quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Night In the Lonesome October


Roger Zelazny (1993). A Night In the Lonesome October. Nova Iorque: AvoNova.

Uma delícia para a terrorífica véspera do dia de finados. Num registo de linguagem livre, sem preocupações literárias de enquadramento nas literaturas de género, Zelazny entretece uma homenagem bem humorada aos ícones do terror. Pegando nas figuras mais icónicas do género o autor coloca-nos no centro de uma conspiração cíclica sobre monstros do além espaço. Num local intemporal que talvez seja a Londres da viragem de século um grupo misterioso de personagens cruza-se num jogo perigoso. Caricaturas mal disfarçadas de Jack o Estripador, das bruxas de Shakespeare, do Dr. Frankenstein acompanhado do fiel Igor e da sua criatura, de Drácula, do monge Rasputin, do lobisomem Larry Talbot e de Sherlock Holmes, entre outros, posicionam-se como peças de xadrez. O objectivo do jogo? Assistir à abertura de um portal interdimensional que poderá trazer os grandes anciães do além espaço para retomar o seu reino de horrores na terra... auxiliando ou travando a sua abertura numa luta de final incerto. Tudo contado pelo ponto de vista dos animais de companhia dos participantes no jogo, os verdadeiros peões de ataque na disputa entre as trevas primordiais e o mundo habitual.

Esta é uma homenagem carinhosa ao género. Para além da citação e reencarnação das personagens e da vénia ao terror lovecraftiano, Zelazny acena à tradição dos icónicos filmes a preto e branco da Universal, ainda hoje marcos na forma como a cultura popular conceptualiza o monstro de Frankenstein, o Lobisomem (neste, Zelazny não foi nada subtil - é o único que está identificado pelo nome tradicional, e ainda mistura elementos de outro filme lendário, Werefolf of London com a mágica planta mariphasa) e Drácula. Uma das vertentes deste género de cinema era o monster mash, filmes que misturavam os diversos monstros numa narrativa comum. Zelazny homenageia a literatura de horror clássica e os tempos do evocativo cinema a preto e branco nesta noite num Outubro solitário.

Parece que há uma tradição de ir lendo um capítulo por dia deste delicioso livro ao longo do mês de Outubro. Parte do gozo é tentar perceber quem é quem nas caricaturas de Zelazny.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

go_bent


Old City Blues



Giannis Milonogiannis (2011). Old city Blues. Los Angeles: Archaia Studios.


Esta intrigante surpresa chega-nos da Grécia. Confesso a minha ignorância total da banda desenhada grega, e não estava nada à espera de ler algo que mistura FC cyberpunk, teorias da singularidade e estilo manga num futurismo sem limites. No mundo de Old City Blues toda a Grécia foi reconstruída como megalópole hipermoderna por uma corporação ciber-tecnológica japonesa após uma catástrofe natural. Resta apenas a cidade de Atenas como zona esquecida, cidade de ruínas abandonadas envolta pelas torres modernas e vias rápidas onde circulam veículos avançados. Transhumanismo, cyborgs, mechas e caçadas policiais convivem neste curioso album desenhado num estilo inspirado no manga mas com um cunho livre expresso num traçado expressivo.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Verdade eterna

"Like most (usually) serious SF authors, I’m appalled by the notion of eternal human verities. A loathsome concept, foisted by brooding, husk-like academics, proclaiming that people will forever be the same, repeating every Proustian obsession, every omphaloskeptic navel-contemplation, and every dopey mistake of our parents, all the way until time’s end. A horrible concept that is—fortunately—disproved by history and science and every generation of bright kids who strive to climb a little higher than their ignorant ancestors." - David Brin, Existence.

Existence (V)

"Might even this reality that he experienced, right now, be simulated? Perhaps a memory from the original Gerald Livingstone, complete with all the creaks and pangs of age, being replayed in high fidelity?" (p. 1283)

Novamente, o que é o real? Se vivermos dentro de uma simulação e não soubermos a verdadeira natureza do que observamos através da percepção, isso é o real. Realidade talvez seja uma questão de pontos de vista. De perspectivas. Curiosamente na New Scientist vi referida a hipótese de que a realidade existe apenas porque existimos para a observar. Os recreios digitais permitem dar corpo a hipóteses insondáveis. Neste caso, David Brin coloca uma das suas personagens a perguntar-se se é real ou se já é uma simulação dentro de uma cápsula electrónica que percorre as vastidões desérticas do universo, numa panspermia ao estilo de Von Neumann.

Testes de Realidade Aumentada

We have liftoff!

Ok, isto é um toque de show off... ou talvez não. O Eagle é um dos modelos mais complexos que já criei utilizando o Vivaty Studio. É  também um dos mais pesados, particularmente no formato obj. Testá-lo no Augment teve dois objectivos: ver como é que a app se dá com modelos complexos pesados e... ver o Eagle em realidade aumentada!

Um modelo do Sketchup em collada. Sem texturas...

A verdade é que o Augment teve dificuldades em apresentar o modelo. Demorou bastante a abrir o ficheiro e sempre que movimentava o tablet a aplicação quase paralisava a tentar renderizar em tempo real todos os componentes do modelo. Talvez com um equipamento mais recente com melhor memória isto não aconteça (tenho um Galaxy Tab de 7" original). Junto com o Eagle testei um ficheiro dae saído do Sketchup. Correu muito bem, particularmente porque o modelo era complexo. Aqui o próximo passo é perceber se um VRML animado converte com animação para DAE (collada), porque a app suporta animação em Collada.

Só falta levar isto para a sala de aula. Está quase. O primeiro passo é aprender a utilizar o Bryce como introdução simples aos conceitos do 3D e em seguida começar a modelar objectos em aplicações que permitem exportar em formatos múltiplos. Está para breve o dia em que serão modelos 3D criados por alunos a aparecer nestas imagens onde o virtual e o real se mesclam.

domingo, 28 de outubro de 2012

Existence (IV)

"Anyway, for me it always comes down to one question. If you have no ambitions—no unattainable dreams that your heirs might achieve—then what’s the point of intelligence?" (p. 1279)

Brin a misturar o paradoxo de Fermi com o conservadorismo social e tecnológico. Realmente, para que serve olhar para o horizonte se não se tem o impulso de ir mais além?


Guerra automática

"In March 2011, a Predator parked at the camp started its engine without any human direction, even though the ignition had been turned off and the fuel lines closed. Technicians concluded that a software bug had infected the “brains” of the drone, but never pinpointed the problem."

Foi esta citação que me levou ao artigo sobre uma base remota no corno de África onde coisas estranhas se passam. Um Predator é uma aeronave não tripulada robótica armada capaz de voar autonomamente (também designadas por UCAVs ou drones), e um apontamento sobre um que foi capaz de iniciar por si só o seu motor é intrigante. Sugere o acordar das inteligências artificiais e dos robots sentientes, mas é sempre bom recordar que uma aeronave robótica letal depende de uma vasta equipa de terra para a armar, manter e abastecer de combustível e pilotos remotos para monitorizar o voo e controlar se necessário. Sem esquecer as redes de comunicação seguras e a constelação de satélites do sistema GPS sem os quais o mais avançado robot não sabe onde está nem por onde anda.

