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quarta-feira, 3 de abril de 2019
Off the Map
Alastair Bonnet (2015). Off the Map: Lost Spaces, Invisible Cities, Forgotten Islands, Feral Places and What They Tell Us About the World. Londres: Aurum Press.
Confesso que tenho um fraquinho enorme por bizarrias da geografia. Até é uma das minhas recordações de infância, passar horas debruçado sobre os mapas de um Atlas, fascinando com as curvas dos rios, os ângulos das fronteiras e pronunciando baixinho aqueles nomes dos pontinhos urbanos que, quer fossem a norte ou a sul, a este ou a leste, sempre me soavam exóticos, com uma promessa de desconhecido. Claro que hoje os voos imaginários seriam temperados pelo google Earth, e correria o risco de descobrir que aquela localidade exótica nos confins do mundo era afinal uma monótona expansão de armazéns e zonas comerciais.
É deste fascínio que este Off the Map está imbuído. Nele, encontramos pequenos ensaios sobre mais d quarenta acidentes de geografia. Micronações, enclaves, territórios esquecidos, zonas tampão, espaços urbanos invisíveis, zonas de transiência, marcos históricos e terras esquecidas pela história. A autora tem uma fascinação óbvia pela psicogeografia, pela descoberta dos espaços esquecidos, com toques de exploração urbana, e transfere-a para estes ensaios. Focam-se nos não-lugares, aqueles que escapam à norma, os que nunca reparamos na azáfama do dia a dia. E conclui com a reflexão que, apesar do nosso insaciável nomadismo, estamos reféns, ou melhor, ancorados, num profundo sentimento de localização. Há lugares que são pontos nevrálgicos dos fios condutores da nossa vida. E não são necessariamente os mais óbvios, ou os que mais frequentamos, mas aqueles que nos recordam da nossa humanidade.
sexta-feira, 20 de março de 2015
Leituras
This Cartoon Perfectly Sums Up the Optimism of 1950s Futurism: Sempre que leio artigos destes pergunto-me se no futuro iremos olhar para as nossas super-limpas e bem desenhadas design fictions futuristas com este sorriso de inocência patética com que olhamos para os futuros imaginados do passado.
Video Games Are Better Without Characters: Ian Bogost é quase um poeta do desenvolvimento de videojogos ao falar como fala da beleza inerente aos sistemas complexos, que permite gerar experiências mais imersivas e enriquecedoras do que os mais tradicionais que se centram no controle de um personagem. Termina de forma genial, certeira, a descrever na perfeição os limites das gaiolas douradas do mundo digital: We’ll sign away anything, it would seem, so long as we’re still able to “express ourselves” with the makeshift tools we are rationed by the billionaires savvy enough to play the game of systems rather than the game of identities. Não contente com esta afirmação incisiva, acerta também no enviesamento trazido pela metáfora digital de interpretar o mundo: only a fool would fail to realize that we are the Sims now meandering aimlessly in the streets of the power brokers’ real-world cities. Not people with feelings and identities at all, but just user interface elements that indicate the state of the system, recast in euphemisms like the Sharing Economy, such that its operators might adjust their strategy accordingly. No measure of positive identification can save us from the fate of precarity, of automation, of privatization, of consolidation, of attention capture, of surveillance, of any of the other “disruptions” that cultivate our culture like bulldozers click through sim cities.
Entretanto, Nelson Zagalo apontou no Virtual Illusion um problema com as premissas de base de Bogost. A crítica à primazia da personagem sobre o sistema esquece um porquê essencial: esquecer "aquilo de que são feitos homens e mulheres que criaram esses objectos, homens e mulheres que consomem esses objectos, e homens e mulheres que analisam e criticam esses objectos". Ou seja, que o que desperta a atenção e nos leva a preferir um tipo de imersão narrativa em relação a outros não pode ser reduzido a um único factor, intuído em Bogost como economicista. A verdade é que uns de nós se deslumbram com sistemas, outros gostam de histórias. Os porquês disto prendem-se com as ciências cognitivas, que Zagalo aponta o serem pouco conhecidas pelas humanidades.
