quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Astounding


Alec Nevala-Lee (2018). Astounding: John W. Campbell, Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, L. Ron Hubbard, and the Golden Age of Science Fiction. Nova Iorque: Dey Street Books.

Nunca é boa ideia aprofundar a biografia das figuras de charneira que respeitamos. Acaba-se sempre por perceber as suas falhas pessoais, e isso pode diminuir a forma como os vemos. É sempre complicado perceber que os nossos ídolos têm pés de barro, e podemos lidar com isso de duas formas. A simplista e redutora, em que tentamos apagar a sua memória e diminuir os seus contributos; e a complexa mas correta, que assume que as pessoas que influenciaram estéticas e criadores eram, antes de tudo, humanas, logo imperfeitas, incoerentes, capazes do muito bom e muito mau. Nos últimos tempos a tendência parece pender para a forma intelectualmente mais confortável, especialmente nos excessos da cultura de cancelamento, em que se uma dada personalidade cai no desagrado público é condenada à ostracização e esquecimento. Esta é uma posição simplista, que rejeita a obra apenas com base nas imperfeições da pessoa, e um tremendo erro cultural. Não seguir estes caminhos é raro, e desafiante.

Esta biografia de John W. Campbell tem esse condão. A importância do lendário editor pulp da Astounding (e outras revistas) é fulcral na história da ficção científica. Não é exagero dizer que toda a estética clássica da FC parte do seu trabalho editorial. Wells e Verne mostraram caminhos, mas foi o sentido de editor de Campbell que guiou escritores que se tornaram nos nomes de charneira do género no sentido de escrever histórias onde a aventura acéfala ficava de parte, com o seu cerne constituído por especulação técnica e científica, mesmo que o texto fosse sobre empolgantes aventuras no espaço.

Claro, podemos discutir a validade dessa estética, que evoluiu para as vertentes mais complexas da HardSF. O pulp campbelliano restringe-se aos cientistas e heróis de tez branca, que entre as invenções do presente ou as especulações do futuro resolviam problemas com ciência e tecnologia. De fora ficou a diversidade de género, ou a visão social da FC. Não me parece que isto seja inerentemente criticável. Em parte, estas limitações eram consonantes com o espírito do seu tempo contemporâneo. E, talvez mais essencial, construíram o caminho que permitiu à FC escapar-se ao grilhão das historietas de aventura para adolescentes e se tornasse o género complexo e vibrante que hoje é. Outras literaturas de género não o fizeram, e ou se extinguiram (em parte porque os tempos evoluem, e hoje não nos divertimos com as peripécias de pilotos de biplanos, por exemplo), ou se tornaram estereotipadas, onde as histórias se lêem como uma aplicação chapa 5 das estruturas e estéticas, com resultados previsíveis e banalizados (suspeito que me vão bater por expressar isto, mas é a opinião que tenho sobre géneros com o romântico ou o policial).

Nevala-Lee vai longe no traçar da vida e influência de Campbell, desde os seus começos como editor até falecer. Mostra a sua importância, a forma férrea como trabalhava com os seus autores, como os conduzia e guiava no sentido que ele julgava ser o mais adequado. Se este direccionismo nos parecer excessivo, é graças a ele que temos autores como Heinlein ou Asimov, e tudo o que partiu deles. Mostra, também, um progressivo endurecimento à medida que envelhece, chegando a desmascarar algum racismo e misoginia. Descartar estas expressões como mero espírito do tempo é insuficiente, e esquece que os tempos melhoram porque as pessoas evoluem.

Se Campbell é a figura central desta biografia, o livro detalha as personalidades pessoais e literárias, bem como as relações, entre três das suas maiores criações, escritores que com as suas directrizes, evolouiram para se tornar autores fundamentais, ou, num caso, pontos muito baixos do género. Falamos de Isaac Asimov, Robert Heinlein e L. Ron Hubbard. O retrato de Asimov é piedoso, mostrando-o como um rapaz algo isolado de Nova Iorque que se tornou cientista mas desabrochou enquanto escritor. Um homem de ideias interessantes, escritor prolífico e essencial da FC, mas longe de ser perfeito - a forma desrespeitosa como tratava as mulheres não é esquecida ou menorizada (no fundo, mais por mostrar não ter noção do errado que era o seu comportamento). Heinlein é tratado com respeito, apesar do seu resvalar de conservadorismo excessivo, mostrado como um autor que sempre se superou, com profundas preocupações de progresso social.

Já quando a Hubbard, Nevala-Lee arrasa-o (suspeito que tenha ganho inimigos entre os cientologistas). Mostra-o como um mau escritor que é acima de tudo um consumado vigarista, sempre metido em esquemas e falsificando os detalhes da sua vida. Fundar uma seita de contornos religiosos é o corolário óbvio da desonestidade, e o que surpreende é a forma como o sagaz Campbell se deixou enredar nessa teia pseudo-científica, bem como a incapacidade de perceber a aura de falsidade que envolvia Hubbard.

As histórias pessoais destes autores e editor cruzaram-se numa fiação complexa. As suas relações não foram meramente profissionais, houve amizades, ódios, amores e traições. O livro traça também um retrato do emergir do fandom, e, novamente, não é um retrato simpático. Mostra que a cultura tóxica e o predomianr de personaldiades acintosas, algo que hoje contamina a cultura dos fãs, esteve presente desde o primeiro momento em que os primeiros fãs de FC se juntaram em sociedades e convenções, com lutas internecinas e tremendos choques de personalidades. 

Se admiram cegamente Campbell e os escritores clássicos da FC, não vos recomendo esta biografia. Vai mostrar-vos a complexidade das suas personalidaes, e expor os seus muitos defeitos de personalidade. Não vão conseguir deixar de pensar que esses defeitos condicionaram algumas das bases conceptuais da FC (não por acaso, movimentos futuros, como a New Wave, afastaram-se conscientemente das estéticas e temáticas clássicas). Mas, talvez o importante é não ser intelectualmente simplista e redutor. Estas figuras não foram perfeitas, o seu trabalho também não. Mas foram decisivas para a evolução do género. Sem Campbell, Asimov ou Heinlein (e outros, menos falados mas também importantes), não teríamos a FC enquanto género literário evoluído que temos hoje (no resto da cultura pop, como no audiovisual, a evolução foi menor). Ou, talvez sequer nem tivessemos ficção científica, com as velhas histórias de aventuras no espaço relegadas para o esquecimento, ao lado dos contos empolgantes de pilotos de biplanos nos ares, ou de aventuras de cowboys no velho oeste.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Comics: Final Cut; Somna; Homecoming


Charles Burns, Final Cut.

