Um de setembro é já amanhã. Sou afortunado: basta-me telefonar para a minha escola para saber quando é que lá me querem (isto vida de efectivo é outra coisa). Podem é dizer-me "daqui a cinco minutos", o que seria mais chato. Mesmo com a nova autoestrada mafra/malveira a cinquenta cêntimos o minuto, o caminho para a venda prolonga-se. Mas seja! Há que ir trabalhar. Tem mais é que ser. Tem mesmo que ser...? Mamã, já são horas de ir para a escola? Tem mesmo que ser?
Pois tem. Não há escapatória, não há saída. Pelo menos queixo-me de ter um trabalho de que gosto, um mal que afecta pouca gente neste país. Pior do que acordar a um de setembro para fazer algo de que se gosta, é acordar a um de setembro para fazer algo que se odeia.
É dose.
Arbeit macht frei, colocaram os nazis no portão de Auschwitz. Pois liberta, liberta, o trabalho liberta...
quarta-feira, 31 de agosto de 2005
Imagem do dia
Post Scripts
Boing Boing
Guardian | US rescuers in race against time
Guardian | Katrina's wrath
Guardian | Katrina Blogs
A devastação provocada pelo furacão Katrina deixa-nos com imagens verdadeiramente surrealistas de uma Nova Orleães semi submersa. Edifícios rodeados de água, estradas submersas, viadutos de vias rápidas que terminam em águas lamacentas. Devastação numa escala pouco vista, com laivos da imagética de J.G. Ballard em The Drowned World.
Se falamos de morte e destruição, não podemos deixar de olhar para o iraque, esse atoleiro onde o petróleo e os fanáticos muçulmanos se afundam nas areias do deserto. Quinhentos mortos e a subir, após um rumor que causou a debandada geral numa procissão. Eis uma arma que sai barata.
Why the loaded go to Vegas to lose
O dinheiro, quando nasce, não nasce igual para todos. É esta a verdade de um artigo no The Guardian sobre Las Vegas, aquela cidadezinha feérica no meio do deserto que faz o Estoril parecer um lugarejo perdido no meio dos montes onde se joga à batota na tasca da aldeia.
Sim, e amanhã é dia um de setembro. Adeus férias, que tenho de me ir pôr a trabalhar. Ideia pouco agradável, é certo, mas as contas não se pagam sozinhas.
terça-feira, 30 de agosto de 2005
Imagem do dia
Post Script
Editar um blog é mesmo assim. Por vezes os dedos voam sobre o teclado, incapazes de acompanhar o ritmo das ideias que nos passam pela mente; outras vezes o que vai safando é o desenho diário, uma forma de manter um post diário no blog. Eu até tenho uns assuntos importantes para abordar. Ao meu lado o Mr. Vertigo de Paul Auster aguarda as minhas observações antes de ser colocado na estante junto dos outros livros de Auster. Observações, que isto de ser crítico não é para mim. Na minha mente, circulam alguns esboços de observações à peça de teatro a que assisti, acompanhado pelos meus amigos (só mesmo eles para me arrastarem para uma destas), no atravancado auditório da Ericeira. Um Pijama Para Seis. Uma agradável comédia com aquele enredo típico do teatro mais popular que até conseguiu provocar-me umas aproximações de gargalhadas. Acreditem, o que acabei de dizer é um elogio - sou decididamente frio perante as comédias, raros são os gags que me arrancam sorrisos, quanto mais gargalhadas. Excepto aqueles memoráveis filmes como o Delicatessen ou o Monty Python's The Meaning of Life. Já perceberam que eu gosto é de humor negro... as black as death! Haw! Haw! Haw!. Caso não tenham percebido, isto foram gargalhadas.
Se eu não fosse uma encarnação humana do conceito de preguiça, já teria instalado banda larga neste computador, e este blog poderia atingir novos níveis - com alguns posts em jeito de vlog (video blog, para quem não sabe) e outros posts em jeito de mp3 blog (este não preciso de explicar). Até lá, só mesmo texto e imagens, de baixa resolução porque a largura apertada de banda mais não permite.
Se eu não fosse uma encarnação humana do conceito de preguiça, já teria instalado banda larga neste computador, e este blog poderia atingir novos níveis - com alguns posts em jeito de vlog (video blog, para quem não sabe) e outros posts em jeito de mp3 blog (este não preciso de explicar). Até lá, só mesmo texto e imagens, de baixa resolução porque a largura apertada de banda mais não permite.
segunda-feira, 29 de agosto de 2005
Colocações II
Colocações é só clicar, mas boa sorte. Neste momento, dezanove horas e qualquer coisa, os servidores do ministério estão avassalados por torrentes de pedidos. Não tenho informação de sites alternativos. Os sites dos sindicatos também estão em baixo.
No site do SPZN, um mirror com as informações do ministério. As Listas, com o esotérico nome de necessidades residuais.
No Portal dos Professores, mais informações.
No site do SPZN, um mirror com as informações do ministério. As Listas, com o esotérico nome de necessidades residuais.
No Portal dos Professores, mais informações.
Colocado ou não colocado
Colocado ou não colocado, eis a questão que angustia as mentes de tantos dos meus colegas da profissão docente.
Tendo ficado efectivo, foi-me agora negada aquela descarga de adrenalina típica dos momentos que antecedem a descoberta dos resultados do concurso de professores. Velhos tempos, em que eu tremia, madrugada fora, frente ao teclado enquanto a minha lenta mas fiável ligação de banda estreita negociava o descarregar de mais uns cruciais pacotes de bits de informação dos servidores sobrecarregados do ministério da educação. O coração batia descompassado e a cabeça alucinava, correndo milhentos pensamentos que invariávelmente oscilavam entre o estarei desempregado, estarei longe de casa, e que nervos o que é que eu irei encontrar e onde.
Finalmente o monitor renderizava a resposta ao pedido, e eu lá descobria, sentindo um imenso alívio, em que escola ia leccionar.
Agora que estou empregado ad eternum, até cair de morto, essas emoções estão-me negadas. Resta-me ajudar aqueles que conheço que estão na situação em que eu estive; no dia em que perder as memórias e a noção dos tempos menos fáceis será o dia em que a minha contribuição para a sociedade deixará de fazer sentido.
Tendo ficado efectivo, foi-me agora negada aquela descarga de adrenalina típica dos momentos que antecedem a descoberta dos resultados do concurso de professores. Velhos tempos, em que eu tremia, madrugada fora, frente ao teclado enquanto a minha lenta mas fiável ligação de banda estreita negociava o descarregar de mais uns cruciais pacotes de bits de informação dos servidores sobrecarregados do ministério da educação. O coração batia descompassado e a cabeça alucinava, correndo milhentos pensamentos que invariávelmente oscilavam entre o estarei desempregado, estarei longe de casa, e que nervos o que é que eu irei encontrar e onde.
Finalmente o monitor renderizava a resposta ao pedido, e eu lá descobria, sentindo um imenso alívio, em que escola ia leccionar.
Agora que estou empregado ad eternum, até cair de morto, essas emoções estão-me negadas. Resta-me ajudar aqueles que conheço que estão na situação em que eu estive; no dia em que perder as memórias e a noção dos tempos menos fáceis será o dia em que a minha contribuição para a sociedade deixará de fazer sentido.
Cidade Cercada
É daquelas coisas que esperamos ver apenas nos filmes catastrofistas, mas a cidade americana de Nova Orleães está a ser assediada por um furacão. Foi evacuada, pois corre o risco de sofrer inundações sérias, apesar dos diques de protecção anti-marés que a rodeiam.
As próximas horas são cruciais.
BoingBoing | Katrina Approaches New Orleans
Metroblogging | New Orleans
Wikipedia | Hurricane Katrina
As próximas horas são cruciais.
BoingBoing | Katrina Approaches New Orleans
Metroblogging | New Orleans
Wikipedia | Hurricane Katrina
Os concursos
Cliquem em Concursos e, caros colegas ainda nas fases da vida de contratado ou quadro de zona, descubram como é que vai ser o vosso próximo ano lectivo.
Imagem do dia
Uma primeira experiência de cores para o quase peixe que coloquei ontem online.
Dia 29. Sairá hoje pelas horinhas da madrugada? Amanhã pela manhã ou pela tarde? Ou chegará dia um e os professores ainda não saberão em que escola irão leccionar neste próximo ano lectivo?
O que é certo é que as férias estão a acabar-se.
Àgua abaixo
Após a minha nomeação para o importantíssimo cargo de administrador do condomínio, têm sido bastantes os problemas que me têm obrigado a dar voltas à cabeça para os resolver. São os vizinhos que não se estão para dar ao trabalho de pagar as taxas de condomínio, são os esgotos que entopem, são os pagamentos às mulheres da limpeza e ao jardineiro, as milhares de lâmpadas que estouram, as portas da garagem que se avariam, enfim, um ror de chatices.
Se eu soubesse que isto dos condomínios era assim, tinha optado por comprar uma vivenda. Ou então mobilava uma caverna.
A última dose a testar a minha paciência prende-se com uma conta de àgua a rondar os setecentos e cinquenta euros. Quinhentos euros de consumo de àgua, mais as taxas de ambiente. Trezentos metros cúbicos de àgua em dois meses. É obra, tendo em conta que a àgua é gasta num sistema de rega que está reduzido ao mínimo, para poupar àgua, e numa mangueira que serve apenas para lavar o chão da garagem. É impossível que isso gaste trezentos metros cúbicos de àgua, a menos que... haja uma rotura.
Dei um pulinho à Générale des Eaux, em Mafra, a empresa que gere as àguas do município, e expus o caso. Fiquei estupefacto quando me disseram que após terem feito a contagem, ficaram tão surpreendidos com o débito de àgua que voltaram a fazer a contagem, para se certificarem de que estava tudo correcto. Após nova contagem, já contava mais. A senhora que amávelmente me atendeu em mafra também achou que tanto débito de àgua se poderia dever a uma fuga, e atenciosamente me disse que existe um piquete de fugas que me poderia verificar com alguma precisão o local da fuga. Porreiro, pensei, já não preciso de mandar demolir o prédio para acabar com a fuga. Serviço pago pelo cliente, claro. Note-se que apenas localizam, não reparam.
E assim saí da Générale des Eaux a pensar na ganância, burrice ou incompetência da companhia das àguas. Muito antes de mim, já eles sabiam que o meu prédio gastava àgua a mais. Mas não avisaram atempadamente: só dei conta ao abrir por acaso a factura da àgua, que é paga por transferência bancária. E até os compreendo. Enquanto durar a fuga de àgua, a Générale des Eaux só ganha. É ver os euros a entrar... uma lógica perfeitamente compreensível neste ano de seca, em que todos nos esforçamos por combater o desperdício de àgua.
Compreende-se então que uma empresa de distribuição de àgua, que apela à poupança de àgua nestes tempos de seca, não se dê ao trabalho de avisar um cliente que anda a gastar demasiada àgua e que deveria averiguar se a àgua que gasta é por consumo ou por fuga ou rotura nos canos?
Em portugal, claro que sim.
Se eu soubesse que isto dos condomínios era assim, tinha optado por comprar uma vivenda. Ou então mobilava uma caverna.
A última dose a testar a minha paciência prende-se com uma conta de àgua a rondar os setecentos e cinquenta euros. Quinhentos euros de consumo de àgua, mais as taxas de ambiente. Trezentos metros cúbicos de àgua em dois meses. É obra, tendo em conta que a àgua é gasta num sistema de rega que está reduzido ao mínimo, para poupar àgua, e numa mangueira que serve apenas para lavar o chão da garagem. É impossível que isso gaste trezentos metros cúbicos de àgua, a menos que... haja uma rotura.
Dei um pulinho à Générale des Eaux, em Mafra, a empresa que gere as àguas do município, e expus o caso. Fiquei estupefacto quando me disseram que após terem feito a contagem, ficaram tão surpreendidos com o débito de àgua que voltaram a fazer a contagem, para se certificarem de que estava tudo correcto. Após nova contagem, já contava mais. A senhora que amávelmente me atendeu em mafra também achou que tanto débito de àgua se poderia dever a uma fuga, e atenciosamente me disse que existe um piquete de fugas que me poderia verificar com alguma precisão o local da fuga. Porreiro, pensei, já não preciso de mandar demolir o prédio para acabar com a fuga. Serviço pago pelo cliente, claro. Note-se que apenas localizam, não reparam.
E assim saí da Générale des Eaux a pensar na ganância, burrice ou incompetência da companhia das àguas. Muito antes de mim, já eles sabiam que o meu prédio gastava àgua a mais. Mas não avisaram atempadamente: só dei conta ao abrir por acaso a factura da àgua, que é paga por transferência bancária. E até os compreendo. Enquanto durar a fuga de àgua, a Générale des Eaux só ganha. É ver os euros a entrar... uma lógica perfeitamente compreensível neste ano de seca, em que todos nos esforçamos por combater o desperdício de àgua.
Compreende-se então que uma empresa de distribuição de àgua, que apela à poupança de àgua nestes tempos de seca, não se dê ao trabalho de avisar um cliente que anda a gastar demasiada àgua e que deveria averiguar se a àgua que gasta é por consumo ou por fuga ou rotura nos canos?
Em portugal, claro que sim.
domingo, 28 de agosto de 2005
Endreços de IP
Quando digitam intergalacticrobot na barra de endereços do vosso browser, o computador não se apercebe das letras. Para ele, intergalacticrobot equivale a um conjunto de números, impossível de memorizar por mentes meramente humanas. É o endereço de IP (Internet Protocol).
Assim, para descobrirem os endereços de IP, uns links úteis:
American Registry for Internet Numbers
Ripe | Whois search
Divirtam-se. Descubram como verdadeiramente é a internet.
Assim, para descobrirem os endereços de IP, uns links úteis:
American Registry for Internet Numbers
Ripe | Whois search
Divirtam-se. Descubram como verdadeiramente é a internet.
Imagem do dia
O pensamento do dia: aproxima-se setembro, aproximam-se o trabalho e as chatices, aproxima-se o fim do dolce fare niente, aproxima-se o frio e o inverno. Se este pensamento não vos dá vontade de rebentar os miolos com uma arma de elevado calibre, então é porque foram abençoados por não terem miolos com que pensar.
A capacidade de pensar é uma maldição chinesa, ao melhor estilo daquela que reza assim: que vivas tempos interessantes. Ser capaz de pensar leva a ser capaz de se preocupar. E aí está o caldo entornado.
sábado, 27 de agosto de 2005
Imagens do dia
Estou já a imaginar este como um animal multicolorido. O photoshop espera ansiosamente por esta imagem.
Ontem, a brincar no photoshop, experimentei inverter o meu método de trabalho. Aposto sempre nos fortes contrastes do preto/branco, como forma de sugerir formas. Mas, pensei, o que é que aconteceria se eu eliminasse o branco?
Links a explorar:
Optical Illusions and Visual Phenomena Ilusões Ópticas
Outbursts oif Everett True Um comic bizarro dos anos 30
Theory Of Everything Mais um blog. Hoje em dia todos têm um blog...
Barnacle Press
sexta-feira, 26 de agosto de 2005
Imagens do dia
Utilizando o photoshop e uns truquezinhos que eu cá sei, estou a embarcar num projecto que já é uma ambição de longa data: dar cor às minhas imagens a preto e branco. Primeira lição: restringir a paleta de cores. Quanto mais tons à disposição, pior: maior a indecisão sobre que tom precisamente utilizar. Restringi-me a uma paleta de 256 cores.
