quinta-feira, 3 de julho de 2025

Andanças com Heródoto


Ryszard Kapuściński (2020). Andanças com Heródoto. Lisboa: Livros do Brasil.

Terminada a leitura, fico com um sabor de profundo humanismo no meu espírito. O livro é um diálogo mental, entre dois viajantes. Temos Kapuściński e as suas experiências de viagem, em si um olhar para um outro mundo, para o nosso passado recente já desaparecido. Crescendo na Polónia devastada na II Guerra, tornando-se jornalista no ambiente opressivo da ditadura comunista, descobre em si uma inusitada vontade de ir conhecer outros países e vê-se, um pouco por acaso, enviado pelas revistas onde trabalha para ir cobrir acontecimentos noutros países. 

Dado o clima da Guerra Fria, a sua carreira de correspondente não o leva aos grandes centros globais, mas sim aos países amigos da cortina de ferro. Dá por si na Índia, no Egipto, em África, na China. Primeiro, como jornalista duplamente inexperiente. Viver num país onde a propaganda se sobrepõe á realidade e a informação é fortemente censurada, nada o prepara para o contacto com outras culturas, das quais tudo desconhece. Kapuściński é resiliente e curioso, dá sempre a volta às mais mirabolantes barreiras com que se depara. Essas histórias formam parte do livro, e acabam por funcionar como retrato da segunda metade do século XX. Visitou uma Índia e Egipto emergentes, nos países africanos recém-independentes, e sentiu na China a dissidência e o afastamento entre estados totalitários aparentemente aliados, mas rivais. São tempos e modos que hoje recordamos na história, característicos da época mais forte da Guerra Fria.

E, no meio destas andanças, um complexo diálogo com um homem que viveu há milénios. Heródoto, pai da História, viajante consumado, que nos deixou o primeiro texto conhecido que fala de povos, de usos e costumes, das façanhas dos reis e da história das nações do mundo que conhecia - o imenso centro do mediterrâneo, com ramificação até à longínqua Índia. As histórias de Heródoto cruzam-se com as experiências de Kapuściński, graças ao livro que o acompanhou desde a sua primeira viagem ao estrangeiro, e que nunca mais largou. O faro de jornalista depressa descobre no homem da antiguidade uma espécie de alma gémea, curioso com as geografias, as pessoas e os seus costumes, mas atento aos pormenores e capaz de distanciamento, de afirmar que o que conta e descreve é a sua percepção, mas também são as visões e percepções daqueles que lhe relataram histórias e acontecimentos. Uma visão relativista, que afirma há mais de dois mil anos que a verdade histórica é condicionada pela percepção daqueles que contam. 

O livro entretece dois tempos, o passado recente de Kapuściński e o distante de Heródoto. Tanto visitamos a China maoista no dealbar da revolução cultural como a Pérsia que se prepara para invadir a Europa. Saltitamos entre os novos estados africanos e a Atenas clássica. Sempre a refletir na humanidade essencial, no humanismo das gentes, quer as pessoas anónimas do dia a dia, quer aqueles que a história imortalizou. Um diálogo entre épocas, entre tempos, mas a mostrar um fio contínuo ao longo da história.

terça-feira, 1 de julho de 2025

O Arco de Sant'Ana


Almeida Garrett (1970). O Arco de Sant'Ana. Lisboa: Livraria Civilização.

Romance histórico, centrado nas tensões entre as aspirações do povo e os desmandos das elites, olhando para o poder real como forma de equilíbrio. As injustiças cometidas pelo bispo do Porto levam um dos seus protegidos, perdido de amores por uma jovem da emergente burguesia, a liderar uma revolta contra o bispo e os seus sequazes. Por detrás, tem a promessa de apoio real, sabendo que o rei, ao conhecer toda a história, irá repor as justiças e punir os injustos. 

Uma história de contornos políticos, que nos transporta ao portugal medievo na visão do final do século XIX. Evoca os ambientes e geografias de época, explorando com mestria alguns detalhes da história portuguesa.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

BD Portuguesa: 39; Nightmare Tales; Aspirina.

Vítor Rocha (2024). 39 Salvador Pedreiro - O Rial do Pazo. CLPC/Associação José Afonso/Bedeteca de Beja.

Azares, pensaria a minha conta bancária caso tivesse sentiência. Numa recente viagem ao Porto descobri que tinha tido a pontaria de acertar num dia em que a Mundo Fantasma organizou uma feira de BD  independente. Não resisti, claro. Encontrei por lá alguns trabalhos notáveis, que não resisti a trazer comigo. Este 39 foi um deles. Esta narrativa gráfica ficciona algo muito real, a história daqueles que no Portugal pobre e amordaçado do estado novo, tiveram de emigrar para tentar ter uma vida melhor - emigrando a salto, passando a fronteira em locais ermos passados por passadores, arriscando a vida perante os esforços da GNR e Guardia Civil. A história traça-se sobre depoimentos e memórias, funcionando como forma de documentar elementos históricos que hoje não podem ou devem ser esquecidos.

Miguel Gonçalves, Damian Connelly (2025). Nightmare Tales. Nightmare Ink. 

Uma excelente surpresa, esta edição recentíssima (saiu em maio deste ano). Colige histórias curtas de terror muito puro e duro, com uma assombrosa ilustração a preto e branco. Miguel Gonçalves assina as histórias tenebrosas, cada qual um curto conto bem desenvolvido e eficaz. O trabalho gráfico de Damien Connelly complementa de forma excelente as histórias. O estilo é fortemente expressionista e implacável com o leitor, num efeito final muito belo sobre o leitor.


Filipe Duarte (2023). Aspirina. Associação Tentáculo/H-alt.