O traço de Charles Burns é extraordinário, num sempre muito bem conseguido limiar entre o real e o surreal, o que torna este livro um deleite visual. A história toca nas agruras da vida de jovens adultos, a navegar a descoberta da sua sexualidade enquanto procuram um lugar no mundo, e está centrada no imaginário de um jovem artista, propenso a crises psicológicas, que se apaixona por uma rapariga num amor que não será correspondido. O Final Cut do título corresponde ao cinema, entre as constantes referências à cinematografia fantástica de série B, o filme amador que o jovem e os seus amigos estão a rodar, e o filme que este monta na sua mente, onde irrealidade e surrealismo se mesclam com a confusão dos seus sentimentos.


Becky Cloonan, Tula Lotay, Somna.

Os sentimentos femininos de amor e desejo, em conflito com moralidade puritana e a superstição. A jovem esposa de um inspetor numa aldeia puritana é consumida por sonhos perversos e carnais. À sua volta, desenrola-se um drama com mulheres condenadas à fogueira por bruxaria, traições e assassínios, enquando a igreja faz sentir o seu poder com mão pesada. A jovem acabará por tornar-se uma vítima desta combinação de poder, obscurantismo e crime, numa viagem que terminará na fogueira. O argumento de Becky Cloonan faz-nos sentir o desespero da inadaptação a uma moralidade demasiado inflexível, e a ilustração de Tula Lotay oscila entre um duro realismo expressivo e alguns momentos de onirismo feérico.

Jim Starlin, Bill Reinhold, Silver Surfer: Homecoming.

Jim Starlin foi um dos grandes praticantes da space opera cósmica e psicadélica dos anos 70 nos comics, vertente que consegue manter viva quando escreve neste género. É sempre bom recordar que foi o culpado de The Infinity Gauntlet, um clássico dos anos 90 que se tornou a pedra chave do universo cinematográfico Marvel. Silver Surfer foi um dos personagens onde Starlin mais conseguiu estar à rédea solta nos seus deslumbres cósmicos, e este Homecoming não é exceção. Não faz por menos. Nesta aventura, o Surfista terá de investigar o desaparecimento do seu planeta natal, descobrindo que foi incorporado na imagem interior de um enorme cérebro que vaguiea pelo espaço, incorporando civilizações para lhes dar imortalidade como utopia virtual. Uma história com um final amargo, quando a interferência do herói que apenas deseja largar a realidade e juntar-se à utopia é rejeitada pela entidade cósmica, levando à dissolução da virtualidade. Este é daqueles comics dos anos 90 criados num claro espírito de "o que é que a equipe criativa andava a fumar", e ainda bem que assim foi.

domingo, 12 de janeiro de 2025

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This is a copy of the Starweb PBM rules from 1991-ish
: Aventuras espaciais.

Five SF Works About Climate Change Published Before the 1980s: Se o cli-fi enquanto género se afirmou neste século, no passado os escritores de FC já abordavam estas temáticas em cenários apocalípticos.

READ: The final of Terry Pratchett's lost stories - Arnold, the Bominable Snowman: Que delícia, ler um Pratchett inédito.

Bairro Distante – Jiro Taniguchi: Talvez o mais europeu dos mangaká, pela sua sensibilidade estética, agora acessível aos leitores portugueses.

5127) O mundo perdeu o centro (27.11.2024): A comparação entre Dante, o poeta da aristocracia, e Whitman, o bardo da democracia.

When Haruki Murakami Takes His Own Magic for Granted: Mais um livro do popular escritor japonês, será de ir a correr às livrarias? A crítica não o torna apelativo, parece ser um livro morno.

Sessão da Noite — «Herege» (2024): Ainda não vi, mas confesso curiosidade, nem que seja por ver Hugh Grant a inverter a lógica de uma carreira como canastrão de estopadas românticas e a mostrar-se como aterrorizante. O artigo também sublinha a enorme ignorância dos públicos de hoje, qualquer coisa que não caiba na sua estreita definição de género é rejeitada. Este grassar da incultura é verdadeiramente aterrador.

When did these Lovecraft meme-jokes normalize?: Hey, adoramos Cthulhu memes! E quem se atrever a dizer o contrário, terá de enfrentar uma horde de shoggoths.

14 Science Fiction & Fantasy Novellas to Add to Your Reading List: Leituras curtas e potencialmente interessantes. Martha Wells, Nnedi Okorafor e Becky Chambers são de reconhecida qualidade.

Hollywood’s Addiction To Sequels Is Going To Kill The Future Of Hollywood: Ou, como o artigo coloca e muito bem, daqui a alguns anos as sequelas serão do quê, se com tanto regressar ao passado não se está realmente a criar nada de novo?


Roy G. Krenkel, Alien World, 1960s: Outros mundos.

Bluesky is breaking the rules in the EU: Malta, se estão mesmo a sair do XtWitter por estarem fartos do ambiente, porque não tentar as redes abertas do Fediverso, que não vos sacam os dados e usam para fins pouco claros? O Bluesky é um claro serviço destes, apesar de ser construído sobre o protocolo ActivePub.

New Book Publisher Says It Will Publish 8000 Books Next Year Using AI: Ah, a chico-espertice via IA. Felizmente, não pretende publicar livros gerados por IA, apenas obras editadas e traduzidas por IA.

Silicon Valley’s Obsession With AI Looks a Lot Like Religion: Por um lado, pela fé cega na tecnologia. Por outro, é curioso notar o paralelo de enriquecimento à custa de outros que os techbros têm com as religiões organizadas.

Artists Stick It to ‘AI Overlords’ and Leak OpenAI’s Sora Video Generator: Mas se estão a pensar que podem experimentar esta ferramenta, a OpenAI foi lesta a fechar as portas da API.

The way we measure progress in AI is terrible: A necessidade de definir métricas rigorosas para avaliação dos algoritmos.