Estes são os próximos candidatos a pintura digital. Com estas formas reminiscentes de exóticas criaturas marinhas, talvez puxe por esse lado mais bizarro, que me liberta para fazer combinações de cores verdadeiramente berrantes.
Porquê digital, e porque não com umas aguarelas? Não as ponho de parte; antes, o computador é uma extensão do método de trabalho, permitindo-me fazer experiências livremente sem que me veja obrigado a realizar dezenas de estudos em papel.
The Gift
Ao vivo no Casino do Estoril
The Gift | Site Oficial
Ontem à noite, em mais um concerto no casino do Estoril, percebi que os The Gift são uma banda técnicamente perfeita. O som e a postura em palco demonstravam muito cuidado e muito trabalho de aperfeiçoamento sonoro por parte da banda. Apesar de tocadas ao vivo, as músicas da banda soavam de forma quase igual às gravações em disco.
O problema com as bandas técnicamente perfeitas é que perdem aquela vitalidade imperfeita que faz um bom concerto. No campo da música clássica, em que as sonoridades das orquestras estão tão limpas e aperfeiçoadas que se torna difícil distinguir exactamente que orquestra sinfónica está a interpretar uma determinada peça, há vozes que indicam que este aperfeiçoamento afasta os ouvintes da música. A música é uma entidade viva, vibrante, e as imperfeições do momento apenas contribuem para a impetuosidade que caracteriza um bom concerto.
Isto ajuda a perceber porque é que o concerto foi tão morno. Apesar da qualidade do som da banda, o mais excitante no concerto foi a sinfonia de máquinas de jogo e o jogo de imagens das mesinhas de pano verde. Muito perfeitinha a tocar, a banda apenas cativou aqueles que já são fãs dos The Gift. Pessoalmente, espereva algo mais vibrante da parte da banda mais independente e diy do panorama musical português.
(nota: diy são as iniciais de do it yourself, filosofia popularizada pela onda punk dos anos 70.)
The Gift | Site Oficial
Ontem à noite, em mais um concerto no casino do Estoril, percebi que os The Gift são uma banda técnicamente perfeita. O som e a postura em palco demonstravam muito cuidado e muito trabalho de aperfeiçoamento sonoro por parte da banda. Apesar de tocadas ao vivo, as músicas da banda soavam de forma quase igual às gravações em disco.
O problema com as bandas técnicamente perfeitas é que perdem aquela vitalidade imperfeita que faz um bom concerto. No campo da música clássica, em que as sonoridades das orquestras estão tão limpas e aperfeiçoadas que se torna difícil distinguir exactamente que orquestra sinfónica está a interpretar uma determinada peça, há vozes que indicam que este aperfeiçoamento afasta os ouvintes da música. A música é uma entidade viva, vibrante, e as imperfeições do momento apenas contribuem para a impetuosidade que caracteriza um bom concerto.
Isto ajuda a perceber porque é que o concerto foi tão morno. Apesar da qualidade do som da banda, o mais excitante no concerto foi a sinfonia de máquinas de jogo e o jogo de imagens das mesinhas de pano verde. Muito perfeitinha a tocar, a banda apenas cativou aqueles que já são fãs dos The Gift. Pessoalmente, espereva algo mais vibrante da parte da banda mais independente e diy do panorama musical português.
(nota: diy são as iniciais de do it yourself, filosofia popularizada pela onda punk dos anos 70.)
quinta-feira, 25 de agosto de 2005
O Palm na sala de aula
É quase um compêndio de dicas sobre como rentabilizar um pda palm no dia a dia escolar.
Palm Source | Palm Teaching
Palm Source | Palm Teaching
Imagens do dia
Estereofonia
A pensar em City of Glass, ocorreu-me uma ideia semântica estranha: porque é que os estereótipos são estéreótipos? Atribuímos ao estereótipo uma noção de algo superfícial, que se repete sem imaginação nem esforço de pensamento. Mas estereo sugere uma noção de tridimensionalidade, talvez uma ilusão, é certo, mas estereo sugere profundidade. E os estereótipos são sempre unidimensionais, sem profundidade. Será que a repetição dos esterótipos acaba por nos sugerir a profundidade que eles não têm? Sendo assim, compreende-se o estereo em estereótipo.
Foi um pensamento fugaz, que consegui capturar.
Foi um pensamento fugaz, que consegui capturar.
Mitsubishi F-2
Mitsubishi F-2
Mitsubushi F-2
Japanese Air Self Defence Force
Aparentemente, os japoneses não dispõem de uma indústria aeronautica própria. Mas não deixam de ser capazes de desenvolver aviões de combate modernos, sempre que surge a necessidade. O Mitsubishi F-2 é um caça de combate de terceira geração, similar ao F-16. A plataforma do F-16 foi a base de trabalho dos engenheiros da Mitsubishi, com apoio da General Dynamics (construtora do F-16), mas as modificações à plataforma reflectem o desejo japonês de auto-suficiência tecnológica, o que teve como contratempo o transformar do F-2 numa máquina substâncialmente mais cara do que o F-16. No entanto, o governo japonês está decidido a apoiar a manutenção de uma capacidade aeronáutica própria.
O protótipo voou em 1995, e em 2001 os primeiros dezoito modelos de produção entraram ao serviço da Força Aérea Japonesa. Certamente que os céus japoneses só ganharam em beleza ao serem protegidos pelas patrulhas destes belos caças de combate.
Cidade de Vidro
City of Glass de Paul Auster, adaptado por Paul Karasik e David Mazzucchelli, Nova Yorque, Picador, 2004
Salon | Paul Auster
Exterior and Interior Cityscapes in Paul Auster’s Fictions
Paul Auster
Ensaios sobre a obra de Auster
Blog da Utopia | City of Glass
Um solitário escritor de inconsequentes romances policiais recebe uma chamada a meio da noite, a pedir-lhe para investigar um caso policial. Envolvido numa trama de meias palavras e labirintos conceptuais, o escritor acaba por desvanecer-se nas ruas da cidade, deixando um caderninho cheio de notas que nos permite reconstituir a sua queda no esquecimento.
Se olharmos para as profundezas de um texto, descobrimos sempre cadas vez mais níveis de complexidade sempre que mergulhamos mais a fundo nas palavras do texto. As histórias raramente são simples, embora o pareçam. Talvez seja por isto que textos como o corão ou a bíblia têm tanto significado: quanto mais são lidos, a mais interpretações se prestam. Cada leitor lê aquilo que entende ler.
City of Glass é um texto profundamente complexo. Nele, as identidades dos personagens fundem-se e esfumaçam-se, como se de um sonho se tratasse. O protagonista, Daniel Quinn, é um escritor que após a morte da mulher e do filho deixou de escrever textos com siginificado e passou a debitar as aventuras de Max Work, prototípico detective privado dos estereótipos romances policiais. Nunca chegamos a saber como faleceu a mulher e o filho de Quinn; antes ficamos com a certeza de que a morte destes tornou-se o momento em que Quinn esquece a sua humanidade, passando a viver num mundo de sonhos.
A solitária rotina de Quinn é interrompida por um misterioso telefonema. Do lado de lá da linha, uma voz feminina pede a ajuda do detective Paul Auster para um caso de vida ou morte. Quinn vê-se confundido com Auster, e acaba por ceder aos pedidos insistentes de ajuda. Encarnando-se na sua personagem de Max Work, e assumindo a identidade de Auster, Quinn encontra-se com Virgínia Stillman, que lhe pede ajuda para manter sob vigilância o pai de Peter Stillman, seu marido. Stillman havia sido confinado a um quarto pelo seu pai, também Peter Stillman, convencido que ele desaprenderia a linguagem humana e começaria a falar a língua de deus, de acordo com a teologia do século XVI e os textos de Henry Dark, secretário de John Milton e pregador na américa de mil e seiscentos. As acções de Stillman-pai resvalaram num total falhanço, que culminou na desaprendizagem da linguagem por Stillman-filho. Descobertos os maus tratos, Stillman pai é confinado à prisão, e Stillman filho é internado num hospício, onde Virgínia, saída de um casamento falhado, se casa com ele para o retirar do hospício e mostrar-lhe a realidade que durante anos lhe foi escondida.
Quinn começa assim a vigiar Peter Stillman, que após a saída da prisão mantém-se numa rotina de passeios diários por nova yorque, a cidade sempre presente, recolhendo objectos deitados fora. Quinn, num esforço para compreender o porquê de Stillman, o que ele realmente é, começa a registar minuciosamente os percursos de Stillman, e ao traçá-los sobre um mapa apercebe-se que o vaguear de Stillman obedece a uma lógica própria. Os passeios aparentemente sem destino de Stillman formam letras ao serem traçados num mapa.
Quinn acaba por travar conversas com Stillman, onde este lhe revela o seu projecto de invenção de uma nova linguagem. Para Stillman, controlar as palavras equivale a controlar o nosso destino.
Stillman desaparece e Quinn contacta Paul Auster para lhe contar o sucedido e pedir ajuda. Mas Auster não é detective, é escritor, e não percebe o porquê da confusão. Mesmo assim, fica curioso. Perante a família de Auster, Quinn recorda-se da sua, e foge, regressando ao seu labirinto. Tenta contactar Virgínia, mas não consegue. Então instala-se num beco perto da casa de Stillman filho e começa a vigiar ininterruptamente o prédio, até se confundir com as sombras, as paredes e os caixotes de lixo. Entretido com a sua história policial, Quinn transforma-se num vagabundo, mais uma alma esquecida por entre as ruas da cidade.
A história termina com o desaparecimento de Quinn. Paul Auster, ao investigar o apartamento abandonado de Peter Stillman, onde Quinn terá passado os últimos dias de que há conhecimento, descobre o caderninho de anotações de Quinn e tenta reconstituir o seu destino.
Confusos? Esta é uma história de ilusões e confusões. Em City of Glass, os egos confundem-se, as personagens fundem-se em si mesmas. Quinn despe-se da sua personalidade e acaba por cair num mundo irreal de ilusões, que o leva à dissolução. Um pouco como um Dom Quixote dos tempos modernos (e D.Q. são as iniciais de Dom Quixote, esse arcaico caçador de sonhos esfumados). A solidão e o vazio da alma do homem contemporâneo produzem uma eterna perseguição de sonhos ilusórios que se desvanecem, esfumando-se nos precisos momentos em que pensamos agarrá-los.
Parte da Trilogia de Nova Yorque, City of Glass foi "vítima" de uma adaptação para banda desenhada. Adaptar um texto com a complexidade e profundidade de City of Glass não foi tarefa fácil. O desafio partiu de Art Spiegelman, autor de Maus, o comic definitivo sobre o holocausto, e a adaptação recaiu sobre David Mazzucchelli, que em conjunto com Frank Miller revolucionou um personagem esquecido da Marvel, o Demolidor. Mazzucchelli contou com Paul Karasik para o ajudar a superar as dificuldades impostas por um texto como o de City of Glass.
O livro encontra-se perfeitamente espartilhado numa grelha de seis vinhetas por prancha, entrecortadas, quando necessário, por vinhetas maiores. O rigor da disposição das vinhetas ajuda-nos a perceber a inexorabilidade do destino de Quinn, entrecortado com a planta geométrica da cidade de nova yorque, palco privilegiado desta história de dissolução num mundo anónimo de becos e ruas sem destino. As imagens mergulham-nos no mundo do livro, um mundo de ilusões que se esfumaçam.
Subjacente a todo o livro está a cidade que lhe dá título, uma cidade de vidro que espelha o vazio que existe dentro do nosso ser.
quarta-feira, 24 de agosto de 2005
Imagens do dia
Dia 30
Portal dos Professores | Só Dia 30
Público | Listas de colocação de professores publicadas no dia 30
Um bocadinho mais tarde do que se esperava, um dia antes das apresentações nas escolas, é que saem os resultados. O ministério promete que vai sair tudo certinho.
O que é mais triste é que o dolce fare niente das férias está a acabar-se...
Público | Listas de colocação de professores publicadas no dia 30
Um bocadinho mais tarde do que se esperava, um dia antes das apresentações nas escolas, é que saem os resultados. O ministério promete que vai sair tudo certinho.
O que é mais triste é que o dolce fare niente das férias está a acabar-se...
Às centenas
Fumo sobre Portugal: foto da ESA
O contador mal tem um mês e já marca 440 visitas ao blog. Para além dos habituais, a maioria das visitas faz-se via pesquisas no google. Espero que corresponda às expectativas de quem procura informações sobre assuntos que também me interessam. É por isso que junto aos meus comentários deixo sempre uns links com informações mais aprofundadas.
É assim a internet, aluncinante biblioteca de babel do século xxi, um espaço multidimensional muito para além dos sonhos de Borges...
A Wiki Story of Net Art uma colecção de links que ainda tenho que explorar, organizados de forma cronológica, que exploram os vários projectos de net art que andam aí pela net. Sei bem que a maioria das pessoas não consegue considerar arte algo que ultrapasse os pinceis e os cavaletes; já nem falo dos meus amigos (uns casos perdidos). Num destes dias, um dos telejornais terminou com um comentário do jornalista pivot, armado em opinion maker, ao projecto dos robots pintores de Julião Sarmento que rezava mais ou menos assim: "os artistas que não fazem mandam fazer". Foi num noticiário da noite da sic, e o comentário resumiu bem a idiotice do apresentador, Rodrigo Guedes de Carvalho, bem como o baixo nível cultural português (olhemos para o lado positivo: pelo menos fala-se de arte nos telejornais. Já é um passo de gigante). Link sem desvios à conversa via AEIOU Blog
Portugal no mundo:
Guardian | Europe helps Portugal fight wildfires ; BBC | Portugal fires threaten thousands ; BBC | In pictures: Portugal fires rage . Assim se vê que a situação anda mesmo mal, quando a imprensa britânica já discute a lareira portuguesa.
terça-feira, 23 de agosto de 2005
O mundo das marés
Baixa mar
Fotos fresquinhas, tiradas esta manhã, na Praia do Forte (precisamente debaixo do forte da Ericeira), ali ao lado de Mil Regos e antes de Ribeira D'Ilhas.
Cliquem em Vício das Imagens | Maré Baixa para visulalizar os achados de hoje.
Chocolates Quentes
Charlie
Website Oficial de Roald Dahl
Books and Writers | Roadl Dahl
Wikipedia | Roald Dahl
IMDB | Charlie and the Chocolate Factory
A literatura infantil parece dividir-se em dois grandes campos: um lírico e fantasista, vivendo da conjugação entre a ilustração e a beleza do texto, e outro de pretensões mais literárias, com obras mais elaboradas que trazem dentro de si as sementes de um inconformismo irremediável. Olhem com alguma atenção para as prateleiras de literatura infantil de qualquer livraria (coisa rara, eu sei, uma livraria). Lá encontrarão os volumes profusamente ilustrados que pertencem ao primeiro campo, lado a lado com os mais volumosos tomos do segundo campo, representado na sua perfeição pela série Harry Potter ou o muito português Uma Aventura.... Chamo-lhes conformista, porque, enfim, leiam e reflictam um pouco: feiticeiros que se concentram nos seus rendimentos académicos, bons alunos sempre dispostos a combater o mal e sem que sequer lhes passe pela cabeça o mais ténue questionar da sociedade em que vivem, grupos de jovens urbanos pré-adolescentes perfeitamente integrados que vivem as suas pequenas aventuras, ou a variação tolkien do romance juvenil, as infindas histórias de jovens e suas aventuras em reinos fantásticos de fadas e dragões.