Já sigo o trabalho do Filipe Duarte há alguns anos, tendo acompanhado a sua evolução estilística, quer em capacidade gráfica quer narrativa. Este Aspirina colige vários trabalhos publicados na revista H-Alt, e funciona bem como uma amostra da sua evolução. As histórias vão da FC pura ao terror, escritas por autores como Carlos Silva e André Mateus, que tem sido o argumentista das aventuras editoriais mais longas. Uma boa leitura, a recordar o também notável trabalho da H-alt como criadora de espaço para novas vozes.

domingo, 29 de junho de 2025

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1982 cover for Direct Descent by Frank Herbert: Cyberfuturos. 

The FyreFestival Of The Book World: Um falhanço épico, a aproveitar-se da ingenuidade de escritores e fãs. 

14 Books That Prove Science Fiction is Actually Hilarious AF: O sorrir também faz parte da especulação. Mas ficam a faltar títulos de Harry Harrison, um dos grandes mestres do humor na FC. 

Why We Still Need Novels: Talvez pela razão que sempre precisámos - pelas reflexões, pelo sonhar, pelo mergulho no pensamento dos escritores. 

O meu marido dorme no congelador: Confesso  uma certa curiosidade com este mangá, que me parece ser de um humor muito negro. Posso estar engando, só lendo é que descobrirei. 

Livros — Lançamento de «Coisas Ruins», de João Zamith: Fiquei intrigado, pela premissa, mas essencialmente por procurar elementos do nosso folclore e tradições. 

2025 Eisner Award nominees announced: E este ano, a excelente notícia da nomeação do português Filipe Andrade, pelo trabalho com Ram V no delicado e muito negro Rare Flavours.

Orbital: para além da Terra: Confesso que estou a pastelar nesta leitura, apesar de ser  bem recomendada. Não me estou a ligar a este livro, de forma emoncional, apesar de lhe perceber o interesse. 

The Best Naval Historical Fiction, recommended by Katie Daysh: Leituras de aventura clássica em alto mar. 

Why Do All Our Movies Seem To Have The Same Plot?: Logicamente, porque o cinema é uma arte comercial e o filme é um produto que tem de se vender. Isso dita esta monotonia da clássica trope da jornada do herói em três ou cinco atos. 

Nemo by Moebius, 1985: Terras 

Klarna presumió de que la IA hacía el trabajo de 700 personas. Su calidad es tan baja que está recontratando humanos: Não surpreende. Quando a ânsia por trocar trabalhadores por algoritmos é elevada, dá neste tipo de erros. 

4chan Is Dead. Its Toxic Legacy Is Everywhere: Uma experiência de libertarismo puro que degenerou em produção de lixo tóxico. E, ironicamente, se tornou o tipo de mainstream ideológico contra o qual se revoltava. 

Avances en la transmutación del plomo en oro: O velho sonho dos alquimistas, cortesia dos aceleradores de partículas. 

Cuidado con hacer fotos con tu móvil al nuevo coche eléctrico de Volvo. No lo decimos nosotros, lo dice Volvo por el LiDAR: Efeitos secundários de uma das tecnologias fundamentais para autonomia dos veículos. 

Pluralistic: Are the means of computation even seizable? (14 May 2025): Infelizmente, sim. Combinando meios técnicos e legais, as grandes platadormas conseguem fazer lock-in dos seus utilizadores, impedindo ecossistemas digitais dinâmicos e com diversidade. 

Google restores Nextcloud user’s file access on Android: E, no perfeito seguimento desta reflexão de Doctorow, um caso prático. Não interessa à Google dar espaço no Android a um potencial concorrente - e a Nextcloud oferece excelente soluções open source de colaboração online. 

Silicon Valley Braces for Chaos: O trumpismo começa a assustar os capitalistas que o elegeram. 

Welcome to the age of paranoia as deepfakes and scams abound: Efeitos secundários da aceleração da desinformação online - um estado de permanente desconfiança como posição mais salutar. Mas será realmente salutar, a nível pessoal e social, estar constantemente desconfiado face ao ambiente informacional? 

On the frontiers of AI: E, no seguimento perfeito desta análise, o que acontece quando delegamos nos LLMs a busca de informação. Pista: não é bom. 

ChatGPT Turned Into a Studio Ghibli Machine. How Is That Legal?: Não é, por muitos argumentos legais que se procure para justificar isso. Mas esse desgaste percecional faz parte da estratégia das plataformas. Insistir no incorreto acaba por nos deixar indiferentes. 

Remarks on AI from NZ: Isto - " I see parallels between these and the hydrogen bomb tests that were conducted in your back yard during the 1950s". 

*I wonder if a Max Ernst collage could ever become a meme: Bem, não é por acaso que um livro de Max Ernst é companheiro fiel sempre que falo sobre IA Generativa, o seu estilo de collage é, em essência, o princípio que está por detrás dos geradores de imagem. 

MIT disavows doctoral student paper on AI’s productivity benefits: Leio isto, e confesso que começo a ter ainda mais dúvidas sobre toda a aparente investigação citada pelos proponentes deslumbrados com a IA para nos provar que é uma tecnologia revolucionária. 

Key AI hub China restricts schoolchildren’s use of the tech: Uma das frases mais batidas pelos deslumbrados da IA generativa é apontar a China como exemplo, observando que as crianças chinesas são encorajadas a trabalhar com esta tecnologia nas escolas. A realidade contraria as opiniões. 

A inteligência artificial está a tornar-nos anti-sociais?: Bem, não. O problema aqui é a cupidez dos donos das plataformas, que nos querem a usar os seus produtos a todo o custo, e já chegaram a ter a lata de propor que os chatbots de IA se integrem nas nossas necessidades sociais. 

Brothers of the Leaping Flame: Conspirações obscuras. 

