terça-feira, 30 de abril de 2013

1999


Uma brincadeira às voltas com uma série televisiva que me encantou enquanto criança e cuja estética ainda hoje me encanta. Utopias mágicas de um futuro que nunca aconteceu.


Aqui a imagem que serviu como ponto de partida.



Clockwerx


Tony Salvaggio, Jason Henderson, Jean-Baptiste Hostache (2011). Clockwerx. Bielefeld: Splitter.

Uma série intrigante que cai na categoria iconografia à procura de justificação num argumento. Clockwerx está firmemente ancorado na estética steampunk com uma história sobre robots tripulados na Londres industrial da era vitoriana. O argumento gira à volta da fonte de energia milagrosa que permite aos autómatos moverem-se e as inevitáveis lutas entre facções pelo controlo da energia. Uma, previsivelmente, visa dominar o mundo e apenas um bando de rebeldes engenheiros e pilotos de autómatos os podem travar. A obrigatória batalha final entre robots nos túneis industriais sobre Londres é um regalo visual para os apaixonados do steampunk. Este é um livro que deslumbra pela ilustração. Os autómatos tripulados são delírios de mecanicismo de relojoaria e os cenários mergulham num gótico industrial com sabor a vapor. E a história não passa de uma boa desculpa para delírios visuais.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Renders


Um render no Bryce, com texturas modificadas e três pontos de iluminação.


Render do motor de rendering do Doga L3, que dá aos objectos um ar limpo de mangá.

Comics


The Manhattan Projects #11: É um prazer ler esta dose mensal de ficção científica surreal. Hickman reúne as suas transformações de personagens históricos na lua para detalhar as próximas fases da expansão secreta desta curiosa sociedade de engenhosos inventores pelo sistema solar. Já agora, a guerra fria é um embuste para concentrar recursos que permitem o financiamento das tecnologias de ponta dos projectos e Oppenheimer tem uma agenda secreta. Ou, sendo mais preciso, uma das personalidades de Oppenheimer tem uma agenda secreta.


The Unwritten #48: Se a série parece estar condenada à circularidade, repetindo-se com pequenas variações, o humor de Mike Carey não deixa de se fazer sentir. Confesso-me um fã apaixonado pelo coelhinho psicótico que traça um caminho de devastação por onde passa.


Witch Doctor Malpractice #06: A primeira série de Witch Doctor deslumbrou pela criatividade na mistura divertida de géneros com um horror bem humorado. Esta segunda série parece ter sido desenvolvida de forma mais apressada para manter o interessa na personagem. Notou-se particularmente na ilustração, bastante abaixo do nível estabelecido na primeira série. Mas a premissa deste médico excêntrico do oculto e  os seus estranhos companheiros é muito boa. Basta olhar para as vinhetas finais desta segunda série para perceber que o Dr. Morrow vai mergulhar em novas aventuras.


Justice League Dark #19: Um prazer culpado. Mete Constantinte, Frankenstein Agent of S.H.A.D.E. e Madame Xanadu à mistura numa super-equipa que combate ameaças do oculto. E tem Jeff Lemire nas rédeas, embora se deva dizer que é um Lemire muito mais comedido do que o destravado do genial Frankenstein Agent Of S.H.A.D.E.. Mas algo parece indicar que os níveis de esquisitice bem humorada com vénias ao terror e aos comics estão para regresssar.

sábado, 27 de abril de 2013

Doga L3 no 3DAlpha



Mais uma novidade: o Doga L3 é das aplicações que mais tem sido utilizada projecto 3DAlpha, permitindo aos alunos criar em poucos minutos modelos com a complexidade do ilustrado na imagem, mas não é muito fácil aos interessados encontrá-la online. Está disponível no site do projecto em japonês mas é pouco replicada na internet. Agora também pode ser descarregado no 3D Alpha. Visitem a página Doga L3 Download para descarregar o programa, pacotes com novas bibliotecas de peças e tutoriais.

(Com um agradecimento ao Dr. Vítor Cardoso pela ideia de expandir a base de conhecimentos sobre este pequeno mas potente programa de 3D.)

fénix_bent


Methane breathing octopuses


He looked up at me for a moment. 'Amongst other things. I'm very fond of your world, and you humans. You mentioned fate. This seems to be mine. It could be much worse. I could be the defender of methane breathing octopuses.' 
'I suppose such things exist.'
He was back under the pillar again. 'They're all too common. Live mostly in cold gas giants like Neptune – Damnation!'

Paul McAuley (2003). Doctor Who: The Eye of the Tyger. Tolworth: Telos.

Porque é que estou a ficar cativado pelo Doctor Who? Certamente que tem algo a ver com o intenso surrealismo bem humorado desta série tão excêntrica. Também porque o universo whoviano tem uma enorme flexibilidade, possibilitando histórias mirabolantes em géneros como a space opera, fc pura, terror, viagens no tempo, enfim, quase tudo o que a imaginação dos argumentistas pode cozinhar. Tal como a TARDIS, é maior no interior do que no exterior...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

sx_bent


Comics


The End Times of Bram and Ben #04: Termina muito bem esta curiosa série que brinca com os pressupostos dos fundamentalistas cristãos. Estamos no fim dos tempos, o apocalipse aproxima-se, os crentes foram arrebatados, e o anticristo anuncia a sua presença na terra. Vários anticristos, e um deles organiza um festival de rock apocalíptico. A grande piada da série está na forma como termina: numa bofetada bem humorada aos fundamentalistas, observa que há mais religiões entre o céu e a terra do que o dualismo da herança judaico-cristã e desmascara os anjos e demónios como apenas mais uns semi-deusecos que fizeram batota para conquistar mais pontos no eterno jogo da fé.


East of West #02: Depois de uma primeira edição explosiva, Jonatham Hickman desacelera o passo desta promissora série. Mergulhamos um pouco mais fundo nesta ucronia futurista numa américa alternativa onde o apocalipse se aproxima, três dos quatro cavaleiros agem ardentemente para apressar o fim dos tempos com a conivência de representantes das nações americanas e a morte age como um cowboy solitário com um propósito muito pessoal.