The AI War Was Never Just About AI: Isto não é novidade, a menos que se ande mesmo distraído pelo deslumbramento pela IA. O jogo de concorrência entre as gigantes do online é tremendo.

The Forgotten Story of How IBM Invented the Automated Fab: Os primeiros passos da tecnologia de fabricação eficiente de microchips, a mostrar a importância dos processos industriais.

AI Was Born to Blog on LinkedIn: Claro que o paraíso dos sociopatas laborais (a sério, o que se lê no LinkedIn oscila entre a promoção pateta e a psicopatia de quem mete o trabalho acima de tudo) é pasto para o alastrar do lixo gerado por IA. E nada é mais representativo do espírito oco de uma certa visão de mundo laboral do que os utilizadores nem se darem ao trabalho de pensar e escrever o que publicam para se promover.

What if Europe championed new AI hardware?: E se, em vez das eternas discussões de "e se" seguidas de manifestos e propostas de intenções, se começasse mesmo a investir? Temos a tecnologia, temos o conhecimento, as empresas, as instituições de investigação, um mercado interno. Mas deixamos o campo aberto para chineses e americanos.

Bluesky: aproveitar o céu azul antes que cheguem as nuvens cinzentas: O shifter é sempre interessante, mas aqui está completamente fora de pé. O êxodo do X para o Bluesky representa algo que posso melhor qualificar como uma transferência de gado entre redis, ou seja, abandona-se uma gaiola dourada para se entrar noutra. A suposta abertura do bluesky, o apregoar de protocolos abertos, não passa disso, de apregoar. Usa um protocolo próprio, deliberadamente incompatível com o protocolo aberto ActivePub. Supostamente deveria integrar-se com o Fediverso, mas na prática isso não acontece. Está claro que o Blusky não pretende aquilo que afirma pretender, mas sim tornar-se uma rede social clássica, apropriando-se de algumas características dos protocolos abertos para seduzir os utilizadores num falso sentido de diferença face aos comportamentos abusivos das empresas que detém as redes clássicas.

ChatGPT is two today: Por hoje, entenda-se dia 30 de novembro. A maior significância desta ferramenta é cultural, despertou a opinião pública e a sociedade das pessoas comuns para o potencial da Inteligência Artificial. Democratizou o acesso a esta tecnologia, com um interface acessível até aos mais tecnoazelhas.

Sistemas AI levam monitorização de funcionários humanos ao extremo: Os malefícios do chamado "bossware", softwares que monitorizam o comportamento dos funcionários em nome das métricas desumanas da produtividade.

On the Coming Merger of Tech and State Power: Da íntima e lucrativa relação entre o lado negro da tecnologia - pense-se Musk, mas também Palantir ou Anduril, bilionários e empresas que já demonstraram a sua total falta de escrúpulos e ética, e o crescendo do autoritarismo populista americano. Um cair no lado negro com consequências globais.


Flying Saucers and Outer Space by Mollie Brown: Eles estão por aí.

En 1940 EEUU ofreció 100 millones de dólares a Dinamarca por Groenlandia. La NASA ha encontrado la razón: una ciudad secreta: Um recordar da importância geoestratégica da desolação gelada gronelandesa nos tempos da guerra fria.

O Monumental já merecia uma terceira vida: Dificilmente voltará a ser um espaço aberto aos lisboetas, a menos que considerem que ser uma espécie de showroom corporate de um banco é um pináculo cultural. Vi lá muitos e bons filmes, bebi umas cervejas na zona de restauração, e comprava livros na livraria que lá havia.

Why the Flying Experience Feels So Much Worse: As leis do mercado favorecem o consumidor, certo? É o que se diz, que a concorrência permite melhores preços e serviços. E, no entanto, a aviação contraria esta lei básica da economia, com serviços cada vez piores e preços supostamente baixos mas que depressa disparam com taxas e pagamentos adicionais por coisas que deveriam fazer parte do bilhete.

Chill Guy es el último meme viral porque esconde algo más profundo: es todo lo que aspiramos a ser: Bem gostaria. Bem tento. Mas depois abro as minhas caixas de correio eletrônico e a estupidez e mesquinhez de boa parte das mensagens é tanta, que o Chill vai tchilar para outro lado.

We Never Stop Growing: Deveras. Confesso que olho para o meu percurso de vida, para os erros e acertos, altos e baixos, e penso que são tudo passos num caminho que continua em direção ao horizonte.

The Real Crisis In Children’s Reading: É um dos paradoxos da escolaridade. No afã de promover a literacia, corre-se o risco de dar cabo do gosto pela leitura, se não se respeitar os gostos individuais e deixar os jovens leitores lerem o que querem.

Recreating an Ancient Roman Dinner of Death: É preciso olhar para estes textos antigos com espírito crítico. As acusações e descrições decadentes poderão não ser fidedignas, mas sim chistes motivados por ambições e lutas políticas. Ou, no caso de Dion Cássio, falta de bom humor.

The AD-5N ‘Skyraider’ and Its Little-Known Nuclear Role in the Cold War: É de facto inesperado que um avião destes tenha tido como missão bombardeamentos atómicos.

Santa Maria: Sugiro uma leitura diagonal deste artigo até chegar à parte que realmente interessa. O texto é muito pessoal, terá o seu mérito, mas não nos é significativo, até mostrar que a história por detrás de uma das mais icónicas fotos do século XX não é a que julgávamos ser. A tremenda e inesquecível imagem da mãe cansada e desesperada, rodeada pelos seus filhos, tirada durante a Grande Depressão pela fotógrafa Dorothea Lange representa uma mulher indígena. É um pormenor que nunca é abordado na história de arte.

Focus: Unveiling Secrets of US SR-72 Hypersonic Aircraft and Its Unmatched Combat Capabilities: Antevê-se que a sexta geração da aviação de combate será hipersónica, para lá do stealth e dos ucavs.

This Sunken Ship May Be the 1524 Wreckage From Vasco da Gama’s Final Voyage: Uma fascinante descoberta ao largo do Quénia.

Calendario lleno, mente vacía: la ecuación que define la crisis de productividad moderna: O (falso) paradoxo do "busyness", a sensação de que está a fazer muito, quando na realidade pouco se consegue.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

2034


Elliot Ackerman, James Stavridis (2024). 2054. Nova Iorque: Penguin Press.