UCAVs a ligarem o motor sozinhos é o menor dos males neste artigo, que detalha um posto avançado na guerra americana contra a ameaça do terrorismo internacional, uma guerra extremamente letal que não faz manchetes nem abre telejornais. Uma guerra assimétrica, combatida por aeronaves robóticas, operações especiais e sistemas electrónicos de vigilância. Parece empolgante, até que nos lembramos que implica operações à revelia de governos soberanos e bombardeamentos cirúrgicos de alvos críticos que não passam de eufemismos para assassínios institucionalizados. E exige recursos: uma base no Djibuti, um daqueles países que se tem uma certa dificuldade em localizar no mapa, comandos de operações especiais tão secretos que os operacionais não revelam os nomes aos colegas, patrulhas de aviões f-15 em operações de combate sobre o Yemen, aeronaves robóticas a sobrevoar o médio oriente e o norte de África controladas por pilotos nos Estados Unidos a convergir sobre alvos elusivos e a despejar mísseis. Guerra à distância em tempo real. Não é muito falada mas não é secreta. Apesar do secretismo de alguns aspectos, as operações americanas são públicas e atraem atenções. Não as suficientes. Alguns milhares de soldados e ataques aéreos numa porção considerável da superfície não chegam para despertar o interesse dos media internacionais, excepto para a rara reportagem sobre guerras secretas contra o terrorismo e material militar de tecnologia de ponta. Uma guerra global que passa ao lado do escrutínio dos cidadãos.

nosferatu_bent


sábado, 27 de outubro de 2012

lolita_sort


Light of my life, fire of my loins. My sin, my soul.

Existence (III)

"That cadaver-shell is just container-support. I live here now, in the Over-World. Pat this avatar on the back, I feel it." (p. 751)

Um dos personagens de Existence de David Brin, é uma jornalista que é ferida com gravidade quase terminal num ataque terrorista que consegue debelar graças ao seu faro profissional e a colaboração de um grupo de interesse na internet (crowdsourcing em tempo real, aproveitando os esforços de indivíduos curiosos, como a wikipedia, mas no imediato). Profundamente ferida, com danos corporais irrecuperáveis, é enfiada num casulo médico e sujeita a terapias que a mantém viva. O seu cérebro é invadido por nano-sondas que mapeiam as conexões neuronais e a ligam à rede global de comunicações. A jornalista aceita tornar-se num ser virtual ancorado no real, um corpo ligado a máquinas cuja mente vagueia livremente pelas redes globais e mundos virtuais.


"Come on, people and people-helpers. Feedme here! Tear yourselves away from the TV and do what you are good at. Bugging the universe with curiosity." (p.784)

Palavras saídas da personagem que mescla o real e o virtual, mas que resumem sucintamente o apelo das redes de comunicação e informação. Chatear o universo com a curiosidade humana.

Pois. Existence é viciante. Não é um dos melhores romances de ficção científica que li, e a qualidade literária de Brin não é grande coisa. Mas como infodump massivo de ideias futuristas contemporâneas, conceitos bleeding edge e extrapolações verosímeis de impactos tecnológicos ou tendências culturais e sociais? Está genial!

Existence (II)

"But then, Gerald pondered, how can I tell I’m experiencing this for the first time? Wouldn’t any such future emulation think it’s me? Even these very thoughts—fretting over whether I’m an emulation? Even my memories of breakfast may be “boundary conditions.” The real world could be some amusement nexus in the ninety-third century … or a kid’s primitive ancestors report for her fifth-millennium kindergarten class … or else some god-machine’s passing daydream." (p. 701)

Genial este olhar de David Brin sobre as ideias do universo como uma simulação virtual gerada em computadores de outro universo. Assume-se que se tal acontecer somos o produto de uma experiência científica séria... mas talvez sejamos o trabalho de casa de um miúdo da primária. Também um curioso apontamento sobre como percepcionamos a realidade, através dos nossos sentidos. Se fossemos seres totalmente digitais, ou alguma vez o chegarmos a ser pela promessa do upload mental, a realidade que percepcionaríamos parecer-nos-ia real apesar de não passar de uma simulação binária. O que leva ao pensamento creepy: será a nossa alucinação consensual que chamamos de "realidade" uma representação virtual? Difícil de saber. Até podemos andar a pontapear pedras para refutar a irrealidade do real como o bispo de Berkeley, mas a simulação estaria programada para nos provocar a ilusão de dor

David Brin (2012). Existence. Nova Iorque: TOR.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

entranhas_bent


Dynabook


Parece uma representação singela de duas crianças a utilizar os seus tablets android, iPad, OLPC ou até mesmo magalhães. A ideia de uma educação potenciada pela tecnologia digital dá hoje passos decisivos mas ainda incipientes. Esta imagem não estaria descabida num qualquer artigo sobre crianças, aprendizagem e tecnologia e assemelha-se muito a boa parte das imagens de stock com crianças sorridentes a interagir nos seus dispositivos electrónicos. Modéstia à parte, não seria descabida em relação à minha sala de aula nos tempos de Educação Visual e Tecnológica e se conseguir levar avante a ideia cada vez menos difusa de trabalhar com realidade aumentada, esta seria uma bela imagem para ilustrar o projecto.

Mas... não. Esta imagem sublinha o quanto ideias que consideramos novidades recentes têm já um longo historial. Foi retirada do artigo seminal de Alan Kay onde este descreve o Dynabook, conceito de computador portátil cujas possibilidades e design o aproximam da nossa visão contemporânea do tablet. Artigo publicado em 1972. Porque nesses anos já uns deliciosos investigadores de sanidade duvidosa e genialidade comprovada andavam a conceber impactos da revolução digital que só nos tocaram nos primeiros anos do século XXI. Pessoas como Kay ou Seymour Papert, esse grande culpado por colocar crianças a programar com o Scratch e o Logo. Que influenciaram Resnick ou Negroponte, que decidiu lançar um projecto insano de construção de computadores portáteis a muito baixo custo numa parceria que incluiu um fabricante de Taiwan que ganhou fama ao inaugurar o mercado dos netbooks. Nos anos em que as mainframes ainda reinavam e a computação pessoal era o domínio de poucos.