Tras el apagón, circularon imágenes falsas de España y Portugal desde el espacio. Ahora tenemos las fotos reales: Recordar as imagens noturnas do apagão, um dos raros momentos em que os nossos espaços estiveram sem poluição lumninosa e pudemos rever as estrelas. 

Leituras da Semana (#66 / 12 Mai 2025): O João Campos recorda-nos que há projetos que ainda mantém vivo o espírito de partilha criativa e construtiva no mundo online. 

La última y sorprendente táctica de Ucrania para eludir los drones rusos: esconder sus tanques y artillería bajo tierra: O pormenor a reter dos campos de batalha ucranianos está aqui: "drones FPV de bajo coste, que por apenas 500 dólares pueden destruir máquinas valoradas en millones". 

The Overlooked Role of the Vought RF-8A and VFP-62 in the Cuban Missile Crisis: O papel das aeronaves de reconhecimento na crise dos mísseis cubanos. 

Prepare for the New World Disorder: De facto, esta erosão acelerada, fruto da combinação entre os esforços dos regimes autoritários, e a cegueira dos setores mais conservadores do ocidente, prenuncia um futuro pouco auspicioso. 

I’m Not Angry. I’m Batman: Um sentimento que ecoo: "Soon enough, all art will be accessed individually, either electronically or through some technology yet to be invented, and it will serve those who sell it, not those who see it". 

Tactical Burger Unit Is Beyond Parody: É exatamente o que estão a pensar. Um afundar cada vez mais profundo no ridículo. 

Houthi Air Defenses Nearly Hit U.S. F-35s and F-16s: Dadas as capacidades anunciadas do F-35, ter sido quase atingido não é uma boa perspectiva. Mas os últimos dias têm sido pródigos em acontecimentos que colocam em causa as capacidades das aeronaves avançadas, especialmente com o abate de Rafales a partir de J-10s paquistaneses, a mostrar quwe talvez o fator diferenciador seja a tática, e não a capacidade anunciada da aeronave. 

How The Ancient Greeks Filled The Parthenon With Light: O mundo estético da luz na antiguidade clássica. 

Nadie ha sido consciente del peligro de algunos vuelos comerciales en EEUU. Un teléfono apagado tres años tiene la culpa: Confesso que nisto de causas de acidentes aéreos, um telefone desligado é a menos esperada de sempre. 

Vandalism, with a plan: Retiro deste artigo um certo otimismo, com a visão das ações da administração Trump como uma espécie de canto de cisne de uma indústria petrolífera em desespero, porque a tendência global de eletrificação, em grande parte liderada pela China com automação para reduzir custos, está a deixá-los de parte. Infelizmente, este estertor terá consequências graves. 

Film Disputes Authorship of Iconic “Napalm Girl” Photo: Uma polémica histórica, sobre a real autoria de uma das imagens mais icónicas da guerra do Vietname. 

Global Tourism Was Built on Headless Blemmyes: Confesso, fico fascinado com o surrealismo não intencional destas visões etno e geográficas do passado. 

quinta-feira, 26 de junho de 2025

O Crime de Aldeia Velha


Bernardo Santareno (1975). O Crime de Aldeia Velha. Lisboa: Círculo de Leitores.

Inspirado num crime que ocorreu no Portugal profundo das primeiras décadas do século XX, Bernardo Santareno lega-nos um texto fortíssimo, que explora de forma magistral as tensões sociais e pessoais no quadro de um país sentido com cultural, economica e socialmente atrasado. A história é bem conhecida, especialmente para os fãs de cinema de terror, graças ao filme homónimo que Manuel Guimarães realizou nos anos 60, uma adpatação fiel do texto de Santareno. 

Mergulhamos numa aldeia do interior, isolada, pobre, conservadora nos seus costumes. Uma aldeia onde uma jovem rapariga sofre a maldição de ser bonita, atraindo a atenção dos homens, e mal vista na terra, apontada como descendente de bruxas. Joana é uma personagem complexa, um excecional retrato de alguém que mentalmente não está bem, rejeitando de forma instintiva os avanços amorosos dos aldeões, gerindo as sempre intensas más linguas. Há traços de trauma, não ficou claro da minha leitura se este personagem sofreu abusos, o que ajudaria a explicar a atitude de por um lado, mostrar alguma solicitação, mas sempre rejeitar quaisquer atenções. Não é difícil cair nas bocas de um mundo pobre de ideias, arreigado de superstições, como tendo o diabo no corpo.

A competição pelas atenções da jovem leva a uma rixa entre dois jovens aldeãos, que termina na morte de ambos. As mulheres da aldeia tomam isto como sinal de possessão, falam de estranhos acontecimentos, dizem à boca cheia que a jovem está possuída pelo demónio. E esta, transtornada e com os seus traumas pessoais, acredita piamente que a sua incapacidade em ser normal é símbolo de ter um espírito malévolo dentro de si. O conflito interior, as tensões sociais e sexuais são palpáveis neste texto. Temos a sociedade supersticiosa, no fundo, ignorante e pobre, encarnada nas personagens das mulheres velhas que empurram Joana para a loucura. A tensão sexual vem do conflito entre os costumes conservadores, onde a mulher serve para casar, tem de ser submissa, mas é também objeto de desejo entre os homens que se gabam nas tascas de conquistas amorosas que na verdade não aconteceram. 

O desfecho é inevitável. Acicatadas por uma velhota que conhece os antigos ritos e costumes contra o sobrenatural, com a população a reclamar sangue e uma jovem incapaz de distinguir o real do imaginário, executam um antigo ritual de purificação pelo fogo. A lógica é medieva, o fogo purificará a alma da condenada, que graças à força da fé irá sobreviver ao ritual. Como é de esperar, tal não acontece, e a jovem morrerá queimada. Aqui, Santareno é magistral. Perante as evidências, as culpadas ganham consciência do seu ato, e optam por uma negação consciente. Sabem que cometeram um crime, uma injustiça, mas fecham-se num segredo social, assumindo uma morte por fraqueza cardíaca. Todos sabemos ser mentira, e sentimos a cumplicidade da turba de aldeões neste segredo que passará a ser sussurrado, para que a vida continue.