Se 2034, o livro anterior da dupla Ackerman/Stavridis, foi uma excelente especulação muito bem informada sobre o que seria uma guerra entre os Estados Unidos e a China num futuro próximo, este 2054 não lhe chega perto em interesse. Há laivos de continuação da história de 2034, com personagens que se sucedem de um livro para o outro, mas o livro é uma especulação mal-amanhada que não se decide entre singularidade e caos político, e no final, não chega a lado nenhum.

As desventuras deste livro são despoletadas quando um presidente americano populista que almeja um terceiro mandato, ameaçando derrocar ainda mais uma decadente democracia americana, é assassinado com um ataque inesperado - uma manipulação genética remota que provoca um cancro de morte instantânea. Bela premissa de arranque, e o caminho promete. Por um lado temos a busca ativa pelo desenvolvimento de tecnologias singularitárias, de emergência de superinteligências de fusão biológica e computacional (Ray Kurzweil é um nome recorrentemente citado em 2054), por outro uma democracia em desagregação, dilacerada pelos efeitos de uma guerra que venceu, mas a elevado custo, e tremendas tensões políticas exacerbadas pela desinformação e extremismo político (a caricatura do corrente panorama político do país é nítida e óbvia).

O problema é que o livro opta por explorar estas ideias em modo thriller, com personagens globetrotter a saltitar de cidade em cidade em busca de respostas, ou manipulados por organizações na sombra, desde os serviços secretos chineses que têm interesse em manipular um provável futuro presidente americano ao governo japonês, que tem um plano para travar o emergir da singularidade. Aqui o livro perde-se, fica-se por uma leitura banal. Esperava-se mais, e melhor, da confluência de talentos de um escritor comercial com a experiência de um antigo almirante.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Scanlines


Todd Keisling (2020). Scanlines. Perpetual Motion Machine Publishing.

Uma belíssima surpresa, vinda das recomendações de halloween do Xataka. Esta novela curta mas muito eficaz toca na temática do suicídio, com uma viragem para o horror tecnológico. Tem também uma forte dose de nostalgia, remetendo-nos para os tempos aparentemente mais simples do final dos anos 90, onde os VHS coexistiam com a internet em dial-up. Os personagens deste conto cruel vivem assombrados por um espectro que os persegue desde esses tempos de adolescência.

No seu passado, naquele espírito de descoberta transgressiva tão típico da adolescência, os protagonistas descarregaram o vídeo errado da internet. O que esperavam ser umas imagens titilantes de meninas despidas acabou por se revelar um vídeo perturbador, onde numa conferência de imprensa um homem decide pôr termo à vida, rebentando os miolos. Se já de si a visão é traumática, a vida dos jovens vai ser irremediavelmente tocada pela assombração implacável do suicida, que lhes aparece nos ecrãs de televisão ou sobreposto sobre o rosto das pessoas com que se cruzam, numa alucinação sobrenatural com traços de interferência eletrónica.

Não há fuga possível, não há exorcismos, ou aplacar de espíritos. Todos os que vislumbram o vídeo estão condenados, só lhes resta o ir aguentando os dias até deixar de resistir e dexar-se levar pelo suicido. 

Há aqui laivos de muita coisa, especialmente da cultura proto-digital dos anos 90. Cassetes de vídeo assombradas que se transmitem via internet de descargas extremamente lentas, o retrato de uma época no limiar da explosão digital. A ideia de um vídeo assombrado que condena quem o vê é claramente reminiscente de Ringu, com recortes glitch culture de artefactos e erros onde o digital é instável. Na sua essência, o livro toca na luta contra a depressão suicida, essa guerra silenciosa que muitos travam, e alguns não conseguem vencer.

domingo, 5 de janeiro de 2025

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jca-archive: Ichiro Tsuruta, from JCA Annual 8 (1989)
: A mais alta fronteira.

De Forbidden Planet a Poor Things: Um belíssimo texto, que nos mostra dois polos opostos da representação feminina na cultura pop e fantástico, e, nesta dualidade, sintoma de evolução cultural. Por um lado, o feminino submisso do clássico Forbidden Planet; por outro, a liberdade feminina militante do brilhante e inquietante Poor Things.

The Book of the New Sun Series: Confesso, nunca li, mas aperceber-me que se passa num futuro tão longínquo que as tropes clássicas da FC são mitologia de um quasi esquecido passado distante, despertaram o interesse.

Making Comics Weirdly: Orbital Operations for 17 November 2024: Mais comedido e discreto depois do seu recontro com a cancel culture, Warren Ellis vai mantendo a sua newsletter semanal, sempre uma boa leitura. E nesta semana, palco de uma brilhante análise sobre a importância do experimentalismo gráfico e narrativo na banda desenhada, ou, como os autores que mais arriscaram nos legaram as grandes obras do género.

Unjustly Neglected Works of Science Fiction: Talvez a maior ironia deste texto de 1993 que perguntou aos autores contemporâneos de FC quais os autores que julgavam estar a cair no esquecimento, é que muitos dos inquiridos acabaram, também eles, por ficar esquecidos.

Marvel's greatest hits curated by Patton Oswalt and Jordan Blum: Selecionar as dez melhores dos milhares de histórias do acervo da Marvel? Tarefa difícil, e o meu inner geek contorce-se de inveja, é que era um trabalho de investigação que não me importava nada de ter.

5125) As cidades invisíveis de Calvino (21.11.2024): Um dos livros incontornáveis da literatura convencional e do fantástico, uma pérola literária apaixonante.

William Shatner’s Captain Kirk returns one last time in an eight-minute short film: Em memória da memória de Star Trek.

Award-Winning Fantasy Novels of 2024, recommended by Sylvia Bishop: As obras que venceram os vários prémios dedicados à literatura de fantasia.


It's Full of Stars: Cenas atómicas.

How Italy became an unexpected spyware hub: Uma combinação de capacidade tecnológica, baixos custos, um ambiente legislativo muito permissivo e autoridades habituadas a ser intrusivas. Arrepiante, a ideia de deter pessoas para as obrigar a desbloquear o telemóvel, para que o conteúdo que os investigadores já sabem que existe possa servir de prova.

Two Baltic Sea communications cables have been knocked offline: Traços discretos de ciberguerra.