Temos isso, e também temos os livros de Roald Dahl. Para perceberem bem como era a prosa de Dahl, leiam atentamente esta citação (que sem dúvida agradará aos docentes entre vós):
"It’s a funny thing about mothers and fathers. Even when their own child is the most disgusting little blister you could ever imagine, they still think he or she is wonderful. Some parents go further.They become so blinded by adoration they manage to convince themselves their child has qualities of genius. Well, there’s nothing very wrong with all this. It’s the way of the world. It’s only when the parents begin telling us about the brilliance of their own revolting offspring, that we start shouting, “Bring us a basin! We’re going to be sick!”
School teachers suffer a good deal from having to listen to this sort of twaddle from proud parents, but they usually get their own back when the time comes to write their end-of-term reports. If I were a teacher, I would cook up some real scorchers for the children of doting parents. “Your son Maximilian,” I would write, “is a total wash-out. I hope you have a family business you can push him into when he leaves school because he sure as heck won’t get a job anywhere else.” Or, if I were feeling lyrical that day, I might write, “It is a curious truth that grasshoppers have their hearing organs in the sides of their abdomen. Your daughter Vanessa, judging by what she’s learnt this term, has no hearing organs at all."
Confessem lá, quantos professores não sonharam já dizer palavras destas aos papás babosos de alguns dos verdadeiros abortos intelectuais que temos como alunos?
Dahl foi uma figura idiossincrática. Inglês de ascendência norueguesa (Dahl não é própriamente o mais british dos nomes), grande fanático de doçes e outras substâncias aditivas profundamente saborosas e açucaradas capazes de cariar o mais resistente dos dentes, escreveu uma vasta obra literária infantil frente à máquina de escrever da sua típica cottage inglesa, lado a lado com uma cada vez maior bola de pratas de chocolate. Sempre que Dahl comia um, lá ia a prata juntar-se às suas antecessoras.
A obra de Dahl destaca-se pela sua inteligência, pelo seu profundo sentido de justiça, e por um surrealismo inerente, que se adapta como uma luva aos modos de pensar e imaginar de qualquer criança (pelo menos, das crianças das prósperas sociedades ocidentais). Charlie and the Chocolate Factory é um dos seus textos mais representativos. No conto, Dahl, um mestre do exagero poético, conta-nos como um menino muito, muito, mas mesmo muito pobre ganha o último de cinco bilhetes dourados para visitar a famosa e misteriosa fábrica de chocolate de Willy Wonka. Charlie é um rapaz sensível e sensato, sonhador e simpático, que vive com os pais e os avós num casebre ao fundo da avenida onde se situa a famosa fábrica de Wonka. Na família de Charlie, a pobreza é tanta que os quatro avós partilham todos a mesma cama, e a refeição habitual consiste numa sopa de couves. Amante de chocolate, Charlie é suficientemente sensato para saber poupar a única barra de chocolte Wonka (claro) que recebe anualmente como prenda de aniversário. Todas as noites, antes de adormeçer, Charlie entrevê as altas chaminés da fábrica e sonha com os deliciosos sabores dos maravilhosos chocolates criados por Wonka.
E que maravilhos sabores Wonka cria: And then again,' Grandpa Joe went on speaking very slowly now so that Charlie wouldn't miss a word, 'Mr Willy Wonka can make marshmallows that taste of violets, and rich caramels that change colour every ten seconds as you suck them, and little feathery sweets that melt away deliciously the moment you put them between your lips. He can make chewing-gum that never loses its taste, and sugar balloons that you can blow up to enormous sizes before you pop them with a pin and gobble them up. And, by a most secret method, he can make lovely blue birds' eggs with black spots on them, and when you put one of these in your mouth, it gradually gets smaller and smaller until suddenly there is nothing left except a tiny little pink sugary baby bird sitting on the tip of your tongue.' Grandpa Joe paused and ran the point of his tongue slowly over his lips. 'It makes my mouth water just thinking about it,' he said.. Maravilhas de açucar e confetti, delícias de genibre, mirtilo e cacau.
O espírito do livro é Willy Wonka, o maior dos chocolateiros, figura excêntrica maior que si própria, proprietário de uma misteriosa fábrica que parece funcionar sózinha. "Mr Wonka was standing all alone just inside the open gates of the factory. And what an extraordinary little man he was! He had a black top hat on his head. He wore a tail coat made of a beautiful plum-coloured velvet. His trousers were bottle green. His gloves were pearly grey. And in one hand he carried a fine gold-topped walking cane. Covering his chin, there was a small, neat, pointed black beard — a goatee. And his eyes — his eyes were most marvellously bright. They seemed to be sparkling and twinkling at you all the time. The whole face, in fact, was alight with fun and laughter. And oh, how clever he looked! How quick and sharp and full of life! He kept making quick jerky little movements with his head, cocking it this way and that, and taking everything in with those bright twinkling eyes. He was like a squirrel in the quickness of his movements, like a quick clever old squirrel from the park. Suddenly, he did a funny little skipping dance in the snow, and he spread his arms wide, and he smiled at the five children who were clustered near the gates, and he called out, 'Welcome, my little friends! Welcome to the factory!'". Apesar de toda a magia, Wonka é um ser profundamente solitário, que através de um simples concurso procura um herideiro para os seus segredos e para o seu império do chocolate. Mas não poderá ser um herdeiro qualquer: o seu herdeiro terá de perceber o chocolate, e o chocolate
é bom e não tem de fazer sentido...
Cinco crianças prototípicas descobrem os cobiçados bilhetes nas barras de chocolate: Augustus Gloop, um alemão obeso e ganancioso; Veruca Salt, uma princesinha inglesa caprichosa e estragada com mimos; Violet Beauregarde, uma daquelas crianças que tem sempre de ser a melhor em tudo o que faz; Mike Teavee, um irritante viciado em televisão; e o sensato e sensível Charlie. As quatro coloridas personagens personificam tudo o que há de mau num espírito infantil adulterado pela desatenção, estupidez ou cegueira dos adultos. E no palco fantástico das salas maravilhosas da fábrica de chocolate, cada uma destas crianças, bem como os seus pais, terá exactamente aquilo que merece. As profundas falhas de carácter são punidas exemplarmente, e a punição é perfeitamente ajustada ao tipo de carácter de cada criança: Gloop "afoga-se" num rio de chocolate, graças à sua ganância de querer comer sempre mais e mais; Beauregarde "transforma-se" numa bola de pastilha elástica gigante, graças à vontade de ser sempre a primeira a experimentar; Salt é "despachada" para dentro dos contentores de lixo, graças às contrariedades que cria por não gostar de ser contrariada; e Teavee descobre que o seu sonho é o seu pior pesadelo ao ficar "preso" dentro de um televisor. No final de cada exemplar execução (a comparação pode parecer violenta mas é precisamente isso que Wonka faz às crianças de mau carácter) são acompanhadas da bizarra variação do coro grego que são os oompa-loompas, os minúsculos trabalhadores da fábrica, que encerram cada castigo com um poema que anuncia a justa punição pela falha de carácter (nas tragédias gregas, o coro servia para contextualizar a acção em palco, e para anunciar ou reflectir sobre as acções dos personagens).
Só Charlie, inquisitivo mas compreensivo, sonhador mas sensato, consegue chegar ao fim da visita à fábrica de chocolate. As qualidades do seu carácter (não exagera, não exige, não é caprichoso, não é fútil, não é ganancioso) garantem-lhe o prémio final: ser herdeiro de Wonka, tornar-se dono de uma fábrica dos produtos que mais ama na vida, e livrar a família da pobreza abjecta em que vive.
Charlie and the Chocolate Factory é uma obra essencial de Dahl, repleta de uma profundidade difícil de encontrar na literatura infantil. Agora, quanto ao filme...
A realização de Tim Burton confere a Charlie and the Chocolate Factory o toque bizarro que é a assinatura típica de Burton. Que o filme valha pela história que conta não é uma conclusão a retirar. O livro já está publicado há várias décadas. A adaptação é razoávelmente fiel (à excepção do final, mas já lá vamos), mas o filme brilha nos cenários e nas vozes dos actores. Burton e as suas equipes de peritos em efeitos especiais excederam-se na criação de feéricos cenários que captam na perfeição o espírito aventureiro e maravilhoso de Charlie and the Chocolate Factory. Os actores realizaram um bom trabalho, dando vida a personagens pouco profundos (trata-se, enfim, de uma obra de literatura infantil) sem cair na tentação de exagerar as suas características. A excepção aqui é feita por Johnny Depp, que exagera intencionalmente na recriação contemporânea de um Willy Wonka profundamente inspirado em Michael Jackson (wacko jacko para os amigos). As vozes dos actores, profundamente britânicas, caem perfeitamente naquela imagem de conto infantil inglês, e são, quanto a mim, uma das delícias do filme. Uma das curiosidades deste filme pretensamente americano é a sua europeidade: realizado e produzido por americanos, é representado por actores europeus, e filmado nos muito europeus estúdios de Shepperton, ao lado de Londres. Mas só poderia ser assim; imaginem as vozes que dão vida a Charlie and the Chocolate Factory com aquele sotaque deslavado dos americanos. Outra curiosidade é a atenção dada aos cenários: na era do ecrã azul, dos fatos de captura de movimentos e dos cenários digitais, a tecnologia de animação é parcamente utilizada. Percebem-se alguns cenários digitais no início do filme, bem como nas cenas que envolvem o elevador, e percebe-se que a irreal replicação dos oompa-loompas (todos iguais, como clones) só poderia ter sido realizada graças às modernas técnicas de efeitos especiais digitais. Isto confere ao filme uma outra dimensão de maravilhoso, ao entrever o realimo dos cenários irreais. Talvez esta escolha de burton, para além de ser sua imagem de marca (Burton também realizou o fantástico Nightmare Before Christmas, totalmente realizado em claymation, a mais dura e difícil das técnicas de animação) se deva a algum realismo sobre o state of the art da animação digital. Possívelmente, o treinar de esquilos demora menos tempo do que a animação digital dos animaizinhos peludos.
Não duvido que o filme seja apaixonante, para qualquer criança que o veja. As crianças mais crescidas, especialmente as que conheçam o livro, ficarão um pouco desiludidas. Uma obra como Charlie and the Chocolate Factory é bizarra e apaixonante; a adaptação cinematográfica realça apenas o bizarro. Falta qualquer coisinha ao filme, um proverbial je ne sais quoi.
É facto assente e comprovado que os filmes têm de ter finais felizes, para agradar aos espectadores. Essa política norteia os financeiros de Hollywood que investem em cinema, e isso ajuda a explicar a terrível bastardização no final de Charlie and the Chocolate Factory. É no final do filme que a fidelidade ao livro se perde. Em vez de terminar de acordo com livro. No livro temos direito a um belo final, diga-se de passagem, em que os culpados vão para casa com mossas no ego e não no corpo, apesar dos suplícios que sofreram, e Wonka entrega alegremente a fábrica a Charlie, ajudando assim toda a família a sair da pobreza. Mas as americanices não permitem este tipo de finais. Em vez disto, os argumentistas reinventaram um final para Charlie and the Chocolate Factory que passa por uma rejeição liminar da família de Charlie por um Wonka tristmente afastado do pai, uma ajuda de Charlie para que Wonka recupere os laços com seu pai, e uns discursos ridículos sobre a importância da nossa família acima de tudo. Perfeitas lamechices. São legítimas, claro, e típicamente americanas, mas está muito errado alterar um texto como Charlie and the Chocolate Factory só para criar um final mais feliz, simplista e lamechas. Ainda por cima, o final afasta-se à velocidade da luz do estilo de prosa e do ideário de Charlie and the Chocolate Factory.
O problema é que na mente dos públicos, o que ficará indelévelmente gravado serão as imagens do filme, e não a história que o livro conta. Tim Burton, de créditos bem estabelecidos, não precisava de ter danificado o final de Charlie and the Chocolate Factory só para agradar a uns executivos de estúdio que não conseguem compreender a importância da fidelidade ao um texto, cegos como estão pela ganância do lucro astronómico. Havia de haver aí uns oompa-loompas dispostos a castigar Burton por isto.
segunda-feira, 22 de agosto de 2005
Crepúsculo
Brillat-Savarin
Jean Anthelme Brillat-Savarin
Brillat-Savarin | The Phisiology of Taste
Wikipedia | Brillat-Savarin
Ontem cometi um grave erro ao apelidar Brillat-Savarin de cozinheiro. Nada disso. Antes de mais, este personagem foi um político francês daquela fase sangrenta de transição do século XVIII para o século XIX conhecida como revolução francesa. Reputado como honesto e trabalhador para o progresso do seu país (qualidades raras num político), Brillat-Savarin era também um bom vivant, boa companhia, amante de livros, bons pratos (não necessáriamente elaborados, mas saborosos) e que no meio de tudo isto ainda conseguiu arrajar tempo para escrever o livro The physiology of taste (cito aqui o título anglo-saxónico, porque é esse o texto que tenho em mãos, cortesia da universidade da virgínia e o seu programa de bibliotecas online).
Livro esse que me dedicarei a ler aos bocadinhos, como convém a uma boa iguaria.
Mas não resisto a deixar aqui alguns aforismos do mestre, que, como uma saborosa entrada antes de um suculento prato principal, excitam a curiosidade e preparam o palato para os requintes deliciosos que se seguirão.
I. The universe would be nothing were it not for life and all that lives must be fed, de preferência, bem alimentadas;
Animals fill themselves; man eats. The man of mind alone knows how to eat ou seja, para comer bem, é preciso saber comer bem. Leram isto, viciados nos sabores mecânicos dos big macs e sucedâneos?
Tell me what kind of food you eat, and I will tell you what kind of man you are o que não deixa de ser mais profundo do que o clássico diz-me o que fazes e eu dir-te-ei quem és (ou algo assim, ando um pouco enferrujado nos provérbios populares portugueses).
He who receives friends and pays no attention to the repast prepared for them, is not fit to have friends espero que os meus amigos me reconheçam nesta afirmação. Só vos digo que ainda não experimentaram a minha cataplana de carne, ou a minha cataplana de polvo (com uma honrosa excepção que deverá repetir a dose muito em breve, espero).
The mistress of the house should always be certain that the coffee be excellent; the master that his liquors be of the first quality aforismo imbatível. Nada como bons licores.
A dessert without cheese is like a beautiful woman who has lost an eye somente um francês seria tão fanático por queijos; pessoalmente aquele aroma aos odores de peúgas por lavar deixa-me um bocadinho insensível.
(nota aos leitores lusos aqui do blog: learn some fucking english!)
Ah, e já percebi o porquê da fama do caviar. Não se ponham a provar aquilo às colheradas; é simplesmente intragável. Agora, misturem com um pouco de maionese (colher e meia de maionese para uma colher de caviar, colher de chá, claro, que até mesmo o sucedâneo de caviar não é exactamente barato) com umas pinguinhas de molho inglês ou de sumo de limão para cortar a intensidade do sabor das ovas, e barrem sobre uma tosta. Sintam o vosso palato a elevar-se aos céus.
Olhar não Mente
Peter Kuper, Mind's Eye, Nova Yorque, NBM Publishing, 2000
Peter Kuper | Site Oficial
Comic Creators | Peter Kuper
Peter Kuper | This is not a
Se há desenhadores que me deixam verde de inveja, Peter Kuper é o maior de entre eles. Dono de um traço sincrético, expressivo num glorioso preto e branco, dono de uma imaginação perversa, e capaz de contar uma história em banda desenhada sem recorrer a artifícios básicos como balões e cartuchos, em suma, de criar B.D. pura, em que a história é contada pela justaposição das vinhetas, sem qualquer texto para além do título. Descobri Kuper através do brutal comic The System e do excepcional Kafka Desiste! E outras Histórias, a adaptação de contos do autor decadente checo por Kuper.