Fury Max #11 My War Gone By: Atrocidades horrendas em aldeias nicaraguenhas? Corpos decapitados espalhados pelas ruas? Bebés arrancados à barriga da mãe e espezinhados? Num comic da Marvel? Pois, é Garth Ennis a divertir-se com o icónico Nick Fury e a ultrapassar os limites temáticos da editora.


The High Ways #04: A mini-série de John Byrne conclui com a sensação que era preciso mais espaço para esta mini space opera se desenvolver a bom ritmo. A conclusão é apressada e resumida, e dá pena saber que terminou por aqui. O traço de Byrne brilha nas naves espaciais que criou para a série, mas a mania de pontilhar a vastidão do espaço com estrelinhas brancas não foi a melhor das soluções gráficas.


Mind MGMT #10: Alguns dos momentos mais interessantes deste comic não linear de Matt Kindt são os interstícios da história, onde o autor dá asas à imaginação e cria premissas fascinantes com uma ou duas pranchas. Neste mês, a rapariga capaz de invadir sonhos alheios para extrair informações.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Comics: Coraline, The Crusaders


Denis Filippi, Terry Dodson (2006). Coraline. Paris: Les Humanoïdes Associés.

Este é um curioso exemplo de resposta à procura de pergunta. A história deste Coraline envolve uma bela preceptora contratada para convencer um jovem inventor a deixar de parte livros e maquinarias e descobrir o lado lúdico da vida. Vigiada pelos criados solícitos, mergulha num mistério de sonhos aventurosos de contornos eróticos que nunca chega a ser explicado. Esta é a premissa, mas o livro vive e torna-se excelente pela qualidade das ilustrações. A história é essencialmente uma desculpa para o ilustrador desenhar fantásticos engenhos mecânicos de estética steampunk e belas donzelas curváceas com o seu quê de Brigite Bardot em paisagens com um toque pré-rafaelita. Um deslumbre para o olho, cheio de criatividade, expressividade e cor.


The Crusaders

Um toque nostálgico dos tempos em que os comics eram divertidos pelo seu simplismo, inocência e vacuidade cerebral. The Crusaders reúne um grupo de personagens de segunda linha do género super-heróis publicados pela Archie Comics, uma editora que é mais conhecida pelo seu clássico personagem icónico e homónimo, eterno adolescente numa cidadezinha de sonho suburbano americano. A união tensa e fortuita de The Shield, The Comet, The Fly, The Jaguar e Black Hood (tantos the...)  sob a égide da organização The Web coloca estes heróis incertos a lutar contra alienígenas transdimensionais e cyborgs mercenários.


A série durou sete edições, escritas com a elegância petrificada e a subtileza inexistente aliadas à ilustração descuidada típica dos comics dos anos 80. Alguns dos personagens da série andam esquecidos nas gavetas de propriedade intelectual das editoras que vão adquirindo os direitos de autor, e só The Shield teve direito a uma curta mas muito interessante nova vida como título da DC antes da vaga 52.

25


Nos negros dias de hoje, mais importante que nunca: sempre.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Kalathar stands alone


Robot freaks, who have taken to call themselves cyberpunks.


Revealing himself to be an alien creature.


Kalathar is free!


Kalathar stands alone.

Algumas vinhetas deprimentes de comics do início dos anos 90, categorizáveis como tão más, tão más que se tornam divertidas. De The Crusaders, da Impact Comics (chancela da DC que recuperou personagens da Archie Comics).

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Comics


Miniature Jesus #01: De qualquer título com a assinatura de Ted McKeever podemos esperar o surrealismo visceral negro que é a sua marca. Miniature Jesus começa por cruzar um ex-alcoólico com alucinações e um pastor que acredita que uma imagem de cristo que decide descer da cruz e começar a andar por outras paragens é uma encarnação do demo. O traço inconfundível de McKeever está estranhamente manso no arrancar desta fantasia obscura.


Mara #04: E de repente, cai o queixo. Brian Wood a brincar com super-heróis, o mais banal dos temas nos comics? A história da rapariga que joga basquetebol num futuro distópico começou a metamorfosear-se numa recriação do super-homem icónico. Com bases militares voadoras à mistura.


The Shadow #11: Garth Ennis deu o arranque, e os que se seguiram no argumento mantiveram o rumo. Nesta encarnação do homem que conhece o mal que está no coração dos homens o herói pulp não combate ameaças místicas ou bandidos do mundo do crime. Desta vez circula por entre os teatros sangrentos das guerras que mancharam a paz mundial entre a I e a II guerra. Começou pela Manchúria ocupada pelos japoneses, agora leva-nos à Espanha da guerra civil. O mote é sempre o mesmo: a sede de poder, a vontade de dominar e o gosto pelo dinheiro fácil. São estes os males presentes nos corações que The Shadow aniquila.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Comics: Arrowsmith, Absolute Zero



Kurt Busiek, Carlos Pacheco (2004). Arrowsmith: So Smart In Their Fine Uniforms. La Jolla: Wildstorm.

Uma divertida variação com o já muito abordado tema da I guerra. Nesta visão de fantasia, não são máquinas voadoras e massas humanas que se batem nas trincheiras. Antes, temos soldados, magos, criaturas mitológicas e feiticeiros a recriar a carnificina de 1914 a 1918, onde castelos medievais coexistem com dirigíveis e a magia permite aos paquetes transatlânticos cruzar os mares em tempo recorde. Criando um razoavelmente bem definido mundo alternativo em que a Europa e as Américas mantém as designações medievalistas num mundo onde ciência e magia coexistem, Kurt Busiek cria uma história simpática onde um jovem idealista americano se voluntaria para os corpos de aviação para voar com encantamentos e dragões. As atrocidades a que assiste e que é obrigado a participar na frente fazem-no crescer, encontrar o amor e ganhar coragem para liderar. Misto de história de auto-descoberta com narrativa de guerra e fantasia mágica, Arrowsmith encanta sem ser deslumbrante. Todos os artifícios narrativos e temas dos géneros estão no texto, e a solidez do mundo ficcional é bem estabelecida. O traço preciso de Carlos Pacheco dá vida às criaturas e espaços deste comic interessante, captando na perfeição o espírito da época com o toque  de fantasia mágica que caracteriza a obra.