O que intriga no artigo A Personal Computer for Children of All Ages de Alan Kay é a sua visão abrangente. Foca-se, necessariamente, na tecnologia possível e necessária para a construção de um equipamento portátil com teclado e caneta. Pensa profundamente nas implicações educativas, alicerçadas no construtivismo de Papert e no desenvolvimento cognitivo preconizado por Piaget, postulando um equipamento aberto que possibilitasse à criança construir a sua aprendizagem de formas livres ou estruturadas, o aprender fazendo, ideias que ainda hoje são controversas, talvez porque o peso da escola tradicional e dos métodos clássicos sufoque outras perspectivas. Mais intrigante é a visão integrada do dynabook na sociedade, em que todos têm um que os auxilia nas suas tarefas e lazer. Na visão de Kay enquanto as crianças lêem livros descarregados da biblioteca ou reprogramam jogos com base em conhecimentos de ciências os seus pais executam as tarefas do dia a dia contando com a máquina para armazenar documentos ou consultar informação. Até há um parágrafo fantástico em que Kay descreve a aquisição e leitura de um livro electrónico, a partir de uma máquina de vendas num aeroporto.

Sublinhe-se que isto foi concebido nos primórdios da era digital. Quando a internet era um conjunto de nós que se contavam pelos dedos de algumas mãos, quando o computador era um caixote monocromático dolorosamente lento pelos nossos padrões. Quando era inimaginável que todos tivéssemos no bolso um dispositivo capaz de comunicar, aceder à rede, organizar informação e armazenar os dados pessoais que são relevantes para os seus utilizadores.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Power_on_sort


Testes de Realidade Aumentada


Um último teste com o augment. Sobrepor objectos 3D armazenados localmente em modo offline utilizando o ES Explorer é um processo simples e o Augment funciona sem falhas. Mas abrir os ficheiros obj significava perder a informação de cor e textura. Modelos cinzentos, por muito intrigante que seja a sua sobreposição ao mundo real, não deixam de ser cinzentos. Como dar a volta?


A dica saída do apoio da Augmentedev deu-me a ideia: porque não tentar empacotar os ficheiros obj do modelo 3d e mtl com a informação sobre os materiais e cores num ficheiro zip? Afinal, é esse o formato requerido pelo Augment no modo online. Restava saber se o ES Explorer permitia escolher a aplicação do tablet para abrir o ficheiro, e funcionou. Para sobrepor um modelo 3D colorido sobre um ambiente real basta ter o marcador, e usar o ES para abrir um ficheiro zip que contenha a informação necessária sobre o modelo.


Quanto a testes creio que terminei. O Augment mostrou ser uma app fiável que faz muito bem aquilo para que foi desenhada. Com auxílio de outra app, um gestor de ficheiros, permite arquivar conteúdo 3D no dispositivo para apresentação sem necessidade de recorrer a descargas de dados. O próximo passo é a criação de tutoriais para facilitar o trabalho dos alunos.

Quanto ao fluxo de trabalho para os alunos, este último teste mostrou-me que estava no bom caminho: experimentar diversos programas de modelação 3D (Sketchup, Doga L3, CB Model, Vivaty); exportar sempre em VRML ou DAE; retocar no Vivaty em termos de cor; utilizar o Vivaty para converter os modelos de VRML para OBJ; comprimir em zip os ficheiros .obj e .mtl; guardar no tablet ou telemóvel, e utilizar o ES Explorar combinado com o Augment para visualizar os modelos em realidade aumentada.

Entretanto, outras ideias começam a surgir. Por interessante que seja utilizar o augment e fotografar modelos 3D sobre locais reais, parece-me algo que se esgota depressa. Seria interessante encontrar forma de criar percursos onde os modelos se modificassem de acordo com o contexto. Algo utilizável como visita virtual, exposição em realidade aumentada ou contar de historias com um toque tecnológico. Que eu saiba o augment não permite isso uma vez que tem de ser o utilizador a escolher o modelo a apresentar. A ideia, agora mais a médio prazo, é tentar ver que outras apps de RA fariam isso, quer através de diferentes marcadores em modo offline ou através de referenciação por gps e descarga online em tempo real. Estou muito curioso com o que o Layar e o Wikitude poderão fazer neste contexto. Talvez, se o tempo e o trabalho de sapador o permitir, consiga fazer uma "enciclopédia" temática com textos, imagens e modelos 3D dos alunos num suporte de papel reciclado encadernado de forma artesanal, com marcadores de RA a dar uma dimensão virtual ao objecto real.

Existence (I)

Why is the future always … in the future? (p. 104)

Momento where's my jetpack ou o desabafo desiludido de quem conhece o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico que, por rápido que seja, nunca se consegue aproximar das aspirações humanas. Vemos sempre mais longe do que onde podemos chegar com a tecnologia contemporânea.

brash-colored billboards and luminous adverts proved inescapable, because they all blared on channel one … the layer you can’t turn off because it’s real." (p. 120)

Boa parte deste romance envolve a ideia de realidade aumentada. No futuro próximo, as barreiras entre o mundo real e o digital são estabelecidas por uma ténue fronteira de óculos ou lentes. Vendo o mundo por lentes virtuais, podemos ajustar o que vemos aos nossos desejos. Brin apenas extrapola as tendências correntes na integração entre o homem e o digital, com um olhar crítico sobre privacidade, crowdsourcing, smart mobs e a capacidade individual de sobreviver no meio de constantes fluxos de informação.


Zheng He’s voyages brought home tribute, trade, and knowledge. Had they continued, Chinese armadas might have sailed into Lisbon Harbor, in time to astonish a young Prince Henry the Navigator with ships the size of cathedrals. (p. 285)

Um aviso e reflexão sobre o conservadorismo. Poderíamos estar melhor, mais avançados. Ou talvez colapsados sobre um apocalipse global. Alguns caminhos promissores da história pararam pela decisão consciente de elites que perceberam que desenvolver o conhecimento e a tecnologia colocariam em perigo a sua posição privilegiada. Paralisar uma sociedade para manter o status quo. Já aconteceu. Brin quase grita neste livro que está a acontecer novamente.

her parents and tutors had explained the obvious—that people aren’t naturally democratic. Feudalism was the prevalent human condition erupting in all eras and cultures, since history began to be recorded on clay tablets. Even in modern films and popular culture, the theme resonated. Millions who were descended from enlightenment revolutionaries, now devoured tales about kings, wizards, and secret hierarchies. Superheroes and demigods. Celebrities, august families, and inherited privilege. (p. 405)

Surpreendente, ou talvez não. Brin cria em Existence uma crítica muito óbvia ao corrente estado da sociedade global. Estados endividados, reféns de uma elite invisível de oligarcas financeiros. Almofadas sociais, a luta por uma sociedade mais justa, a diminuição global da pobreza a recuar em toda a linha, particularmente nos países mais desenvolvidos. Democracias lideradas por títeres dos interesses económicos, com todos os sinais a apontar um possível ocaso da democracia e um regresso à legitimidade aristocrática, disfarçada de tecnocracias de índole financeira. Brin anda aos gritos neste livro a dizer que essa tendência é perigosa e ilusória, que os cidadãos do mundo não se podem deixar enganar com mais uma corrida ao poder. Chega ao ponto de criar na história futura que serve de cenário a este livro um momento-pivot na história humana em que as instituições democráticas, fragilizadas, e as populações conseguem deter um golpe levado a cabo pelas elites oligárquicas para abolir a democracia... em 2013. Não se consegue se rmais óbvio que isto. Brin não está a ser muito subtil e nesta vertente atira argumentos caricaturais, talvez porque como boa parte das pessoas no planeta com dois dedos de testa que não pertençam ao rareficado 1%, sente que a ameaça ao progresso humano é bem real, perigosa e urgente.