Five Books that Changed Me in one Summer: Com esta mistura explosiva de Moorcock, Ballard, Kerouac e Burroughs não admira que Warren Ellis tenha desenvolvido a sua tão pecular e vibrante voz literária.
Did a Human or a Computer Write This?: Spoiler: só um dos textos no link foi escrito por um humano. O resto é produto de algoritmos automatizados. Vejam lá se descobrem qual.
Stop Saying CGI: Bem visto. Não dizemos que um romance é uma belíssima peça de processamento de texto, ou que uma pintura um excelente exemplo de aplicação de pigmento com pincel. Este grito bem humorado recorda-nos que o mais potente dos softwares é, na sua essência, uma ferramenta ao serviço da criatividade humana. O mais poderoso dos modeladores 3D, o mais espantoso criador de imagens digitais, o mais mágico dos programas que iludem a realidade nada são sem a mão treinada e a imaginação dos criadores.
Ladybridge High School is Doing It Right — 15-Year-Old Students Create Unbelievable 3D Printed Lamps: Muito interessante, este projecto de introdução ao 3D que começa por ensinar modelação 3D e CAD a alunos de onze anos e acaba com estes projectos impressos... numa beethefirst, curiosamente. É um caminho interessante que mostra bem como posso levar o meu das TIC em 3D. Integrar o 3D no currículo é interessante, mas condena-nos a um eterno recomeçar. A cada semestre começa-se do zero, e pergunto-me se não está na hora de criar um espaço próprio, pensado com um tempo diferente e mais alongado, que possibilite aos alunos mais interessados ou com aptidão para estes projectos desenvolver mais a fundo as suas aprendizagens. Fica a dica.
Brutal but Beautiful: Book of 88 WWII Coastal Military Ruins: Bunker Architecture, elegante na sua decadência de betão armado carcomido pela erosão. Restos das fortificações nazis da festung europa que orlam as costas francesas, que também inspiraram Paul Virilio.
domingo, 9 de março de 2014
Em 10 lições
A descobrir um segredo encantador nos Anjos, a celebrar Byron (que tem o seu quê de cyberpunk e computacional quando nos recordamos que uma das suas filhas, Ada Lovelace, trabalhou com Babbage e foi a criadora da primeira linguagem de programação), e a terminar com Isaac Bashevis Singer, um escritor pelo qual me apaixonei por causa de uma canção: "He knows how to keep a yard. And he's very superstitious, but he doesn't work too hard."
domingo, 29 de setembro de 2013
Oráculo
Poderia centrar esta reflexão em diversos aspectos que vão da museologia à pedagogia, mas honestamente não estou com muita vontade de o fazer. Isso é o que está na mente de todos, e a presença neste encontro despertou outros impulsos neuronais. Prefiro centrar-me em algo que ouvi de passagem nas discussões de final de painel.
Alguém observou que “temos muita dificuldade em conceber o futuro”, em particular nos dias que correm. Levantei o nariz do tablet (lamento, mas o cérebro é multitarefas e estar concentrado numa coisa de cada vez é tão à século XX) e apeteceu-me dizer que não, não é nada difícil, leiam alguma ficção científica que isso passa. Contive-me a tempo, porque usar esta expressão no meio de distintos docentes normalmente granjeia-me olhares de condescendência hostil que traduz a intensa inveja que os fãs de géneros mais sérios têm dos nossos jetpacks. Há um método para esta loucura. A FC é vendida aos desconhecedores com uma poderosa força oracular mas tudo o que realmente faz é extrapolar a contemporaneidade em gedankenexperiments que sublinham o que pode correr mal nas tendências tecnológicas e culturais do momento. Imagina-se o futuro para melhor compreender o presente. Posso sorrir com a inventividade maquiavélica do conto O Teste de João Barreiros, escrito há mais de vinte anos, mas fico com a sensação arrepiante que no corrente neoliberalismo selvático cratista este futuro imaginário tem o seu quê de possível num sistema de ensino a duas vias, de qualidade privatizada para minorias afluentes e massificado à exaustão para o lúmpen matéria-prima da nova ordem global. Note-se que a perplexidade e revolta com este caminho para o qual nos empurram esteve patente em boa parte dos momentos do encontro. Depois pego neste Zero Hours, que curiosamente me chegou às mãos durante o encontro (sim, outra vez aquela coisa do multitarefas), e penso que sublime crítica é à hiperflexibilização laboral. Experiências de pensamento, que levam ao extremo as linhas-guias do momento contemporâneo e nos ajudam a tomar consciência de para onde realmente estamos a ir.