Christophe Bec, Richard Marazano (2006). Zero Absolu. Toulon: Soleil.

Parece incrível e impossível, mas foram precisos três livros na série Absolute Zero para levar uma história incompreensível a uma conclusão banal. Talvez porque o editor sofra do síndrome da iliteracia? Um grupo de soldados tem como missão explorar uma base científica abandonada num planeta gélido. No seu interior, coisas estranhas começam a acontecer. Que coisas estranhas? Não se percebe muito bem. Por qualquer razão inexplicada começam a matar-se uns aos outros. Parece também que a realidade que vêem não corresponde ao captado pelos instrumentos. Pelo meio, há flashbacks para outras eras. No final, sobrevivem dois e a história revela que estes têm vindo a sobreviver ao longo dos tempos. Confusos? Eu também. Há bons argumentos labirínticos, onde o engenho do escritor nos dá voos de genial tortuosidade. E depois há os argumentos mal escritos, incompreensíveis para todos excepto quem os escreveu. No entanto a coisa deu trilogia... isso sim, é muito estranho.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

bots


Brincadeiras com as bibliotecas complementares de peças do Doga L3.

Ficções

Last Son of Tomorrow: Um re-imaginar do mito de criação do icónico Super-Homem, o homem do amanhã, super-herói invulnerável, alienígena em forma humana mais poderoso que os deuses míticos, mais rápido que uma bala, voando mais alto do que um avião... Greg Van Eekhout pega na narrativa clássica de Siegel e Shuster reinventando-a com toque surreais. Neste conto o super-homem sobrevive a todas as aventuras e agruras, torna-se ditador benevolente da humanidade, e nem o passar dos milénios ou a entropia que consome o universo o afectam. Para um ser todo-poderoso resta como solução final para a melancolia o desfazer-se em partículas e espalhar-se pelo continuum espácio-temporal. Homenagem pouco subtil mas divertida ao personagem icónico dos comics que reduz ao absurdo o conceito de transcendência dos limites humanos.

A Fine Show on the Abyssal Plain: Karen Tidbeck é uma voz surpreendente recentemente chegada à ribalta da FC e Fantasia pelo olho clínico de Jeff Vandermeer. Cativa pela mistura etérea de fantasia poética e surrealismo inocente. Este conto é disso exemplo: uma trupe de actores que representa apenas histórias verdadeiras mas passadas noutros mundos que não o nosso em palcos desolados para espectadores que não dão sinal de visibilidade encontram uma audiência entusiasmada numa exploradora dos fundos submarinos cujo submersível rompeu o cabo que o liga à superfície e se afunda, lentamente, na profunda escuridão abissal.

Sing: Mais uma visão de surrealismo lírico por Karin Tidbeck. Neste conto, a autora coloca-nos num planeta colonizado onde se forma uma simbiose parasítica entre as espécies autóctones e alienígenas. Um biólogo aterra no planeta para estudar líquenes tenta perceber o mistério do cantar inaudível dos colonos. Encontra uma paixão e uma revelação deveras repelente. Tudo é contado pelo ponto de vista de uma nas habitantes, rejeitada pelos seus pares por uma deficiência específica ao ecossistema baseado no parasitismo.

Invicta Imaginária

Algo de intrigante se passa a norte. Resposta elegante ao Lisboa no Ano 2000, coragem para imaginar a cidade do Porto como cenário para ficções literárias do fantástico? A ver vamos, mas os primeiros passos são promissores. O Invicta Imaginária conta já com uma página e espaço em redes sociais. O objectivo é ambicioso: olhar para a cidade, para a fugaz monarquia do norte e imaginar tempos alternativos. O infatigável Rogério Ribeiro tem uma antevisão no seu blog que faz crescer água na boca de qualquer viciado em ficções científicas e fantásticas. O projecto está em marcha, e a curiosidade está aguçada.

Edit: o invicta imaginária está a publicar a cronologia ucrónica da monarquia do norte. A curiosidade está ainda mais aguçada.

domingo, 21 de abril de 2013

Mirrorshades 2.0


William Gibson, decano dos escritores cyberpunk, a testar óculos Google Glass. Dada a propensão dos personagens do género em usar óculos escuros ou aparelhos de realidade virtual e aumentada suspeitamente similares a óculos escuros, há uma certa ironia nesta imagem. É interessante ver o autor de Virtual Light, romance sobre óculos (escuros) que sobrepõem o mundo virtual ao real a testar óculos que prometem concretizar os devaneios cyberpunk. A ironia aprofunda-se: esta imagem veio do tumblr de Bruce Sterling, editor da seminal antologia Mirrorshades que estabeleceu o cyberpunk enquanto género da ficção científica por direito próprio. Sterling também um peso pesado do género e hoje em dia uma figura mista, espécie de tecno-guru pós-literato, influente como nexo de confluência de tendências do fluxo digital. Gibson flutua mais acima nos céus como semi-deus oracular da hipermodernidade contemporânea.

Pincel digital


Pois, tu não dás Excel. Fazes aparecer ovelhas e foguetões no ar. E ensinas como fazer isso.