What was it about a lighter-than-air craft that drew the eye? Oh, certainly most of them now had pixelated, tunable skins that could be programmed for any kind of spectacle. Passing near a population center—even a village in the middle of nowhere—the convoy of cargo zeps might flicker from one gaudy advertisement to the next, for anything from a local gift shop to the mail-order wares of some Brazilian bloat-corp. (p. 434)

Uma extrapolação da ideia contemporânea de utilizar dirigíveis para transporte de carga e passageiros com menores custos económicos e ambientais (uma velha hipótese seriamente discutida com novos protótipos já a voar, talvez seja desta que pegue e grandes baleias cheias de hidrogénio flutuem graciosamente nos céus). Com um aceno de cabeça sorridente à instant city blimp, um dos conceitos provocatórios do colectivo de arquitectura Archigram.

Existence é um infodump massivo de ideias futuristas. Algumas estão mascaradas no enredo, outras literalmente despejadas em capítulos próprios. Brin utiliza a técnica literária de capítulos curtos, entretecidos com excertos de textos jornalísticos, enciclopédicos, citações ou fluxos livres que caracteriza obras como a trilogia U.S.A. de John dos Passos. Técnica eficaz. Ainda me recordo de passar noites a ler o The Big Money ou The 42nd Parallel porque a cadência rápida e a constante barragem de ideias mantém o cérebro alerta e as mãos incapazes de pousar o livro. Na Ficção Científica parece que John Brunner inaugurou o uso dessa técnica com o Stand on Zanzibar, mas como ainda não o li não me pronuncio sob risco de largar patacoada.

Brin fez bem o trabalho de casa e desvenda-nos extrapolações para um futuro próximo de ideias que circulam entre os futuristas contemporâneos: impactos do aquecimento global, bleeding edge tecnológica, intrusão do mundo virtual no real, ameaças terroristas, movimentos sociais que modelam o estado das coisas, influências de clados elitistas, e uma a ideia de distribuição não-uniforme das maravilhas do futuro que tornam muito realistas as visualizações com a coexistência de diversos níveis de tecnologia na mesma realidade. E, claro, imensas discussões do paradoxo de fermi.

David Brin (2012). Existence. Nova Iorque: TOR.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

realidade_invisível



Comics


Before Watchmen: Minutemen #4 - Darwym Cooke está a fazer uma adaptação discreta mas competente das sugestões deixadas no Watchmen original sobre as histórias dos minutemen. Uma leitura simpática onde se destaca o traço retro a recordar Alex Toth e Brian Bolland de Cooke.


Godzilla: The Half-Century War: Entretenimento puro com os kaiju clássicos, num intrigante, expressivo e detalhado estilo manga. Uma história sem pretensões, contada apelas pelo gozo de desenhar espaços urbanos arrasados por monstros icónicos.


Saucer Country: um comic curioso da DC Vertigo às voltas com teorias de conspiração, ovnis, invasões extra-terrestres e eleições. Vai-se lendo mas ainda não se percebeu onde o autor quer chegar. Mas... ovnis, conspirações... alienígenas... é sempre intrigante.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

até_à_escuridão



Morangos Selvagens

À beira de um lago, rodeado de colinas impossivelmente verdejantes e um impossível céu azul. Numa das margens erguem-se as pedras enegrecidas de um castelo. No fundo das águas cristalinas, por entre as rochas e as algas, encontrava-se um recipiente com enormes e carnudos morangos de vermelho vivo. Matilhas de crianças e pais babados nadavam alegremente por entre as ramas dos morangos gargantuescos. O vermelho rechonchudo começa a revelar dentes brancos. Cada morango abre-se e começa a devorar os banhistas que nadavam no lago. Alguns morangos pegam nos humanos pelas pernas e arrancam-lhes a cabeça à dentada, numa inversão do gesto de pegar na rama e morder o morango.

Escapámos à vingança dos morangos que devoravam os infelizes veraneantes. Fugindo para as muralhas do castelo, demos de caras com uma bela e elegante mulher de tez branca emoldurada pelo cabelo e roupa preta. O seu olhar malévolo, visível através do rimmel negro que lhe contorna os olhos, não é aliviado pelos labios vermelhos e o queixo que se vai tornando cada vez mais ponteagudo. O vestido distende-se e da cada lado começam a surgir peludas patas aracnídeas, enquanto os braços se transformam em pinças de crustáceo. Corremos, fugindo do castelo pelas colinas verdejantes. Sob o intenso céu azul, a mulher com pernas de aranha e braços de lagosta abre os lábios num sorriso maléfico e começa a correr, cada passo mais rápido que o outro. Olhamos os seus olhos psicóticos a traçar-nos o destino.

(E depois tocou o despertador. Bolas, é que este estava a ter piada.)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

tivoli_sort


Against The Machine


Lee Siegel (2008). Against The Machine. Nova Iorque: Spiegel & Grau

É inegável que o advento da internet alterou radicalmente quase todas as vertentes da nossa sociedade. São alterações revolucionárias, que desestabilizam paradigmas instituídos e arrasam instituições tradicionais. As nossas vidas modificaram-se irremediavelmente. Se para melhor ou pior, isso é assunto aberto a discussão.

Against The Machine tem a virtude de fugir ao deslumbramento com as maravilhas do mundo digital. Aponta-nos riscos de isolamento, despersonalização, comercialização da sociedade, degradação cultural e derrocada de indústrias estabelecidas. São argumentos válidos, mas escritos por alguém que nitidamente se ressente do impacto da internet. Faz uma crítica pertinente aos deslumbramentos cegos que contém a possibilidade de nos conduzir a abismos éticos, económicos ou sociais. Infelizmente, o tom do livro vai decaindo de crítica válida à sociedade da informação para uma voz de resmungo perante a ameaça aos valores tradicionais, à antiga ordem estabelecida, às instituições que dominaram o panorama cultural durante boa parte do século XX. Isso nota-se particularmente no tom vitriólico que utiliza para descrever a cultura de remix, a blogoesfera ou a wikipedia como o inverso do conceito de inteligência colectiva.

