quinta-feira, 29 de março de 2007

The Frankenstein Omnibus



Peter Haining, ed., The Frankenstein Omnibus, Bounty Books, 2003

Fantastic Fiction | The Frankenstein Omnibus

Não se pode dizer que este livro tenha tudo sobre o mais fabuloso monstro da história do cinema. Mas se não tem tudo, anda lá perto. The Frankenstein Omnibus colige uma série de contos e excertos de romances que, de uma forma ou de outra, estão ligados com o mito por detrás de Frankenstein. A selecção cuidada dos contos apresenta-nos uma série de percursores, contemporâneos, inspiradores, seguidores e variações, bem como os preciosos e impagáveis guiões dos filmes mais marcantes deste personagem.

A lista de contos e obras citadas é impressionante, atravessando três séculos de literatura fantástica. O livro divide-se em três partes - The Prototypes, onde o editor nos apresenta uma série de contos de precederam o marco que foi o filme Frankenstein; The Films, com uma cuidada selecção de guiões e adaptações literárias de várias interpretações de Frankenstein no cinema ou na televisão; e The Archetypes, contos onde o mito por detrás de Frankenstein - o de uma criatura inamimada que ganha vida através da intervenção de forças exteriores - é revisitado de formas inesperadas.

Na primeira parte podemos encontrar os seguintes contos:
The Creature Lives! Como não podia deixar de ser, o livro dá o mote ao tema através da citação da obra imortal de Mary Shelley
The Reanimated Man Mais uma vez, Mary Shelley com o conto de um inglês reanimado após um século preservado sob os gelos alpinos, um pouco ao estilo de Rip Van Winkle.
The Mummy Um excerto da obra ilegível (na minha opinião) de Jane Webb que consegue misturar o fantástico com a FC de uma forma perfeitamente ineficaz.
The New Frankenstein Numa excepção ao tom do livro, um conto satírico de William Maginn às voltas com as veleidades dos cientistas que querem criar vida nos seus laboratórios.
The Bell-Tower Conto de Herman Melville que nos leva à Itália renascentista e nos remete para Talos, lendário homem de bronze da antiguidade clássica, revisitado pelo génio dos inventores renascentistas.
The Vivisector Novamente em tom satírico, um conto de Ronald Ross cuja única ligação possível com Frankenstein tem a ver com as vivisecções do "herói" da obra.
The Future Eve Excerto do romance simbolista do autor francês Villiers de l’Isle-Adam que introduziu ao mundo o conceito de andróide. Há algo de estranhamente misógino nestas correntes literárias que descrevem tentativas de criar mulheres artificiais perfeitamente obedientes e submissas aos desejos dos homens.
The Incubated Girl Excerto de um romance moralista da autoria de Fred T. Jane onde, mais uma vez, a moralidade da criação de máquinas que mimetizam a vida é posta em questão com os mais banais argumentos.
The Surgeon’s Experiment Com este conto de W. C. Morrow entramos profundamente em território pulp. A história de um cientista que tenta reanimar um cadáver através de uma cabeça de metal é um prenúncio de delícias literárias vindouras.
Some Experiments With a Head Este conto aterrador de Dick Donovan não merece ser esquecido. Passado em França, detalha uma experiência horrífica em que dois cientistas mantéem viva a cabeça de um condenado à guilhotina para saber precisamente quanto tempo é que uma cabeça seria capaz de viver depois de separada do corpo.
The New Frankenstein Mais um exemplo de literatura misógina, em que dois apaixonados descobrem a aterradora verdade por detrás da sua simpática, submissa e silenciosa noiva, neste conto clássico de E. E. Kellett.
The Man Who Made a Man Mais um conto pulp, desta vez da autoria de Harle Oren Cummins, em que se estabelece a imagem do cientista enlouquecido que tenta dar a centelha da vida a uma criatura no meio de faiscantes aparelhos eléctricos.
Frankenstein II Alivia-se o tom trágico do mito num conto de Leonard Merrick em que a criatura é uma peça de teatro e Frankenstein o seu autor, desesperado e levado à ruína financeira ao tentar levar a sua criação ao palco.
The Composite Brain Mais um conto típicamente pulp, em que dois cientistas desprezados pela comunidade científica assassinam um respeitado cientista para usar o seu cérebro em experiêncas horríficas, da autoria de Robert Carr
Demons of the Film Colony Num conto apropriado para terminar esta primeira parte, Theodore Le Berthon conta-nos o terrível segredo por detrás das impressionantes interpretações de Boris Karloff e Bela Lugosi nos papéis que lhes deram fama...

