quinta-feira, 30 de abril de 2015

Rumos


Rumo às estrelas? Se o foguetão sildávio inspirado no V2 do Professor Von Braun levou a imaginação de milhares de crianças e adultos a pisar o solo lunar, o R7-Vostok K levou Gagarin ao espaço, aqui revisto neste velhinho livro pop-up. Sonhos dos futuros que o passado nos prometeu, que animam aqueles que gostariam de voar numa nave cósmica e de lá de cima ver o nosso planeta azul. Sombras de futuros que hoje nos parecem longínquos.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Mucha


David Soares, Osvaldo Medina, Mário Freitas (2009). Mucha. Lisboa: Kingpin Books.

O absurdismo violento e obscuro de Kafka está aqui em sublimação pelo imaginário telúrico de David Soares. Estamos algures na europa oriental, primeva e rodeada de florestas. O porquê de vermos a cultura da europa eslava como selvagem e primitiva é toda uma outra história de premissas geopolíticasintencionais do império austro-húngaro que acabou por se instalar como preconceito aceite, e que não vem ao caso deste livro, embora também algo disto nele esteja presente. Estamos numa aldeia rural, isolada, num mundo a ferro e fogo pela guerra nazi, onde uma mulher prestes a dar à luz se apercebe que todos os seus vizinhos sofrem de profundas dores de cabeça e descobrirá, para seu horror, que se transformarão de forma inexplicável e súbita em moscas. Nada de longas transformações viscerais, apenas um acordar para um mundo irremediavelmente alterado. Nas redondezas da aldeia, felizmente, anda um einsatzgruppen a levar a cabo a sua missão sagrada de extermínio cujas balas saídas dos canos ainda quentes de abater judeus que cavaram a sua vala comum vão fazer muito jeito para aniquilar a infestação de moscas gigantes que, após morrerem, regressarão à sua forma humana.

Se o absurdismo Kafkiano, com algum toque mais subtil de um body horror que remete obrigatoriamente para Cronenberg, são os pilares deste livro não consigo deixar de escapar à reflexão sobre ao horror da guerra. Sendo mais específico, ao horror da matança industrializada em nome de uma ideologia insana que tratou as suas vítimas como menos do que insectos. Sob a bota cardada nazi (e de outros totalitarismos ao longo de uma história humana que se repete, sob bota, cruz, crescente, folha de cálculo ), as suas vítimas são reduzidas à condição de sub-humanidade, cujas vidas valem menos do que as das incómodas criaturas rastejantes do mundo dos insectos.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Capitão Falcão


Por onde começar? Talvez por dizer finalmente. Há anos que circulava pelos festivais ligados ao fantástico um divertido teaser para uma proposta de série televisiva que encantava quem o via mas parecia nunca mais conseguir passar disso. Sabemos que Portugal é um país inclemente para ficções de género e que os media tradicionais preferem reality shows, concursos e telenovelas. Admirável, a persistência da equipa, mas pensei que se ficasse por um eterno vaporware, mais uma promessa do que poderia ser mas que nunca aconteceu. Até que vi os cartazes e o forte investimento publicitário neste filme. Conseguiram concretizar a promessa, não em mini-série televisiva mas como filme. E ainda bem. O público, quer o mais ligado aos géneros quer o grande público, ficou a ganhar.


Quanto ao filme, é exactamente aquilo que quem conhecia os teasers esperava. Fortemente estilizado, intencionalmente exagerado, sátira ao antigo regime misturado com vénia aos super-heróis clássicos da Golden Age. O herói fascista Capitão Falcão e o seu companheiro Puto Perdiz são uma óbvia e assumida mistura do Batman e Robin campy dos anos 60 com Green Hornet. Todo o filme é um elogio à estética berrante e inocente da filmografia de série B. É um decalque que funciona muito bem por ser assumido e desprendendido. A história satiriza o nostalgismo estado-novista com um personagem acima de tudo fiel ao presidente do conselho de ministros, capaz de com o seu eficaz porrete travar as insidiosas ameaças dos perigosos comunas, decadentes liberais, libertários Capitães de Abril e demais ameaças à estabilidade da lusa pátria e nação. Uma história que decalca o simplismo dos comics de super-heróis com uma corrosiva e fervilhante ironia à história de um Portugal recente que muitos gostam de olhar com uma nostalgia branqueadora.

A excelência do argumento, divertido, ritmado, assumidamente previsível e a brincar muito bem com todos os lugares comuns quer do género quer da época fascista é complementada pelos aspectos técnicos do filme. A cinematografia é fantástica e a fotografia acompanha-a. Pessoalmente fixei os raccords temporais com as Portas do Sol ribatejanas ou a intencionalmente má montagem do Capitão a conduzir a sua mota com sidecar sob imagens de ângulo mal sincronizado de movimento na estrada. Mas há muitos outros momentos destes. Até porque este filme não descura pormenores. A direcção de actores mantém a credibilidade em ambiente de exagero e Gonçalo Waddington, como protagonista, passeia-se muito bem nos campos do exagero absurdista com uma cara de pau impressionante. Destaque também para as coreografias das cenas de luta, a cargo da MadStunts, muito acima do que se esperaria por cá. A realização de João Leitão é impecável.