Ou como um bom amigo meu vê o que faço. A história do excel teve origem numa recente conversa com outros professores de TIC na região onde trabalho. Um detalhou que tinha já abordado todo o Word e Powerpoint e agora se encontrava a dar Excel, opcional no programa. Perante a questão inevitável e vocês apenas consegui dizer excel? Credo! e balbuciar qualquer coisa muito liminar sobre trabalho em multimédia. Vídeo e imagem, isso eles percebem pensei. Mas confesso que não fujo totalmente às aplicações office. Inicio as actividades com introduções à sua utilização, um pouco por descarga de consciência e porque alguns alunos (poucos, e cada vez menos) não tiveram contacto prévio com as ferramentas. A vertente que prefiro trabalhar com os alunos envolve a aprendizagem de ferramentas que lhes permitam descobrir tecnologias novas e estimular usos criativos. Parte daí a abordagem às tecnologias 3D e aos projectos multimédia.

Não defendo que seja a única vertente possível, ou sequer a mais importante. Há outras, tantas quanto as possibilitadas pela imaginação dos professores, o seu conhecimento de ferramentas digitais e a capacidade de as traduzir em projectos acessíveis às crianças e jovens. As ferramentas digitais criativas e a inventividade tecnológica são as marcas mais distintas da sociedade contemporânea. Por mim, acredito que estimular estas abordagens enriquece as capacidades dos alunos, ao invés do treino do uso de aplicações comuns. Esta postura está intimamente intricada com a minha formação de base artística e humanista, que me leva a ver o computador não como um objecto técnico mas como um utensílio de expressão, como um pincel digital. Mas, caveat lector: apesar de acreditar que esta postura é correcta, não é a única correcta. Antes de tudo, diversidade e multidisciplinaridade. Essa é outra das lições do mundo digital.

sábado, 20 de abril de 2013

Gotta wear shades


"But this was 1992, and the future was so bright, the Digital Vanguard wasn't just wearing shades, they were wearing VR goggles." 

Brian Dear a revisitar as maquettes originais da revista Wired, que antes de se tornar uma publicação estabelecida numa editora mainstream foi a voz mais influente na emergente cultura digital. Confesso que a minha forma de ver a tecnologia foi profundamente influenciada pela Wired. Bons velhos tempos, em que Neal Stephenson escrevia artigos e Nick Negroponte nos desafiava a inventar o futuro na sua coluna de opinião.

A referência pop? The Future's So Bright I Gotta Wear Shades.

ROV's e Realidade Aumentada



Trabalho desenvolvido com uma turma de 6.º ano em parceria com as disciplinas de Ciências da Natureza, Formação Cívica e Tecnologias de Informação e Comunicação.

Objectivos: estimular projectos interdisciplinares; abordar conteúdos de ciências da natureza ligados às temáticas do mar; conhecer o que são ROV's; estimular o uso criativo de tecnologias digitais; estimular a criação em 3D; experimentar tecnologias de realidade aumentada em plataformas móveis.

Materiais e métodos:  Materiais: computadores, tablets, software de modelação 3D (Doga L3)  e visualização VRML (BS Contact), aplicação android de realidade aumentada (Augment).

Métodologia: pesquisa inicial sobre o tema; recriação em 3D; exportação em formato comum e conversão; visualização em vídeo e realidade aumentada.

Descrição: Após uma introdução em Ciências da Natureza sobre ROV's e suas utilizações na pesquisa científica, os alunos nas aulas de Formação Cívica pesquisaram diferentes tipos destes veículos. Em seguida, com a colaboração de TIC recriaram em 3D ROV's utilizando a aplicação de modelação Doga L3. Concluídos os modelos, procedeu-se à sua exportação em VRML e conversão para a aplicação android Augment. Na última sessão utilizámos um tablet para visualizar os modelos criados em realidade aumentada.

Conclusão: ao longo deste projecto os alunos:  descobriram o que são ROV's e reforçaram conhecimentos sobre as suas potencialidades; desenvolveram metodologias de trabalho criativo em suporte digital; conceberam objectos virtuais recorrendo à modelação tridimensional com trabalho em alçado, perspectiva e referenciais cartesianos; experimentaram uma tecnologia emergente em suportes móveis (realidade aumentada) que esbate a fronteira entre o real e o virtual.

Bibliografia:
ficha Kit do Mar ROV's - Robots Submarinos
Coelho, A. (2010). EVT Virtual: Aplicações de 3D e VRML/X3D em Educação Visual e Tecnológica.
Tutorial Doga L3
Augment Help
Realidad Aumentada e Educación

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Comics


2000AD #1828: Não estão a ser muito interessantes as correntes aventuras de Dandridge, fantasma de um dandy vitoriano à solta num mundo onde os espíritos coexistem com a humanidade. Mas esta ideia de um cientista louco e mercenário a contrato que usa cassetes betamax enfiadas na caixa craniana para alternar os discursos ameaçadores é muito destravada numa boa maneira. Traz à memóra Videodrome, esse filme marcante de Cronenberg. Para os leitores menos apreciadores de subtilezas, o nome do personagem é Max Beta. Perceberam?


DC Universe Presents #19: Mais um título que chega ao fim. A DCU Presents prometia reavivar antigos personagens mas raramente se destacou por um alinhamento que ultrapassasse o banal. Houve alguns momentos interessantes com o reavivar de Challengers of the Unknown, GI Combat ou Vandal Savage, mas a revista nunca se atreveu a passar os limites do esperado. Para o seu final traz-nos um novo personagem,  Beowulf, curiosa mistura de tecnologia, magia e futuro pós-apocalíptico que se começou a estrear nas páginas de Sword of Sorcery. Somos levados a um futuro medievalista, que replica a ambiência da mitografia céltica e viking num mundo que esqueceu o conhecimento e onde a tecnologia avançada é considerada magia. A premissa é interessante, particularmente num comic de massas, mas estamos a falar da DC. Vai ter alguns momentos interessantes mas a personagem está condenada às tesouras da mediocridade.