Através daquelas mini feiras do livro que as livrarias promovem em agosto para se livrarem daqueles livros cujo único destino é a reciclagem, após algum vasculhar pelo joio, descobri uma edição de 2002 de Peter Kuper, uma colectânea de cartoons intitulada Mind's Eye.
Quando pensamos em cartoons, o que nos vem à cabeça são os eternos garfield ou snoopy, ou aqueles livrinhos de capas garridas que disputam espaço de prateleira com as obras de banda desenhada, com títulos anódinos como adivinha quem vem aí (sobre bébés) ou garfield viva a amizade. Estão a ver o estilo, desenhos simpáticos, sempre muito semelhantes, figuras gorduchinhas de ar estilizado e narizes redondos, piadas com alguma piada que arranacam um sorriso e logo se esquecem. Dilberts e coisas semelhantes. Não há nada de mal neste género de cartoons. Leiam, que não perdem nada. Mas este género empalidece perante os de Kuper, apresentados como puzzles visuais.
Uma prancha contém quatro singelas vinhetas, com quatro situações que nos obrigam a tentar perceber a lógica que une imagens tão díspares. A lógica só é revelada na pranha seguinte, escondida pelo virar da página, e asseguro-vos que é sempre inesperada. O humor corrosivo de Kuper, ou a sua aguda consciência social, atinge-nos como um murro ao percebermos a lógica tortuosa que as primeiras vinhetas apontavam.
Tenho o livrinho aqui ao lado, e o scanner mesmo ao pé. Acho que me vou dedicar a digitalizar este livro. Bem sei que estou a quebrar uma parga de leis de direitos de autor, uma vez que não seria nada má ideia colocar as imagens no blog. Mas que se dane. Considerem publicidade gratuita. Afinal de contas, quem é que conhece Peter Kuper aqui neste jardim à beira mar plantado?
Metal retorcido pela geometria do embate
Escreveu J. G. Ballard no inimitável Crash que depois de anos de bombardeamento das campanhas de prevenção rodoviária com imagens aterrorizadoras de acidentes de automóvel, foi um alívio quando finalmente se viu envolvido num acidente. Não posso dizer o mesmo. O único alívio que sinto é aquele alívio egoísta correspondente à sensação de ainda bem que isto não foi comigo. Mas foi mesmo à frente dos meus olhos.
Ontem, à tardinha, o meu fiel 205 estava parado numa fila de trânsito no Sobreiro. Um mini-engarrafamento motivado pelos turistas que querem passear o seu olhar esgazeado pelas miniaturas do mundo saloio do Zé Franco. Estava eu parado pouco antes de um cruzamento, com outro carro a querer sair dali. Olhei em frente - a fila de placas de matrícula e luzes de paragem à minha frente tinha avançado alguns centímetros. Deixei-me ficar parado, para dar oportunidade ao condutor do veículo que estava no cruzamento de seguir à sua vida. O trânsito em sentido contrário encontrava-se devidamente imobilizado devido a um semáforo vermelho. E o carro lá sai do cruzamento, cuidadosamente. Um carrinho velho, num cinzento desbotado que revela ter sido preto exposto ao sol durante a longa vida do automóvel. É então que o impensável acontece.
Ouço um baque, aquele ruído de metal contra metal tão típico dos choques rodoviários. Uma vespa que seguia em contra-mão a ultrapassar a fila de trânsito tinha-se estampado contra a carenagem do motor do automóvel. Os cavaleiros da vespa foram projectados, efectuando arcos parabólicos perfeitos sobre o capot do automóvel que terminaram no asfalto da estrada. Tudo isso aconteceu precisamente ao meu lado. A minha visão periférica captou o embate. As piruetas dos ocupantes, a motocicleta a ressaltar do embate contra o carro, oscilando antes de se imobilizar no chão, tudo isso vi com aquela clareza que o nosso cérebro revela naquelas fracções de segundo cruciais.
Os meus joelhos tremiam tanto que não conseguia segurar o pedal da embraiagem quando saí dali.
Felizmente, não houve feridos. Foi apenas chapa, como se costuma dizer. Sérias amolgadelas na superfície geometrizada do capot do carro, parte frontal da motoreta desfeita pelo impacto. O metal saiu-se mal, a carne nem por isso. Mas não quero com isto dizer que tenha corrido tudo bem.
Foi um acidente estúpido, provocado por um campónio convencido de que é um às do volante da vespa, que perante uma fila de trânsito em vez de respeitar o código da estrada decide ultrapassar, argumentando após o acidente que podia fazer isso, sim senhor, desde que se mantivesse do lado de cá do traço descontínuo. O tipo fez questão de assinalar aos agentes da GNR que se deslocaram ao local, perante uma lambreta caida no meio da estrada, em pleno sentido contrário, perante uma marca de embate que o colocava precisamente no meio do sentido contrário, e se calhar com marcas de travagem no pavimento, que não, senhor guarda, eu ia precisamente em cima do traço, olhe lá se não ia. Tive de me conter para não me rir. Imaginem um gorducho atarracado, de higiene pessoal supeita ou mesmo inexistente, a gesticular veementemente, apontando para o chão e a afirmar a pés juntos o que visívelmente era de veracidade dúbia. Parece saído de algum sketch de comédia popularucha. Infelizmente, os ocupantes do carro acidentado eram brasileiros, dessa espécie de legalidade duvidosa que tanto pulula aqui por estes lados. O condutor do veículo, que não tinha qualquer um dos documentos necessários para que o veículo circulasse (os documentos do carro, seguro, inspecção, selo do imposto de circulação, enfim, tudo aquilo que suga o dinheiro aos condutores responsáveis) fez-se invisível. Desapareceu. A trabalheira caiu sobre os ombros do amigo que ia com ele no carro, que ainda tentou seguir o exemplo do companheiro, mas o dono da mota não deixou, o que ia provocando cómicas cenas de pugilato. Não é boa ideia fazer disto na terra de alguém, e os conhecidos do motociclista já se estavam a aproximar com ar ameaçador. A cena foi evitada por um turista que se disse comissário de polícia e calou o brasileiro com frase típicas como "se me tocas, já não te levantas" ou "se não acreditas que sou comissário vais dentro".
Tudo isto sob um coro de buzinas e uma paisagem de automóveis a tentarem contornar o acidente, repletos de motoristas de olhar furioso e assassino.
Este miserável fait-divers terminou com a chegada dos agentes da GNR que tomaram as diligências obrigatórias e rotineiras. Digo rotineiras porque se para mim ver o acidente foi algo chocante, infelizmente a realidade das estradas e a reduzida capacidade neuronal de parte dos condutores que se passeiam pelas estradas portuguesas define o acidente automóvel não como uma aberração mas sim como uma rotina sangrenta.
Lição a retirar: calma e tranquilidade na estrada. Músiquinha agradável, pé leve no acelarador, atenção redobrada. De que serve empreender uma viagem se não se chega ao destino?
Ontem, à tardinha, o meu fiel 205 estava parado numa fila de trânsito no Sobreiro. Um mini-engarrafamento motivado pelos turistas que querem passear o seu olhar esgazeado pelas miniaturas do mundo saloio do Zé Franco. Estava eu parado pouco antes de um cruzamento, com outro carro a querer sair dali. Olhei em frente - a fila de placas de matrícula e luzes de paragem à minha frente tinha avançado alguns centímetros. Deixei-me ficar parado, para dar oportunidade ao condutor do veículo que estava no cruzamento de seguir à sua vida. O trânsito em sentido contrário encontrava-se devidamente imobilizado devido a um semáforo vermelho. E o carro lá sai do cruzamento, cuidadosamente. Um carrinho velho, num cinzento desbotado que revela ter sido preto exposto ao sol durante a longa vida do automóvel. É então que o impensável acontece.
Ouço um baque, aquele ruído de metal contra metal tão típico dos choques rodoviários. Uma vespa que seguia em contra-mão a ultrapassar a fila de trânsito tinha-se estampado contra a carenagem do motor do automóvel. Os cavaleiros da vespa foram projectados, efectuando arcos parabólicos perfeitos sobre o capot do automóvel que terminaram no asfalto da estrada. Tudo isso aconteceu precisamente ao meu lado. A minha visão periférica captou o embate. As piruetas dos ocupantes, a motocicleta a ressaltar do embate contra o carro, oscilando antes de se imobilizar no chão, tudo isso vi com aquela clareza que o nosso cérebro revela naquelas fracções de segundo cruciais.
Os meus joelhos tremiam tanto que não conseguia segurar o pedal da embraiagem quando saí dali.
Felizmente, não houve feridos. Foi apenas chapa, como se costuma dizer. Sérias amolgadelas na superfície geometrizada do capot do carro, parte frontal da motoreta desfeita pelo impacto. O metal saiu-se mal, a carne nem por isso. Mas não quero com isto dizer que tenha corrido tudo bem.
Foi um acidente estúpido, provocado por um campónio convencido de que é um às do volante da vespa, que perante uma fila de trânsito em vez de respeitar o código da estrada decide ultrapassar, argumentando após o acidente que podia fazer isso, sim senhor, desde que se mantivesse do lado de cá do traço descontínuo. O tipo fez questão de assinalar aos agentes da GNR que se deslocaram ao local, perante uma lambreta caida no meio da estrada, em pleno sentido contrário, perante uma marca de embate que o colocava precisamente no meio do sentido contrário, e se calhar com marcas de travagem no pavimento, que não, senhor guarda, eu ia precisamente em cima do traço, olhe lá se não ia. Tive de me conter para não me rir. Imaginem um gorducho atarracado, de higiene pessoal supeita ou mesmo inexistente, a gesticular veementemente, apontando para o chão e a afirmar a pés juntos o que visívelmente era de veracidade dúbia. Parece saído de algum sketch de comédia popularucha. Infelizmente, os ocupantes do carro acidentado eram brasileiros, dessa espécie de legalidade duvidosa que tanto pulula aqui por estes lados. O condutor do veículo, que não tinha qualquer um dos documentos necessários para que o veículo circulasse (os documentos do carro, seguro, inspecção, selo do imposto de circulação, enfim, tudo aquilo que suga o dinheiro aos condutores responsáveis) fez-se invisível. Desapareceu. A trabalheira caiu sobre os ombros do amigo que ia com ele no carro, que ainda tentou seguir o exemplo do companheiro, mas o dono da mota não deixou, o que ia provocando cómicas cenas de pugilato. Não é boa ideia fazer disto na terra de alguém, e os conhecidos do motociclista já se estavam a aproximar com ar ameaçador. A cena foi evitada por um turista que se disse comissário de polícia e calou o brasileiro com frase típicas como "se me tocas, já não te levantas" ou "se não acreditas que sou comissário vais dentro".
Tudo isto sob um coro de buzinas e uma paisagem de automóveis a tentarem contornar o acidente, repletos de motoristas de olhar furioso e assassino.
Este miserável fait-divers terminou com a chegada dos agentes da GNR que tomaram as diligências obrigatórias e rotineiras. Digo rotineiras porque se para mim ver o acidente foi algo chocante, infelizmente a realidade das estradas e a reduzida capacidade neuronal de parte dos condutores que se passeiam pelas estradas portuguesas define o acidente automóvel não como uma aberração mas sim como uma rotina sangrenta.
Lição a retirar: calma e tranquilidade na estrada. Músiquinha agradável, pé leve no acelarador, atenção redobrada. De que serve empreender uma viagem se não se chega ao destino?
domingo, 21 de agosto de 2005
Sol, calor e outras sensações
Hoje o amanhecer sobre a Ericeira é atípico. Em vez do habitual vento fresco e nuvens, temos aquela sensação de ar em curva ascendente de temperaturas e um sol brilhante. Nem parece da Ericeira!
Para vosso engrandecimento culinário, cá vai uma receita que vou experimentar:
PATÊ CAVIAR - Ingredientes: Caviar preto ou vermelho ou pasta de caviar em bisnaga Requeijão ou maionese. Modo de Fazer: Misture o caviar ou a pasta de caviar com requeijão ou maionese.
Caviar? Andamos a viver bem... bom, nem por isso. Nos supermercados do El Corte Inglès pode-se encontrar sucedâneo de caviar. Baratinho, a dois euros o frasco (dos pequenos). Só que a coisa a frio é intragável, embora suspeito que replique o sabor do caviar puro. Enfim, uma pessoa habitua-se. Lembro-me bem do horror que foi a primeira vez que provei anchovas (uma explosão salgada com sabor a peixe sobre a minha língua) ou a primeira vez que provei vinho tinto. Ainda me lembro do esgar horrorizado que fiz com a amargura na boca mal o vinho que o meu pai me deu a provar me tocou a língua. Jurei ali mesmo que nunca mais beberia vinho na vida, essa coisa horrível e amarga.
Coisas do destino. Quem me conhece sabe bem que hoje em dia sou um apaixonado pelo vinho, embora seja um amor platónico. O meu triste salário de professor, após descontadas as contas habituais que sustentam os lucros crescentes do meu banco e da minha seguradora e da instituição de crédito para o carro e da pt e da companhia das àguas e da edp e das seguradoras e dos produtozinhos essenciais do supermercado que tão caros são, enfim, após esses tubarões me devorarem os cêntimos que tanto custam a ganhar, pouco resta para provar um bom vinho.
Patés
Canapés com Caviar
Entradas com Caviar
Digitalis Púrpura Há que destacar um blog que fala sobre Brillat-Savarin, o lendário cozinheiro françês.
Tenho de ir preparar o caviar. Até logo.
Para vosso engrandecimento culinário, cá vai uma receita que vou experimentar:
PATÊ CAVIAR - Ingredientes: Caviar preto ou vermelho ou pasta de caviar em bisnaga Requeijão ou maionese. Modo de Fazer: Misture o caviar ou a pasta de caviar com requeijão ou maionese.
Caviar? Andamos a viver bem... bom, nem por isso. Nos supermercados do El Corte Inglès pode-se encontrar sucedâneo de caviar. Baratinho, a dois euros o frasco (dos pequenos). Só que a coisa a frio é intragável, embora suspeito que replique o sabor do caviar puro. Enfim, uma pessoa habitua-se. Lembro-me bem do horror que foi a primeira vez que provei anchovas (uma explosão salgada com sabor a peixe sobre a minha língua) ou a primeira vez que provei vinho tinto. Ainda me lembro do esgar horrorizado que fiz com a amargura na boca mal o vinho que o meu pai me deu a provar me tocou a língua. Jurei ali mesmo que nunca mais beberia vinho na vida, essa coisa horrível e amarga.
Coisas do destino. Quem me conhece sabe bem que hoje em dia sou um apaixonado pelo vinho, embora seja um amor platónico. O meu triste salário de professor, após descontadas as contas habituais que sustentam os lucros crescentes do meu banco e da minha seguradora e da instituição de crédito para o carro e da pt e da companhia das àguas e da edp e das seguradoras e dos produtozinhos essenciais do supermercado que tão caros são, enfim, após esses tubarões me devorarem os cêntimos que tanto custam a ganhar, pouco resta para provar um bom vinho.
Patés
Canapés com Caviar
Entradas com Caviar
Digitalis Púrpura Há que destacar um blog que fala sobre Brillat-Savarin, o lendário cozinheiro françês.