Esta talvez seja uma das melhoras formas de comemorar os 41 anos do 25 de abril. Sendo um filme feito por fanboys que deixa os públicos de fanboys deslumbrados, é suficientemente divertido para cativar outras audiências e, esperemos, sustentar-se. Tendo em conta o tocar num ponto sensível da história contemporânea e ser um filme de estilo pouco usual no panorama cinematográfico português, estou surpreendido por não ver uma aliança de revisionistas/saudosistas dos tempos da velha senhora e estetas do fílmico nacional-sublime a insurgir-se contra este filme tão fresco, de estética tão marcante, influências vincadas de género e que de piada em piada nos vai recordando o cinzentismo monolítico do estado novo. O absurdismo desperta o pensamento e enquanto vemos paradas de moços da mocidade portuguesa ou o Capitão a dar tau tau em feministas percebemos este exagero tem raízes históricas bem conhecidas e podemos hoje sorrir em liberdade com os anacronismos de uma ditadura provinciana que manteve Portugal mergulhando durante mais de quarenta anos no obscurantismo.

A não perder, esta pedrada no charco do cinema nacional, que consegue ter um pé no género e outro no popular sem perder o equilíbrio. Aliás, tendo em conta a mediocridade dos recentes filmes do género fantástico portugueses (a âncora transmedia que é Collider e o passeio de canastrões de RPG), diria que é imperdível e marcante para a cultura do fantástico e ficção científica nacional. Mas já sabíamos disso há anos. Felizmente confirmou-se.

Vindos de um Outro Mundo (I)





Numa mini (micro) mostra bibliográfica de literatura de Ficção Científica visitável no Centro de Recursos Poeta José Fanha. Havia tantos mais livros para mostrar, mas estes já dão um curto apanhado da FC clássica, contemporânea, comics e portuguesa.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Comics


Lady Mechanika The Tablet of Destinies #01: Como resistir a estas visões de um passado que nunca existiu? O encanto deste comic está na luxúria visual do steampunk, que Benitez usa e abusa. O seu melhor está nas poses estilo pinup e falha mais nos ambientes urbanos, mas nada como estes traços evocativos mecanicistas para arregalar o olho. As aventuras desta andróide novecentista costumam falhar no argumento, mas este até intriga. Mete conspirações, arqueólogos e cidades secretas. Curiouser and curiouser, diria o autor da Alice no País das Maravilhas.


Kaptara #01: Depois do orgásmico Sex Criminals Chip Zdarsky dá-nos space opera em modo high weird com este estranho Kaptara. A premissa começa de forma clássica, com uma expedição de exploração a despenhar-se num planeta desconhecido, mas quando os nativos do planeta parecem decalcados de maus desenhos animados de fantasia de espada e feitiçaria dos anos 80 percebemos que a viagem irá ser atribulada. E, mais uma vez, a Image marca a diferença por se atrever a publicar ficção científica em força.


The Infinite Loop #01: Começa como uma história de saltos através do tempo, acompanhando uma agente extra-temporal que policia as linhas de tempo combatendo anarquistas provocadores de paradoxos temporais. Parece seguir uma estrutura clássica de histórias de viagens no tempo, até terminar com um apontar decisivo para o analisar dos dilemas e dificuldades de se assumir a homosexualidade. Fica menos interessante de um ponto de vista restrito à FC, mas mantém-se intrigante.


Mind MGMT #32: Se a série se esgotou, e se aproxima de um final que só perde por ser tardio, Kindt mantém vivo o brilhantismo que tornou Mind MGMT interessante nas vinhetas com que inicia e termina cada edição. Aqui o transrealismo surreal que é o melhor da série não fica espartilhado pelas convolutas e infindas conspirações dentro de conspirações que levaram a história a perder-se numa repetitivade inesperada.

domingo, 26 de abril de 2015

Insta



Atmosferas.

Vindos de um Outro Mundo


Parece ter pouco a ver com 3D, mas de onde é que pensam que veio a inspiração e o estado de espírito aberto às possibilidades criativas da tecnologia? Durante a próxima semana As TIC em 3D vão estar em modo literário (e também em modo de modelação e impressão 3D, mas isso é outra história). Dia 30 vamos falar de literatura de Ficção Científica e durante toda a semana alguns livros representativos do género vão estar em mostra bibliográfica. Entre os quais estão algumas raridades, como a primeira edição do romance de FC portuguesa Terrarium ou o primeiro número da Revista Bang!.

Vindos de um outro mundo, porque se imaginarmos outros ganhamos ideias e inspiração para tornar este um mundo melhor.

Festival In


Primeiro, as boas novidades. No stand da BeeVeryCreative na zona Lisboa Makers aproveitei uma conversa com o expositor para descobrir que a nova versão do Beesoft, que permite colocar o processo de impressão em pausa, está quase disponível para o público, que vão lançar a Bee Me, um novo modelo que inclui o BeeConect, um Raspberry Pi com ecrã touch que liberta totalmente a bee de computadores. Um Beeconect parece-me ser uma excelente solução para levar a Bee às escolas.


Também já estão disponíveis novos filamentos, com outra boa novidade: vão passar a haver vários pesos de rolo disponíveis para aquisição. Falou-me em bobines de 1kg, suportadas por um adaptador externo. E novos materiais de impressão. Por enquanto, apenas filamentos de madeira e metal ainda não são suportados pela Bee, por deixarem restos no extrusor.