Há lampejos de alguma modernidade nesta terra esquecida. Nos dias em que a ação decorre, um dos seus filhos regressa à aldeia como prior. O jovem padre quer ajudar os seus, oferece-se para servir a sua terra, e é claramente a força esclarecida da terra. Um conhecimento e abertura social dentro dos limites da igreja como instituição tradicional, mas já a deixar entrar alguma modernidade no isolamento dos aldeãos. Mas o jovem padre falhará nesta sua primeira missão. O poder das superstições obscurantistas, das tradições faladas entre os aldeões, é mais forte do que os seus apelos à bonomia cristã e aos óbvios sinais de saúde mental. Por mais que tente, falhará na sua missão de proteger a jovem aldeã. 

E nisto, será também testado nos limites do seu sacerdócio. Homem jovem, não é indiferente aos encantos da rapariga. Mergulha num intenso conflito interior entre sentimentos de paixão que encara como pecaminosos, enquanto tenta lidar com a pressão de uma população supersticiosa que demoniza a jovem. No final, que novamente refiro como magistral, a sua impotência pessoal e institucional é colocada a nu pela forma como cede, assustado, perante a pressão da turba. Horrorizado pelos acontecimentos, frustrado pela sua incapacidade em travar o crime, revoltado contra o barbarismo dos seus conterrâneos, quer fugir, afastar-se. Mas a sua mãe, uma das envolvidas no ritual mortíferio, manda-o ir descansar, dizendo-lhe que no dia seguinte é dia de missa matinal. 

A peça termina aqui, mas nós não duvidamos que no dia seguinte este padre dê a missa aos aldeões, e que o continuará a fazer por muitos e longos anos, vivendo com peso deste crime, o segredo violento que a aldeia sempre negará, mas pesará no espírito dos seus habitantes.

Na vida real, a história acabou com a condenação de alguns dos homicidas. Na ficção, Santareno aflora a violência oculta sob a aparência de paz bucólica campestre.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Comics: The Witching Hour; All-Star Superman; Silverlake


Jeph Loeb, Chris Bachalo (2000). The Witching Hour. Nova Iorque: DC Comics.

Nos anos 90 a DC inovou com a Vertigo, uma chancela que se tornou lendária pelo espaço que abriu aos comics, permitindo aos criadores americanos um espaço de expressão além do infanto-juvenil dos comics tradicionais. Saíram de lá títulos marcantes, séries de grande fôlego e lívros visualmente arrojados, que de facto alargaram as fronteiras da BD. Esta Witching Hour pretendeu, à época, ser um desses títulos, mas não o conseguiu. Vale pelo grafismo, a cargo de Chris Bachalo, elegante e expressivo. O argumento de Jeff Loeb tenta contar uma história convoluta às voltas com bruxaria positiva, com alguns personagens aparentemente imortais a usa o poder mágico para castigar aqueles que são predadores sobre mulheres.

Grant Morrison, Frank Quitely (2024). All-Star Superman. Nova Iorque: DC Comics.

O poder narrativo de Grant Morrison segura esta visão em estilo mítico da personagem. Encarando a morte certa face a uma armadilha bem sucedida de Lex Luthor, o Super-Homem embarca num périplo para colcoar ordem na sua vida, cruzando com o seu passado, presente e futuro, tentando dar significado final ao seu desaparecimento, mas também tentando salvaguardar a segurança da humanidade. O estilo é épico, intencionalmente (o que é típico de Morrison), com doze ordálios que o personagem terá de superar até ao sacrifício final. Morrison eleva a personagem, bem acompanhado pelo estilo de realismo discreto de Quitely.


John Platten, Andrea Mutti (2025). Silverlake. Portland: Image Comics.

Um voluntários nativo-americano, que se alista no exército ocultando a sua herança étnica, mergulha no pesadelo do front da I guerra. Homem duplamente amaldiçoado, rejeitado pelos seus por ter sangue impuro, é também capaz de se transformar numa animalesca criatura para cometer atos de extrema violência. Uma capacidade que, na guerra de trincheiras, tem alguma utilidade. Um livro visualmente interessante, uma história de terror passada no cenário da I guerra, que também toca nalguns dilemas dos nativos americanos.

domingo, 22 de junho de 2025

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Aerospace art by General Dynamics artist Roy Gjertson
: Futuros clássicos. 

Rakesfall: os ecos da violência pelo tempo e pelo espaço: Um autor que está no meu radar, graças ao entusiasmo com que quem o lê fala dos seus livros. 

Bang! 37: Nota brasileira ao lançamento da mais recente Bang! que, depois a ler, senti estar a tornar-se demasiado um mostruário do catálogo da SdE. Não era uma evolução inesperada. 

E como não há uma sem duas: Nota para o lançamento da segunda revista Pacto, com participação do veterano Luís Filipe Silva. Falhei o seu lançamento no Contacto, espero poder encontrar a revista noutro evento. 

The Best Historical Fiction of 2025, recommended by Katharine Grant: Redescobrir o passado, usando a ficção para recriar as visões históricas. 

Our favourite science fiction books of all time (the ones we forgot): São os suspeitos do costume, claro, mas também há vozes novas e refrescantes. 

Writing a Social Insect Civilization: Um vislumbre da complexidade de reflexões envolvidas na estruturação de um mundo ficcional. 

The Legacy Of “Monty Python And The Holy Grail” At 50: Não é o meu filme de Python favorito. Mas é um dos incontornáveis. 