Tenho de ir preparar o caviar. Até logo.
sábado, 20 de agosto de 2005
Sem Título
Uma variação com a qual ando a experimentar uma colorização via photoshop. Poucos detalhes minúsculos e grandes àreas brancas estão mesmo a convidar o uso de mais cores.
Alívio na conta bancária: chegou a devolução do IRS. Já posso regressar ao meu estilo de vida perdulário de barcos, automóveis de altíssima cilindrada e cognac napoleon envelhecido. Bem, talvez dê para o 8 e 1/2 de Fellini, o disco dos Wraygunn e um livrito, ou meio livrito. Pequenos luxos de uma vida a sustentar instituições bancárias, seguradoras e organismos do estado.
As hipocrisias chocam-me. Ontem ia eu muito bem Ericeira afora, com o grande prazer que é caminhar pelas ruas da vila, mesmo que cheias de turistas, quando encontro o pai de um dos meus ex-alunos. Pessoa simpática, que sempre me elogiou e sempre falou muito simpáticamente comigo quando eu era professor do filho. Agora que já não o sou... ia já eu a esboçar um sorriso, bom dia, como está, e o seu filho, está a gostar das férias, quando o tipo simplesmente vira a cara. Que falta de educação, e hipocrisia. Lição a retirar: os professores só são bons quando são precisos. Quando não são, nem são dignos de menção. Bem, meu caro amigo, a minha consciência vale mais do que a sua opinião, e a minha consciência está tranquila. A sua está?
sexta-feira, 19 de agosto de 2005
Maré Baixa
A pedido de várias famílias, coloquei no Vício das Imagens uma galeria de fotografias tiradas na maré baixa. Cliquem e vejam a beleza simples que o mar oculta como um véu.
Faixa Vermelha
quinta-feira, 18 de agosto de 2005
Constantes
A primeira imagem fala por si só. Sei bem que é um cliché, sei bem que falar do pôr do sol é perfeitamente banal. Mas todos os dias é sempre tão diferente!
Entrecortada contra os rochedos, pêlo molhado pela àgua salgada do mergulho no mar, ela olha, procurando...
O vento que se faz sentir hoje não permite grandes aventuras na praia. Eu até que gosto, mas a minha rapariga tem ideias diferentes. Mulheres! Não aguentam com um ventinho nos cabelos...
Quem ganha é o blog...
Links a explorar:
Doom para Palm OS Doom no palm. Pena é que o meu não aguente
Orion's Arm | Vignettes
Orion's Arm | Tales Orion's Arm: um projecto de ficção científica colaborativa licenciado sob uma licença Creativa Commons
Tibbies | Gallery Mais tibetanos, se ainda não estiverem fartos.
Dessin du Jour
O desenho do dia, hoje em francês porque... porque, enfim, me apeteceu. Compreendem isso, não compreendem? No fim de contas, este blog é meu, totalmente meu à excepção do espaço no servidor web que pertence ao google, e por isso faço aqui o que me apetecer. Si je veux écrire en français, qui me... me... impedirá em português, mas agora em françês... como é que se diz, mesmo?
Normalmente não os intitulo. A ideia é demasiado entediante. Os desenhos não se parecem com nada, e nem é essa a sua intenção. De maneira que estar a inventar títulos, para além de dar muito trabalho, é altamente pretenciosa.
Ora vamos ver. Todos os meus desenhos se iniciam num processo criativo aleatório, em que a caneta toca o papel, desenhando um conjunto de linhas curvas que sugerem formas. em seguida, recorrento a um alfabeto simples de linhas curvas contrastadas a preto e branco, faço sugerir formas. No fundo, todos os desenhos são variações sobre o mesmo tema. Os títulos possíveis seriam, talvez, variação 319/2005, ou cânone 2 - modus 3248. Ou então dava uma de robert williams e inventava títulos prolongados como a geometria neo-quântica da criptografia semântica de uma alma torturada pelos ventos que ocorrem nas àreas cerebrais desvirtuadas pela radiação cósmica de fudo interligada com a influência dos alienígenas que vieram no ovni da antártida sonhando com climas mais quente. Hum. Gosto do título, mas é talvez um nadinha longo. Se calhar chamo-lhe túlipa. Faz-me lembrar uma túlipa.
Os Comedores de Pérolas
João Aguiar, Os Comedores de Pérolas, Lisboa, Edições ASA, 2002
ASA | Os Comedores de Pérolas
Projecto Vercial | João Aguiar
Um jornalista e escritor numa suave crise de meia idade e a recuperar de um esgotamento chega a macau para estudar o espólio documental de Wang Wu, um notável macaense do século XIX, a expensas do neto de Wang, milionário de Hong Kong. Está o mote lançado para um curioso thriller luso, que joga com o fascínio do oriente, o sonho de macau, última província de um portugal ultramarino, ultima nesga de terra do império lusitano.
Aparentemente simples, a investigação dos arquivos do notável macaense revela segredos incómodos. A vida benemérita do chinês que se instalara em macau estava firmemente alicerçada num passado de lucrativa pirataria. O verdadeiro motivo do interesse na investigação dos arquivos do macaense é-nos revelado no final do livro: uma conta bancária em calcutá, onde estariam depositados os lucros da pirataria, com juros acumulados durante mais de um século, fortuna cobiçada pelo neto do notável, um milionário sedento de mais dinheiro e que recorre ao assassínio dos seus familiares para se assegurar que tomará posse da totalidade da fortuna. Daí a importância da investigação - no espólio documental encontram-se os nomes dos titulares da conta, cujos descentes terão a vida a prémio.
O protagonista do livro vive na perfeição o sonho do oriente. Trabalha a expensas de uma fundação luso-chinesa, cujo representate em macau é a soma de tudo o que há de mais mesquinho na alma portuguesa, vive uma aventura que lhe põe em perigo a vida, completa com bombas no carro e atentados à metralhadora, e ainda tem tempo para oscilar entre a depressão e a recuperação enquanto vivem uma aventura sexual com uma jornalista chinesa que saberá no final da história que é filha do milonário, portanto bisneta do pirata chinês do século XIX trasnformado em rico e benemérito notável macaense.
A história narrada agarra-nos, obriga-nos a continuar a leitura com aquela mistura de exotismo oriental com os mistérios de um trabalho académico que põe a descoberto segredos sujos. Belíssimos filmes já foram feitos com argumentos menos interessantes.
Fiquei supreendido por esta obra de João Aguiar, autor cuja prosa conheço das suas colunas de opinião na revista Superinteressante. As suas colunas de opinião são sempre acutilantes, uma delícia de leitura (apesar de muito mal ilustradas) e sabendo eu que Aguiar também é romancista, não perdi a oportunidade de o ler mal encontrei este livro numa feira do livro do mini-hipermercado local (que ideia tão à houellebecq, esta da feira). Fui agradávelmente surpreendido pelo livro, cuja leitura puxava, e puxava. É um daqueles livros em que as horas passam e as páginas viram-se, graças à nossa incapacidade para o pousar e à nossa extrema curiosidade sobre o que irá acontecer a seguir. Resultado desta leitura? Muita vontade de conhecer mais da obra de João Aguiar.
Uma curiosidade do livro é a referência a um obscuro gabinete do governo português em macau, que graças aos arcaísmos da língua portuguesa do século XIX tinha o sugestivo e delicioso nome de Gabinete para os Assuntos Sínicos. Sínicos, não cínicos. Percebem o trocadilho possível, e a graça do nome? Sínicos de Chineses, não cínicos de, enfim, cinismo.
ASA | Os Comedores de Pérolas
Projecto Vercial | João Aguiar
Um jornalista e escritor numa suave crise de meia idade e a recuperar de um esgotamento chega a macau para estudar o espólio documental de Wang Wu, um notável macaense do século XIX, a expensas do neto de Wang, milionário de Hong Kong. Está o mote lançado para um curioso thriller luso, que joga com o fascínio do oriente, o sonho de macau, última província de um portugal ultramarino, ultima nesga de terra do império lusitano.
Aparentemente simples, a investigação dos arquivos do notável macaense revela segredos incómodos. A vida benemérita do chinês que se instalara em macau estava firmemente alicerçada num passado de lucrativa pirataria. O verdadeiro motivo do interesse na investigação dos arquivos do macaense é-nos revelado no final do livro: uma conta bancária em calcutá, onde estariam depositados os lucros da pirataria, com juros acumulados durante mais de um século, fortuna cobiçada pelo neto do notável, um milionário sedento de mais dinheiro e que recorre ao assassínio dos seus familiares para se assegurar que tomará posse da totalidade da fortuna. Daí a importância da investigação - no espólio documental encontram-se os nomes dos titulares da conta, cujos descentes terão a vida a prémio.
O protagonista do livro vive na perfeição o sonho do oriente. Trabalha a expensas de uma fundação luso-chinesa, cujo representate em macau é a soma de tudo o que há de mais mesquinho na alma portuguesa, vive uma aventura que lhe põe em perigo a vida, completa com bombas no carro e atentados à metralhadora, e ainda tem tempo para oscilar entre a depressão e a recuperação enquanto vivem uma aventura sexual com uma jornalista chinesa que saberá no final da história que é filha do milonário, portanto bisneta do pirata chinês do século XIX trasnformado em rico e benemérito notável macaense.
A história narrada agarra-nos, obriga-nos a continuar a leitura com aquela mistura de exotismo oriental com os mistérios de um trabalho académico que põe a descoberto segredos sujos. Belíssimos filmes já foram feitos com argumentos menos interessantes.
Fiquei supreendido por esta obra de João Aguiar, autor cuja prosa conheço das suas colunas de opinião na revista Superinteressante. As suas colunas de opinião são sempre acutilantes, uma delícia de leitura (apesar de muito mal ilustradas) e sabendo eu que Aguiar também é romancista, não perdi a oportunidade de o ler mal encontrei este livro numa feira do livro do mini-hipermercado local (que ideia tão à houellebecq, esta da feira). Fui agradávelmente surpreendido pelo livro, cuja leitura puxava, e puxava. É um daqueles livros em que as horas passam e as páginas viram-se, graças à nossa incapacidade para o pousar e à nossa extrema curiosidade sobre o que irá acontecer a seguir. Resultado desta leitura? Muita vontade de conhecer mais da obra de João Aguiar.
Uma curiosidade do livro é a referência a um obscuro gabinete do governo português em macau, que graças aos arcaísmos da língua portuguesa do século XIX tinha o sugestivo e delicioso nome de Gabinete para os Assuntos Sínicos. Sínicos, não cínicos. Percebem o trocadilho possível, e a graça do nome? Sínicos de Chineses, não cínicos de, enfim, cinismo.
quarta-feira, 17 de agosto de 2005
Maré Baixa
Por hoje, só imagens, que é o que eu arranjo quando não tenho quer tempo, quer paciência, quer imaginação para arranjar assuntos, matutar sobre eles e escrever.
Primeiro, o meu último desenho. Mais uma variação a preto e branco sobre as formas que se obtém fazendo as linhas passear, como dizia kandisnky ou klee, já não me recordo. Claro, eu deixo as linhas passear, mas não vão muito longe. Mal me apercebo, brando o chicote que é a minha caneta e moldo-as à força, linha sobre linha, em formas abstractas proto-tridimensionais cuja organização final obedece a uma lógica interna que não é imediatamente aparente naquele primeiro momento em que a ponta da caneta toca o papel.
Segundo, uma foto da praia do forte na maré baixa. Sei perfeitamente que não se vê o forte da Ericeira, o mar, o areal e a baía de ribeira de ilhas. Mas vê-se o que eu considero de mais fascinante nesta vida à beira-mar: os buracos e interstícios por entre as rochas, habitualmente cobertos pelo mar mas revelados na maré baixa. Pequenos mundos fascinantes, a fervilhar de vida e cor. Pequenos ecossistemas secretos, que são o local onde o mar verdadeiramente começa, naquela zona indefinida entre o mar e a terra.
Olhem com atenção para as rochas à beira mar durante a maré baixa, e fascinem-se. Verão paisagens verdadeiramente exóticas, e seres de formas mais espantosas do que as de quaisquer seres extraterrestres. Minúsculos cadinhos de vida fervilhante, tão perto de nós, cidades microscópicas habitadas pelas criaturas estranhas que compõem a vida marinha.
Eu não me canso de olhar. Algas, nudibrânquios, caracois do mar, ouriços do mar, lapas e mexilhões, por entre os surreais nichos e reentrâncias rochosas, cobertos por espelhos de àgua límpida e transparente. A beleza, por vezes, encontra-se mesmo debaixo dos nossos olhos. Há apenas que saber olhar.
terça-feira, 16 de agosto de 2005
Sem Título
Olhar para um umbigo
Mais um post feito a olhar para o meu umbigo. É compreensível. Estamos em tempo de férias e não há muito que fazer. Sem outros assuntos, vou discutindo livros, mas como ainda não consigo ler um livro por dia também não pode ser um assunto muito regular. Não tendo ido de férias para destinos exóticos, eróticos ou longínquos, também não vos posso maravilhar, raros e ocasionais leitores, com pormenores excitantes das minhas viagens pelas sete partes da terra. Perambulações sobre o consumo habitual de alcool em excesso tornam-se entediantes. Só me restam as habituais histórias catastróficas que abrem os telejornais diáriamente, as imagens de chamas alterosas a consumir àrvores e habitações sob um céu vermelho, ou os detalhes amorosamente filmados de destroços de aviões ou de acidentes automóveis. Mas isso é dar mais pancada ao zézinho, ainda mais pancada do que aquela que ele já leva. Para além disso, ainda não me rendi à pornografia da violência e da morte, consubstanciada sacramentalmente em disursos catastróficos a acompanhar imagens aterradoras de mares de chamas ou destroços de automóveis desfeitos por entre os quais se esperam vislumbres de corpos despedaçados.
Só me resta falar do blog.
Que não é nenhum assunto.
Mas cá vai.
O contador da bravenet permite-me ter acesso a uma lista dos últimos dez referidores ao endreço do blog. É assim que eu sei quem me visita através de um link directo, escrevendo o endereço do blog na barra de endreços do browser, ou quem me encontra através de pesquisas no google ou outros motores de pesquisa. É assim que sei que a maior parte das pessoas que me visitam vêm de pesquisas sobre o calendário das festas dos dzrt (ou letras e tablaturas, o que leva a imaginar rapazes pubescentes a arranhar as suas violas na praia junto à fogueira para convecerem as possíveis namoradinhas que até são tipos sensíveis). Pormenor curioso, o serviço permite-me saber que browser os meus visitantes estão a utilizar. Muitos internet explorers, com aquele irritante ícone do ézinho azul, alguns firefox, uns raros ópera e uma vez ou outra um safari. O safari deve ser o Gilberto, esse fantástico professor de música que conheci em mafra e que é a única pessoa que conheço que tem um computador a sério. Um mac, claro.
Foi assim que descobri a tradução do meu blog através do google. Quem a fez, não sei, mas uma coisa é certa: as traduções automáticas são geniais! Tenho a certeza que, por mais que me esforçasse, o meu inglês não sairia tão macarrónico como o da tradução automática. Querem uns exemplos?
The number of visits to blog already walks in the house of the three hundreds. It swims bad, think? é a tradução de O número de visitas ao blog já anda na casa das três centenas. Nada mau, pensam?. A tradução é perfeitamente literal, ninguém duvida que anda se traduz por walk. Ou nada por swim. Mas a imagem dos andarilhos visitantes aos blogs é por demais surrealista. Já para não falar no brutal irrealismo de It swims bad, think?.