No stand da Leds & Chips o ponto de interesse vai para o seu mega rig de impressão 3D, mas deparei lá com outras duas interessantes novidades. Estão a vender scanners 3D de baixo custo da BQ e desenvolveram workshops de modelação 3D para impressão. Algo que me faz imensa falta. A preparação e conversão de modelos sido mesmo a maior dor de cabeça que tenho na impressão 3D. Já me inscrevi, claro.


Da zona do 3D Spot (tenho de ir conhecer a loja deles) fixei o scanner Artec3D, cujo preço obrigaria a muitos prémios. Fico-me mesmo pelas fotos com o 123D Catch.


Noutros locais do festival encontravam-se peças fabulosas, como esta fantástica rube goldberg machine do espaço Dóing do Ciência Viva.


Adoro o cartaz do Altlab. Tenho mesmo que ver se os consigo trazer ao Fórum Fantástico. Boa parte dos seus projectos (alguns, como os de pilhas de combustível e sistemas de hidrólise para produção de hidrogénio, muito avançados) insere-se naquela ideia de tecnologia como media criativo.


No espírito dos Junk Challenges do Altlab, mas vindo da Universidade de Lisboa


Noutro pavilhão, nas zonas mais comerciais, deparo-me com empresas de prototipagem que trabalham com tecnologia avançada de impressão. E cruzei-me novamente com os modelos do José Alves da Silva que cativaram o público do Fórum Fantástico de 2014 no painel sobre tecnologias criativas.

Percebe-se que um festival ligado às indústrias criativas na FIL olhe para o lado económico. Confesso que prefiro eventos do tipo Maker Faire, mais direccionados para a partilha e aprendizagem. Mas visitar o Festival In foi uma boa oportunidade de descobrir pessoas e ideias. Vim de lá com umas inspirações para dar trabalho aos alunos das TIC em 3D. A maior parte dos expositores estavam directamente ligados ao lado empresarial e técnico (com uma boa dose daqueles foodtrucks hipsters que agora estão na moda), interessantes para aqueles cujo interesse não seja académico. Afinal, a FIL não é um espaço académico. Mas não deixou de ser um bom momento para ver coisas novas e retirar ideias que expandem possibilidades de trabalho criativo.

sábado, 25 de abril de 2015

Azul




Um azul que se acentua.

Obrigado, sempre!


Celebrar, evocar, manter viva a memória. E lutar todos os dias, porque os direitos adquiridos são-nos retirados se não forem defendidos. Quarenta e um anos depois continua importante recordar, celebrar e manter acesa a chama de uma luta que tem de ser feita todos os dias. Num tempo em que parece que as forças obscurantistas estão a ganhar o jogo global num mundo em que até nas democracias tradicionais se discute se a tecnocracia autoritária branda não será mais desejável do que a democracia, que no nosso país assolado pela crise e por uma governação alinhada com os interesses de uma elite transnacional que oculta sob o neoliberalismo uma profunda ganância e sede de domínio utilizando como nunca na história a finança como arma mais letal do que panzers e eficaz a vergar países do que largos exércitos.

Eu não esqueço que é a ideia de liberdade, por cá representada pela revolução dos cravos, que me permite a vida que gosto de ter. Da educação ao 3D printing, passando pelos livros, nada do que hoje faço seria possível noutros moldes, noutros regimes. Por isso, nascido como fui após 1974, não esqueço que é essa herança tão vilipendiada e ameaçada que me permite, hoje, ler, escrever e agir conforme me dita o cérebro e o coração. Obrigado, Capitães.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

6.º CIPCA: Tecnologias 3D nas TIC




Apresentação no 6.º Congresso Internacional de Psicologia da Criança e do Adolescente, dia 22 de abril de 2015, Universidade Lusíada, Lisboa.

Slide 1: (Remetendo para o robot modelado no Tinkerplay e impresso em 3D que se encontra em cima da mesa do painel) Se se estão a perguntar o que é que está a fazer um robot num congresso de psicólogos, tem a ver com aquilo que vos irei mostrar de seguida. Este congresso tem como tema a tecnologia e criatividade. É banal, hoje, observarmos que estamos rodeados de tecnologia. Quase todos temos computadores, tablets ou smartphones. Sabemos usá-los, mas saberemos utilizá-los para estimular a nossa criativade? E, mais importante para alguém que é professor, como podemos utilizar estas ferramentas para estimular aprendizagens e criatividade nos nossos alunos? É por isso que vos trago este projecto, que é informal mas se leva muito a sério. É uma de muitas respostas possíveis para a questão de como tirar partido da tecnologia para despertar a criatividade.

As TIC em 3D é um projecto informal, que utiliza tecnologias 3D com alunos do ensino básico. Queremos desmistificar a complexidade da tecnologia, colocando-a nas mãos das crianças e desafiando-as a canalizar a sua criatividade com projectos concretos.

Marshall McLuhan, teórico dos media e guru da sociedade da informação, disse numa das suas célebres frases que o computador é uma extensão do cérebro humano. Aqui é uma extensão da mão, da mente criativa. Apresentamos neste relato uma breve visão das experiências multidisciplinares efectuadas em escolas do Agrupamento de Escolas da Venda do Pinheiro com alunos dos três ciclos do domínio do 3D digital.