Step into Space in London’s Science Museum: É uma coleção notável, e é um gosto revisitá-la sempre que posso. 

From a corporate annual report for CONDEC: Futurismos económicos. 

The AI Jobs Crisis Is Here Now In Creative Fields: Uma perfeita aplicação do aforismo de Doctorow de que o problema não é a IA tirar empregos, o problema são os gestores convencidos que conseguem cortas custos substituindo empregos por IAs: "The AI jobs crisis does not, as I’ve written before, look like sentient programs arising all around us, inexorably replacing human jobs en masse. It’s a series of management decisions being made by executives seeking to cut labor costs and consolidate control in their organizations." O resultado é uma degradação generalizada de serviços. 

Cabos submarinos e os riscos submersos para a soberania: Recordar que somos um ponto fulcral global na rede de cabos submarinos, a infraestrutura da internet. 

How Ukraine Is Replacing Human Soldiers With A Robot Army: Avanços que colocam os soldados em segurança, enquanto levam ao desenvolvimento de novas táticas. 

Minecraft ended virtual reality support today: E assim termina o mais recente momento de ribalta da realidade virtual, regressando à sua habitual condição de tecnologia semi-esquecida usada intensamente em pequenos nichos. É típico da VR, ter estes ciclos oscilatórios em que parece aproximar-se de se tornar uma tecnologia de consumo mainstream, mas não o consegue. 

Meta’s AI app is a nightmarish social feed: Ultrapassa-me a piada que tem navegar feeds integralmente constituídos por AI slop. 

Nvidia 3DGUT combina Gaussian Splatting com ray tracing: Mais uma evolução para a tecnologia de splat gaussiano, com um potencial revolucionário no rendering de capturas do real em 3D. 

 Joseph Weizenbaum e a encenação da Inteligência Artificial: Nos anos 60, Weizenbaum avisou-nos sobre as consequências de considerar que os algoritmos de conversação como entidades inteligentes e conscientes. Como se nota, hoje, pela febre dos chatbots, foi um aviso ignorado. 

A note on the PERQ computer: Um artefacto da história da computação, provavelmente uma das inspirações do Apple Lisa. 

Generative AI is reshaping South Korea’s webcomics industry: Um exemplo perfeito de uso de IA para perpetuar o formalismo comercial - treinar algoritmos no estilo de criadores específicos, para automatizar o processo de criação estereotipado de bd comercial. 

AI Is Not Your Friend: Os riscos éticos, sociais e psicológicos da antropomorfização desta tecnologia. 

Kids are short-circuiting their school-issued Chromebooks for TikTok clout: Por cá, o material Escola Digital distribuído aos alunos e professores é tão mau, que a epidemia de avarias acontece sem ser necessária nenhuma trend no tiktok. 

Use AI at work? You might be ruining your reputation, a new study finds: A conotação com a displicência e a falta de qualidade e empenho laboral. 

College Students Are Sprinkling Typos Into Their AI Papers on Purpose: Isto não é novidade. Alunos preguiçosos a fazer batota na sua carreira académica sempre houve. O que muda é a combinação de facilidade, rapidez e escala. 

“Man and Machine” vs “Man vs Machine”: Homem e máquina é sempre melhor - "the people who master their tools transcend them, and produce work where the “human” shines through despite having traced a curve or having passed the Gcode off to the cutter". 


Alfonso “Al” Williamson (1931-2010), “Visions”: Clássicos pulp. 

Portugueses na Divisão Azul: Um pormenor pouco conhecido da história portuguesa na II Guerra, até por ser um pouco incómodo - os voluntários que integraram as forças que Franco enviou para combater ao lado dos alemães. 

Decoding Babylon: 4 Discoveries That Transformed Our View of the Ancient Empire: Das lendas que foram incorporadas na mitologia bíblica aos textos de exorcismo de antigos espíritos. 

25 Highlights Of Tate Modern’s 25 Years: Duas décadas e meia de uma instituição cultural de vanguarda. 

Nazism’s downfall and the aftermath of war: Tirar ilações diretas do passado histórico é arriscado. Mas conhecer a história ajuda-nos a perceber padrões que se repetem, inexoravelmente. 

As festas da vitória e o medo do “Reviralho”: Recordações do VE em Portugal, com alguns lampejos depressa reprimidos de consequências para a ditadura salazarista. 

Lego confirma la existencia del set con uno de uno de los aviones con los que la NASA transportaba los transbordadores espaciales: Momento shut up and take my money. 

Olfactory Racism: Não é por acaso que a expressão "massas infectas" existe. 

Trump Takes Aim at Efficiency Standards for Dishwashers and Washing Machines: Talvez das mais perigosas, ao nível global, ações de desmantelamento da legislação que protege o ambiente. Em dois níveis, diria. Este desmantelamento vai dar-nos o regresso de tecnologias com maior impacto ambiental. Por outro lado, resta saber se o resto do mundo as vai comprar. Vender tecnologias piores, mais inseguras e poluentes, e mais caras graças à burrice da política de tarifas? É só a mim que isto me parece receita para desastre económico? 

Internet Misinformation Is the New Medieval Magical Thinking: Há tendências humanas que se repetem em padrões milenares. 

Chartbook 382 Glowing lava hardened into memory: The ends of Reinhart Koselleck's war: Um documento impressionante, as memórias que nos mostram o impacto da II Guerra na vida dos sobreviventes. 

En plena Guerra Fría, el Yugo tuvo el honor de convertirse en “el peor coche de la historia”. Amenaza con volver como eléctrico: O mercado capitalista da nostalgia a entrar decisivamente no campo da ostalgia. 

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Comics: Greenberg the Vampire; True War Comics; Paranoid Gardens.


J.M. DeMatteis, Mark Badger (1986). Greenberg the Vampire. Nova Iorque: Marvel.