Hoax Hunters #09: Partindo de uma premissa interessante mas com argumentos formulaicos, este título da Image voa debaixo do radar. Hoax Hunters mostra-nos as aventuras de estrelas de um programa televisivo dedicado a investigar e desacreditar fenómenos paranormais, entre as quais se contam um cadáver imortal e um fato de astronauta que encerra um bando de corvos. Parecem cépticos, mas na verdade a equipa procura usar as câmaras televisivas para ocultar do grande público a emergência de fenómenos assustadores. É o velho truque de esconder à vista desarmada aquilo que se quer ocultar. Este número quebrou o ritmo de normalidade da série com uma história curta onde os temas icónicos que são casas assombradas, espíritos vingativos e episódios de séries televisivas colidem com muito humor.


Theremin #01: E se... ao descobrir as vibrações magnéticas que criaram o instrumento homónimo de sonoridade única, Leon Theremin também tivesse descoberto uma forma de viajar no tempo e se visse obrigado a uma carreira de aventuras a eliminar ameaças ao continuum temporal? É esta a premissa deste novo título da interessante Monkeybrain, editora inovadora de comics digitais. Confesso. Como resistir à mistura do tema da FC que é a viagem no tempo e suas tropelias e a um estilo visual retro que homenageia os clássicos do género nos anos 50 e 60? Não se resiste. Rayguns e theremins ficam muito bem juntos, essa é que é essa.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Overly attached girlfriend


Querido diário, hoje por um puro acaso reparei na carinha simpática que nos recebe ao entrar no portal das finanças, digo, autoridade tributária que nestes tempos de respeitinho moralista austeritário as autoridades são para se fazer a devida vénia e beijar o chão por onde passam. Aquele olhar, aquele sorriso da menina que nos contempla enquanto olhamos para as inúmeras e bizantinas obrigações fiscais num site cuja navegabilidade é um labirito kafkiano fez-me recordar qualquer coisa. Algumas voltinhas à cabeça depois lá percebi.


A expressão é pouco diferente da da overly attached girlfriend, um dos muitos memes da vida digital. É apropriado. Nestes tempos de austeridade, as finanças são a face visível de uma máquina que está optimizada para sugar o tutano aos cidadãos oferecendo em troca sacrificios, cortes e empobrecimento generalizado. Tudo sempre com um ar sorridente e um olhar complacente de moralismo oco. Pelo menos a rapariga excessivamente agarrada não oculta intenções nefastas por detrás dos olhos esbugalhados.

glifo


Steampunk




Jeff Vandermeer, Ann Vandermeer (ed.) (2008). Steampunk. São Francisco: Tachyon Publications.

Na medida em que se tenta chegar a uma definição de absoluto sempre inatingível, esta antologia mostra a abrangência do steampunk enquanto estética literária. Não se limita aos adereços e autores habituais e mergulha com alguma irreverência epistemológica mais fundo em contos de autores que não estão associados ao género. Ao longo do livro é clara a vontade de transcender fronteiras de definição estrita e mostrar como a polinização cruzada de influências gera narrativas interessantes, pertinentes, acutilantes ou apenas muito divertidas. Se pegamos neste livro à espera de encontrar quatrocentas páginas de dirigíveis, engenhos a vapor, intrépidos cientistas e mulheres de corpete armadas com pistolas exóticas depressa somos desenganados. Apenas os autores mais puros vivem dessas estética, e não por acaso são os contos ao mesmo tempo mais representativos mas menos interessantes ao nível conceptual. O intrigante surge nas linhas cruzadas, nas influências estéticas de diferentes géneros que colidem em contos que despertam a atenção pela inventividade, estranheza ou elegante metáfora sobre os tempos contemporâneos.

Editado por Ann e Jeff Vandermeer, Steampunk arranca com um excerto de Warlord of the Air, texto clássico de Michael Moorcock, que antecede o surgimento do steampunk enquanto estilo literário assumido. Parte de um romance maior, deslumbra pela visão retro-tecnológica onde a estética mecanicista da primeira revolução industrial se alia ao utopismo tecnológico numa narrativa que, como muitas neste género, vive do conflito militar enquanto fio condutor.

A estética pura do género é-nos mostrada em Lord Kelvin's Machine de James Blaylock, um dos fundadores assumidos do género (ou, pelo menos, um dos que inteligentemente fundiram conceitos estéticos soltos no cinema, banda desenhada e ficção científica num sistema coerente). O conto é si é formulaico e levemente entediante. Contém a estética, remete para aquele ar neo-vitoriano reminiscente de Conan Doyle, Verne e Wells mas a história apocalítpica de dois cientistas arqui-inimigos não convence nem desperta mais do que um leve interesse.

A polinização cruzada começa a dar sinais de vida em The Giving Mouth. Uma das características intrigantes desta antologia é a forma como as histórias escolhidas raramente se conformam aos pressupostos da estética steampunk. Este conto de Ian R. MacLeod reserva-nos um convincente misto de fantasia e tecnologia num mundo medieval onde a tecnologia é indistinguível da magia. Forma um curioso contraste com o conto seguinte, A Sun in the Attic de Mary Gentle que é um aglomerado estético de elementos estéticos como dirigíveis, indumentárias de época e iconografia retro-industrial e pouco mais. É curioso notar como narrativas de puro steampunk são geralmente fáceis de esquecer apesar do enorme esforço dispendido no seu embelezamento e construção de um mundo ficcional plausível.

As misturas estéticas onde diversos géneros convergem recomeçam com The God-Clown is Near, conto de Jay Lake onde a mitologia tradicional do Golem e o futurismo cyberpunk cruzam-se num resgisto surreal. The Steam Man of the Prairie and the Dark Rider Get Down: A DIME NOVEL: Joe R. Lansdale surpreende com uma assumida narrativa pulp visceral que mistura descaradamente elementos das edisonades do século XIX com um híbrido catastrófico de Wells com Stoker. As viagens do tempo do vianjante de The Time Machine de Wells provocam rupturas no tecido do tempo e o viajante acaba por se tornar um vampiro degenerado que solta hordes de morlocks sobre a humanidade indefesa. Apenas os operadores de um gigântico robot movido a vapor parecem ser capazes de travar a ameaça vampírica, mas o colapso inexorável das linhas temporais está a condenar o universo à destruição final. Conto divertido e desprencioso, brinca numa leveza assinalável com pressupostos e elementos estéticos de diferentes géneros literários.