Siegel não nega as vantagens da internet, mas claramente preferiria que esta fosse mais como uma tranquila biblioteca, onde a informação fosse produzida por fontes institucionais e transmitida numa possível versão moderna dos meios de comunicação tradicionais. As hordes ululantes que gritam a sua opinião que fiquem de fora, para não conspurcar a beleza do sistema. Como em tudo na vida, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Siegel tem razão no que respeita à despersonalização do ser humano face ao ecrã, ao restringir das visões sociais sob os ditames cada vez mais comerciais da web, nas questões de validade intelectual sobre o crowdsourcing e produção de informação online, na importância da edição como forma de filtragem de informação pertinente. Ter uma opinião contrária face à tendência generalizada de adoração cega da sociedade da web é importante, nem que seja como aviso à navegação.

Infelizmente os argumentos válidos perdem-se no tom de quase total desprezo que Siegel utiliza para descrever os novos modos de cultura potenciados pelo digital. Refilar no meu tempo é que era e gabar os méritos das torres de marfim não nos ajuda a fazer sentido e a tornar pertinente a imensa explosão de potencial e criatividade que a internet provocou. Publicado em 2008, é intrigante ver como em 2012 alguns dos problemas que pareceram tão gravosos - como o de uma enciclopédia criada por todos os que nela quiserem colaborar, se resolveram através de uma dinâmica de auto-organização que mostra o resultado do livre esforço individual integrado num sistema colectivo.

domingo, 21 de outubro de 2012

Projectos com realidade aumentada: notas

Um post com ideias soltas, resultadas do progresso obsessivo com o mundo das aplicações de realidade aumentada e uma ideia cada vez menos difusa de aproveitamentos pedagógicos.

- O AndAR Model Viewer parecia ser a app mais apropriada para o fim que tenho em vista - colocar os alunos a modelar em 3D e visualizar os seus trabalhos em realidade aumentada. Testei com modelos criados no Vivaty Studio e mostrou correctamente as cores dos objectos. Promissor, gratuito e de fonte aberta. O que me parecia mais interessante era a possibilidade de visualizar objectos armazenados no dispositivo, sem requerer ligação à internet. Infelizemente, por razões que não consigo descortina, a app só funciona correctamente algumas vezes. Na maior parte dos testes arranca, carrega o modelo, mas não parece reconhecer o marcador de AR ou então paralisa. Não se percebe. Pelos fóruns da página da app não há referências a alterações ou desenvolvimentos posteriores a 2010. Não posso depender em sala de aula de uma aplicação instável.

Teste com o Augment em modo offline
- Regresso ao Augment. É uma aplicação estável, que funciona sem falhas, baseada no sdk Vuforia de realidade aumentada desenvolvido pela Qualcomm. Tecnologia proprietária, mas funciona. Se utilizar tecnologias gratuitas e open source é uma das minhas prioridades pedagógicas, creio que neste caso posso abrir excepção. Se a tecnologia subjacente é proprietária, a app é gratuita. Resta o problema de aceder a modelos 3D sem os descarregar dos repositórios da AugmenteDev. Para o uso que lhe pretendo dar a possibilidade de utilização sem ligação à web é importante - cada aluno terá que utilizar o seu smartphone e depender da sua ligação de dados que implica custos. Ter os conteúdos armazenados localmente ultrapassa a necessidade de ligações de dados. A versão iOS do Augment possibilita visualização offline de modelos. Para Android essa opção ainda não está disponível, mas uma dica da equipe da AugmenteDev mostrou-me que é possível dar a volta ao problema. A técnica é semelhante à usada com o AndAR, com uma nuance: utilizando um gestor de ficheiros (foi-me recomendado o ES Explorer), escolher a Augment para abrir ficheiros em formato obj. E... funciona. A imagem comprova. Infelizmente a informação de cor contida no ficheiro de materiais perde-se. Aqui o próximo passo envolve texturas de imagens. Outra possibilidade interessante a testar é a visualização de objectos animados. O Augment suporta animação em collada, resta saber se consigo converter um objecto animado em vrml e a coisa funcionar na app.

- É irritante ver que as apps de realidade aumentada que trabalham com objectos 3d se ficam por formatos como o obj ou o 3ds. Depois fazem-se tutoriais a sublinhar a importância de utilizar objectos leves, por causa dos constrangimentos da largura de banda em redes móveis. Não estou a brincar. Li isto nos tutoriais da Layar. Acontece que tecnologia para apresentar objectos e cenas 3D complexas já existe há muito tempo. As especificações VRML e X3D são óptimas para conteúdo 3D com restrições de largura de banda e hardware. No entanto, parecem estar completamente ignoradas pelos que desenvolvem aplicações em realidade aumentada. Uso o Vivaty Studio para trabalho em 3D, na senda do VRML/X3D. Fico irritado com a riqueza que é perdida na conversão para outros formatos que ainda tornam mais pesados os modelos originais.

Um modelo colorido, numa das vezes em que o AndAR funcionou...

- À medida que se mergulha nesta coisa da realidade aumentada, mais ideias vêem à cabeça. As possibilidades dos browsers de RA intrigam-me. Seria possível criar percursos com pontos de interesse por gps ou marcador que permitissem caças ao tesouro, percursos pedagógicos, histórias que se contam ao longo de um percurso? Utilizando layers para o Layar ou locais no Wikitude? Colocar os alunos a criar modelos 3D e a visualizar em RA pode ser o primeiro passo para coisas mais interessantes, sobrepondo a realidade virtual à realidade táctil.

- Começa a ser hora de planificar um processo de trabalho para estas actividades. Explorar aplicações de modelação 3D (Doga, Sketchup e Vivaty, essencialmente). Perceber o conceito de formatos intercambiáveis (wrl, x3d, obj, dae). Instalar apps nos smartphones. Disseminar marcadores de RA. E.. criar. Do que anda por aí de experiências pedagógicas com RA, geralmente colocam o aluno no papel de consumidor de informação utilizando apps de realidade aumentada como interface. A minha perspectiva, herdada de anos no ensino artístico como professor de EVT, é colocar estas ferramentas nas mãos dos alunos e incentivá-los a criar.

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No tinteiro

Põe aí mui declarado, não te fique no tinteiro. Uma estrofe de Gil Vicente que me ficou no ouvido ao assistir ao ensaio geral de Gil Vicente na Horta, uma interessante e mordaz revisitação da dramaturgia vicentina recriada a partir da colagem inteligente de excertos de algumas das suas peças. No Auto da Lusitânia, um diabo ordena a outro com esta estrofe, que assente as suas observações sobre as injustiças e incoerências dos comportamentos humanos. Pertinente, mas o que me deixou a frase a revoar na mente foi outra ideia.

Não foi difícil imaginar Gil Vicente a olhar para a pena e o tinteiro para magicar esta metáfora. Num registo mais moderno poderia ter saído qualquer coisa como não poupes a esferográfica, percute bem nas teclas da máquina ou regista os terabytes de dados. Ou não poupes a lousa, que não te fique na cera, que os ouvidos não esqueçam. Mas Vicente era quinhentista, e a sua metáfora de modernidade era o tinteiro. Como a nossa é o digital ou as tabuinhas de cera o eram na época romana.