Um vampiro diferente. Quando um escritor de livros de terror baratos é mordido por uma vampira, ganha acesso a todo um novo mundo. A vampira torna-se a sua companheira, e o escritor, agora vampiro, descobre-se como uma das criaturas que alimenta o terror. A comunidade vampírica é benigna, e este peripatético personagem é uma curiosa incursão no cosy horror. Há ameaças, entre possessões demoníacas e caçadores de vampiros, mas os vampiros apenas querem viver as suas discretas vidas, sem fazer mal a ninguém. E, no caso do vampiro escritor, evitar as máquinas fotográficas dos fãs. Uma derivação intrigante sobre a iconografia do género.


Alex de Campi, et al (2020). True War Stories. Nova Iorque: Z2 Comics.

As memórias de soldados, entre o humorístico e o traumático. Pequenas vivências e detalhes que humanizam momentos da história do século XX, através das recordações vivas dos combatentes, não as dos famosos, mas as dos anónimos, aqueles de que raramente se fala. Algumas histórias são tocantes, outras assustam. Há um pouco de tudo, entre as recordações das injustiças da guerra, da morte aleatória de amigos, do impacto nas populações civis, ou os traumas de ex-combatentes.


Gerard Way, Chris Weston (2025). Paranoid Gardens. Milwaukie: Dark Horse Comics.

O elevado realismo do traço de Chris Weston cria uma brilhante dissonância nesta história profundamente surreal de Gerard Way. Num lar de terceira idade frequentado por estranhos pacientes, numa casa que parece estar viva, entra uma cuidadora amnésica cujo trabalho a levará a enfrentar os seus traumas. Mas o médico de serviço procura a imortalidade, e estabelece um acordo com uma seita capitalista que se disfarça com máscaras de macacos de desenho animado. Uma brincadeira muito surreal com as tropes dos comics, entre super-heróis adoentados, alienígenas caridosos e cabalas secretas.

terça-feira, 17 de junho de 2025

Despatches From The Barricades


John Simpson (1990). Despatches From The Barricades: An Eye-Witness Account Of The Revolutions That Shook The World 1989-90. Londres: Hutchinson & co..

De volta e meia apanho nas redes sociais com variantes do discurso memético anti-esquerdista que nos diz porque é que os países que foram comunistas odeiam o comunismo. São, obviamente, resmungos de extremistas de direita que mal conhecem a história e muito menos são capazes de a interpretar. Este livro, no entanto, mostra logo nas primeiras páginas a razão para essa rejeição - o que estes países viveram foi uma hipócrita apropriação dos ideiais de igualde, prosperidade e justiça social por parte de políticos ambiciosos e sem escrúpulos, que visavam apenas o domínio total do poder. Foi a lição que Orwell nos tentou ensinar em Animal Farm, da facilidade com que revoluções são transformadas em repressões. Os regimes de leste, bem como a União Soviética, alimentavam-se da mística da igualdade e triunfo do proletariado, mas na verdade todos sabiam que uns era mais iguais do que outros; que as elites partidárias beneficiavam de estilos de vida burgueses enquanto o resto da população vivia com carências e restrições, pese embora o esforço, reconhecido, de elevação da pobreza e dotação de cuidados elementares às populações que estes estados fizeram (e se não o fizessem, nada justificava o regime).  Aos apelos de liberdade juntou-se uma sensação generalizada de empobrecimento e fraco desenvolvimento económico.

Diga-se que uma ditadura do proletariado é, acima de tudo, uma ditadura. Que as migalhas de bem estar que os ditadores forneciam às suas populações eram pagas com a ausência de liberdade, repressão violenta e um clima de vigilância permanente. Os ditadores, quer sejam de direita quer de esquerda, são todos iguais nos seus métodos e objetivos. O povo, esse, sofre sempre.

Entre a queda da guerra fria e a estagnação social e económica dos países do leste, surgiram as condições para as revoluções mais ou menos sangrentas que derrubaram as ditaduras, iniciaram passos democráticos e um caminho que veio a tornar a maior parte destes países em membros da UE (algo que, à época, seria impensável). O que possibilitou esta derrocada foi o afrouxar do punho férreo com que a URSS geria o seu império. Enfraquecida pelas suas ineficiências, rigidez do regime e a despesa militar, deu sinais de abertura, e um dos mais importantes foi o fim do apoio aos líderes-fantoche dos estados de leste. 

Este livro mosta bem como a derrocada foi rápida. Em menos de um ano, os regimes comunistas caíram. Na maioria dos casos, como a Polónia, Alemanha Democrática ou Checoeslováquia, com momentos conturbados mas sem violência militar. Sem o apoio soviético, não houve alternativa para os regimes. A exceção foi a Roménia, onde as forças repressivas de Ceausescu resistiram, com o final violento e patético de um ditador que poucos meses antes da sua execução sumária, era um todo-poderoso carrasco.

A própria China tremeu, com os acontecimentos de Tiananmen. Tremeu, mas não caiu, porque se as classes urbanas começavam a reclamar uma abertura democrática, o regime sustentou-se na enorme massa de camponeses, que pela primeira vez em milénios de história estavam a viver uma existência que não era a de mera sobrevivência em pobreza extrema. Uma lição que o regime de Pequim aprendeu bem - se se garantir prosperidade às populações, o regime não é contestado. É esse o contrato social que sustenta a China moderna.

Apesar de ser um livro sobre o fim dos regimes comunistas, não é uma obra panfletária anti-comunista (até porque, no seio de uma sociedade democrática pluralista, a mensagem comunista de justiça social é essencial). Sinaliza isso com o seu final, onde relata a queda de um outro regime, nos antípodas do Leste - o fim do extremismo de direita, racista, do regime do apartheid sul-africano. 