Slide 2: Porquê em 3D? Porquê escolher esta vertente de abordagem às TIC, e não outras? Haveria, e há, outras abordagens possíveis. Saliento, por exemplo, a programação em Scratch, open hardware com Arduino ou robótica. Escolhemos o 3D pelo lado de desafio. Modelação 3D implica visualizar mentalmente objectos, conceber, aprender a compreender e extrair informação de perspectivas e pontos de vista. É um exigente desafio mental que intuímos ser importante estimular nos nossos alunos, mais habituados a trabalhar em duas dimensões, no plano do desenho, do livro ou do ecrã de computador.

Procuramos aqui uma interligação de três vertentes: aprender a utilizar aplicações, com ênfase na produção pelos alunos, interligada com competências e conteúdos curriculares. Subjacente a este projecto está uma visão de colocar nas mãos dos alunos ferramentas que os iniciem na produção de conteúdos digitais, ultrapassando paradigmas de consumo. E porque não? Observe-se todos os produtos da cultura popular, jogos, animação, multimédia, consumidos pelos alunos que recorrem a estas tecnologias. Porque não abordá-las, experimentando, dando-lhes noções sobre como são criados, e, talvez, despertar alguma vocação?

Sentimos no nosso dia a dia o poder transformativo das TIC, que modificaram profundamente as formas de trabalhar. comunicar. Potenciaram redes de interligação (castells) e ampliaram o espectro do que se pode fazer. Em meios artísticos assumiram-se como um novo media de expressão. No entanto, apesar de esforços em contrário, a sua penetração nas escolas é reduzida, e mantida ao nível da pesquisa e produção documental, apesar de haver experiências em contrário. O que toca à questão de meios tradicionais vs digitais, os meios tradicionais de expressão. Não os desvalorizamos, mas cremos que a introdução de novos meios é uma forte mais-valia.

Slide 3: Estas são as principais aplicações utilizadas neste projecto. É uma quantidade considerável para desenvolver ao longo de um curto período de tempo. A primeira questão que se levanta é porquê estas e não outras, mais abrangentes. Porque não optar por uma aplicação mais completa e polivalente, como um Blender, 3DS Max, Maya ou similares? Queremos com este projecto dar uma iniciação ao mundo do 3d, incentivando a sua aprendizagem. O nível etário dos alunos, carácter introdutório das actividades e a complexidade das soluções de modelação e animação 3D não se coadunam com as exigências do software de nível profissional. Interessa despertar e motivar, não profissionalizar.

Aplicamos várias vertentes de exploração. Na principal a introdução ao 3D (perspectiva, espaço, modelação) é feita através do DogaL3, programa que funciona como um lego digital. O papel da luz, texturas e composição no rendering aborda-se utilizando o Bryce para produção de imagem fixa ou animada. O Sketchup Make introduz a modelação livre utilizando as operações de modelação.

É normal os alunos trazerem as suas experiências de criação em ambientes de jogo, que podem ser aproveitados para projectos na sala de aula. É o caso do Minecraft, combinado com utilitários de exportação e a linguagem VRML.

O nosso desafio contemporâneo envolve materializar os projectos dos alunos desenvolvidos nos vários programas através da impressão 3D. Por agora estão a experimentar o Tinkerplay nos seus tablets. Gostaria de vos dizer que o boneco que trago foi já criado pelos meus alunos, mas não, é um motivador meu. Se o congresso fosse daqui a uma semana seria diferente. Eles estão a inundar a minha caixa de correio com os seus modelos, criados em tablets ou, algo que me parece incrível, em telemóveis com ecrãs mais pequenos do que palma da mão. Fascinante, como conseguem criar em espaços tão exíguos. Antevejo nos próximos dias algumas longas horas a processar e imprimir as peças dos brinquedos criados pelos alunos.

Questionamos cada vez mais como utilizar tecnologias móveis na aprendizagem. Gostaria de vos falar do projecto TACCLE2, que mostra muitas actividades concretas e práticas possíveis com esta tecnologia.

Cada aplicação tem o seu papel; aumenta o leque de abrangência da exposição dos alunos a estas tecnologias. O sketchup é a que tem maior preferência, por permitir criações complexas com um pouco esforço, uma curva de aprendizagem acessível e possibilitar desafios de criação intrigantes. A utilidade do Bryce prende-se com a fácil obtenção de renders de estética agradável, e é posteriormente utilizado pelos alunos que pretendem desenvolver animações. O doga l3 é utilizado como introdução ao 3D, possibilitando abordar conceitos como eixos cartesianos, multiplicidade de pontos de vista, projecções, posicionamento de objectos no espaço tridimensional, wireframe e operações elementares de posicionamento, redimensionamento e rotação.


Slide 4: E o que é que os alunos desenvolvem? Após a exploração dos softwares são desafiados a produzir objectos 3D modelados nas diferentes aplicações que preferirem, estabelecendo um projecto individual ou em pequeno grupo para desenvolver trabalhos que podem passar pela modelação, animação 3D ou espaços virtuais. O projecto pode obedecer a um tema específico (património, história da computação) ou ser proposto pelo aluno. O desenvolvimento do projecto contempla fases de pesquisa, esboço de ideias e desenvolvimento. Salientamos os espaços virtuais como forma de integrar conhecimentos vindos de outras áreas. No exemplo apresentado, estão a ver uma captura de ecrã de um espaço virtual em 3D sobre o sistema solar. Para o criar os alunos tiveram que mobilizar conhecimentos vindos das ciências e aprendizagens de TIC, colaborando num projecto comum.

