contraste com o conto anterior. Onde O Mosteiro Abandonado era obscuro com a sua ambiência de trevas góticas, esta é uma história luminosa, escrita com uma marcante clareza pictórica. Lê-se como um possível argumento televisivo, aventura fantástica em que três amigos arqueólogos lutam contra o espírito de uma monja amaldiçoada que tenta reencarnar no corpo da noiva de um dos amigos, numa corrida contra o tempo onde a ciência se alia ao ocultismo para derrotar forças malévolas. É curiosa a justaposição entre a banalidade arquitectónica do urbanismo de classe média alta e a riqueza simbólica dos locais arqueológicos imaginados.

A Cadeira Abandonada: Uma fábula negra, ensaio ficcional sobre o poder das ideias num conto irónico onde pôr a cabeça a funcionar leva literalmente à loucura. A aquisição de conhecimento rouba-nos a inocência, como mostra o mito da maçã nas mãos de Eva e aqui a cadeira que provoca ideias na mente de quem nela se senta.

O Códice Abandonado: Novamente, um conto cristalino de fantástico onde um velho professor de línguas com pendor ocultista se vê mergulhado numa corrida para salvar Lisboa de um devastador terramoto. O decifrar de um livro abandonado encontrado por um casal singular, em que ela é uma sílfide humanizada e ele uma reencarnação de um feiticeiro romano apaixonado pela sílfide há  mais de dois mil anos leva à descoberta de um segredo: forças ocultas sob o subsolo lisboeta utilizam o manuscrito secreto para sacrifícios telúricos, que se não forem cumpridos obrigam a violentos tremores de terra. Conhecido o segredo, resta ao singular casal aventurar-se nas arquitecturas fantásticas de uma cidade mítica que surge nalgumas noites de lua cheia num mouchão do Tejo para travar o relógio do tempo. Se o conto é uma aventura no fantástico de pendor ocultista e iniciático, é na descrição da cidade féerica que a luz lunar revela existir nas lezírias que a imaginação de Macedo mais se revela. Cidade de geometrias impossíveis e mecanismos intricados, deixa o leitor a imaginar um híbrido das arquitecturas lovecraftianas com o urbanismo poético de Calvino e o mecanicismo da relojoaria intricada.

O Caixão Abandonado: Conto de horror perfeitamente escrito, directo e tenebroso. Ao acordar, o amargurado jardineiro de um convento descobre um caixão no jardim que mal trata, e acaba por descobrir o real segredo do convento onde afinal as freiras já há muito faleceram e resta ao jardineiro ocupar o lugar que falta no sepulcro. Terror simples, eficaz e muito bem contado, uma brincadeira de mestre com o estilismo do conto clássico de terror com ambientes de mistério e finais surpreendentes.

A Cidade Abandonada: termina muito bem este livro de contos sobrenaturais com esta divertida história que consegue misturar mitologia suméria, a guerra no iraque e os mistérios históricos que alguns interpretam à luz das teorias dos antigos astronautas. Um grupo de arqueólogos portugueses desloca-se a ruínas iraquianas com uma intenção oculta: provar que certos artefactos misteriosos são vestígios de armas criadas por uma ciência antiga e avançada, interpretados pelos antigos sumérios como objectos mágicos. Ao penetrar nas ruínas, são arrastados no tempo para um passado longínquo onde assistem às lutas titânicas de seres de poderes incompreensíveis mas interpretáveis como aplicações de clonagem, armamento avançado e computação pelos olhos dos arquéologos perdidos numa cidade esquecida e num tempo antediluviano.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Violações ocultas


Partilhei no grupo do Learning Creative Learning a que pertenço uma reflexão sobre os temas em discussão. Como o texto tinha saído em português, traduzi (bendito Google Translate, pelo menos para facilitar a tarefa) e colei como mensagem no Google+.  E fui surpreendido por esta pérola de cretinice. Primeiro, fiquei sem perceber precisamente o que é que o meu post violava. Ter seis parágrafos de texto? Ter links (para o 3D Alpha, papers no MIT e artigos no BoingBoing? Segundo: spam? Conteúdo promocional? Repetitivo? Definido por um algoritmo? Terceiro... WTF, Google? Pré-identificação de conteúdo potencialmente malicioso? Do tipo tome lá um par de estalos, sei que não fez nada, ainda, mas poderá fazer? Por outro lado... G+, certo? Quem é que usa essa rede social com números inflados de utilizadores cooptados dos outros serviços Google?

Para vos entediar ainda mais partilho o textinho: As if they read but not write.