As histórias são-nos contadas por quem a viveu, um jornalista da BBC que acompanhou de perto estes momentos e movimentos. O livro constrói-se de relatos, da experiência de um jornalista que tanto mergulha na multidão como acompanha quer os líderes dos regimes, quer a sua nascente oposição. São relatos de um momento único na história do século XX, que derrubou o muro de Berlim, deitou abaixo a cortina de ferro, transformou ditaduras em democracias e abalou uma ordem global repressiva herdada do comportamento predatório de Estaline no pós-II guerra mundial.

domingo, 15 de junho de 2025

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Paul Rossi, used in the 1963 kid’s book We Land on the Moon
: Aventuras do futuro. 

How Leni Riefenstahl Hid Her Complicity With Hitler From The World: A mais polémica das cineastas europeias não era, conforme sempre afirmou, uma inocente esteta apanhada pela necessidade de trabalhar no regime nazi. Foi apoiante e interveniente. 

Preferia Não o Fazer: Bartleby, de Melville, como um precursor quer do modernismo literário, quer do caráter depressivo da cultura laboral. 

BANG! 37: Constante como sempre, a revista Bang! está de volta para nos desafiar à leitura. 

Tolkien Against the Grain: É uma clivagem clássica - a FC como mais de esquerda, pelo seu foco no progresso e utopias, a Fantasia como de direita, com o seu pendor para o tradicional, o elitismo das aristocracias. 

Banda desenhada em Beja: Está de regresso, e pergunto-me, será que é este ano que consigo ir? 

Os caminhos sinuosos de The Butcher of the Forest: A riqueza da literatura fantástica não-euro/americanocêntrica.

Japanese poster for Suspiria, 1977: A estética do terror. 

Spain is about to face the challenge of a “black start”: Recordar o apagão ibérico, e os métodos para reiniciar a rede elétrica, com o arranque faseado das centrais e a sua sincronização de fase (desconhecia totalmente este aspeto da produção e distribuição de energia). 

Drawing Machines (x20) Collection: Uma coleção de projetos de robots desenhadores. Para inspirar! 

La razón por la que la electricidad tardó más de 15 horas en restablecerse al 100% en España: el temido "black start": Nestes últimos dias, ficámos a saber mais do que imaginaríamos sobre a complexidade dos sistemas de geração e distribuição de eletricidade. 

Mining Bitcoin Is Now Actively Losing Money: Não por causa de subidas dos custos energéticos, mas porque o criptoativo está a atingir os limites pré-estabelecidos. E esta observação? Certeira sobre a promessa das crypto, e a sua realidade: "After more than a decade of libertarian fanfiction, we’ve arrived at the inevitable punchline: Bitcoin is now an unprofitable energy sink that primarily benefits a handful of crypto oligarchs". 

Lonely Boomers Are Doomed Now That Scammers Are Using AI Filters to Make Themselves Look Like Beautiful Women: Diga-se que este tipo de vigarices sempre existiu, os predadores que se aproveitam dos mais néscios, daqueles que pela idade navegam com dificuldade no mundo contemporâneo, ou aquele clássico dos homens que desligam o cérebro mal vislumbram um lampejo de pele feminina. O que a internet trouxe foi o aumento exponencial destes crimes, e a IA generativa é uma excelente facilitadora. 

El mundo parecía no estar preparado para el fin del efectivo. El euro digital deja claro que sí: No ambiente pós-apagão podemos pensar que o dinheiro digital apresenta fraquezas fundamentais, mas se os protocolos estiverem pensados para transações offline, o caso muda de figura. 

Freepik releases an ‘open’ AI image generator trained on licensed data: O interessante é a empresa afirmar que não pretende libertar um modelo de excelência, mas sim um que garante respeito pelos direitos de autor. 

Zuckerberg's AI Has Reportedly Been Horrifically Inappropriate With Children: Claro que a IA da Meta, aqueles bots com que os techbros acham que queremos falar, não está minimamente preparada para públicos mais jovens. Isso é um padrão - já há muito que se sabe que o Instagram é território farto para predadores sexuais, com a complacência da plataforma. 

AI and 3D printing from Hugging Face: Um cruzamento interessante - IA generativa e robótica, sempre em opensource. 

This 1987 Prediction of What Technology Would Be Like Today Will Make You Gasp and Wheeze: Bem, mas estes preditores não se estavam a levar muito a sério. A ironia é que se os gadgets nos parecem datados e ridículos, as tendências são atuais e caracterizam a tecnologia de hoje, desde a ideia de estar sempre ligado a receber informação a levar o trabalho conosco. 

NotebookLM, the acceptable face of Google AI, is getting an app in May: É talvez o melhor serviço de IA generativa que conheço, concebido não para ser generalista, mas sim focado nos documentos de quem o utiliza, e por isso muito útil para análise documental. É também a quintessência daquela ideia do Zittron: uma IA verdadeiramente revolucionária para aqueles cujo dia a dia é passar da análise de documentos à leitura e resposta a emails. O interessante, é a forma como assume que é mesmo para isso que serve, que é coisa rara no panorama de deslumbramentos excessivos que contamina a IA generativa. 

Time saved by AI offset by new work created, study suggests: Sobre as supostas eficiências trazidas pela IA, em parte pelo trabalho que dá verificar se o que fazem bate certo, ou não. 

Mark Zuckerberg Thinks You Don't Have Enough Friends and His Chatbots Are the Answer: Quão insensível se tem de ser para achar positiva a ideia que algoritmos artificiais controlados por empresas são fundamentais para as relações humanas? A sociopatia disto fica patente aqui: "But if you think something someone is doing is bad and they think it's really valuable, most of the time in my experience, they're right and you're wrong. You just haven't come up with the framework yet for understanding why the thing they're doing is valuable and helpful in their life". Este argumento é absurdo, e aberto a todos os abusos. Mas, hey, o que interessa é enriquecer, e já nos foi demonstrado que se é preciso danificar a sociedade para ficar mais rico, esta gente nem hesita. 