A tecnologia da nossa era contemporânea condiciona as metáforas que utilizamos para descrever o mundo que nos rodeia. O iluminismo trouxe a ideia do mundo enquanto intricado mecanismo de relógio, dos deuses enquanto relojoeiros. A revolução industrial levou-nos a descrever a realidade em termos mecanicistas, a ver o homem enquanto máquina biológica. Na era da informação, olhamos para o real através da lente digital. Descrevemos o cérebro como um dispositivo de computação (um dos modelos de descrição da memória, o estrutural, define o pensamento como o resultado de processos de input, output e armazenamento). Influenciados pela génese dos espaços virtuais, começamos a conceber o mundo como uma possível representação virtual, simulação criada num outro universo que estará sempre para lá do nosso alcance. As nossas cidades, sociedades, empresas, observações sobre a biologia são descritos como sistemas, entidades complexas interdependentes em teias de relações. Teias. Ora aí está a metáfora que a internet nos trouxe para descrever o mundo.

Gil Vicente descreveu a necessidade de registar e não esquecer socorrendo-se do tinteiro, a tecnologia de escrita da sua época. Hoje diríamos grava. Aliás, dizemos.

sábado, 20 de outubro de 2012

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Neoliberalismo dominante

O que mais assusta nestas palavras é serem uma simples observação desapaixonada das tendências que modelam o mundo contemporâneo, feita por um professor de urbanismo. Não é um discurso inflamado destinado a galvanizar para acção. É um interligar de dados observados e coligidos:

"Neoliberalization – the reorganization of societies through the widespread imposition of market relationships – provides today’s dominant, if crisisridden, economic order. Within this framework, societies tend to sell off public assets (whether utilities or public spaces) and open up domestic markets to outside capital. Market-based strategies for the distribution of public services undermine and supplant social, health and welfare programmes.

An extraordinary expansion of financial instruments and speculative mechanisms is also crucial to neoliberalization. Every area of society becomes marketized and financialized. States and consumers alike pile up drastic financial debt, securitized through arcane instruments of global stock markets. By 2006, just before the onset of the global financial crash, financial markets were trading more in a month than the annual gross domestic product of the entire world."

Tendo como conclusão lógica a cidade contemporânea, as zonas luxuosas, os bairros degradados e os subúrbios onde sobrevive uma classe média cada vez mais precária:

"The urban landscape is now populated by a few wealthy individuals, an often precarious middle class, and a mass of outcasts.


Almost everywhere, it seems, wealth, power and resources are becoming ever more concentrated in the hands of the rich and the super-rich, who increasingly sequester themselves within gated urban cocoons and deploy their own private security or paramilitary forces for the tasks of boundary enforcement and access control."

Stephen Graham (2011). Cities Under Siege: The New Military Urbanism. Londres: Verso.

Este é um daqueles livros que leio para tentar fazer sentido deste mundo hipermoderno em que estamos mergulhados - um mundo energizado por tecnologia, com fossos profundos de injustiça, ameaçado pelas alterações climatéricas, hiperreal, misto de utopia tecnológica com distopia social.

Beyo...


Diferenças culturais, cortesia do Autocomplete, o algoritmo da google que tenta inferir as nossas intenções de pequisa a partir das letras que vamos escrevendo e de uma massiva base de dados de interrelações em constante crescimento. Maravilhas do crowdsourcing. Aparência de inteligência artificial criada com potência computacional e gigânticas bases de dados. Eu andava à procura do Beyond the Beyond, o blog do Bruce Sterling e não a seguir a tendência global que quem digita beyon na pesquisa (ou barra de endereços do chrome, intimamente ligada aos algoritmos de pesquisa) quer saber novidades sobre uma das mediáticas divas da mediocridade musical comercial.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

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Prada Real Fantasies



Intrigado pelo tom militarista deste anúncio às novas colecções da marca de luxo Prada. A equipe criativa foi buscar inspiração ao visual retro da ficção científica cinematográfica dos anos 30 aos anos 50, com uma boa dose da austeridade que caracterizou as origens da computação. Metropolis e Things To Come colidem com o bakelite dos terminais de teletype numa iconografia onde a roupa de luxo se assemelha a uniformes de uma qualquer organização para-militar global dos tempos da linha telefónica e do avião de motor de pistão.  Fantasias de luxo para os anos da crise económica.

É difícil imaginar algo mais superficial do que a moda. Modelos esculturais simbólicos de um ideal inatingível de beleza física. Vacuidade de um eterno momento. Interminável renovação estética em busca de um ideal de beleza mutável ao sabor dos gostos transientes apresentada sob uma imagem de relevância que mal disfarça o real objectivo de vender continuamente trapos que se modificam em ciclos fixos. Vive dos esforços criativos de gente talentosa, capaz de aproveitar as mais fugazes variantes artísticas para criar produtos visuais que causam impacto.

Real + Virtual


Anda um ovni a pairar sobre a secretária? Sim, mas em realidade aumentada. A experiência resultou utilizando um ficheiro 3D criado por mim. O ovni foi criado no Vivaty Studio, o meu modelador de eleição e aplicação essencial para criar conteúdos VRML/X3D. Essencialmente peguei num ficheiro X3D já com alguns meses e usando o conversor do Vivaty exportei-o para o formato OBJ (wavefront) mantendo as normais. Em seguida, copiei os ficheiros do objecto (.obj) e materiais (.mtl) para uma pasta no tablet. Note-se que os materiais são as cores das meshes em vrml, não criei mapas de texturas.

No tablet, arranquei o AndAR Model Viewer, a app de realidade aumentada baseada no AR Toolkit que permite visualizar modelos 3D personalizados. Escolhendo a opção carregar modelo personalizado o AndAR recorre ao OI file manager para se poder ir buscar os modelos guardados na memória do tablet. Depois é esperar que carregue (pode demorar um pouco se o objecto for pesado). Assim que a câmara ficar activa, basta apontar para o marcador para o modelo surgir sobreposto ao espaço real. O AndAR permite rodar, redimensionar e reposicionar o modelo. Ao contrário do Augment, não necessita de acesso à internet para funcionar.

Próximo passo: estabelecer um fluxo de trabalho com os alunos que implique o uso do Vivaty para criar conteúdo 3D. Estas experiências são divertidas mas o meu objectivo é colocar os alunos a modelar em 3D e aplicar as suas criações em mundos virtuais VRML/X3D. A Realidade Aumentada é, como se diz, valor acrescentado. A cereja em cima do bolo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

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Andar...