15 años de destrucción sistemática: Google ha estado eliminando todo lo que pudiera comprometerle el día de mañana, según 'The New York Times': Da destruição de documentos internos ao policiamento da linguagem, porque o que é dito não existe, mas o que está escrito comprova. Longe vão os tempos de don't be evil.

The urgent race to upload Tuvalu to the metaverse: Não é um mitigar do problema, e é um pálido vestígio de um povo e de um território, mas permite preservar algo da memória de um país que se prevê que no futuro próximo desapareça, mercê do efeito das alterações climáticas.

Woo baixa velocidade e usa "velocidade máxima" imaginária: Se há algo positivo na entrada da Digi no mercado português, é que está a por a nu a cartelização das operadoras de telecomunicações que por cá operam, e o mau serviço que prestam - caro, limitado, e muito longe das larguras de banda e preços de outros países, onde os mercados funcionam (ou, talvez, sejam os reguladores que realmente exercem o seu poder de regulação, porque nestas coisas do mercado livre, nada como um bom acordo de cavalheiros entre operadores para garantir que a concorrência é virtual).

Inside the Personal Computer: An Illustrated Introduction in 3 Dimensions: A Pop-Up Guide: Que delícia de livro!

AI Has Enshittified America’s Advanced Stealth Fighter: Ou, como sistemas mal concebidos acabam por ser um fardo e não uma solução. Algo que nos irá afetar. Portugal já manifestou a intenção de adquirir aeronaves F-35. Foram destacados em proeminência no festival aéreo de Beja, este ano, e não pude deixar de notar o pormenor não muito abonador - uma das aeronaves, um F-35 italiano, tinha uma fuga constante de líquidos. Um pormenor que espero não ter escapado aos graduados da FA que visitaram as aeronaves, sorridentes perante a perspectiva de irem dispor destes brinquedos num futuro próximo.

Apple Lost the Plot on Texting: Excelente exemplos de como não implementar IA generativa nos produtos.

Checkmarked X Users Caught Promoting Sites That Sell Child Sex Abuse Videos: X de Musk. Claramente o paraíso da liberdade de expressão, e o exemplo da pureza absoluta dos ideias libertários. Claramente, o exemplo maior a seguir pela sociedade. Esta coisa das leis, regulamentos e restrições apenas impede o bem maior da liberdade.

Surveillance and the Secret History of 19th-Century Wearable Tech: Bizarrias da história da tecnologia - o uso de contadores de passos como forma de vigilância sobre empregados ou familiares.

Why is joining Bluesky like buying an EV?: Percebo o ponto de vista de Naughton. As redes sociais, na forma como atingiram preponderância no espaço público, na discussão comum, e na obtenção de informação, são um problema. Diminuir a sua preponderância é salutar, em termos individuais e sociais. Mas diria que rejeitar em absoluto é um erro. Olho para a minha própria experiência, onde percebo que o uso de redes (sou menos ativo do que transparece, mercê de alguma disciplina pessoal) me foi benéfico, em várias vertentes. Profissionalmente, ajudou a que o meu trabalho saísse dos limites da minha sala de aula, e começasse a chegar às comunidades. Criou um ciclo de retorno positivo, com as comunidades a desafiarem-me a ir mais longe e trilhar caminhos que, anos atrás, me seriam impensáveis. Ganhei notoriedade profissional, novas oportunidades e desafios, e algum retorno financeiro como formador e dinamizador de ações. Isto não teria acontecido sem facebook (em menor grau, o fediverso também me está a permitir estas dinâmicas), e alimenta-se continuamente. É por essa razão que não posso cortar amarras com a rede azul - o "meu público-alvo" está lá, os meus colegas, associações profissionais, aqueles que me desafiam a fazer mais e melhor, bem como a partilhar o que faço. Há também uma vertente pessoal, com a minha personalidade fortemente introvertida, o uso de redes sociais permite-me interações que de outro modo não teria. É fácil criticar a artificialidade das conversas e interações mediadas por ecrã, mas quem sofre de angústias sociais sabe o quão preciosas são como forma suportável de quebrar isolamentos. Posto isto, também tive de aprender a usar as redes sociais. Já estou nisto há uns tempos e devo ter passado por todas as fases; do excesso de partilhas, de procura constante do reforço positivo dos likes, o uso excessivo e interruptor do dia a dia. Aprendi a gerir isso, a disciplinar o uso, a criar o padrão que quero para a minha presença online, a ser comedido e sucinto, sem excessos, manifestações espúrias, e ignorar de todo o trollismo e enviesamentos acintosos. Desligar as notificações, esse sistema industrializado de adição, ajuda. Hoje sou culpado de algum doomscrolling em horas mortas, geralmente ao início e final do dia, para estar a par de novidades, e pouco mais. Há vida para lá das redes sociais, sempre houve, com capacidade de discernimento da nossa parte, também são instrumentos interessantes para as nossas vidas. Claro, tudo o que faço contraria a pressão dos criadores e gestores, cujo interesse se resume em incentivar padrões de vício para garantir que os utilizadores passam o máximo de tempo possível nas suas redes. Perceber as regras do jogo económico das redes sociais e estratégias de defesa é essencial para transformar o seu uso em algo positivo. Não tenho ilusões, sei que faço parte de uma minoria, nesse aspeto.

Google está conquistando los colegios de España. Y muchas familias no son conscientes de lo que está en juego: Sim, é bem conhecido. Legalmente, o uso de platafornas americanas em ambiente educativo é, salvo raras exceções, uma violação do RGPD. Lá fora, isto leva-se a sério, com multas e proibições bem definidas. Por cá, se nos atrevermos a levantar este assunto, todos nos caem em cima, desde os organismos governamentais aos pais, que nos acusam de empecilho ao desenvolvimento.


It's Full of Stars: Urbanismos.

Trust in scientists hasn’t recovered from COVID. Some humility could help: Há uma certa ironia, ou sintoma de estupificação social, na desconfiança crescente naqueles cujo trabalho minorou as consequências da pandemia. 

All the Highlights of the 2024 China Airshow: As aeronaves de quinta geração chinesas em destaque.