Um regresso às raízes é o conto The Selene Gardening Society onde Molly Brown deslumbra com uma bem humorada homenagem a Verne. Décadas após os acontecimentos da primeira viagem à lua, a esposa de um dos exploradores incentiva o regresso à aridez lunar porque está farta de ver o marido a dar-lhe cabo das plantas ornamentais. Perante a ausência de atmosfera na lua, o plano envolve disparar lixo orgânico cujo apodrecimento irá criar um solo capaz de suportar vegetação produtora de atmosfera. A impossibilidade de lançamento destas cargas nos canhões lunares é resolvida pela invenção atempada de meios de propulsão electromagnética. Um conto firmemente ancorado no cânone steampunk, que se destaca pelo sorriso que provoca.

Uma das grandes surpresas desta antologia é Seventy-Two Letters. Com uma prosa austera e certeira Ted Chiang constrói meticulosamente um inventivo mundo neo-vitoriano em que magia e tecnologia convivem. Um criador de golems autómatos investiga a possibilidade de criar robots cada vez mais capazes, e vê-se envolvido no estudo do desenvolvimento dos homúnculos que habitam no esperma e cujo crescimento uterino gera as novas gerações. O prazo de vida da humanidade parece estar a esgotar-se, mas a invenção da impressão cabalística de informação células humanas que lhes dá a chave para desenvolvimento autónomo permite um novo fôlego à humanidade. Chiang é brilhante nesta fábula, em que as incantações cabalísticas são uma metáfora mal disfarçada para a engenharia genética e as tecnologias de informação. O conto é implacável, desenrolando-se com uma métrica rígida em que cada nova peça do puzzle narrativo cai atempadamente no seu lugar.

Segue-se The Martian Agent, A Planetary Romance onde no espírito trans-géneros que anima a ficção fantástica contemporânea cabe a Michael Chabon um conto que mistura elegantemente a narrativa pulp juvenil com história alternativa e os elementos estéticos da cultura a vapor. Obrigatoriamente, conta com dirigíveis e andarilhos mecânicos de combate. Já Victoria dá-nos outro toque trans-género, com o cyberpunk inspirado na genética de Paul di Filippo inserido na estética steampunk numa era vitoriana onde o progresso tecnológico traz perigosas maravilhas, intrigas palacianas conspiram para derrubar a jovem rainha Vitória e uma salamandra humanóide faz das delícias dos homens que com ela se cruzam. A subversão deste conto é espelhada em Reflected Light, conto curto de Rachel Pollock que nos coloca no outro lado da imaginação steampunk, com uma observação sobre as classes proletárias que sobrevivem das résteas tecnológicas de um mundo brilhante para o qual trabalham arduamente mas que raramente vislumbram.

A outra grande surpresa da antologia é Minutes of the Last Meeting, conto de Stepan Chapman que ganha o prémio de narrativa mais insana da colectânea. Na Rússia czarista retro-futurista de 1917 as mais mirabolantes invenções da tecnologia a vapor coexistem com nanotecnologia consciente. Todo o país é vigiado por um cérebro electrónico avançado que através de minúsculos robots omnipresentes vigia tudo e todos mas que graças a uma intriga bizantina é levado à depressão e ignora pequenos indícios do que se vem a tornar um atentado em que rebeldes socialistas conseguem assassinar o czar. Nos estertores da morte o czar ordena o lançamento do seu maior símbolo de poder: uma ogiva atómica lançada por um míssil semi-consciente que pede desculpa porque a ignição dos seus motores carboniza quem estiver por perto. A explosão atómica provoca uma temida reacção em cadeia em que o hidrogénio e oxigénio na atmosfera se incendeiam, reduzindo o planeta a uma bola de cinzas. Contado com um ritmo impecável em diferentes pontos de vista e um aceno estético muito profundo à belle époque.

Cabe a Neal Stephenson encerrar a antologia com Excerpt from the Third and Last Volume of Tribes of the Pacific Coast, um conto que apesar de distante do estilismo steampunk partilha de alguns elementos do género. Num futuro pós-apocalíptico, algumas nações tradicionais unem-se para proteger o acesso à quase miraculosa nano-tecnologia. Exploradores das tribos semi-selvagens que herdaram o que foi o antigo território dos Estados Unidos são capturados por uma aliança de tribos libertárias que deseja capturar os segredos da nano-tecnologia e libertá-los para todos. Nanotecnologia e apocalipses singularitários têm pouco a ver com steampunk, mas Stephenson vai buscar as rígidas estruturas sociais e a veneração por sistemas políticos monárquicos que caracteriza o género.

Nem só de ficção vive este livro que também tem alguns ensaios sobre diferentes vertentes do género. Jess Nevins dá-nos uma erudita reflexão sobre as raízes do steampunk nas narrativas pulp do século XIX. Vai mais longe do que o esperado, deixando de lado as óbvias influências de Wells, Verne e Conan Doyle para olhar para géneros esquecidos como a aventura juvenil tecnológica, as edisonades, o western e as narrativas onde a civilização ocidental é ameaçada por perigos orientalistas. Rick Klaw olha para as influências do género no cinema, televisão e cultura de jogos com uma longa lista de séries, filmes e jogos onde bizarramente afirma que a primeira obra cinematográfica do género foi o clássico Voyage dans la Lune de Meliés. É uma estranha inversão da relação causa-efeito. Para terminar Bill Baker faz uma breve introdução ao steampunk nos comics, destacando algumas preciosidades como Luther Arkwright, Five Fists of Science  ou o brilhantemente ilustrado Scarlet Traces.