Under a mist mantle, the day blunts. Blunt, em português, escapa-me o termo certo, mas como é se diz quando a lâmina de uma faca não está afiada? A metáfora de um dia por afiar é poesia pura, ao contrário do meu lamechas o dia desponta.
Esta nem comento: Visões of dominadoras women in ténues lingeries of black leather brandindo whips and pingalins are not proper the substance of my wet dreams..
Os indianos falam aquele inglês com uma pronuncia fantástica, o inglish. A deturpação do sotaque british pelos lábios indianos não andou longe da minha mente ao ler Macau. Portuguese dream in the east. Honest I say you. Honest. I. Say. You. Combinação fatal. Obrigação imediata de rebolar de riso.
Citações à solta: Plus paragraphs of this creature who is to be born under my keyboard; We like in imagining as astronauts to them dresses in facts garridos, pertaining to the crew of ships in estonteantes forms art deco; You are of vacation, I think I, while I hold the cup; Prontinho walked I to give an intellectual air, with a critical one to the Kafka Desiste! of Peter Kuper, but it does not give; The frustration when seeing the forms that the houses can truily take will be able to lead to the suícidio, assassínio or worse thing; writer who had of being of obligator reading in the secondary one.
Mas é melhor lerem por vós próprios. Versão Traduzida de intergalacticrobot.blogspot.com. Acreditem que estas traduções automáticas funcionam como uma serra eléctrica a desmembrar pedaços de animais num matadouro. com sangue incluído.
Dizem os italianos traduttore tradittore. Por melhor que seja o tradutor, a perfeita tradução das expressões e do sentido da linguagem é sempre impossível. Mas no caso do google, a tradução deixa para trás um perfeito deserto, transformando um texto coerente num aglomerado de palavras.
Diz-me o meu amigo Diogo que muitos dos alunos dele no IADE entregam-lhe trabalhos directamente copiados da página de traduções do google. Por vezes, impressos ainda com o page one of qualquer coisa com o url completo no rodapé da página. Esperar-se-ia um pouco mais de cérebro da parte dessa gente. A conclusão que tiro é que tradittores existem em todo o lado, mesmo que não tenham consciência que o sejam.
Mas que me rebolei a rir, rebolei.
Conselho a leitores estrangeiros deste blog: Learn some fucking portuguese!
Só me resta falar do blog.
Que não é nenhum assunto.
Mas cá vai.
O contador da bravenet permite-me ter acesso a uma lista dos últimos dez referidores ao endreço do blog. É assim que eu sei quem me visita através de um link directo, escrevendo o endereço do blog na barra de endreços do browser, ou quem me encontra através de pesquisas no google ou outros motores de pesquisa. É assim que sei que a maior parte das pessoas que me visitam vêm de pesquisas sobre o calendário das festas dos dzrt (ou letras e tablaturas, o que leva a imaginar rapazes pubescentes a arranhar as suas violas na praia junto à fogueira para convecerem as possíveis namoradinhas que até são tipos sensíveis). Pormenor curioso, o serviço permite-me saber que browser os meus visitantes estão a utilizar. Muitos internet explorers, com aquele irritante ícone do ézinho azul, alguns firefox, uns raros ópera e uma vez ou outra um safari. O safari deve ser o Gilberto, esse fantástico professor de música que conheci em mafra e que é a única pessoa que conheço que tem um computador a sério. Um mac, claro.
Foi assim que descobri a tradução do meu blog através do google. Quem a fez, não sei, mas uma coisa é certa: as traduções automáticas são geniais! Tenho a certeza que, por mais que me esforçasse, o meu inglês não sairia tão macarrónico como o da tradução automática. Querem uns exemplos?
The number of visits to blog already walks in the house of the three hundreds. It swims bad, think? é a tradução de O número de visitas ao blog já anda na casa das três centenas. Nada mau, pensam?. A tradução é perfeitamente literal, ninguém duvida que anda se traduz por walk. Ou nada por swim. Mas a imagem dos andarilhos visitantes aos blogs é por demais surrealista. Já para não falar no brutal irrealismo de It swims bad, think?.
Under a mist mantle, the day blunts. Blunt, em português, escapa-me o termo certo, mas como é se diz quando a lâmina de uma faca não está afiada? A metáfora de um dia por afiar é poesia pura, ao contrário do meu lamechas o dia desponta.
Esta nem comento: Visões of dominadoras women in ténues lingeries of black leather brandindo whips and pingalins are not proper the substance of my wet dreams..
Os indianos falam aquele inglês com uma pronuncia fantástica, o inglish. A deturpação do sotaque british pelos lábios indianos não andou longe da minha mente ao ler Macau. Portuguese dream in the east. Honest I say you. Honest. I. Say. You. Combinação fatal. Obrigação imediata de rebolar de riso.
Citações à solta: Plus paragraphs of this creature who is to be born under my keyboard; We like in imagining as astronauts to them dresses in facts garridos, pertaining to the crew of ships in estonteantes forms art deco; You are of vacation, I think I, while I hold the cup; Prontinho walked I to give an intellectual air, with a critical one to the Kafka Desiste! of Peter Kuper, but it does not give; The frustration when seeing the forms that the houses can truily take will be able to lead to the suícidio, assassínio or worse thing; writer who had of being of obligator reading in the secondary one.
Mas é melhor lerem por vós próprios. Versão Traduzida de intergalacticrobot.blogspot.com. Acreditem que estas traduções automáticas funcionam como uma serra eléctrica a desmembrar pedaços de animais num matadouro. com sangue incluído.
Dizem os italianos traduttore tradittore. Por melhor que seja o tradutor, a perfeita tradução das expressões e do sentido da linguagem é sempre impossível. Mas no caso do google, a tradução deixa para trás um perfeito deserto, transformando um texto coerente num aglomerado de palavras.
Diz-me o meu amigo Diogo que muitos dos alunos dele no IADE entregam-lhe trabalhos directamente copiados da página de traduções do google. Por vezes, impressos ainda com o page one of qualquer coisa com o url completo no rodapé da página. Esperar-se-ia um pouco mais de cérebro da parte dessa gente. A conclusão que tiro é que tradittores existem em todo o lado, mesmo que não tenham consciência que o sejam.
Mas que me rebolei a rir, rebolei.
Conselho a leitores estrangeiros deste blog: Learn some fucking portuguese!
domingo, 14 de agosto de 2005
Post Scripts
O número de visitas ao blog já anda na casa das três centenas. Nada mau, pensam? Sei perfeitamente que os leitores regulares do blog se contam pelos dedos de uma mão. Então, de onde vêm os outros? De pesquisas na net, onde o meu blog figura em lugares respeitosamente na casa dos dez primeiros. O blog aparece em pesquisas de um pouco de tudo, desde o hipnerotomachia poliphili (na fnac há uma edição à venda, se gostarem de textos obscuros da itália renascentista não deixem de comprar) às três idades da mulher, passando pelas tricotteuses. No entanto, e para meu grande horror, grande parte das visitas ao blog encontra-me em busca de informações sobre uma certa banda que me recuso a nomear e que detesto particularmente (ao ponto de pensar sériamente em cometer genocídio nas pessoas que compõem a banda). Digamos que é uma banda particularmente desértica, que ilustra bem a boa merda que é o panorama musical pop português.
Ou seja, ando eu para aqui com observações sobre a vida moderna e críticas literárias, armado em intelectual, e quem me descobre só quer saber dos... the thing that should not be. Não, não vou nomear a banda dos meus ódios, deixo-vos antes com uma referência a Lovecraft, um escritor que havia de ser de leitura obrigatória no secundário. Como sei que nunca o leram, e não o irão fazer, não estrago nada se disser que a coisa cujo nome não deve ser pronuciado (the thing that should not be) é nada mais nem menos que Cthulhu. O grande deus Cthulhu, entidade malevolente que habita para além das estrelas, nessa dimensão de caos governada por Nyarlathotep, deus cego do patético caos rastejante.
Gostaram das fotos da procissão da senhora da boa viagem? Como, não encontram esses registos etnográficos? Longa história. Não a vou contar.
Terminei a leitura de um romance surpreendente, Os Comedores de Pérolas, de João Aguiar (eu a ler autores portugueses... é melhor registar isto, que senão ninguém acredita). É um romance surpreendentemente apaixonante passado em Macau. Em breve deixo aqui umas observações.
Macau. Sonho português no oriente. Honestamente vos digo: se o governo português não decidisse entregar Macau à China (assegurando assim o eterno esquecimento dos quinhentos anos de história lusa na foz do rio das pérolas) oferecia-me para dar aulas numa qualquer e. b. 2,3 macaense, mesmo sabendo que ia ensinar putos que não iam pelcebel patavina de um qualto de qualquel coisa que eu dissesse. Que se lixasse, eu gostaria de lá viver precisamente por causa daquele sentimento decadente associado ao ocaso do sonho colonial representado por aquele entreposto romântico meio esquecido entre Hong Kong e Shenzen. As palavras Macau, Taipa e Coloane despertam-me ideias de exotismo e modernidade, vigor económico selvagem e sonhos coloniais de kwai-lous em busca do exotismo do oriente sob as suas variadas formas sensuais. Infelizemente os políticos estragaram tudo (fazendo assim aquilo que eles sabem bem fazer) e agora Macau é parte integrante (como no fundo nunca deixou de ser) da Grande China, a potência do século XXI.
Para vossa referência, kwai-lou significa diabo branco. Eis como somos vistos por aqueles olhos orientais que nos levam a falar de um terno multiculturalismo. Obrigado por ter deixado esta expressão no seu livro, João Aguiar.
Agora, para terminar, uns links para vossa edificação:
Negro Space Program site de um falso documentário sobre um programa espacial segregado (completo com imagens de pretos em fatos de astronautas da nassa - nasa em pronuncia analfabeta). Um site brilhante: brinca de forma absurda com as concepções de racismo.
Eadweard Muybridge Gostam de ver televisão? Então aprendam um bocadinho sobre um dos pais da imagem em movimento. No século XIX, estudou o movimento com máquinas fotográficas para ganhar uma aposta sobre cavalos. De caminho, inventou as técnicas de fotografia em alta velocidade e estudou a forma como os cavalos e as mulheres nuas se moviam em séries de fotografias que preconizam o cinema. Qual foi a aposta? Saber se os cavalos, quando galopam, em algum momento têm as quatro patas no ar. Muybridge provou a veracidade desta afirmação. As mulheres nuas pouco têm a ver com cavalos, mas Muybridge, como bom inglês vitoriano que era, não era avesso ao estudo das vénus em nome do progresso da ciência.
NArchitects Vivemos todos em bunkers com varandas. Ignoramos tácitamente esse facto e afirmamos que estamos profundamente endividados aos bancos para pagar as belas casas dos nossos sonhos. Sendo assim, não visitem este site. A frustração ao ver as formas que as casas pode verdadeiramente tomar poderão levar ao suícidio, assassínio ou coisa pior.
sábado, 13 de agosto de 2005
Dia Seguinte
Teria muito que escrever aqui mas a dor de cabeça que me atravessa o cérebro não mo permite. É uma daquelas dores que se assemelha ao atravessar do tecido cerebral pelo gume de um espigão afiado de monofilamento carbónico. Poderia ser mais reponsáve; já não tenho idade para andar a fazer estas figuras de dia seguinte. Dor de cabeça, tonturas, estômago perfeitamente avariado, sensação geral de destruição iminente dos sistemas inteligentes, fígado sobrecarregado. Enfim, ressaca.
Já tenho idade para ter juízo. Ando a querer evitar ser um cabrão de um trintão, com todas aquelas emoções ligadas ao assentamento nas profundezas da normalidade suburbana (exurbana, no meu caso específico) de pequena burguesia, e depois faço destas. Catarses induzidas pelo alcool. O pior da ressaca é este sentimento de auto-recriminação que me leva a escrever estas lamechices e, ainda por cima, a colocá-las online. Versão pós moderna com laivos de futurismo daquele sentimento de fui um menino que me portei muito muito mal vá lá dá lá mais uns açoites sim sim ai que fui um menino mesmo muito mal comportado.
Garanto-vos que os meus fétiches não andam por esses lados. Visões de mulheres dominadoras em ténues lingeries de couro negro brandindo chicotes e pingalins não são própriamente a substância dos meus sonhos molhados.
Andava eu prontinho para dar um ar intelectual, com uma crítica ao Kafka Desiste! de Peter Kuper, mas não dá. Hoje o cérebro não vai lá. Hoje o cérebro está demasiado embrenhado em labirintos kafkianos para conseguir realizar qualquer coisa construtiva
Estas festas anuais da vila da Ericeira estão a fazer-me mal. Nestas últimas noites, tenho consumido demasiada cerveja para continuar a assegurar o bom funcionamento dos meus sistemas. Depois dá nisto. Ressacas e agressões a incautas máquinas de tabaco. Não fosse eu ateu, e teria de pedir ajuda à senhora da boa viagem.
Falando na senhora da boa viagem, espero que este ano o tempo permita que a procissão se realize na baia da praia dos pescadores. Há anos que não vejo a procissão. Ela realiza-se todos os anos, mas ainda era menino aquando da última que vi, naquelas férias douradas da minha meninice. Ainda hoje surgem na minha mente fragmentos das memórias desses tempos. Planeio estar lá, de máquina fotográfica preparada, e sóbrio.
Sóbrio. Eis uma promessa que talvez me seja difícil cumprir... sentimentos mistos atravessam-me a alma. Estás de férias, penso eu, enquanto seguro o copo. Tens trinta anos, queima lá uns últimos foguetes de irresponsabilidade antes que as marés da normalidade te levem. Que se lixe, penso, a vida está demasiado atravancada por contas a pagar e problemas a resolver. Vai uma fuga induzida pelo alcool? Quando o tecido intricado da vida quotidiana se torna demasiado àspero, vai um copo?
Já tenho idade para ter juízo. Ando a querer evitar ser um cabrão de um trintão, com todas aquelas emoções ligadas ao assentamento nas profundezas da normalidade suburbana (exurbana, no meu caso específico) de pequena burguesia, e depois faço destas. Catarses induzidas pelo alcool. O pior da ressaca é este sentimento de auto-recriminação que me leva a escrever estas lamechices e, ainda por cima, a colocá-las online. Versão pós moderna com laivos de futurismo daquele sentimento de fui um menino que me portei muito muito mal vá lá dá lá mais uns açoites sim sim ai que fui um menino mesmo muito mal comportado.
Garanto-vos que os meus fétiches não andam por esses lados. Visões de mulheres dominadoras em ténues lingeries de couro negro brandindo chicotes e pingalins não são própriamente a substância dos meus sonhos molhados.
Andava eu prontinho para dar um ar intelectual, com uma crítica ao Kafka Desiste! de Peter Kuper, mas não dá. Hoje o cérebro não vai lá. Hoje o cérebro está demasiado embrenhado em labirintos kafkianos para conseguir realizar qualquer coisa construtiva
Estas festas anuais da vila da Ericeira estão a fazer-me mal. Nestas últimas noites, tenho consumido demasiada cerveja para continuar a assegurar o bom funcionamento dos meus sistemas. Depois dá nisto. Ressacas e agressões a incautas máquinas de tabaco. Não fosse eu ateu, e teria de pedir ajuda à senhora da boa viagem.
Falando na senhora da boa viagem, espero que este ano o tempo permita que a procissão se realize na baia da praia dos pescadores. Há anos que não vejo a procissão. Ela realiza-se todos os anos, mas ainda era menino aquando da última que vi, naquelas férias douradas da minha meninice. Ainda hoje surgem na minha mente fragmentos das memórias desses tempos. Planeio estar lá, de máquina fotográfica preparada, e sóbrio.