AI art haters unknowingly prefer AI-generated works, according to test: Bem, mas isto não quer dizer absolutamente nada no que toca à discussão sobre a validade da chamada Arte da IA. Quer apenas dizer que a maioria dos que realizou este teste tem um gosto estético fossilizado no classicismo, com algumas incursões nas vanguardas do final do século XIX. De certa forma, até faz sentido. Quem gosta de estéticas antiquadas terá certamente probabilidades elevadas de rejeitar novas ferramentas de expressão visual.

Van Gogh Did Not Intend His Irises To Be Blue: O papel da decadência química dos pigmentos na forma como entendemos as obras de arte.

Portugal’s Tekever raises $74M for dual-use drone platform deployed to Ukraine: Um salto para a empresa portuguesa que se está a destacar neste campo tecnológico como sendo capaz de trabalhar à escala global.

A un delfín que llevaba años solo frente a Dinamarca le pusieron un micro. La "conversación" registrada no tiene precedentes: Apanhado a falar sozinho. Quem nunca.

What the Mesopotamians had for dinner: A deliciosa conjugação entre culinária e arqueologia, na reconstituição dos pratos e iguarias do passado profundo.

The Bitter Aftertaste of “Technical Sweetness”: A obra de Mary Shelley descreve na perfeição a sedução da hubris científica que se coloca acima da moral e ética, cega para as más consequências. O desenvolvimento da bomba atómica é o melhor exemplo disso na história da ciência.

Pluralistic: The far right grows through "disaster fantasies" (25 Nov 2024): Doctorow, como sempre, certeiro, a desmontar o egoismo sociopata dos preppers, malta que, nos seus sonhos húmidos, se imagina a triunfar no caos social.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Comics: Memetic; Batman/Dylan Dog; Walt Disney's Donald and Mickey in Metropolis and Faust


James Tynion IV, Eryk Donovan (2024). Memetic: The Apocalyptic Trilogy Deluxe Edition

Foi com Memetic que descobri a voz algo quirky de Tynion, que entretanto se tornou argumentista para as majors. Memetic é uma pura aventura de FC apocalíptica, onde um artista liberta no espaço online uma imagem memética de uma preguiça, que irá contaminar a humanidade e provocar a sua aniquilição, sem que haja salvação possível. Para além de divertida, teve o mérito adicional de surgir numa altura em que a cultura dos memes online ainda se estava a desenvolver. Esta edição ainda incluo as igualmente catastróficas Cognitic e Eugenic. Em Cognitic assistimos a uma luta entre entidades meméticas alienígenas conscientes que se incoporaram no cérebro humano ao longo de milénios. Eugenic vai ainda mais longe. Uma vacina desenvolvida para combater uma pandemia global leva, intencionalmente, ao nascimento de bebés deformados que formarão uma nova espécie humana, com os humanos de genética natural condenados à extinção numa aparente utopia futurista. Ideias incisivas que se transformam em histórias intrigantes, são as marcas desta edição.

Roberto Recchioni, Wether Dell'Edera, Gigi Cavenaggo (2024). Batman/Dylan Dog. DC Comics/Bonelli.

O traço de Werther Dell'Edera transforma este divertido crossover DC/Bonelli num trabalho impressionante. Roberto Recchioni estrutura um argumento que cruza na perfeição os mundos ficcionais de Batman e Dylan Dog. O ponto de partida está numa ligação perigosa entre os seus arqui-inimigos Joker e Xabaras, com estes a unir esforços para cruzar o soro de imortalidade de Xabaras com o gás de sorriso mortífero de Joker, na tentativa de criar seres imortais. Desperta aqui uma aventura em que a rede de esgotos londrina é palco de uma luta entre Catwoman, Batman e Killer Croc enquanto Dylan e Groucho despacham zombies sorridentes; o salvar de Catwoman e Groucho, contaminados em vida com o novo soro de imortalidade, numa luta que leva Batman e Dylan às ruínas do laboratório original de Xabaras (uma tremenda vénia ao primeiríssimo Dylan Dog). Tudo termina com Killex, um dos mais perigosos personagems de Dylan Dog, ressuscitado e à solta nas ruas de Gotham. Travar este assassino obrigará a combinar esforços com os personagens místicos da DC e da Bonelli, unindo a clássica Madame Trelkovsky com John Constantine (com Recchioni a mostrar ser fã do Constantine mais clássico, torturado, implacável e aparentemente degenerado) e Jason Blood/Etrigan. Só pela descida aos infernos de Dylan Dog e John Constantine já vale a pena ler este final de um crossover muito bem concebido.


Walt Disney's Donald and Mickey in Metropolis and Faust. Fantagraphics. 

É sempre agradável ler, ou reler, estes comics Disney criados por argumentistas e desenhadores italianos. Os argumentos são divertidas variantes sobre histórias bem conhecidas, e diga-se, a homenagem a Metropolis é brilhante, quer em termos narrativos quer gráficos. Se alguma vez se perguntaram como é que a estética do cinema expressionista alemão dos anos 20 do século XX seria com o estilo Disney, não precisam de ir mais longe. Mas o maior deleite destas leituras é a curiosa elegância que os desenhadores italianos transmitem aos simples cartoons Disney, tornam-nos mais sinuosos, fluídos e visualmente ricos. Como disse, é um deleite de leitura.

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

There Is No Antimemetics Division


qntm (2020). There Is No Antimemetics Division.

Não teria dado com este livro se o João Campos não o tivesse mencionado nas escolhas literárias do Fórum Fantástico. E isso seria uma perda, para mim. O ponto de partida é interessante, uma história sobre uma organização de defesa global que se dedica a defender a humanidade de contaminações meméticas. Mas é a execução que o torna brilhante, numa história vertiginosa onde a realidade, a memória e o irreal se entrechocam com violência.

Imaginem serem agentes ao serviço de uma agência secreta onde uma das vossas funções fundamentais é esquecer o que fazem, porque se não o fizerem, caíram em poder das forças de cujas influências têm de defender o mundo. Forças insidiosas, ideias com vida própria que tomam conta da mente humana, crescem como tumores e levam ao colapso das sociedades. Ao longo do livro, é intuído que somos apenas mais uma iteração da civilização humana, recuperada após o apocalipse catastrófico de memes virais destrutivos.