Depois desce-se um andar e mergulha-se num museu que visto pelos percursos previstos é um acervo cronológico que fala da história das comunicações em Portugal. Visto pelo olhar paralelo do fanboy de literaturas de género é um intrigante depósito com elevada densidade de dead media por metro quadrado, despertador de sonhos cyberpunk com os sonhos digitais arcaicos de entranhas impressas a silicone. Quando o cobre substitui o circuito integrado e a válvula o chip em engenhos envoltos em madeira os sonhos tornam-se electropunk e Tesla diviniza-se em realidades alternativas onde o mecanicismo a vapor domina. Onde quero chegar com isto? Posso ver o museu com o olhar pedagógico previsto nos itinerários, ou posso deixar a imaginação em dérive. Derivando encontro outros sentidos que obrigam a reflectir sobre o que está à vista mas não se limitam ao previsível. Afinal, conceber futuros é fácil. Difícil é construí-los.
Não por acaso, ou talvez por isso, ou como diria Jung, inconsciente colectivo, ao lado do Museu das Comunicações decorria um encontro de fãs de Anime. Vestidos a rigor em cosplay dos seus personagens favoritos, mergulhando e partilhando os seus universos de fantasia que para serem compreendidos obrigam à leitura em diversas línguas e alguma proficiência técnica. Eles concebem, desenham e montam futuros. A divergência de interesses com o encontro de professores parece abismal mas é fundamentalmente similar: partilha de experiências e alargar do conhecimento do mundo. As mutações conceptuais geracionais são uma característica evolucionária mas a disseminação de experiências é uma necessidade constante. Conceber o futuro requer conhecer o passado para compreender o presente. E chega, que está na hora de embarcar no foguetão com destino a Alfa Centauro.
(A culpa foi do Encontr@rte.)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Sonhos urbanísticos
" Essa ilha tem propriedades admiráveis: normalmente é uma ilha de vegetação agrícola e umas esparsas construções de um piso, com um sistema precário de diques e comportas e um vago projecto turístico onde se sonha um campo de golfe e até um heliporto, mas nas noites de véspera de Lua nova muda de aspecto, adquire características mágicas e surge no meio dela a tal Cidade das Torres que desaparece de novo ao nascer do Sol do dia seguinte. Nessa Cidade das Torres, e sobressaindo no meio do conjunto dos seus inúmeros edifícios, ergue-se uma torre grandiosa em forma de sucessivos octaedros truncados, sobrepostos, a Biblioteca De Todos os Livros Que Não Existem - B.D.T.L.Q.N.E. - , e os livros que não existem são milhões de milhões de milhões, porque nessa formidável biblioteca estão arrecadados não só todos os livros que se perderam ou foram destruídos, como os 700 mil manuscritos da Biblioteca de Alexandria e muitíssimos outros, mas sobretudo os mais geniais de sempre, os que nunca chegaram a ser escritos..." (p. 108)
"Continuaram a caminhar e reconheceram a luminosidade anil-esverdeada e as eternas neblinas que costumavam pairar na estranha urbanização da Cidade das Torres, cujas estruturas turriformes de aparência enlouquecedora pejavam o espaço em antagógica desordem... Algumas das torres faziam lembrar poliedros irregularíssimos suspensos sem que nada os segurasse, outras tinham o aspecto de altos torreões, ou de paralelipípedos tubulares ou até de cilindros esguios e mal equilibrados semelhantes a Torres de Pisa com escoliose, outras ainda viam-se envolvidas em placas de silício como asas desfraldadas, com incrustações de esmeraldas, e por entre tudo aquilo emergiam de vez em quando uns esquisitos promontórios de mármore e cristal-de-rocha e metal corroído entre escadarias sem começo nem fim, e colunas e belvederes subindo e descendo em translação quadridimensional..." (p. 129)