A segunda parte da obra inclui as seguintes pérolas (escrevo isto sem qualquer ironia):
Frankenstein; or, The Man and the Monster Antes de chegar ao cinema, a obra de Mary Shelley já tinha sofrido várias adaptações para o teatro; este é o argumento daquela que o editor considera ser a primeira delas, encenada em 1823.
Frankenstein: The Man Who Made a Monster Para os amantes do filme seminal de James Whale, sem o qual o mito de Frankenstein não seria o que é, o livro inclui o argumento origial de Garrett Ford e Francis Faragoh para o filme de 1931, na adaptação única da obra de Mary Shelley. Foi com emoção que li a descrição da cena histórica em que Colin Clive, no papel de Victor Frankenstein, dá vida ao monstro interpretado por Boris Karloff, perante o olhar atónito de Edward Van Sloan no papel de Professor Waldman - a cena que ficou para a história do cinema, inspirando incontáveis cenas onde cientistas loucos libertam a força dos electrões numa tempestade de faíscas. It's alive! IT'S ALIVE!
The Bride of Frankenstein A noiva de Frankenstein, sequela ao primeiro filme, é considerada por muitos como muito melhor do que o Frankenstein original. O argumento de Guy Preston faz tentadoras sugestões aos cenários góticos filmados por James Whale nesta história onde Victor Frankenstein é obrigado a regressar às suas pesquisas malditas.
The Workshop of Filthy Creation Exagero grand guignol e mais clichés de terror por página do que em qualquer outro conto deste livro, na adaptação de Robert Muller para um argumento de uma série de televisão britânica.
The Dead Man A série televisiva Twilight Zone, criada por Rod Serling, despertou inúmeras imitações de variável qualidade ao longo dos tempos. Este tenebroso conto de Fritz Leiber foi a base de um episódio da série Night Gallery, criada também por Serling.
The Curse of Frankenstein E que seria um livro sobre o personagem sem algo que recordasse os famosos filmes de terror britânicos dos estúdios Hammer? Esta adaptação gótica e tenebrosa de Jimmy Sangster faz jus à fama dos filmes da Hammer. Não há heroismos, ou moralidades definidas; há apenas o olhar depravado sobre os horrores da alma humana.
Herbert West—Reanimator Possivelmente a pior obra escrita por H. P. Lovecraft, nem por isso deixou de inspirar um filme de culto de série B. Aqui, o mito de Frankenstein estende-se a partes de corpos horrívelmente reanimadas graças às injecções do fluido milagroso, fruto das abomináveis pesquisas do Dr. Herbert West. Pode não ser o melhor de Lovecraft, mas é sem dúvida um dos seus textos mais divertidos...
Transformation Para finalizar a segunda parte do livro, o editor publica mais um conto clássico de Mary Shelley, que esteve na base de um projecto pouco ortodoxo de adaptação de Frankenstein ao cinema pelos estúdios Hammer. O conto de Shelley, não um dos seus mais conhecidos, é uma poderosa alegoria da moralidade e do desespero.

A terminar os livro temos os arquétipos do homem que gerou um monstro. São obras onde a intervenção de forças exteriores - quer mágicas, quer científicas - dá vida a abominações que nunca deveriam ter maculado a face da terra.
The Golem O romance clássico de Gustav Meyrink, apresentado aqui num excerto, poderá ter sido uma das obras que inspirou Mary Shelley a escrever Frankenstein, or, the new prometheus.
Death of a Professor Este conto de Michael Hervey revisita o estranho caso de Andrew Crosse, um cientista inglês do século XVIII que publicou um artigo em que dizia ter criado vermes a partir de pedaços inanimados de matéria através da aplicação de electricidade. Mas as experiências de Crosse são aqui levadas até ao limite do horror.
Frankenstein—Unlimited Este conto de H. A. Highstone alimenta-se dos terrores provocados pela tecnologia num conto em que num futuro próximo, a humanidade está submetida ao domínio da máquina.
It Algo de sobrenatural anima uma criatura de gosma do pântano neste conto de Theodore Sturgeon.
Wednesday’s Child William Tenn revisitou neste conto o tema da mulher-andróide, neste caso máquina biológica que desperta o desejo do seu patrão, com as terríveis consequências esperadas neste género literário.
Dial “F” for Frankenstein Arthur C. Clarke a provar o seu génio neste conto de 1965 em que Clarke imagina o despertar de uma consciência artificial surgida da interligação das comunicações mundiais através da rede telefónica... anos antes da nossa contemporânea internet.
The Plot Is the Thing Robert Bloch, discípulo de Lovecraft, mergulha nas trevas da psique humana neste conto que mistura o amor ao cinema clássico de terror com a imaginação macabra do autor.
Fortitude Kurt Vonnegut é um escritor que está associado à ficção científica, embora tenha publicado obra noutros campos literários. Neste conto, narrado em jeito de peça de teatro ou argumento de episódio de série televisiva de causar arrepios, Vonnegutt revisita as ideias do cientista louco nesta história em que uma cabeça é mantida viva para lá do tempo normal de vida graças a um corpo mecânico artificial.
Summertime Was Nearly Over Brian Aldiss revisita o monstro de Frankenstein neste conto passado na moderna Suiça, onde no alto das montanhas o monstro ainda se refugia, oculto nas caverna sob os glaciares.
At Last, the True Story of Frankenstein A terminar em cheio esta colectânea, um conto de Harry Harrison com um final irónicamente perfeito, neste conto onde um incauto jornalista descobre, tarde demais, os verdadeiros segredos do Dr. Frankenstein, nos dias de hoje transformado em dono de uma macabra atracção circense.

Fôlego é o que é preciso para ler este volumoso tomo antológico às voltas com o monstro disforme favorito de tanta gente. Os contos clássicos, de autores já esquecidos, são uma das boas surpresas deste livro. Embora muitos dos contos sejam hoje ilegíveis, irremediávelmente datados, não deixam de ter interesse para aqueles que gostam de conhecer os contextos que deram origem aos mitos da cultura popular, não deixando de ser obscuras curiosidades culturais. Os guiões e as suas adaptações literárias deixam entrever a mística por detrás do ícone do monstro. A ficção pulp de terror está tão cheia de lugares comuns, de artifícios desenhados para provocar arrepios mas que em vez disso provocam gargalhadas, que acaba por ser mais pueril do que aterradora. É sempre encantador regressar a estes géneros de ficção.