Saber ler mas não escrever


Mitch Resnick a falar sobre Scratch, a linguagem de programação criada para crianças e jovens que tem sido um sucesso estrondoso: "Why Programming? It has become commonplace to refer to young people as “digital natives” due to their apparent fluency with digital technologies. Indeed, many young people are very comfortable sending text messages, playing online games, and browsing the Web. But does that really make them fluent with new technologies? Though they interact with digital media all the time, few are able to create their own games, animations, or simulations. It’s as if they can “read” but not “write.”"

A motivação por detrás do 3D Alpha é a mesma. Sabemos que as crianças utilizam instintivamente o computador, mas para quê? Partilhas de estados em redes sociais, visualizar vídeos, ouvir música, jogar? Por muito que nos deslumbre a capacidade de por si sós utilizarem estes serviços muitas vezes opacos aos adultos (apesar dos enormes esforços dos designers para simplificar acessos) esta utilização é apenas um nível de consumo. Complexo, inovador e deslumbrante para gerações anteriores que não tiveram universos de informação na ponta dos dedos, mas apenas consumo.

O passo fundamental é ajudar a criar. Mostrar como apropriar o computador para fazer com ele o que quisermos. Desenhar, recriar, simular, programar, remixar, encontrar caminhos de expressão pessoal lírica ou construindo projectos que poderão passar a fronteira do digital para o real. Essencialmente, fazer ao invés de ver. Criar ao invés de consumir. Agir e não ter uma relação passiva com os media digitais. A grande virtude do computador é o seu carácter aberto, sem fins definidos, que possibilita a todos fazerem dele o que quiserem. Mas se o estímulo social é de consumo é muito fácil ficarmos deslumbrados com as cores brilhantes em movimento da sereia digital e desperdiçar as nossas capacidades individuais de criação.

Não que haja algo de errado em jogar ou simplesmente vegetar ao som de listas de reprodução de vídeo. Mas podemos fazer mais, criar mais, inventar mais. Porque não fazê-lo? A escola, cujo papel na sociedade da informação e conhecimento está sob um questionar permanente, assume importância como forma de assegurar que uma abrangente fatia da população tenha acesso à tecnologia e aprenda a utilizá-la como mais do que media de consumo. A escola, e não só. Instituições, associações livres, comunidades de prática, indivíduos que partilham livremente o seu conhecimento. No mundo hiperconectado a escola é apenas um dos elementos de um vasto conjunto de fontes de conhecimento, e pelo seu papel histórico talvez aquele que esteja melhor preparado para ajudar à construção de conhecimentos relevantes.

O caminho trilhado pelo 3D alpha é o 3D, a simulação, o puzzle de recriar digitalmente com vértices e superfícies as formas complexas da realidade. Há tantos outros caminhos, de robótica à programação passando pelos movimentos dyi como o  Make. Em comum está a ideia de apropriar a tecnologia e aprender fazendo e a rejeição do conceito de computador como objecto de consumo, com conglomerados económicos a ditar o que os utilizadores podem ou não fazer com os seus equipamentos, tendência que se acentua cada vez mais com as app stores e os seus jardins privados, o progressivo nível de opacidade na relação com um digital que é cada vez mais uma gaiola dourada onde interesses económicos ditam o que é permissível e aceitável, como Doctorow observa em The coming war on general computing.

Esta reflexão foi inspirada pelo parágrafo citado, do artigo de Resnick et al Scratch: Programming for all. Fascinante, a intuição mostrada pela comparação é como se soubessem ler mas não escrever.

Linhas hachuradas (I)


Le automobile...


La artillerie...


Les avions...


Le chateau...


La coiffure...


Les mollusques...


Les habitations...

Há um encanto muito especial nestas gravuras que ilustram o dicionário Larousse ilustrado de 1925. Numa época em que a reprodução fotográfica ainda rareava, ficava a cargo do traço do ilustrador a capacidade de mostrar o desconhecido, ilustrar o conhecimento da época e deixar o leitor a sonhar com o exotismo de sítios, gentes, criaturas e tecnologias com que dificilmente se cruzaria no dia a dia. Nos dias de hoje, mergulhados como estamos numa cultura visual hiper-saturada, o traço hachurado destas gravuras continua a ser fonte de fascínio.


Captchas


Le Monde


Planisfério...


África...


América...


Ásia...


Europa...


Oceânia...

O mundo visto em 1925 pelo dicionário ilustrado Larousse. A etnografia ilustrada trai alguns estereótipos étnicos de um mundo colonial a iniciar a sua desagregação.