A testar o AndAR, que me funciona intermitentemente no tablet. Vá lá, consegui que por uma vez me apresentasse um modelo pré-configurado. Há que testar mais extensivamente, porque o AndAR promete ser capaz de visualizar ficheiros obj guardados localmente. Ainda não testei essa opção. Para além disso é baseado na framework aberta do ARToolkit. Já o Augment é uma delícia de utilizar mas é proprietário e obriga a acesso à web para descarga dos modelos 3D, o que do meu ponto de vista não é muito viável por exigir conectividade constante. Penso que a solução viável para um projecto como o que estou a magicar passará pelo armazenamento local de conteúdo 3D nos smartphones dos alunos para visualização sem requerer acesso à internet (que implica gastos de tráfego). Muito interessante seria se a Bitmanagement se dessa ao trabalho de criar uma versão do BS Contact para Android que realmente funcionasse para qualquer outra coisa para além do rodar de modelos wrl. Sim, wrl, não comprimido, esqueçam o x3d... genial seria uma aplicação de AR para Android capaz de trabalhar com ficheiros vrml/x3d. Por agora, é investigar, testar, falhar, testar, até acertar numa app e num fluxo de trabalho apropriado para os alunos.

Interworld



Neil Gaiman, Michael Reaves (2007). Interworld. Nova Iorque: Eos.

Escrito a quatro mãos por Gaiman e Michael Reeves, Interworld é um livro que nos oferece mais do mesmo, em que Gaiman recicla os seus temas clássicos numa obra simplista. Este autor pode fazer melhor, e já o fez. O que esperar deste livro? Uma história de ritos de passagem, da infância à adolescência, em que o choque com a complexidade do mundo é contada através de uma metáfora de aventuras em universos paralelos. O jovem protagonista descobre por acaso que tem a misteriosa capacidade de atravessar Terras paralelas, mundos criados pelas bifurcações quânticas provocadas por acontecimentos decisivos. De todas as possibilidades de multiversos apenas as múltiplas versões do planeta terra contam para este livro, onde uma organização rebelde enfrenta as duas grandes forças da magia e da hipertecnologia que lutam por dominar a infinitude de mundos paralelos. Após uma introdução trágica que marca o personagem e lhe dá uma colorida criatura multidimensional como fiel amiga, o jovem tem de enfrentar o desprezo dos seus pares num duro regime de treino e o falhanço de uma missão de rotina onde a sua equipa é capturada pelos mais perigosos inimigos da liberdade dos mundos paralelos. Sobrevivente em desgraça, é devolvido à Terra original mas decide superar todos os obstáculos e tentar salvar os seus amigos, enfrentando no processo os piores vilões do multiverso.

Pois. Conhecedores da obra de Gaiman não vêem aqui nada de novo em termos temáticos. A construção de mundos é sólida e o desenvolvimento narrativo competente. A leitura é fluída, como convém a uma obra de entretenimento puro que ocupa uma hora ou duas de tédio em tempo livre. A simplicidade do livro é intencional numa obra originalmente desenvolvida como conceito para uma série de televisão destinada a um público jovem,

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Auto-retrato com cadela em pixel sorting.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

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Legados


Às voltas com um desktop renitente que insiste numa password de arranque. Lembrei-me de lhe cortar a corrente e tirar a pilha a ver se a malfadada palavra-passe se esfumava no éter binário, mas nada feito. Em compensação tive direito a contemplar a data da bios. 1980. Envoltos no constante turbilhão das novidades tecnológicas, esquecemos as tecnologias legado que suportam as maravilhas que brilham sob as luzes da ribalta.

Conceitos


A conceptualização comercializada: partilha sem solavancos de ambientes de trabalho, faces sorridentes a colaborar em tempo real à distância, olhando a câmara de frente.


A realidade: o ângulo contrapicado aleatório da câmara web incorporada de baixa resolução a sublinhar a luminosidade sombria. Contemplação de imagens estáticas. Texto corre sobre o ecrã. Constantes interrupções no discurso porque a transmissão de som tem falhas constantes. Intermitência sonora. A adopção da videoconferência através da web começou, mas a realidade ainda está longe da experiência elegantes que conceptualizamos nas visões optimistas do futuro tecnológico.

Levitação


Parece que a torre Eiffel fez uma aparição no Centro de Recursos. Ou isso ou um teste ao Augment, aplicação de realidade aumentada que permite visualizar modelos 3D descarregados da web sobrepostos aos ambientes do dia a dia.


Basta deixar o marcador à vista da câmara, arrancar a app com acesso web... e nem a sala de professores escapa à invasão.

Próximos passos: dar a volta à texturização em 3D, na qual eu sou notoriamente azelha. Maus hábitos do vrml, que deixa que cada componente de um objecto tenha uma cor nativa atribuída. Os formatos de ficheiro lidos pelas apps de AR vão para a gama obj/stl, e esses precisam de um mapa de texturas. É desta que tenho de aprender a fazer wrapping de UVs. Em seguida, libertar para os alunos. Ensiná-los a criar objectos 3D, fazer o upload para a augment e... soltar bicharada virtual pela escola. Para algumas turmas de 7º e 8º ano será já para a próxima semana. Entretanto magica-se nas palavras apressadas da coordenadora do Centro de Recursos, que olhou para o tablet e falou em contar histórias. Agora é matutar no como.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Realidade Virtual na sala de aula


Agora ovelhas voam pela sala de aula? É o resultado dos primeiros testes com uma aplicação de realidade aumentada para iOS e Android. O que para mim a distinguiu de outras foi a possibilidade de descarregar um marcador universal do seu website (que funciona muito bem como PDF projectado) e poder carregar modelos 3D criados pelos utilizadores. A aposta no crowdsourcing é sempre inteligente.


A ver o invisível, apontando o tablet ao marcador...

A aplicação que estou a testar chama-se Augment. Funciona em duas formas, com um sítio web para descarga de marcadores e upload de modelos 3D e uma app para smartphone/tablet para visualizar objectos de realidade aumentada. A aplicação reconhece ficheiros OBJ, STL, DAE, 3DS e BLEND com mapas de textura incluídos em ficheiros zip. Como tenho uma relação má com mapas de textura experimentei com modelos VRML convertidos para OBJ com o Meshlab.

A app no tablet liga-se às bases de dados da Augment na web e descarrega modelos para visualização em RA. Podemos aumentar o tamanho e reposicionar o objecto no espaço. Não descortinei forma de rodar, mas o deslocar fisicamente o tablet funciona como andar à volta do modelo.Tem um inconveniente: não nos dá uma lista dos nossos modelos e obriga a uma pesquisa e descarga sempre que alteramos o modelo a visualizar. Ou então ainda não encontrei uma opção de acesso rápido aos meus modelos, ou à possibilidade de armazenar localmente um modelo.


E enquanto os alunos lutavam com marcadores de índice em Word ou navegabilidade por hiperligação no powerpoint... o professor andava a fazer voar foguetões virtuais na sala de aula.