Slide 5: Se trazemos esta tecnologia para a sala de aula temos de fazer um esforço de integração curricular. Ancoramo-nos nalgumas metas curriculares relativas à pesquisa e tratamento de informação, tentando as necessidades advindas das metas curriculares com a exploração criativa do computador. Definimos um percurso de aprendizagem que envolve aprender a utilizar aplicações para, com base em projectos de criação individuais ou em grupo, criar os elementos necessários a um trabalho final. Fases: aprender 3D; conceber um projecto; definir ideias, pesquisar; elaborar; integrar e apresentar como produto final. Sublinha-se que é importante que os alunos se apropriem da tecnologia para fazerem o que quiserem com ela. Na fase de projecto os alunos são primordialmente desafiados a levar em frente as suas ideias. Há temas à escolha, para dar a faísca da inspiração, mas é o conceito apresentado pelo aluno que tem primazia.

Utilizar a tecnologia para criar novas experiências estéticas é outro dos nossos objectivos. Os media digitais têm as suas estéticas intrísecas e ao explorar formas de trabalho podemos encontrar formas de ver que nos surpreendem.  O património artístico e arquitectónico pode também ser objecto de trabalho pelos alunos. Um dos temas que estimulamos é o recriar em 3D monumentos e referências arquitectónicas, dentro das limitações de tempo, faixa etária e desempenho dos alunos.

Slide 6: A colaboração entre os alunos é um factor muito importante para o seu sucesso. No que respeita às formas de exploração, a direccionada é necessária para introduzir as aplicações, tendo os alunos mais gosto e sucesso se a partir daí lhes for dada liberdade criativa. O que aprendem efetivamente: a não ter medo do computador, iniciando-os no domínio avançado de meios digitais para lá do usar para jogar, pesquisar, consumir conteúdos e produzir texto, e como ferramenta criativa com possibilidade de aplicação de conhecimentos de outras áreas curriculares.

Mas o que se salienta destas imagens é o sorriso dos alunos. Aquele entusiasmo, o sentimento de se ter feito algo com significância pessoal. O prazer do acto de criar, aqui com meios digitais complexos.

Slide 7: Este é daqueles slides em que o professor, babado de orgulho, mostra aquilo que os seus meninos fazer. Estes são lguns exemplos do que estamos correntemente a trabalhar com os alunos: impressão 3D dos modelos criados nas experiências de aprendizagem, utilização de tablets para modelar brinquedos para impressão 3D, animação e modelação arquitectónica.

Slide 8: Que utilidade pedagógica poderá ter esta abordagem? Por interessante que seja este tipo de trabalhos, e refiro que é muito interessante dar aulas com isto, ela pouca validade terá se não tiver impactos medíveis nas aprendizagens e desenvolvimento de competências dos alunos. Aqui não vos trago respostas, trago ideias que intuitivamente se sentem como pertinentes mas nalguns casos não sabemos sequer por onde começar a investigar de forma rigorosa.

Pois, estão numa apresentação e acabaram de ouvir o orador a confessar o que não sabe.

Registam-se aqui ideias e intuições, não conclusões. São vertentes que gostaríamos de explorar mas que ainda não o fizemos ou pela evolução do projecto, falta de tempo ou até de meios e conhecimentos sobre por onde começar.

Este tipo de trabalho, desafiante, ajudará os alunos a adquirir fluência na utilização de meios digitais? Aprender só a usar programas e o computador não chega, e a fluência digital define a capacidade de usar meios digitais intencionalmente para objectivos definidos. Para conseguir produzir neste tipo de ambientes os nossos alunos têm de dominar interfaces diferentes, conhecer vocabulário específico, perceber o que fazer com opções e ferramentas, e utilizar redes para salvaguardar e partilhar os seus projectos.

A que mais me intriga, por intuir que poderá ser significativa, mas não saber por onde começar a abordar. Poderá o trabalho com modelação e ambientes 3D estimular o desenvolvmento da percepção espacial? Perceber como representar mentalmente o espaço, visualizar mentalmente objectos, compreender conceitos de geometria? Não sei se há algum nexo nisto? Gostaria de perceber por começar para aprofundar esta questão. Por exemplo,  que quadros de referência utilizar,  que escalas adaptadas para crianças portuguesas poderiam auxiliar na caracterização e medição de possíveis efeitos da utilização de tecnologias 3D sobre a percepção visuo-espacial.

Pensamento Computacional é uma ideia que está a ganhar terreno entre os professores das áreas das TIC. Não se preocupem, soa a levar as crianças a pensar como um computador, mas não é disso que se trata. Aproximadamente, trata-se de um conjunto de competências de resolução de problemas vindas da programação que podem ter impacto na forma como nos relacionamos com o mundo que nos rodeia. Competências como decomposição de problemas em elementos, padronização (reconhecimento, abstracção e generalização) e reconhecimento de algoritmos (receitas, passos, sequências). Vertentes mais directamente ligadas à aprendizagem da programação baseiam-se nestes pressupostos. E o trabalho criativo, mas dependente do domínio técnico, terá uma palavra a dizer nisto? Perceber técnicas de trabalho implica sequências, planificar um projecto a sua decomposição em elementos. Mas, como referi, isto é uma intuição que carece de desenvolvimento e não conclusão.