Steampunk vai muito além dos limites do género, olhando para a mistura de influências como forma de transcender fronteiras em narrativas pertinentes. O resultado é uma obra abrangente que cobre influências estéticas que antecedem a definição do género, elementos de aplicação pura e obras mistas onde diferentes estilos colidem gerando intrigantes explosões de criatividade. Nem só de dirigíveis ou engenhos a vapor vive o steampunk, e esta antologia é disso sintoma.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Comics: Return of the Dapper Men, Son of the Gun


Jim McCann, Janet Lee (2010). The Return of the Dapper Men. Los Angeles: Archaia.

Uma ilustração absolutamente deslumbrante e um argumento incompreensível colidem neste livro com uma vaga inspiração steampunk. O conto gira vagamente à volta do tempo, do crescimento e de amores impossíveis entre um rapaz e uma andróide numa cidade de fantasia onde uma invasão de senhores bem vestidos reinicia a contagem do tempo. Uma premissa curiosa que se perde numa narrativa vaga, indecisa entre episódios líricos e uma história muito mal explicada. O que vale são as ilustrações deslumbrantes de Janet Lee, num registo iconográfico que mistura influências steampunk com lirismo gráfico onde as cores vivas mas suaves sublinham um carácter ingénuo. Return of the Dapper Men é um livro que vale a pena ler visto mas não lido.


Alejandro Jodorowsky, George Bess (2004). Son of the Gun Vol. 1: Sinner. Nova Iorque: DC Comics/Humanoids.

Alejandro Jodorowsky, George Bess (2005). Son of the Gun Vol. 2: Saint. Nova Iorque: DC Comics/Humanoids.

Jodorowsky deixa o seu lado violento à solta nesta história escatológica de corrupção, lealdade criminosa, morte e redenção com contornos edipianos. Abandonado enquanto à nascença por ter nascido com uma cauda, Juan é adoptado por uma prostituta anã e vive numa lixeira alimentado por cães. A sua arma e uma capacidade implacável para aplicar violência são as virtudes que o levam de líder de gang criminoso a segurança pessoal de um primeiro-ministro a soldo de um general corrupto que controla um pais curiosamente similar ao México. O que se segue é um rol de violência extrema, com torturas e assassinatos a rodos em nome do dinheiro e manutenção de privilégios. A história complica-se quando Juan é destacado como segurança pessoal da mulher e do filho do primeiro ministro. Sedutor e seduzido, cativando também o jovem filho, Juan acaba envolvido numa cilada criada por uma mulher que sabe que o marido violou e matou a filha e encontra finalmente forma de se vingar. Antes de morrer, o primeiro-ministro revela um segredo destrutivo: num espelho visceral do mito de édipo, Juan seria o seu filho, que tal como na história grega foi abandonado, seduziu a mãe e matou o pai. Segue-se uma fuga pelos desertos, que termina numa cidade perdida onde a mãe de Juan decide expiar os seus crimes prostituindo-se e obrigando Juan a humilhar-se mostrando a sua deformidade. Jurando vingança, o filho do primeiro ministro persegue-os com um fiel segurança que tem uma paixão homossexual por Juan. Não o encontram, mas encontram a mãe e chacinam todos os clientes da cantina onde esta se vende. Novamente em fuga, Juan atravessa os desertos e acaba numa igreja índia, onde a sua cauda leva os nativos a acreditar que se trata do seu santo padroeiro. Inicialmente enganando os crentes com falsos milagres, Juan acaba por se convencer de que é um representante divino e exige ser sacrificado para que volte a chover. A história termina com a sua redenção através da crucificação, ritual que espelha a história de Jesus e através do qual o criminoso violento se redime de todo o mal. Termina como começa: as primeiras pranchas destes dois livros mostram-nos a crucificação, e toda a narrativa é uma longa descida aos infernos que inexoravelmente leva o personagem a um final libertador após todas as vicissitudes de um trágico destino.


Com argumento convoluto e Jodorowsky a fazer o seu melhor de sincretismos mitológicos numa narrativa intencionalmente chocante, os dois volumes de Son of the Gun também se destacam pelo grafismo de George Bess, equilibrando o realismo sujo com uma paleta de cores que nunca varia dos vermelhos e laranjas, tons quentes que contribuem para o ar sufocante destes livros.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Comics: Blessed Thistle, Bad Planet


Steve Morris (2005). Blessed Thistle. Milwaukie: Dark Horse Comics.

Uma história intrigante e promissora. Um inexperiente assaltante é surpreendido por um antigo pastor durante um assalto inepto. Compreensivo, o pastor leva o jovem a falar do percurso que o levou ao crime. O resultado é um entrançado negro de histórias implacáveis, onde uma jovem rapariga maléfica e manipuladora brutaliza as colegas e assassina a professora, mulher alcoólica que a castiga pelas suas acções. Mas não há redenções na narrativa. Na primeira oportunidade, o pastor assassina o jovem a sangue frio, passando por inocente aos olhos da polícia convencida de se tratar de um homicídio involuntário em defesa pessoal. Uma surpresa que nos dá uma narrativa implacável ilustrada num estilo gráfico inquietante.


Thomas Jane, et al (2010). Bad Planet Vol. 1. RAW Studios.

Ficção científica em comics, de toque apocalíptico. Uma praga de aranhas carnívoras com um vago aspecto de vagina dentata infesta o planeta Terra, que é isolado da comunidade intergaláctica cuja existência desconhece. A única esperança para a humanidade reside num alienígena com um machado eléctrico, último sobrevivente de um planeta devastado pela praga de aracnídeos carnívoros, e um jovem zulu com apetência para ligar computadores portáteis a naves alienígenas despenhadas na África do Sul. O argumento bizarro e desconexo alia-se a uma ilustração confusa num comic que apesar do envolvimento de nomes sonantes falha redondamente na estrutura narrativa.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Ficções

