Poderia centrar esta reflexão em diversos aspectos que vão da museologia à pedagogia, mas honestamente não estou com muita vontade de o fazer. Isso é o que está na mente de todos, e a presença neste encontro despertou outros impulsos neuronais. Prefiro centrar-me em algo que ouvi de passagem nas discussões de final de painel.
Alguém observou que “temos muita dificuldade em conceber o futuro”, em particular nos dias que correm. Levantei o nariz do tablet (lamento, mas o cérebro é multitarefas e estar concentrado numa coisa de cada vez é tão à século XX) e apeteceu-me dizer que não, não é nada difícil, leiam alguma ficção científica que isso passa. Contive-me a tempo, porque usar esta expressão no meio de distintos docentes normalmente granjeia-me olhares de condescendência hostil que traduz a intensa inveja que os fãs de géneros mais sérios têm dos nossos jetpacks. Há um método para esta loucura. A FC é vendida aos desconhecedores com uma poderosa força oracular mas tudo o que realmente faz é extrapolar a contemporaneidade em gedankenexperiments que sublinham o que pode correr mal nas tendências tecnológicas e culturais do momento. Imagina-se o futuro para melhor compreender o presente. Posso sorrir com a inventividade maquiavélica do conto O Teste de João Barreiros, escrito há mais de vinte anos, mas fico com a sensação arrepiante que no corrente neoliberalismo selvático cratista este futuro imaginário tem o seu quê de possível num sistema de ensino a duas vias, de qualidade privatizada para minorias afluentes e massificado à exaustão para o lúmpen matéria-prima da nova ordem global. Note-se que a perplexidade e revolta com este caminho para o qual nos empurram esteve patente em boa parte dos momentos do encontro. Depois pego neste Zero Hours, que curiosamente me chegou às mãos durante o encontro (sim, outra vez aquela coisa do multitarefas), e penso que sublime crítica é à hiperflexibilização laboral. Experiências de pensamento, que levam ao extremo as linhas-guias do momento contemporâneo e nos ajudam a tomar consciência de para onde realmente estamos a ir.
Depois desce-se um andar e mergulha-se num museu que visto pelos percursos previstos é um acervo cronológico que fala da história das comunicações em Portugal. Visto pelo olhar paralelo do fanboy de literaturas de género é um intrigante depósito com elevada densidade de dead media por metro quadrado, despertador de sonhos cyberpunk com os sonhos digitais arcaicos de entranhas impressas a silicone. Quando o cobre substitui o circuito integrado e a válvula o chip em engenhos envoltos em madeira os sonhos tornam-se electropunk e Tesla diviniza-se em realidades alternativas onde o mecanicismo a vapor domina. Onde quero chegar com isto? Posso ver o museu com o olhar pedagógico previsto nos itinerários, ou posso deixar a imaginação em dérive. Derivando encontro outros sentidos que obrigam a reflectir sobre o que está à vista mas não se limitam ao previsível. Afinal, conceber futuros é fácil. Difícil é construí-los.
Não por acaso, ou talvez por isso, ou como diria Jung, inconsciente colectivo, ao lado do Museu das Comunicações decorria um encontro de fãs de Anime. Vestidos a rigor em cosplay dos seus personagens favoritos, mergulhando e partilhando os seus universos de fantasia que para serem compreendidos obrigam à leitura em diversas línguas e alguma proficiência técnica. Eles concebem, desenham e montam futuros. A divergência de interesses com o encontro de professores parece abismal mas é fundamentalmente similar: partilha de experiências e alargar do conhecimento do mundo. As mutações conceptuais geracionais são uma característica evolucionária mas a disseminação de experiências é uma necessidade constante. Conceber o futuro requer conhecer o passado para compreender o presente. E chega, que está na hora de embarcar no foguetão com destino a Alfa Centauro.
(A culpa foi do Encontr@rte.)