Finalmente, qual o papel do professor neste género de actividades? Especificamente, correndo o risco de estar a falar de uma banalidade, qual o papel da paixão que o professor traz para a sua aula na forma como os alunos respondem a aprendizagens com alguma complexidade? Noto neste projecto o entusiasmo dos alunos e pergunto-me em que medida o meu próprio entusiasmo por estas tecnologias não os contamina. Suspeito que o mesmo pode ser observados por outros projectos pedagógicos bem sucedidos, que tiram partido de tecnologias avançadas (robótica, programação, open hardware) e estimulam alunos a ultrapassar os seus limites. Posso dar como exemplo os clubes de robótica, que acumulam prémios em competições internacionais e dependem do esforço e boa vontade de alunos e professores.

Slide 9: 3DAlpha: página principal onde são divulgados trabalhos, arquivadas animações, reflexões sobre momentos e processos de trabalho e utilização destas tecnologias com crianças e jovens. Galeria Sketchfab: aproveitado a visualização em 3D em browsers, criámos uma galeria que divulga online os trabalhos dos alunos em 3D. Babel X3D: dedicado aos mundos virtuais, desenvolvimento de VRML/X3D, partilha de recursos, fórum de discussão.

Procuramos divulgar este projecto de várias formas. Estivemos presentes na primeira Lisbon Mini Maker Faire, e fomos um dos projectos distinguidos na primeira edição do prémio Inclusão e Literacia Digital (FCT/Rede TIC e Sociedade).

Para terminar, volto a questionar: e o que é que isto pode interessar para este público ligado à psicologia? Mostra, dá pistas, ajuda a perceber como é que a tecnologia pode ser uma importante ferramenta para despertar a criativade. Como a técnica nos ajuda a tirar cá para fora as nossas ideias, a exprimir o que sentimos. E, sublinho, esta é uma forma de o fazer. Não a assumo como a melhor ou mais extraordinária, ou revolucionária em termos pedagógicos. É uma de muitas que correntemente se desenvolvem nas escolas portuguesas. Gostaria de sublinhar aqui o dinamismo dos professores, de TIC e não só, que com gosto e entusiasmo desenvolvem projectos que ultrapassam as fronteiras curriculares. Sendo o das TIC o mundo que melhor conheço, é daqui que vos posso dar uma pálida ideia do dinamismo de clubes de robótica, programação e open hardware que estimulam os alunos a apropriar-se de forma decisiva da tecnologia, despertando a sua criatividade.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Doctor Sleep


Stephen King (2014). Doctor Sleep. Nova Iorque: Scribner.

Fascina-me a forma como a prosa de Stephen King agarra o leitor. É um contador de histórias directo, que não perde tempo com elaborações literárias mas explora ao máximo detalhes para aumentar o tamanho dos seus livros. Não é sintético, é banal, pouco profundo e os horrores que invoca não são particularmente assustadores. E, no entanto, sempre senti isto: há na prosa dele algo que nos agarra, que nos obriga a ler, a virar a página, a lamentar quando as intromissões da vida nos obrigam a pousar o livro e interromper a leitura. É esta a genialidade de King, este talento nato para contar histórias que se sobrepõe a tudo o resto. Mesmo percebendo desde cedo que caminhos e desfechos tem, mesmo sendo os sustos esperados e o terror pouco visceral, lá estamos a virar compulsivamente a página, até ao fina inelutável do livro.

Doctor Sleep regressa ao mundo de The Shining, assumindo-se como uma sequela. Do livro, não do filme, e parte da piada desta leitura é descobrir as diferenças entre a memória cinematográfica do olhar de Kubrick e as reminiscências da acção do livro original. Danny Torrance já não é uma criança, e chega a uma cidadezinha do Maine como alcoólico em recuperação, cuja nova vida lhe dá uma redenção dos erros do passado que o atormentam. Nela cruza-se com uma criança, depois adolescente, que revela um poder psíquico fortíssimo. Tornar-se-á o seu mentor nas coisas das visões e dos poderes, e também o seu salvador. King lembra-se que criar um grupo de predadores, uma espécie de vampiros especializados em sugar a energia anímica de crianças com dotes especiais e assim asseguram uma espécie de imortalidade.

Pela descrição já perceberam por onde vai a história. Danny sofre, Danny redime-se, a criança cresce aprendendo a controlar os seus poderes, os vampiros anímicos irão dar-lhe caça para repor o seu stock de energia que se encontra em baixo, depois de alguns confrontos chocantes os bons triunfarão sobre o mal e os seus medos pessoais. Sente-se, quase, que o enredo de aventura negra é quase um adereço que oculta a verdadeira história que King quer contar. O foco real do romance está no alcoolismo da personagem, e no longo e duro caminho da recuperação. O resto lá se vai tentando enquadrar num regresso a The Shining com continuidade noutras vertentes, mas dilui-se perante o eterno regresso ao alcoolismo, à redenção e aos grupos de apoio que ajudam à recuperação.

Mas lá está, King é mestre daquela prosa simples, dos pormenores banais, das pessoas simples que fazem a sua vida, que encanta e agarra. Talvez no futuro King seja lido não como autor de terror mas como romancista das gentes e costumes do Maine no final do século XX.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Sustos às Sextas (IV)


Está quase a terminar estar interessante tertúlia que me tem levado mensalmente às wildlands do sprawl suburbano de Linda-a-Velha, ao espaço neo-medievo do Palácio dos Aciprestes. Para a sessão deste mês a organização reservou-nos pomeas de Baudelaire, canções de Charles Sangnoir e uma palestra de David Soares.