The Collapse of Western Civilization: A história como ciência sempre teve o seu quê de ficção científica se invertermos o sentido narrativo histórico, ou nos colocarmos na pele de um personagem de outra era. Não é por acaso que géneros como a história alternativa ou viagens no tempo são tão apelativos para a imaginação. Aqui temos algo ainda mais intrigante: um artigo científico sobre o declínio da civilização ocidental, escrito como se tivesse sido investigado décadas após a nossa era contemporânea. É uma anedota bem humorada publicada numa revista científica, mas é daquelas boas anedotas que nos deixa a sorrir e a pensar como só o melhor humor consegue. Sob o artifício narrativo de visão retrospectiva é-nos dada uma violenta visão crítica sobre o estado das coisas no mundo de hoje. O foco está nas ameaças climatéricas, onde os autores observam a profunda estupidez de ter dados e modelos teóricos que previam e comprovavam a disrupção antropocénica devida ao aquecimento global, mas nada se ter feito devido à pressão de grupos de interesse económicos ou políticos e a quedas no obscurantismo científico. Estes desvios, particularmente visíveis nos Estados Unidos de onde dia a dia sai um pronunciamento com ar gravoso que deixa qualquer pessoa de bom senso a arrepelar os cabelos (particularmente visível nas disputas sobre o ensino do criacionismo como teoria válida nas escolas, em simultâneo com a evolução das espécies), são genialmente glosados com uma pretensa lei de um estado da costa atlântica americana que proíbe a menção do termo "aquecimento global", estado esse que na data fictícia de escrita do artigo faria tranquilamente parte da plataforma continental submersa. Igualmente focada com uma implacável clareza está a teoria neo-liberal, na perspectiva dos autores a outra grande responsável pelo colapso civilizacional. Em suma, a visão cega centrada nos mercados, desinvestimento público e maximização de lucro individual impediu acções de defesa do tecido social. Incisivos, os autores fazem notar que quem mais se esforça pela acreditação das teorias neo-liberais é precisamente quem mais tem a ganhar com elas em oportunidades de negócio ou maximizar de lucros permitidos pela desregulação. O artigo lê-se com um sorriso, e um certo carinho pelo artifício de ficção científica, mas nesta visão de um passado vinda de um futuro plausível observa-se uma profunda crítica à cegueira contemporânea onde grupos de interesse deturpam abertamente o bom senso comum para permitir ganhos financeiros a curtíssimo prazo em detrimento de tudo: do clima, da economia, da sociedade. Como cidadão europeu, que assiste estupefacto à cretinice criminosa de líderes que insistem teimosamente em teorias austeritárias perfeitamente desligadas da realidade e que estão a reverter décadas de prosperidade e progresso,  a aniquilar a construção europeia e a demolir a economia de um continente, leio este artigo e não o vejo como uma crítica elegante, mas sim como um retrato fiel do mundo contemporâneo. Parabéns à climatóloga Naomi Oreskes e ao historiador de ciência Erik Conway pela criatividade, pertinência e acutilância.

Le Bouffant Terrible: Em jeito de epitáfio a Margaret Thatcher, a editora Livros de Areia disponibilizou gratuitamente a tradução portuguesa de um conto de Rhys Hughes, fábula onde a ascensão, domínio e queda de uma líder destrutiva é uma metáfora mal velada do percurso político e destruição social causada pela mãe ideológica do neoliberalismo selvagem e individualista.

A Game of Self Deceit: A revista Nature embarcou na moda de usar contos de ficção científica como observação de tendências potenciais de futuro. É uma boa moda, e espero que alastre e se torne infecção viral na imprensa tradicional e digital dedicada à ciência e tecnologia. Este conto não é particularmente interessante, excepto pela premissa: num futuro próximo, tecnologias de clonagem, virtualização, mind uploading e telecomunicações convergiram na capacidade de através de um chip embebido no cérebro, os seres humanos (não ficou claro se eram todos ou apenas os que o podiam pagar) terem cópias automáticas do seu cérebro que em caso de acidente fatal seriam imediatamente descarregadas para um clone. Ideia intrigante, misturando alguns conceitos que os singularitários tanto adoram.

domingo, 14 de abril de 2013

It never is.


Poética, a resposta correcta desta pergunta do questionário de avaliação sobre Link Layer, IP, TCP e AppLayer da arquitectura da internet no curso Internet History, Technology, and Security leccionado por Charles Severance no Coursera. Sim, tudo o que pode correr mal geralmente corre. Nada fica terminado, tudo é um contínuo trabalho em progresso. Always in beta.


Outra pérola do Coursera (e não estou a ser irónico): esta vem do curso Human Computer Interaction leccionado por Scott Klemmer. Sim, erros são uma mina de conhecimento. A referência está na observação directa dos processos de trabalho individuais de cada um. Cada erro, cada truque encontrado para facilitar o trabalho, cada dica, cada acumular de experiência é conhecimento valioso para o refinar do processo de design de objectos ou aplicações.


O artigo As We May Think de Vannevar Bush é um dos textos seminais da computação e da internet. Essencialmente, no final dos anos 40 Bush descreveu sistemas de arquivo e uso de informação que facilitariam o trabalho daqueles que apelidou "homens pensantes". O conceito era mecânico e analógico na sua essência, mas foi o avô do conceito contemporâneo de dispositivo digital como ferramenta flexível de trabalho, acesso à informação e arquivo de dados. O memex de Bush, coligado com o Xanadu de Ted Nelson e o Dynabook de Alan Kay estão na origem directa da nossa concepção contemporânea da informática como algo que é baseado em dispositivos móveis, permite aceder a informação e está interligada em redes. E a acreditar na ilustração da versão do artigo ilustrado na Life Magazine, um destes dias alguém vai começar a dizer que as concepções visionárias de Bush também predisseram Google Glass.

Resumindo, tudo está a fluir. Nunca nada está realmente acabado e terminado, as ideias evoluem constantemente mas mantéem fios condutores ao longo dos tempos. Se os objectos do passado recente nos parecem artefactos obsoletos, relíquias arqueológicas da transição entre a era industrial e a era da informação, as ideias subjacentes à sua concepção são as mesmas que hoje torneiam o nosso modo de ver, pensar e agir.