Sóbrio. Eis uma promessa que talvez me seja difícil cumprir... sentimentos mistos atravessam-me a alma. Estás de férias, penso eu, enquanto seguro o copo. Tens trinta anos, queima lá uns últimos foguetes de irresponsabilidade antes que as marés da normalidade te levem. Que se lixe, penso, a vida está demasiado atravancada por contas a pagar e problemas a resolver. Vai uma fuga induzida pelo alcool? Quando o tecido intricado da vida quotidiana se torna demasiado àspero, vai um copo?
sexta-feira, 12 de agosto de 2005
Assimétrico
Links a explorar:
Dial B For Blog
Planet Xtabay
70's Invasion
Skinny Robbie
Something I Learned Today
Por agora mais nada, que ainda estou em fase de lenta recuperação dos excessos da noite anterior. E ainda estou para saber o que é que significa "ó tio, arranja-me aí uma light". Talvez o deus google me ajude.
quinta-feira, 11 de agosto de 2005
Sol Poente (II)
Mais uns parágrafos desta criatura que está a nascer sob o meu teclado. Não é demasiado entediante, espero.
Na mente inocente dos meus anos de meninice, geraram-se assim as variáveis da equação que hoje me leva a contemplar o ecrã onde o sol, o sol terrestre, se revela como um ponto, mais um ponto brilhante no meio do oceano negro do espaço interestelar. Um ponto cada vez mais distante, do qual me afasto a uma velocidade sub lumínica constante. O meu destino é absolutamente previsível, a órbita de um novo sol. Mesmo que quisesse alterar o meu destino, não o poderia fazer. A inteligência artificial que controla os sistemas complexos deste aglomerado de módulos soldados ao propulsor sub lumínico tem uma vontade implacável, indelevelmente impressa em circuitos holográficos e sub-rotinas paraconsistente. Sob os raios desta nova estrela, tentarei afastar os véus de uma atmosfera alienígena, e perscrutar as paisagens de um novo mundo. Adivinhar as geometrias dos espaços escondidos sob as nuvens cuja real composição é conhecida apenas pelo espectómetro. Cheirar a atmosfera que a inteligência artificial me informa amávelmente que é tolerável pelo ser humano, desde que protegido por um fato de astronauta. Segurança, sempre! As mortes em serviço são má publicidade para um futuro nas estrelas que se quer brilhante, como se saído das páginas coloridas de algum romance pulp de mil novecentos e trinta. Gostamos de nos imaginar como astronautas vestidos em fatos garridos, tripulantes de naves em estonteantes formas art deco. Para as estrelas, e mais além. Sonhos de aventuras nos novos mundos povoados de raças exóticas e belas mulheres langorosas nos seus longos vestidos, dispostas a entregarem-se aos heróis que vêm das estrelas.
A realidade é feita de módulos concebidos olhando para a eficiência máxima de aproveitamento de espaços úteis e fatos bojudos que nos defendem dos perigos do ambiente estéril, repleto de radiação e micrometeoritos que nos espera do lado de lá do casco dos módulos da nave. Quanto às míriades de planetas povoados por espécies exóticas, bem sabemos como a maior parte deles não passam de rochas rodeadas de atmosferas infernais a orbitar de sóis agrestes e letais.
Mas talvez se encontrem excepções, a orbitar a elíptica de um outro novo sol.
Estava uma manhã fria na rampa de lançamento. À minha volta a base fervilhava de actividade. Nas horas que antecedem um lançamento, o ritmo de trabalho acelera-se à medida que mecânicos e técnicos de engenharia aeroespacial se atarefam nas ultimas verificações aos sistemas do vai-vem. Tudo é verificado, novamente verificado e, só para os técnicos se sentirem seguros, verificado uma terceira vez. Nenhum parafuso é esquecido, nenhuma junta de tubagem escapa às verificações. Debruçados sobre as suas consolas portáteis, os técnicos de software avançado metralham os sistemas de inteligência artificial com todas as situações de perigo previstas nos manuais, e mais algumas situações perigosas inventadas pelo lado desviante das suas mentes de hackers.
Paira no ar um leve odor à hidrazina que enche os monstruosos tanques do foguetão que me colocará em órbita. Ao olhar para cima, vejo perfeitamente recortada contra o céu azul a silhueta do módulo tripulado no topo do foguetão. Estão sólidamente ancorados pelas treliças da torre de lançamento. Como tentáculos, os veículos estão ligados à torre por míriades de cabos de sustentação, cabos de comunicação e cabos de combustível. Presa à terra, a nave anseia por se libertar e descolar, escapando a este fundo de poço gravitacional. A elegante carenagem arodinâmica do módulo tripulado augura terríveis acontecimentos. Só precisarei da aerodinâmica do módulo se tudo correr mal, e for forçado a regressar à atmosfera. Eu não planeio voltar. Pelo menos, não planeio voltar muito cedo.
Na mente inocente dos meus anos de meninice, geraram-se assim as variáveis da equação que hoje me leva a contemplar o ecrã onde o sol, o sol terrestre, se revela como um ponto, mais um ponto brilhante no meio do oceano negro do espaço interestelar. Um ponto cada vez mais distante, do qual me afasto a uma velocidade sub lumínica constante. O meu destino é absolutamente previsível, a órbita de um novo sol. Mesmo que quisesse alterar o meu destino, não o poderia fazer. A inteligência artificial que controla os sistemas complexos deste aglomerado de módulos soldados ao propulsor sub lumínico tem uma vontade implacável, indelevelmente impressa em circuitos holográficos e sub-rotinas paraconsistente. Sob os raios desta nova estrela, tentarei afastar os véus de uma atmosfera alienígena, e perscrutar as paisagens de um novo mundo. Adivinhar as geometrias dos espaços escondidos sob as nuvens cuja real composição é conhecida apenas pelo espectómetro. Cheirar a atmosfera que a inteligência artificial me informa amávelmente que é tolerável pelo ser humano, desde que protegido por um fato de astronauta. Segurança, sempre! As mortes em serviço são má publicidade para um futuro nas estrelas que se quer brilhante, como se saído das páginas coloridas de algum romance pulp de mil novecentos e trinta. Gostamos de nos imaginar como astronautas vestidos em fatos garridos, tripulantes de naves em estonteantes formas art deco. Para as estrelas, e mais além. Sonhos de aventuras nos novos mundos povoados de raças exóticas e belas mulheres langorosas nos seus longos vestidos, dispostas a entregarem-se aos heróis que vêm das estrelas.
A realidade é feita de módulos concebidos olhando para a eficiência máxima de aproveitamento de espaços úteis e fatos bojudos que nos defendem dos perigos do ambiente estéril, repleto de radiação e micrometeoritos que nos espera do lado de lá do casco dos módulos da nave. Quanto às míriades de planetas povoados por espécies exóticas, bem sabemos como a maior parte deles não passam de rochas rodeadas de atmosferas infernais a orbitar de sóis agrestes e letais.
Mas talvez se encontrem excepções, a orbitar a elíptica de um outro novo sol.
Estava uma manhã fria na rampa de lançamento. À minha volta a base fervilhava de actividade. Nas horas que antecedem um lançamento, o ritmo de trabalho acelera-se à medida que mecânicos e técnicos de engenharia aeroespacial se atarefam nas ultimas verificações aos sistemas do vai-vem. Tudo é verificado, novamente verificado e, só para os técnicos se sentirem seguros, verificado uma terceira vez. Nenhum parafuso é esquecido, nenhuma junta de tubagem escapa às verificações. Debruçados sobre as suas consolas portáteis, os técnicos de software avançado metralham os sistemas de inteligência artificial com todas as situações de perigo previstas nos manuais, e mais algumas situações perigosas inventadas pelo lado desviante das suas mentes de hackers.
Paira no ar um leve odor à hidrazina que enche os monstruosos tanques do foguetão que me colocará em órbita. Ao olhar para cima, vejo perfeitamente recortada contra o céu azul a silhueta do módulo tripulado no topo do foguetão. Estão sólidamente ancorados pelas treliças da torre de lançamento. Como tentáculos, os veículos estão ligados à torre por míriades de cabos de sustentação, cabos de comunicação e cabos de combustível. Presa à terra, a nave anseia por se libertar e descolar, escapando a este fundo de poço gravitacional. A elegante carenagem arodinâmica do módulo tripulado augura terríveis acontecimentos. Só precisarei da aerodinâmica do módulo se tudo correr mal, e for forçado a regressar à atmosfera. Eu não planeio voltar. Pelo menos, não planeio voltar muito cedo.
Visualmente
Ichtios, como se fosse um peixe
Por hoje, por enquanto, só imagens. Primeiro o meu último desenho, olhando para o qual me sinto inclinado a concordar com a observação de Cliffor Pickover quando linkou para o meu blog: "man devotes life". Sou um verdadeiro obcecado com formas abstractas num glorioso preto e branco. Em seguida, um esboço/colagem de 1997, a brinca com o quarto de Max Ernst.
Embora ainda não tenha recebido um e-mail a dizer-me que os textos que enviei não se qualificam para o projecto do antoloblogue, graças ao seu tamanho (10 páginas era o mínimo), já o entendi pelo último post do Antoloblogue. Fiquei um pouco desapontado, mas paciência. Não é por isso que vou amuar e deixar de aplaudir e divulgar a iniciativa. E, já que desempoeirei os textos, porque não criar umas páginas próprias, no blog ou num site próprio, em conjunto com uma galeria dos meus melhores trabalhos gráficos? Isto de estar a criar para a gaveta e para o disco rígido já está a ficar um pouco estafado.
Outras leituras em português: Projecto Gutenberg. No mais antigo repositório de textos na internet, a lista dos autores portugueses disponíveis.
O meu quarto (já dos longos anos de 1997)
quarta-feira, 10 de agosto de 2005
Post Scripts
Curiosamente, estou um bocadinho nervoso com as hipotéticas reacções dos editores do Antoloblogue. Não devia, pois escrevi aqueles contos por divertimento, sem outros objectivos que não os de criar algo novo. E o pior que pode acontecer é não gostarem.
Sempre que penso que o meu blog até é giro e vale a pena ler, encontro outros blogs que me põem no meu lugar com um pontapé nos tomates: Groovy Age of Horror, sobre a cultura de horror de série B; Bubble Gum Fink, mais detritos culturais pop; Molly Kiely, autora de sedutores desenhos num estilo entre a pop art e a banda desenhada; tudo isto via o Positive Ape, o blog de Coop, um daqueles artistas que quando eu penso que tenho uns desenhos porreiros aparece e dá-me um pontapé nos tomates.
Profundamente perturbador: ONNA HARAKIRI: SANGE Seppuku é o suicídio ritual dos samurais caídos em desgraça. No japão pré-industrial era bastante comum. Hoje, tirando o exemplo de Yukio Mishima, o Seppuku já não é cometido. O que não significa que tenha sido aproveitado para um estranho fétiche só possível nas terras do império do sol nascente. Um link desaconselhado a estômagos fracos, via Warren Ellis, autor de banda desenhada e coleccionador das bizarras profundezas da alma humana.
Hugo Awards - lista dos premiados com o Hugo de 2005. Para quem não sabe, os Hugos são os óscares da FC e Fantasia.
T-T-T-That's All, Folks!
Sol Poente
Este é o rascunho de um início. Até o título é transiente. Agradecia comentários...
Sol Poente
Têm de compreender que o sol sempre desempenhou um papel importante na minha vida. Tendo vivido os anos mais inocentes da minha vida numa antiquada vila à beira mar, o sol sempre foi aquela entidade omnipresente, o astro no céu que dominava os meus dias.
Claro que é já banal falar no sol poente, mas na verdade nunca deixei de me sentir fascinado pela espantosa paleta de cores que evolui ao crepúsculo. Também não posso esquecer as esteiras de luz solar em fins de tarde calmos sobre o mar, ou as explosões de luz matinal quando os raios do sol nascente tocam o nevoeiro. O sol, e a luz, a luz fria e agressiva das manhãs, a luz quente dos fins de tarde, que tudo banha em reflexos dourados.
Não consigo traçar com exactidão o momento em que decidi aproximar-me do sol. As geometrias da memória, sempre tão convulutas e não lineares, não mo permitem. Talvez tenha sido naqueles dias longínquos da minha infância, em que o sol iluminava as rochas e as areias desertas das praias na maré baixa. Naqueles momentos em que os bancos de areia estão lisos, ainda imaculados de pegadas e minúsculas dunas geradas pelo vento.
Já olharam com atenção para uma praia na maré baixa? Como por milagre, o mar recua, levantando um véu sobre intricados recantos e paisagens invisíveis. A absurda fractalidade da erosão marítima revela buracos tenebrosos e piscinas naturais, que à primeira vista parece desertos mas que olhares mais atentos revelam estruturas intricadas fervilhantes de vida. Ali, aos nossos pés, revelada por breves instantes graças aos caprichos gravitacionais lunares, está um mundo verdadeiramente alienígena, onde seres multicoloridos vivem por entre estruturas submersas.
Na mente inocente dos meus anos de meninice, geraram-se assim as variáveis da equação que hoje me levam a contemplar o ecrã onde o sol, o sol terrestre, se revela como um ponto, mais um ponto brilhante no meio do oceano negro do espaço interestelar. Um ponto cada vez mais distante, do qual me afasto a uma velocidade sub lumínica constante. O meu destino é absolutamente previsível, a órbita de um novo sol. Mesmo que quisesse alterar o meu destino, não o poderia fazer. A vontade implacável da inteligência artificial que controla os sistemas complexos deste aglomerado de módulos soldados ao propulsor sub lumínico. Sob os raios desta nova estrela, tentarei afastar os véus de uma atmosfera alienígena, e perscrutar as paisagens de um novo mundo. Adivinhar as geometrias dos espaços escondidos sob as nuvens cuja real composição é conhecida apenas pelo espectómetro e que a inteligência artificial me informa amávelmente que é tolerável pelo ser humano, sempre protegido por um fato de astronauta.
Sol Poente
Têm de compreender que o sol sempre desempenhou um papel importante na minha vida. Tendo vivido os anos mais inocentes da minha vida numa antiquada vila à beira mar, o sol sempre foi aquela entidade omnipresente, o astro no céu que dominava os meus dias.
Claro que é já banal falar no sol poente, mas na verdade nunca deixei de me sentir fascinado pela espantosa paleta de cores que evolui ao crepúsculo. Também não posso esquecer as esteiras de luz solar em fins de tarde calmos sobre o mar, ou as explosões de luz matinal quando os raios do sol nascente tocam o nevoeiro. O sol, e a luz, a luz fria e agressiva das manhãs, a luz quente dos fins de tarde, que tudo banha em reflexos dourados.
Não consigo traçar com exactidão o momento em que decidi aproximar-me do sol. As geometrias da memória, sempre tão convulutas e não lineares, não mo permitem. Talvez tenha sido naqueles dias longínquos da minha infância, em que o sol iluminava as rochas e as areias desertas das praias na maré baixa. Naqueles momentos em que os bancos de areia estão lisos, ainda imaculados de pegadas e minúsculas dunas geradas pelo vento.
Já olharam com atenção para uma praia na maré baixa? Como por milagre, o mar recua, levantando um véu sobre intricados recantos e paisagens invisíveis. A absurda fractalidade da erosão marítima revela buracos tenebrosos e piscinas naturais, que à primeira vista parece desertos mas que olhares mais atentos revelam estruturas intricadas fervilhantes de vida. Ali, aos nossos pés, revelada por breves instantes graças aos caprichos gravitacionais lunares, está um mundo verdadeiramente alienígena, onde seres multicoloridos vivem por entre estruturas submersas.