Da declamação poética não guardo memória. A voz é um instrumento e é preciso saber usá-la. Já Sangnoir foi uma excelente surpresa. A sua voz de um optimismo cristalino contrastava com a negrura das palavras cantadas ao piano, com o seu quê de burlesco decadente. Podem ver aqui uma das canções que Sangnoir partilhou conosco, O Bordel de Lúcifer, e ficar com uma pálida ideia da beleza tenebrosa da sua música. Pelo Spotify também deparei com o disco Os Anormaisa quatro mãos com David Soares que merece exploração.


Mas foi David Soares o dono desta noite de sustos. Pela feliz coincidência de calhar no seu aniversário, mas principalmente pela longa palestra que nos deu com o tema À Mercê da Medicina: Farmacologia Canibal na Europa e em Portugal na Prática e na Cultura. Os mais incautos esperariam uma conversa cheia de deliciosos pormenores escabrosos e titilância do nojo visceral, mas quem conhece um pouco da obra do autor sabe que Soares tem uma profunda e culta inteligência, que vai sempre muito mais além do mero deslumbre com o chocante e tenebroso. Ao longo de hora e meia falou-nos do canibalismo ao longo da história, com foco nas práticas ritualistas e fúnebres que ainda hoje persistem não só nos locais tradicionalmente esperados mas em modas, tendências e parafilias que se mantém como corrente no mundo contemporâneo. Falou-nos também das tradições medicinais pré e proto-científicas que recorriam ao corpo, aos seus fluídos e dejectos na crença de cura das maleitas. Interessante, sem dúvida, mas o cerne das questões que levantou não estavam nas histórias de canibalismo, nas curiosidades de outras épocas ou na morbidez do tema.

Soares fez sempre questão de nos levar a olhar para estas práticas que nos causam repulsa e horror sob a lente dos pressupostos contemporâneos dos tempos em que decorreram. Vi aqui a pairar um espectro do que Evgeni Morozov apelida de epocalismo, a ideia que a nossa época, aquela em que vivemos e nos molda o pensamento, é social, ética e tecnológicamente a mais avançada e que as que nos precederam são tempos bárbaros ou de atraso. Ao fazê-lo, esquecemos que os nossos antepassados pensaram, talvez, o mesmo. E esquecemos que estamos a cometer o erro de avaliar o normal de antanho pelos nossos padrões,  Que o que aos nossos olhos parece imoral, patético ou absurdo à luz da ciência e progresso social foi aceitável e norma noutros tempos. E esquecemos que o nosso pináculo contemporâneo de progresso será, no futuro, analisado com a mesma lente de enviesamento crítico com que nós analisamos o passado. Esta vontade expressa de não caracterizar o que nos repulsa sob a perspectiva do barbarismo selvagem transpareceu ao longo de toda a palestra.

O outro ponto que atravessou toda a apresentação foi a continuidade telúrica de mitos e pulsões que se mantém ao longo da história humana, a constância do espírito humano, cujo cerne ético e mítico parece manter-se inalterado ao longo de milénios, É uma ideia que também pervade a ficção de David Soares.

Foi um momento genial. E fica aqui uma nota de respeito: eu dou aulas de hora e meia e sei bem o que é manter a voz e a continuidade de pensamento sem interrepção. Durante todo este tempo um David Soares imparável agarrou-nos e fez-nos pensar. São poucos os oradores que conseguem isso. Julguem por vós próprios: um excerto da palestra foi publicado no YouTube.

Terminou mais um Sustos. Temo o próximo. Será o último. Mas talvez este interesse gerado leve a que se repita a iniciativa futuramente. Os fãs de literatura de FC e Fantástico por cá não tem muitos espaços e momentos de partilha. Entretanto, passem pelo Rascunhos, onde a Cristina Alves deixa as suas observações sobre esta edição do Sustos, ou pela página do evento onde partilham as fotos da sessão. Quanto às fotos, se me virem de relance gostaria de prometer que um dia iria aparecer composto e apresentável nestas sessões. Mas as sextas-feiras costumam ser o longo final de um longo dia que culmina longas semanas. As olheiras são indispensáveis.

terça-feira, 21 de abril de 2015

On Basilisk Station


David Weber (1992). On Basilisk Station.

Uma jovem e brilhante comandante é exilada para o pior posto da marinha espacial após ter mostrado que uma nova arma estava condenada à partida. Com uma missão impossível, irá dar todos os passos para motivar a sua tripulação e esticar todos os recursos para policiar um sistema planetário colonizado. Os seus esforços atraem a atenção dos políticos decadentes da metrópole e deixam orgulhosos os militares da velha escola. Ao policiar o sistema depara-se com uma conspiração que visa uma invasão por um império interplanetário emergente justificada como acção de apoio na sequência de uma revolta nativa. Corajosa até ao limite, consegue travar a revolta em terra e, num combate espacial suicida, enfrenta e derrota uma nave de combate mais poderosa, numa refrega que lhe deixa a nave em ruínas e boa parte dos tripulantes mortos. Mas, no final, a recompensa devida é dada aos que mantém uma conduta e honra e coragem, enquanto os corruptos e decadentes se retiram, derrotados.

