segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Fonógrafos e Autómatos



'What a strange, almost uncanny thing it is! We shall soon have to be very careful what we say; for a bird of the air shall carry the voice, and that wich hath wings shall tell the matter. Fancy what a preventive of crime a phonograph fastened on every lamp-post would be! It would be a kind of Magic Flute, forcing people to tell the truth wether they would or no. Jones might say "I said this," but the phonograph would say, "You said that." Mere human fallible creatures will soon be banished from the witness-box; judges and juries will content themselves with taking evidence of unerring, unlying phonographs!'

Soa familiar? Este excerto do conto The New Frankenstein, do autor inglês do século XIX E.E. Kellett, pressagia na perfeição o nosso futuro de videovigilâncias, exceptuando um pormenor - Kellett referiu-se ao fonógrafo, na altura a invenção revolucionária de Edison, antepassado muito longínquo das nossas pequenas câmaras de vigilância em alta definição. Mas a imagem de um fonógrafo em cada poste de iluminação concretizou-se (particularmente em Inglaterra, país muio apologista da videovigilância nos locais públicos). Quantos são os edifícios, quantas são as estradas, quantos são os locais onde se se olhar com atenção podemos ver o olho frio da lente enclausurado no seu casulo de metal e vidro fosco?

O conto pode ser lido online, com outro título: The Lady Automaton.

Este conto está publicado com este título no excelente The Frankenstein Omnibus, um volumoso compêndio de obras de ficção às voltas com o mito do cientista que no seu laboratório cria monstros. Esta obra funciona como um verdadeiro livro omnívoro - as suas páginas contêem desde contos de autores clássicos e contemporâneos de FC e Horror aos guiões dos filmes da Universal, a peça de teatro que adaptou a obra de Mary Shelley ao palco e formou a base do filme lendário de James Whale com Boris Karloff, sem esquecer a verdadeira preciosidade que são os velhos contos de terror do virar do século XX, publicados por autores já esquecidos nas revistas literárias vitorianas, ou os contos pulp dos anos 20 e 30.

O conto de Kellett, The New Frankenstein, não lida com monstros disformes, muito pelo contrário. O anti-herói do conto, o professor Arthur Moore, é um génio científico que cria um autómato feminino - uma ideia em voga na época, com raízes no conto O Homem de Areia de E.T.A. Hoffmann e bem desenvolvido na obra L'Ève Future do escritor simbolista francês Villiers de L'Isle Adam. Há qualquer coisa de estranhamente misógino nestas obras que descrevem a criação de mulheres perfeitas, artificiais, sempre belas e submissas... e que hoje têm eco nas obras de FC que andam às voltas com a clonagem.

That beautifal, lady-like girl, that had ushered me into the room, whom i had taken for his wife, was an automaton! That doll-like expression was due to the fact that she was a doll.

O autómato, Amelia, é posto à solta nas festas da alta sociedade inglesa por um Moore disposto a mostrar a vacuidade das mulheres da sociedade. Mas o inevitável acontece - a perfeição de Amelia inspira dois jovens de amores, e a tragédia tem o seu fim quando um dos tresloucados apaixonados impede o casamento do seu rival com Amelia, apunhalando-a na cerimónia do casamento e revelando assim que o coração do autómato era composto de serradura...

Mais uma avó para Maria, o protótipo de todos os andróides. Se repararem bem, este andróide do lendário filme Metropolis de Fritz Lang inspirou o visual do ícone dos robots, o divertido C3PO da saga Guerra nas Estrelas.

Coisas destas eram escritas e discutidas na era vitoriana. E achamo-nos nós muito modernos e controversos, com as nossas visões de cyborgs, andróides ou seres genéticamente modificados...