Acompanhamos a luta quase sem esperança contra um desses memes terminais, tão catastrófico que ameaça colapsar a sociedade. Aliás, que colapsa tudo, reduzindo a sociedade normal a uma violência surreal. Os memes têm a propriedade de alterar a percepção humana, levar os afetados a esquecer tudo o que sabem e conhecem, e a reconstruir o mundo pelas lentes deturpadas das novas ideias. E, ciclicamente, há memes tão poderosos que o colapso civilizacional é o único caminho, apesar de todas as medidas de defesa e combate.

Este livro faz um uso brilhante das teorias dos memes, numa história de memórias destruídas, irreais que se solidificam no real, e do combate duro contra um inimigo que altera a mente das suas vítimas, através da percepção e das ideias. A ideia que podemos usar memes com arma não é nova (tecnicamente, tão velha como a humanidade), de que as ideias virais mudam o sentido do mundo. O que este livro traz é o conceito de ideias como entidades apocalípticas, cancros ideários destrutivos que arrasam os seus hospedeiros.

domingo, 29 de dezembro de 2024

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It's Full of Stars
: Modernismos.

The Funniest Books of 2024: Nem sempre a literatura tem de ser séria.

Livro "O Bobo e o Alquimista" distinguido pela Academia Portuguesa da História: Parte de mim lamenta. Quando David Soares se virou para o lado académico, perdemos um dos nossos melhores praticantes da literatura tenebrosa. Por outro lado, ganhámos um historiador de fôlego (e, quem conhece a sua obra literária, sabe a preocupação que sempre teve como autor no conhecimento do passado). Esta distinção merece os nossos parabéns. Já o livro, está na calha para as leituras. Já estava, antes da distinção. Agora a leitura terá um gostinho adicional.

The Best Nonfiction Books: The 2024 Baillie Gifford Prize Shortlist, recommended by Isabel Hilton: Destas leituras, só li o arrepiante Nuclear War, que é daqueles livros que lemos, e não nos volta a sair da mente.

A semana das cores, Elena Garro: Fica aqui a referência para mais uma autora do fantástico sul-americano ("realismo mágico" para os eruditos que se sentem a desfalecer quando se fazem menções à literatura fantástica). Vou investigar.

How To Select Ten Books To Represent A Quarter Of A Century: Pista - não é nada, nada fácil.

O apocalipse Íntimo de It Lasts Forever and Then It's Over: Podemos sempre contar com o João Campos para seguir as listas de obras candidatas aos grandes prémios da ficção, e as suas análises que dão vontade de ir a correr comprar o livro.

Jack Kirby's The Lord of Light illustrations: Psicadelismos.

Google’s AI ‘learning companion’ takes chatbot answers a step further: Confesso que é um ponto interessante na ideia de IA Generativa aplicada à aprendizagem, um modelo que trabalha a partir não de bases generalistas, mas de informação dedicada. Por enquanto, por cá, não o podemos testar.

Where’s My Robot?: Provavelmente a melhor leitura que vão fazer nos próximos dias sobre a robótica doméstica, e o sonho de ter servidores androides. Um brilhante trabalho multimdéia da IEEE Spectrum.

ChatGPT continues to dominate, but this Google AI tool is picking up steam fast: Diria que o NotebookLM, ao contrário dos chatbots, é verdadeiramente útil, como assistente dedicado para interpretação documental.

The Torture-Filled World Of A Social Media Moderator: Isto não é uma leitura fácil. Sabemos que o que vemos online é mediado, e que há demasiadas pessoas que se comprazem em partilhar a pior e mais desumana violência. Retira-nos fé na humanidade. Também sabemos que a tarefa destes moderadores é muito difícil, são expostos ao impossivelmente mau, mal pagos e sem apoio psicológico. Mas é interessante perceber que se veem como uma espécie de serviço público e necessário, para manter a internet mais limpa.

How a stubborn computer scientist accidentally launched the deep learning boom: Quando um académico mantém a sua linha de investigação apesar do desinteresse geral, o resultado a longo prazo pode ser revolucionário.

Microsoft and Vatican create 3D digital twin of St. Peter’s Basilica with help from AI: É sempre interessante ver as formas em que a digitalização 3D pode ser aplicada à preservação do património artístico e cultural.

Choose the Best Board to Animate Your LEDs: Dicas interessantes para quem gosta de programar LEDs.

A New (Old) Approach for 21st-Century Kids Using Computers: Chronological Order – notes: Recordo que há uns anos, deparei com uma destas relíquias num dos jardins de infância do meu Agrupamento. Tenho de ir à procura dele, esperando que não o tenham deitado fora. Um dos meus projetos discretos é criar um pequeno museu de tecnologia educativa na minha escola, com o material antigo que se vai acumulando em arrecadações.

IBM boosts the amount of computation you can get done on quantum hardware: A evolução dos chips quânticos.

The AI lab waging a guerrilla war over exploitative AI: As linhas da frente da luta entre a raspagem indiscriminada de conteúdos para treinar modelos de IA, e aqueles que querem preservar atribuição e direitos de autor.

The First Virtual Meeting Was in 1916: Se as reuniões via videoconferência são um pesadelo, conseguem imaginar uma reunião destas… só por telefone?

Google is testing the ‘impact’ of removing EU news from search results: É mesmo aquilo que a Internet precisa - mais uma medida que reduz a fiabilidade da informação pesquisada.

Another Orbital Outpost Is in the Works (Hopefully)…: É prometedor, mas, francamente… só acredito quando estiver em órbita. É uma sensação que todos os que acompanham o Espaço certamente sentem. Se tivéssemos um euro por cada anúncio de projeto de estação orbital que depois não passa do papel, já daria para uma mariscada.

Las regiones más soleadas del mundo parecían ideales para instalar paneles solares. Estábamos equivocados: Parece lógico que quando maior a exposição solar de uma dada zona, maior o seu potencial para esta energia. Mas, como qualquer pessoa que tenha sentido a pele a arder na canícula estival alentejana sabe, há que contar com a resistência dos materiais usados nos painéis solares à exposição solar direta.

Google will let you make AI clip art for your documents: Oh, fantástico. Mais oportunidades de foleirada documental. É que, ao contrário do que se imaginam, a esmagadora maioria dos guerreiros de secretária que são exímios a produzir relatórios tem um péssimo gosto visual e inexistente criatividade.