Tecnicamente, este livro situa-se entre a ficção científica militarista e a space opera. Mas podia ser outro género. Tirem as naves espaciais e os estados interplanetários, troquem por navios de guerra e geopolítica, ou por cavalaria e colónias, e nem o enredo nem os diálogos precisavam de ser alterados. Estruturalmente este livro insere-se na tradição literária popular que glorifica aventuras militares do ponto de vista de jovens recrutas ou oficiais que mantém vivo um espírito de honra marcial enquanto enfrentam desafios aparentemente inultrapassáveis. Algo que nos legou as aventuras navais de Hornblower e mais uns quantos, e algumas centenas de soldados aventureiros nas guerras do passado. Rever esta estrutura narrativa em modo de space opera implica pegar em elementos da ficção científica que, em essência, são meros adereços decorativos para uma história que poderia ser contada com outros adereços.

Não que Weber não se esforçe por meter alguma verosimilhança ficcional com as suas batalhas relativísticas e descrições da navegabilidade do hiperespaço ou da colonização galáctica, mas o real cerne deste livro são intrigas políticas e geostratégicas misturadas com o cumprimento estrito e honrado do dever militar. A prosa dinâmica e ritmada faz desta uma leitura rápida e agradável.

Esta história daria um bom filme ou série televisiva com aventura e efeitos especiais a regalar o olho, boa para passar horas de ócio sem grande esforço. É assim que se lê e sente este livro, como algo que entretém e não pretende mais do que isso. Os amantes de narrativas de intriga e aventura de fazer pulsar o coração encontrarão aqui motivos para paixão, mas para aqueles que precisam de mais substância na sua ficção científica ficamo-nos pelo divertimento de consumo rápido. Algo para descansar o cérebro entre leituras mais ambiciosas.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Kraftwerk 3-D


Não é só pela música, é a estética o que mais seduz no já longo trabalho desta banda. Pioneiros da electrónica, os Kraftwerk catalisam uma iconografia espantosa que cruza o cyberpunk puro com as grandes vertentes do abstraccionismo do século XX. Em palco, as visões de Malevich, Lissitzky, Kandinsky, Mondrian ou Picabia ganham vida digital ao ritmo electrizante de uma pop electrónica fria, seca e quase desumana. Quando os Futuristas clamavam pela primazia da máquina ou os Suprematistas a pureza da geometria apenas tinha palavras e pigmentos a aplicar sobre telas rugosas. A tecnologia permite concretizar a pureza metafísica contida nos sonhos da arte revolucionária do século XX, pouco depois esmagada pelo regime soviético (no caso do suprematismo/construtivismo russo), ou sublimada nas expressões e conceptualismos que lhe sucederam no mundo ocidental. Apenas a arquitectura manteve viva este amor pela pureza da geometria, mesmo que a leve aos limites do convuluto. 

Ver Kraftwerk ao vivo é extraordinário. Se se vai pela música, é já de si muito bom. Mas se se conhece arte e história de arte a experiência é sublime. É outra iteração, contemporânea, técnica, digital, daquele sonho da gesamtkunstwerk. O 3D estereoscópico do espectáculo deu-lhe outra dimensão, com uma audiência metamorfizada em busto retro-futurista hipnotizada pela pureza da imagem. 


Ondas ao estilo Matrix a abrir Computerworld.


Para Pocket Calculator a banda reservou-nos uma espécie de Broadway Boogie-Woogie cyberpunk.


Os hinos futuristas dos primórdios do século XX à máquina ganham vida em Man Machine numa extraordinária síntese artística.



El Lissitzky ficaria radiante ao ver este proun a hipnotizar o público.



Spacelab reservou-nos este ovni a aterrar no Rossio.


Se Neon Licht não é das mais evocativas peças do grupo, esta estética de neon weimar fascinava.


Fiquei intrigado. Este VW Carocha a circular na auto-estrada é uma referência à história alemã, com a invenção nazi da rede de auto-estradas para deslocar mais depressa forças militares, e este carro icónico, também ele legado dessa época? Ou também inclui uma referência ao primeiro objecto digitalizado em 3D, o carro da mulher de Ivan Sutherland? Seria interessante se as superfícies deste Carocha tivessem sido geradas com o modelo 3D original dos anos 70. Subline-se o realismo naif dos primórdios do 3D, com as cores vivas e o gosto pelas superfícies reflexivas.



Outro dos grandes momentos, Radioactivity, com homenagem a Fukushima.




O onirismo das linhas férreas de alta velocidade a atravessar uma Europa terraplanada pela velocidade de Trans Europe Express.



No primeiro encore, uma legião de lentes de pequenos ecrãs esforça-se por captar os míticos autómatos que a luz vai revelando.


Robots, ou o momento em que autómatos programados se mostram mais humanos do que os músicos, em aparente interacção com o público. Em contraste com os músicos, uniformizados e mecanizados nos seus gestos. Algo que também faz parte da estética da banda.



Para terminar, uma sequência imparável de Boing Boom Tschak, Techno Pop e Musique Non Stop.






Uma verdadeira festa de wireframe nestes momentos. Não consigo deixar de recordar que esta forma de conceber a representação do real vem-nos do renascimento.


O quadrado negro de Malevich regressa pela mão dos Kraftwerk em Electric Cafe.