Na mente inocente dos meus anos de meninice, geraram-se assim as variáveis da equação que hoje me levam a contemplar o ecrã onde o sol, o sol terrestre, se revela como um ponto, mais um ponto brilhante no meio do oceano negro do espaço interestelar. Um ponto cada vez mais distante, do qual me afasto a uma velocidade sub lumínica constante. O meu destino é absolutamente previsível, a órbita de um novo sol. Mesmo que quisesse alterar o meu destino, não o poderia fazer. A vontade implacável da inteligência artificial que controla os sistemas complexos deste aglomerado de módulos soldados ao propulsor sub lumínico. Sob os raios desta nova estrela, tentarei afastar os véus de uma atmosfera alienígena, e perscrutar as paisagens de um novo mundo. Adivinhar as geometrias dos espaços escondidos sob as nuvens cuja real composição é conhecida apenas pelo espectómetro e que a inteligência artificial me informa amávelmente que é tolerável pelo ser humano, sempre protegido por um fato de astronauta.
Antoloblogue II
Pronto, decidi enviar duas empoeiradas histórias que escrevi há já alguns aninhos para os editores do Antoloblogue. Com sorte, elas enquadrar-se-ão nas linhas editoriais estabelecidas. Ou então não. Mas não tenho nada a perder. O pior que posso ouvir (no caso, ler) é uma rotunda negativa.
terça-feira, 9 de agosto de 2005
Antoloblogue
Dei agora conta de ter recebido um e-mail a revelar o Antoloblogue. Não entala nada, é um blogue de Jorge Candeias e Luis Filipe Silva que está a recolher contos de Ficção Científica para posterior publicação em antologia.
(vou dar uma vista de olhos, a ver o que é que se arranja. e tu também, vê lá o que é que tens...)
Parabéns à iniciativa, e já que falam nisso, vou desempoeirar uns bits para ver se alguma coisa do que escrevi vale a pena para colaborar.
(vou dar uma vista de olhos, a ver o que é que se arranja. e tu também, vê lá o que é que tens...)
Parabéns à iniciativa, e já que falam nisso, vou desempoeirar uns bits para ver se alguma coisa do que escrevi vale a pena para colaborar.
Ulugh Bei
"Príncipe das Estrelas", Bernhard du Mont e Heiner Schwan, Scientific American Brasil, Janeiro de 2005, páginas 50-59
Scientific American Brasil
Restos do observatório de Ulugh Bei
Samarkand |Ulugh Bei
(Irritantemente, a scientific american original não apresenta referências a este artigo e a edição brasileira não permite a leitura online)
Quando me falam em fundamentalismos religiosos transformo-me. Perante as filosofias dos fundamentalistas cristãos, islâmicos ou quaisquer outros, perante até qualquer filosofia de tipo religioso, perco a minha discreta compreensão liberal pelas ideias que me rodeiam. Normalmente, penso que a diferença de opiniões deve ser estimulada, discutida e aceite. Excepto no que toca à religião.
Porquê, perguntam? Se os aviões atirados contra arranha-céus, se as bombas em comboios e autocarros, se as proibições de uso de preservativos ou as posições sociais da igreja católica não vos convencem, deixem-me contar a história de Ulugh Bei, tal como a descobri na Scientific American Brasil de janeiro deste ano.
A àsia central é terra de desertos e montanhas. Por entre as ruínas das cidades míticas de Samarcanda, Bukhara, Nishapur, Isfahan e tantas outras, cujos nomes despertam sonhos de aventuras exóticas em terras arábicas de utopia e maravilhas inimagináveis, espera-se encontrar de tudo, menos alta tecnologia (do século XV). No entanto, Samarcanda, sob o reinado de Ulugh Bei, dispôs de um moderno observatório astronómico com cientistas capazes de realizar observações que só foram melhoradas séculos depois, na europa de Galileu, Huygens, Kepler e Copérnico. Descendente de Gengis Khan, neto de Tamerlão, Ulugh Bei governou Samarcanda entre 1409 e 1447. Nesses tempos, Samarcanda era uma cidade enriquecida pelo tráfego de bens da rota da seda. Essa riqueza, conjugada com uma classe dirigente aberta às artes e às ciências, permitiu a Ulugh Bei a construção de madrassas que ultrapassavam a noção de escolas teológicas, similares às universidades ocidentais, a atracção de grandes mentes científicas e culturais do mundo àrabe da época e, a grande paixão de Ulugh Bei, a construcção de um moderno observatório astronómico.
Foi aqui que as maiores contribuições de Ulgh Bei para o desenvolvimento da ciência de desenrolaram. Durante trinta anos, juntamente com colaboradores, Ulugh Bei mediu e observou cerca de setecentas estrelas. Coligidas na monumental obra Zij (tabelas), as medições nela contidas só foram ultrapassadas em precisão pelas observações de Tycho Brahe.
Com tudo isto, fica no ar a pergunta: porque é que Ulugh Bei é quase esquecido? Porque é que entre todas as ideias que associamos a Samarcanda, a de centro científico não aparece? A resposta está numa perigosa conjunção entre política e a ordem religiosa dos desvixes sufistas, os Nakshbandi. A busca pelo conhecimento científico e a liberalidade dos costumes da corte de Ulugh Bei (onde até as mulheres podiam estudar) irritavam sériamente estes dervixes. Apostados num islão fundamentalista, considerando que todo o conhecimento necessário ao homem estava contido no Corão e nas Hadith, olhavam com maus olhos para os cientistas da época, que se atreviam a apoderar-se dos segredos de Allah. Para estes dervixes, o liberalismo, o luxo e a procura de conhecimentos desta corte eram um crime aos olhos de deus. A atribuição a Ulugh Bei da fras "a religião dissipa-se como a neblina, os reinos perecem, apenas as obras dos sábios permanecem eternamente" ajudaram as acusações de impiedade contra Ulugh Bei.
Com a morte do pai de Ulugh Bei, em 1447, rei dos reinos mongois da àsia central, começaram os jogos políticos mortais entre os irmãos herdeiros do trono. O irmão de Ulugh Bei, Abdul Latif, aliou-se aos Nashkandi para derrotar militarmente Ulugh Bei e tornar-se rei. A partir daqui, os acontecimentos tomaram uma forma previsível. Abdul Latif, numa caricatura de piedade, envia Ulugh Bei em peregrinação a Meca enquanto secretamente o julgava e condenava à morte segundo a Sharia. Decapitada, a cabeça de Ulugh Bei esteve exposta na madrassa que o próprio Bei mandara construir.
O obscurantismo religioso apoderou-se de Samarcanda. Os sábios e eruditos, temendo pelas suas vidas, fugiram, e o observatório astronómico foi abandonado. Serviu como pedreira, até que os dervixes decidiram apagar toda a memória do centro científico de Samarcanda e erigiram no local do observatório um mausoleu religioso às "quarenta virgens" (não me perguntem, tenho de investigar esta) que se tornou num lucrativo local de peregrinações.
A diáspora dos eruditos de Samarcanda levou o Zij de Ulugh Bei a todo o mundo islâmico. Todos os astrónomos islâmicos trabalharam com as observações de Ulgh Bei e, ao chegar ao ocidente, o Zij, embora já tardio, influenciou o trabalho de Edmund Halley (esse mesmo, o do cometa).
Esta pequena parábola, infelizmente verdadeira, serve perfeitamente para ilustrar a minha posição perante fundamentalismos, quer religiosos quer de outros tipos (que também os há). Os fundamentalistas não são indivíduos pacatos que apenas querem viver de acordo com as suas crenças. Se lhes dermos oportunidades, eles não hesitarão em destruir toda a nossa sociedade e todo o nosso modo de vida, em nome à obediência ao corão ou à bíblia. A história está por demais cheia de exemplos como os de Ulugh Bei (caso das cruzadas, das guerras religiosas que devastaram a europa, e até mesmo o nazismo), que demonstram com os fanáticos, obtendo poder, provocam retrocessos que por vezes são irrecuperáveis. Nós, sociedade moderna e tolerante, não podemos infelizmente ser tolerantes para com estes fanáticos. Não podemos plácidamente discutir em pé de igualdade com pessoas que nos consideram como inferiores, individuos degenerados que pouco mais merecem que os fogos do inferno ou a aniquilação no caminho para o trabalho.
Pessoalmente, sou ateu, mas isso agora não vem ao caso. Longe vão os tempos em que eu achava que tudo o que era religião deveria ser apagado da face da terra. A religião é um direito. Se as pessoas preferem escolher o caminho da ignorância e acreditarem numa qualquer crendice religiosa, estão no seu direito, e quem sou eu para lhes negar isso. Mas no que toca aos fundamentalistas, de qualquer religião, o perigo por eles representado é demasiado grande para que simplesmente os deixemos ser como eles são. Não se trata apenas da nossa defesa. É a nossa civilização culta e liberal que está em perigo.
Scientific American Brasil
Restos do observatório de Ulugh Bei
Samarkand |Ulugh Bei
(Irritantemente, a scientific american original não apresenta referências a este artigo e a edição brasileira não permite a leitura online)
Quando me falam em fundamentalismos religiosos transformo-me. Perante as filosofias dos fundamentalistas cristãos, islâmicos ou quaisquer outros, perante até qualquer filosofia de tipo religioso, perco a minha discreta compreensão liberal pelas ideias que me rodeiam. Normalmente, penso que a diferença de opiniões deve ser estimulada, discutida e aceite. Excepto no que toca à religião.
Porquê, perguntam? Se os aviões atirados contra arranha-céus, se as bombas em comboios e autocarros, se as proibições de uso de preservativos ou as posições sociais da igreja católica não vos convencem, deixem-me contar a história de Ulugh Bei, tal como a descobri na Scientific American Brasil de janeiro deste ano.
A àsia central é terra de desertos e montanhas. Por entre as ruínas das cidades míticas de Samarcanda, Bukhara, Nishapur, Isfahan e tantas outras, cujos nomes despertam sonhos de aventuras exóticas em terras arábicas de utopia e maravilhas inimagináveis, espera-se encontrar de tudo, menos alta tecnologia (do século XV). No entanto, Samarcanda, sob o reinado de Ulugh Bei, dispôs de um moderno observatório astronómico com cientistas capazes de realizar observações que só foram melhoradas séculos depois, na europa de Galileu, Huygens, Kepler e Copérnico. Descendente de Gengis Khan, neto de Tamerlão, Ulugh Bei governou Samarcanda entre 1409 e 1447. Nesses tempos, Samarcanda era uma cidade enriquecida pelo tráfego de bens da rota da seda. Essa riqueza, conjugada com uma classe dirigente aberta às artes e às ciências, permitiu a Ulugh Bei a construção de madrassas que ultrapassavam a noção de escolas teológicas, similares às universidades ocidentais, a atracção de grandes mentes científicas e culturais do mundo àrabe da época e, a grande paixão de Ulugh Bei, a construcção de um moderno observatório astronómico.
Foi aqui que as maiores contribuições de Ulgh Bei para o desenvolvimento da ciência de desenrolaram. Durante trinta anos, juntamente com colaboradores, Ulugh Bei mediu e observou cerca de setecentas estrelas. Coligidas na monumental obra Zij (tabelas), as medições nela contidas só foram ultrapassadas em precisão pelas observações de Tycho Brahe.
Com tudo isto, fica no ar a pergunta: porque é que Ulugh Bei é quase esquecido? Porque é que entre todas as ideias que associamos a Samarcanda, a de centro científico não aparece? A resposta está numa perigosa conjunção entre política e a ordem religiosa dos desvixes sufistas, os Nakshbandi. A busca pelo conhecimento científico e a liberalidade dos costumes da corte de Ulugh Bei (onde até as mulheres podiam estudar) irritavam sériamente estes dervixes. Apostados num islão fundamentalista, considerando que todo o conhecimento necessário ao homem estava contido no Corão e nas Hadith, olhavam com maus olhos para os cientistas da época, que se atreviam a apoderar-se dos segredos de Allah. Para estes dervixes, o liberalismo, o luxo e a procura de conhecimentos desta corte eram um crime aos olhos de deus. A atribuição a Ulugh Bei da fras "a religião dissipa-se como a neblina, os reinos perecem, apenas as obras dos sábios permanecem eternamente" ajudaram as acusações de impiedade contra Ulugh Bei.
Com a morte do pai de Ulugh Bei, em 1447, rei dos reinos mongois da àsia central, começaram os jogos políticos mortais entre os irmãos herdeiros do trono. O irmão de Ulugh Bei, Abdul Latif, aliou-se aos Nashkandi para derrotar militarmente Ulugh Bei e tornar-se rei. A partir daqui, os acontecimentos tomaram uma forma previsível. Abdul Latif, numa caricatura de piedade, envia Ulugh Bei em peregrinação a Meca enquanto secretamente o julgava e condenava à morte segundo a Sharia. Decapitada, a cabeça de Ulugh Bei esteve exposta na madrassa que o próprio Bei mandara construir.
O obscurantismo religioso apoderou-se de Samarcanda. Os sábios e eruditos, temendo pelas suas vidas, fugiram, e o observatório astronómico foi abandonado. Serviu como pedreira, até que os dervixes decidiram apagar toda a memória do centro científico de Samarcanda e erigiram no local do observatório um mausoleu religioso às "quarenta virgens" (não me perguntem, tenho de investigar esta) que se tornou num lucrativo local de peregrinações.
A diáspora dos eruditos de Samarcanda levou o Zij de Ulugh Bei a todo o mundo islâmico. Todos os astrónomos islâmicos trabalharam com as observações de Ulgh Bei e, ao chegar ao ocidente, o Zij, embora já tardio, influenciou o trabalho de Edmund Halley (esse mesmo, o do cometa).
Esta pequena parábola, infelizmente verdadeira, serve perfeitamente para ilustrar a minha posição perante fundamentalismos, quer religiosos quer de outros tipos (que também os há). Os fundamentalistas não são indivíduos pacatos que apenas querem viver de acordo com as suas crenças. Se lhes dermos oportunidades, eles não hesitarão em destruir toda a nossa sociedade e todo o nosso modo de vida, em nome à obediência ao corão ou à bíblia. A história está por demais cheia de exemplos como os de Ulugh Bei (caso das cruzadas, das guerras religiosas que devastaram a europa, e até mesmo o nazismo), que demonstram com os fanáticos, obtendo poder, provocam retrocessos que por vezes são irrecuperáveis. Nós, sociedade moderna e tolerante, não podemos infelizmente ser tolerantes para com estes fanáticos. Não podemos plácidamente discutir em pé de igualdade com pessoas que nos consideram como inferiores, individuos degenerados que pouco mais merecem que os fogos do inferno ou a aniquilação no caminho para o trabalho.
Pessoalmente, sou ateu, mas isso agora não vem ao caso. Longe vão os tempos em que eu achava que tudo o que era religião deveria ser apagado da face da terra. A religião é um direito. Se as pessoas preferem escolher o caminho da ignorância e acreditarem numa qualquer crendice religiosa, estão no seu direito, e quem sou eu para lhes negar isso. Mas no que toca aos fundamentalistas, de qualquer religião, o perigo por eles representado é demasiado grande para que simplesmente os deixemos ser como eles são. Não se trata apenas da nossa defesa. É a nossa civilização culta e liberal que está em perigo.
Subscrever:
Mensagens (Atom)