" (...) e correu na direcção do zigurate, ou da tenebrosa Torre de Babel construída em superdegraus sobrepostos em cujo interior funcionavam e giravam engrenagens, peças, rodas, alavancas, contrapesos, correntes, molas e muitos outros mecanismos de relojoaria. Depois de muitas voltas em vão, lá descobriu por fim uma entrada e penetrou naquele infernal edifício que ela aliás já conhecia doutros tempos, sabia que se tratava de um espantoso aparelho temporal que fora criado no mesmo dia em que o Demiurgo criara o planeta Terra, era um relógio em que cada situação específica e crítica contava os minutos do destino e por isso se chamava Carrilhão do Karmo, ou Relógio do Destino. O seu gigantesco mostrador achava-se encimado por uma placa com a terrível sentença latina alusiva às horas: Omnes vulnerant, extrema necat - todas ferem, a última mata." (p. 141)
Do conto O Códice Abandonado de António de Macedo.
António de Macedo (2007). A Conspiração dos Abandonados: Contos Neogóticos. Sintra: Zéfiro.
"Continuaram a caminhar e reconheceram a luminosidade anil-esverdeada e as eternas neblinas que costumavam pairar na estranha urbanização da Cidade das Torres, cujas estruturas turriformes de aparência enlouquecedora pejavam o espaço em antagógica desordem... Algumas das torres faziam lembrar poliedros irregularíssimos suspensos sem que nada os segurasse, outras tinham o aspecto de altos torreões, ou de paralelipípedos tubulares ou até de cilindros esguios e mal equilibrados semelhantes a Torres de Pisa com escoliose, outras ainda viam-se envolvidas em placas de silício como asas desfraldadas, com incrustações de esmeraldas, e por entre tudo aquilo emergiam de vez em quando uns esquisitos promontórios de mármore e cristal-de-rocha e metal corroído entre escadarias sem começo nem fim, e colunas e belvederes subindo e descendo em translação quadridimensional..." (p. 129)
" (...) e correu na direcção do zigurate, ou da tenebrosa Torre de Babel construída em superdegraus sobrepostos em cujo interior funcionavam e giravam engrenagens, peças, rodas, alavancas, contrapesos, correntes, molas e muitos outros mecanismos de relojoaria. Depois de muitas voltas em vão, lá descobriu por fim uma entrada e penetrou naquele infernal edifício que ela aliás já conhecia doutros tempos, sabia que se tratava de um espantoso aparelho temporal que fora criado no mesmo dia em que o Demiurgo criara o planeta Terra, era um relógio em que cada situação específica e crítica contava os minutos do destino e por isso se chamava Carrilhão do Karmo, ou Relógio do Destino. O seu gigantesco mostrador achava-se encimado por uma placa com a terrível sentença latina alusiva às horas: Omnes vulnerant, extrema necat - todas ferem, a última mata." (p. 141)
Do conto O Códice Abandonado de António de Macedo.
António de Macedo (2007). A Conspiração dos Abandonados: Contos Neogóticos. Sintra: Zéfiro.
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
Dérive
Uma fuga psicogeográfica nas primeiras horas de 2013. A diversidade estilística e memética dos grafittis que se encontram nas ruelas das Caldas da Rainha é fabulosa.
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