Resta testar a criação e upload de modelos texturizados. O passo seguinte será libertar a app para uso pelos alunos. A experiência de mexer em realidade aumentada é divertida e encaixa-se bem em alguns dos projectos a desenvolver nas aulas de TIC. Estou já a planificar uma actividade que envolve  a criação de modelos 3D pelos alunos (utilizando o Doga Project, Sketchup ou Vivaty Studio), a instalação da app por aqueles cujos smartphones o permitirem, e espalhar marcadores pela escola fora para mostrar objectos virtuais sobrepostos à realidade onde menos se espertar.

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Uma combinação de imagens obtidas com processos de pixel sorting.

Arquitectura e Algoritmos

Algorithmic Architecture from Plethora on Vimeo.

O fascínio do glitch tem a ver com a busca deliberada da imperfeição na iconografia digital. A computação sempre esteve envolta numa mística de perfeição. O computador faz melhor, a imagem digital é mais nítida, mais realista, hiperreal, indistinguível ou melhor do que a realidade, numa escalada de perfeição progressiva. A frieza desumana dos algoritmos subjacentes ao mundo digital é humanizada pelos seus erros, pelos desvios à norma, pelos surtos de imperfeição nos sistemas. Sabemos que são fugazes, erros que serão corrigidos em novas iterações dos algoritmos ou do software. Mas estão lá. Podem ser criados, manipulados e apropriados para uma nova estética que humaniza a fria lógica algoritmica. Que encarna o pixel perdido, a operação anómala, o pacote desaparecido nas entranhas da rede. Foram pensamentos que me ocorreram ao ver Algorithmic Architecture, pequeno filme que explora os erros no algoritmo de sobreposição de imagens que permite gerar uma visão contínua do espaço urbano através de milhões de fotografias tiradas pelos sistemas que mapeiam continuamente as ruas das cidades. Mais do que um aproveitamento de erros de representação, o filme procura ser uma meditação sobre a simbiose entre o homem e os algoritmos que elabora, que começam a modificar a forma da realidade que nos rodeia.

domingo, 14 de outubro de 2012

Sonho Europeu

A atribuição do prémio Nobel da paz em 2012 à União Europeia está a intrigar jornalistas e a despertar risos mordazes que alastram pelas redes sociais. É um prémio que nos dias que correm nos deixa um pouquinho siderados. Neste momento actual, em que políticas económicas de austeridade selvagem são impostas a boa parte da população da União, em que um país parece ter assumido uma liderança de facto mas não de jure apenas por ter os cofres recheados em tempos de míngua financeira, em que a economia se afunda e as instituições europeias se mostram incapazes ou sem vontade de intervir decisivamente, em que manifestações massivas pacíficas ou violentas mostram o progressivo descontentamento de populações cada vez mais desesperadas, em que a soberania de alguns países está efectivamente suspensa, funcionando os seus representantes eleitos como meros pro-cônsules com a obrigação de impor políticas de austeridade vindas do exterior, é atribuído o altamente simbólico prémio Nobel da paz a uma instituição notoriamente tecnocrática que funciona segundo o princípio clássico de nós sabemos o que é melhor para todos, que toma decisões que afectam a vida de milhões ultrapassando as soberanias locais sem os escutar, e que nas raras vezes em que se digna a consultar os cidadãos europeus para ratificar decisões já tomadas obriga à realização de referendos sucessivos até que a vontade expressa pelos cidadãos reflicta a vontade dos euro-tecnocratas? Um Nobel da paz... a isto?

A fundação Nobel é uma daquelas instituições que concebemos como cheias de seriedade e gravitas, a apontar para assuntos importantes e sérios. É a sua mística, de instituição neutra cuja intervenção se limita a uma fortemente simbólica escolha anual. As suas atribuições no campo das ciências destacam-se pelo carácter revolucionário silencioso das investigações premiadas, e a literatura mistura uma agenda de qualidade literária com uma promoção discreta de autores que caem fora da esfera euro-americana que domina o panorama literário mundial. Já o Nobel da paz é um prémio assumido, de forma muito discreta, como controverso e distingue habitualmente pessoas ou instituições que travam lutas contra governos opressivos ou injustiças sociais que no momento da atribuição do prémio podem parecer desesperadas ou perdidas. Recordam-se de Desmond Tutu nos tempos do apartheid, ou de Ramos Horta e Ximenes Belo quando a Indonésia ocupava Timor Leste? Também atribuiu prémios carregados de simbolismo, como a Gorbachev pelo fim da guerra fria ou Obama por ter sido o primeiro presidente afro-americano da história dos estados unidos. São atribuições dúbias, que obrigam à reflexão. Se olhamos para este prémio da paz para a União Europeia e discordamos, é porque algo está mal. Talvez seja isso que o discreto comité quer sublinhar.

Uma coisa é inegável: a União Europeia conseguiu o impensável. Num continente cuja história está recheada de conflitos sangrentos e que legou ao mundo a  primeira guerra combatida à escala planetária (a II, e felizmente não voltou a haver outra do género), onde as divisões culturais e fronteiriças imperavam, a UE trouxe... união. Trouxe paz a um continente habituado a grandes guerras periódicas ou a pequenos conflitos rotineiros. Trouxe programas de investimento que harmonizaram infraestruturas entre países mais desenvolvidos e países menos desenvolvidos e que tiraram da pobreza extrema milhões de cidadãos europeus. Recordam-se do Portugal pobre, ruralizado, sub-desenvolvido e semi-analfabeto dos tempos anteriores à adesão à CEE, posteriormente UE? Por muito negros que sejam os dias de hoje, e por muito euro mal investido em auto-estrada no meio de nenhures, é inegável que gozamos de um nível de vida superior e de horizontes mais alargados do que teríamos se não integrassemos a UE.

Este prémio Nobel é uma enorme chapada de luva branca na face dos líderes e cidadãos europeus. É um toque de despertar. É um aviso. Recorda-nos da importância da UE para a paz e prosperidade. Avisa-nos que as indecisões do momento actual, os desiquilíbrios entre regiões transnacionais, a submissão cega a mercados financeiros desregulados, a tónica na austeridade sacrificial como pena a aplicar a todos pelos desmandos de alguns, a preponderância de um estado-nação dentro de uma união de estados, colocam em risco todas as conquistas dos últimos sessenta anos. Arrisca-se a desagregação, a perda da união, a alienação dos cidadãos. Afunda-se o ideal europeu através do empobrecimento forçado para manter um status-quo ilegítimo. E avisa também que as instituições europeias têm de fazer um esforço por ser mais transparentes e democráticas. Um dos paradoxos da construção europeia é a forma pouco democrática de construção de uma cultura democrática pan-europeia. Este prémio recorda-nos tudo o que foi conquistado, o risco fortíssimo de perda dessas conquistas, e obriga a reflectir no que temos de fazer para manter de pé o sonho de uma sociedade europeia próspera, pacífica e justa.

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Em busca de ventos de mudança. Omnia mutantur et nos mutamur in illis.