Consejos configurar tu móvil para alargar la duración de su batería: tanto en un apagón como si estás fuera de casa sin enchufe: Bons conselhos para gestão de energia em momentos de crise.

Satya Nadella says as much as 30% of Microsoft code is written by AI: Isto explica porque é que estou constantemente a levar com um CoPilot que não uso no meu pc, mas o utilitário de visualização do Windows falha três em cada quatro vezes em que uso a sua ferramenta de rotação de imagens.

We Need to Talk About AI’s Impact on Public Health: Usos de IA que poderão ser uma mais valia para a saúde.


Yanks–Give Them Hell!: Palpitações clássicas. 

How Demonology Won the 2024 Election: O contaminar da política mainstream pelo extremismo religioso dos evangélicos. Convém, por cá, ter atenção aos escroques que manipulam os mais néscios com uma ideologia religiosa obscurantista, antiliberal, anti-ciência e, enfim, contra os mais basilares princípios humanistas. Movimentos que são perfeitos para o aproveitamento por parte de políticos ambiciosos e sem escrúpulos.

I Just Got Into Harvard. My MAGA Grandparents’ 6-Word Reaction To My Acceptance Devastated Me.: Isto - "If I’m your political statement first and a daughter, granddaughter, neighbor, student, and friend second, something is broken". Um texto que, dado o crescimento do extremismo obscurantista conservador de direita que assistimos também aqui na Europa, nos deve servir de aviso. É notável não só pelo lado sentimental, mas por descrever os efeitos a médio prazo na mentalidade das pessoas, da monocultura mediática do consumo de canais de TV e rádio extremistas (ao qual podemos hoje juntar as plataformas web). 

Leituras da Semana (#64 / 28 Abr 2025): Destaco esta observação do João Campos, espelha na perfeição algo que também já compreendi - " é fascinante notar como as análises políticas mais pertinentes destes meses surgem não na imprensa mainstream, mas em meios especializados como a The Verge, a Slate ou a Wired. Há aqui uma certa demissão do jornalismo tradicional que não augura mesmo nada de bom"

O Museu Ibérico da Máscara e do Traje (Iberian Museum of Masks and Costumes) in Bragança, Portugal: Uma boa introdução às estéticas e raízes históricas das algo arrepiantes, e muito pagãs, tradições carnavalescas da raia transmontana/extremenha. E se acham os nossos caretos arrepiantes, notem que os trajes da região de Zamora, que podem descobrir neste museu, são verdadeiramente assustadores. 

Entre o “pensei que era a guerra” e o stock de rádios esgotados: o comércio de imigrantes que salvou o apagão lisboeta: O novo comércio de bairro, as lojas de imigrantes que se tornaram essenciais no dia em que o sistema paralisou. 

This Is the Way a World Order Ends: De facto, sente-se que estamos a viver o colapso da ordem liberal ocidental, assolada pela combinação de neoliberalismo ganancioso com o velho autoritarismo, que sempre foi endémico nalgumas partes do mundo. 

Your Children’s Children Will Die in Our Factories: Está cada vez mais clara a visão que anima os extremistas conservadores que tomaram conta do governo americano - um desmontar de tudo o que o humanismo e liberalismo construíram, a reversão da ideia de prosperidade e vida digna para todos. A reversão dos direitos mais elementares, subjacente à ideia que uma população empobrecida e tornada ignorante não terá a capacidade ou a vontade de criticar ou rejeitar as imposições desta oligarquia: "Men will not be allowed in women’s spaces and women will not be allowed in men’s spaces. Women will be tradwives and will be paid $5,000 have babies. Those babies will not have parents who can afford to buy them 30 dolls, they will have two dolls instead, and they will like it. The boys will not have any dolls, though. The rich and powerful will stockpile supplies because they know the impacts of their policies. You will not buy breakfast at McDonald’s as a treat. Your friends will be AI chatbots. Your therapist will be a chatbot. You will pay massive tariffs to try food from other countries. You will work in the factory. You will not own the factory. They will own the factory. You will die at the factory. Your kids will learn about AI at the technical college, and then they will work in the factory. Your kids will not own the factory. Their kids will own the factory. Their kids will go on Fox News and tell you that they have created good jobs, patriotic jobs. American jobs, not Chinese jobs. Jobs that your kids and their kids and their kids' kids can work at until they die. Your kids will repair the air conditioning. Your kids will screw in the screws. Your children's children will move the robot arms, like their father and grandfather did before them". É só na américa, pensam, complacentes? Desenganem-se, e recordem-se que vivemos num país onde as nossas elites conservadoras são ativamente anti-progresso e gostariam muito de ver regressar o tempo em que os pobres lhes tiravam, respeitosos, o boné na rua. 

What Is Fascism?: Está de volta, em força, e temos de rever e atualizar as definições. 

El Tempest europeo quiere desafiar al F-35: su futura baza estará en dos cartas clave que prometen cambiar el combate aéreo: O problema desta alternativa europeia à aviação avançada norte-americana é que ainda está em desenvolvimento. Mas tem se ser feito. A desintegração da ordem global obriga à independência tecnológica. 

Leituras da Semana (#65 / 05 Mai 2025): De facto, o que aconteceria se cem humanos defrontassem um gorila é uma das questões prementes do nosso tempo. Infelizmente, o que o João regista nas outras leituras que destaca, a prática late stage digital enshitificated capitalism de esvaziar nomes sonantes dos media para fazer render como content farms até ao esgotamento total é, hoje, uma prática tão banal que o que nos surpreende é quando isso não acontece.