Coca-Cola, Generative AI Make For Ho-Ho-Horrifying Holiday Ad (VIDEO): É curioso ver que se os vídeos gerados por IA produzem clips sedutores, quando a tecnologia é aplicada em modo mais mainstream acontecem duas coisas: há uma rejeição popular dos resultados, e, de facto, os resultados não são grande coisa, parecem aproximações fajutas do que se faria com meios tradicionais. No caso deste anúncio (e vão vê-lo, é uma delícia de cringe), há um lado incrivelmente uncanny valley na forma como representa as pessoas.

The 3 AI Use Cases: Gods, Interns, and Cogs: E ainda um quarto uso, os "toys". Esta visão é certeira e corta muitas das tretas nos discursos que se ouvem aí sobre a tecnologia. "Gods" indica a discussão sobre superinteligência e IA, que é mais um daqueles sonhos inconcretizáveis do que uma realidade, mas adoramos especular sobre isso (e dá imenso jeito temer a ideia dos exterminadores implacáveis para nos distrair das reais problemáticas da IA que já temos); "Interns" designa os usos de IA  em apoio ao trabalho humano, especificamente os copilotos que auxiliam a produtividade de especialistas (e notem, são eficazes apenas nas mãos de especialistas, que conseguem ir mais longe e mais depressa, porque sabem o que pretendem e o que estão a fazer); "toys" designa todas aquelas apps de IA Generativa que pululam por aí, tipo os geradores de imagem e similares, que já se percebeu que são completamente inúteis a menos que sejamos utilizadores acéfalos que acham que por clicar num botão e sair um boneco somos artistas; e, finalmente, "cogs", todos aqueles sistemas que mal damos por eles que sustentam processos técnicos, económicos e industriais, e é aí que está o valor real da IA.

AI-generated poetry is indistinguishable from human-written poetry and is rated more favorably: Malta, não fiquem assustados. As probabilidades disto afetar realmente a literatura são nulas. Reparem que o pop literário está cheio de fenómenos de má escrita como Paulo Coelho, Raul Minhálma ou Chagas-Freitas, só para citar os mais perfeitos exemplos de banalidade e má literatura, e vendem como pão quente, com verdadeiras legiões de fãs, que se sentem eruditos por conseguir ler meio parágrafo destas luminárias por mês. Falando mais a sério, em parte escrever é seguir algoritmos (leiam o excelente Literary Theory for Robots, que vos conta a longa história dos esquemas de escrita, especialmente na ficção popular), e já desde os velhos tempos dos geradores de poesia aleatória que as pessoas encontravam significado nas frases geradas.

The Processing of Words | 2429: Recordar algo que hoje já nem pensamos - que o humilde e essencial processador de texto já foi em tempos uma tecnologia disruptiva.

Johnny Bruck: Surrealismos.

Hydraulic Revolution: Alguns aspetos da cultura americana dos carros modificados.

Leituras da Semana [#40 / 11 Nov 2024): Também li a reflexão da Solnit, clara e brutal sobre a perda de esperança na alma humana, que professa admirar o humanismo mas apoia, nas urnas, os mais desumanos escroques. Quanto à inevitável merdificação do Bluesky, João, recordo-te que a tecnologia que o suporta (e que é tão boa na gestão de moderações e utilizadores) é a que suporta o Fediverso. Quando o Bluesky se tornar tóxico, tens um lugar no Masto.pt, uma das instâncias fediverso portuguesa. Não temos cookies (nem físicas), mas organizamos almoços.

Donald Trump announces Elon Musk will co-lead Department of Government Efficiency: Chama-se a isto colocar o lobo a tomar conta do galinheiro. Suspeito que os contratos atribuídos às empresas do space karen vão disparar. E imaginem o desastre quanto quiser aplicar aos serviços públicos a mesma fórmula que aplicou no twitter.

China exhibe el concepto de un nuevo (y misterioso) avión de combate: apunta a llevar a cabo operaciones aéreas y espaciales: Bem, há que elogiar a vontade de transformar o que era uma visão imaginária de aeronave futurista do filme Top Gun II, numa espécie de super-caça shanzai.

Confession: this is my last war: Se lerem este texto, terminam a leitura comovidos. É o sentimento de quem vive numa zona de guerra, convivendo diariamente com o risco de morte sua e dos seus entes queridos. E ainda tem de lidar com o choque cultural da sua herança étnica.

Report: UK Careers In The Arts Are Dominated By The Upper Classes: Não será só no Reino Unido. É que seguir carreira nas artes implica ter sustentabilidade económica familiar. Quem vem da classe média ou baixa, não consegue conciliar a necessidade de se sustentar com os estudos e incertezas de uma carreira artística. É preciso dinheiro para pagar as contas, as propinas e os materiais. 

The Guardian is leaving X: E já o poderia ter feito mais cedo. A real importância do twitter media-se não pela quantidade de utilizadores, mas pelo peso institucional de quem o utilizava. Se instituições e políticos o usavam para partilhar informação e pontos de vista, os media iam atrás. A decadência do X num esgoto digital, pelos vistos, não está a ser suficiente para induzir estes utilizadores a abandonar a rede. É lamentável que instituições políticas e governamentais continuem a usar esta rede para comunicar informação.

Israel Is Fighting a Different War Now: A questão israelita não é simplista, e de facto estão a lutar para sobreviver. Isso é inegável, e têm o direito de combater as forças extremistas do Hamas, Hezbollah e Irão. Posto isto, não têm o direito de o fazer de uma forma genocida sobre a população palestiniana.

F-15E Crews Recall Mission to Repel Iranian Attack on Israel: A experiência do combate em defesa de ataque de mísseis e drones.

Tixa e a irmã branca, um amor proibido que venceu e água potável: as histórias de superação do bairro do Zambujal eternizadas em murais: Um artigo que nos recorda que as pessoas são mais do que estereótipos étnicos e sociais.

Max Ernst’s Outsized Impact on Modern Art Is Showcased in This Meticulously Curated Paris Show: Confesso que penso que Ernst é um artista cujo impacto é enorme, mas está a ser esquecido pelo grande público. Esta sensação agudizou-se quando, num congresso de professores em sala cheia, puxo da obra de Ernst e ninguém manifestou o mínimo sinal de reconhecimento.