John Simpson (1990). Despatches From The Barricades: An Eye-Witness Account Of The Revolutions That Shook The World 1989-90. Londres: Hutchinson & co..
De volta e meia apanho nas redes sociais com variantes do discurso memético anti-esquerdista que nos diz porque é que os países que foram comunistas odeiam o comunismo. São, obviamente, resmungos de extremistas de direita que mal conhecem a história e muito menos são capazes de a interpretar. Este livro, no entanto, mostra logo nas primeiras páginas a razão para essa rejeição - o que estes países viveram foi uma hipócrita apropriação dos ideiais de igualde, prosperidade e justiça social por parte de políticos ambiciosos e sem escrúpulos, que visavam apenas o domínio total do poder. Foi a lição que Orwell nos tentou ensinar em Animal Farm, da facilidade com que revoluções são transformadas em repressões. Os regimes de leste, bem como a União Soviética, alimentavam-se da mística da igualdade e triunfo do proletariado, mas na verdade todos sabiam que uns era mais iguais do que outros; que as elites partidárias beneficiavam de estilos de vida burgueses enquanto o resto da população vivia com carências e restrições, pese embora o esforço, reconhecido, de elevação da pobreza e dotação de cuidados elementares às populações que estes estados fizeram (e se não o fizessem, nada justificava o regime). Aos apelos de liberdade juntou-se uma sensação generalizada de empobrecimento e fraco desenvolvimento económico.
Diga-se que uma ditadura do proletariado é, acima de tudo, uma ditadura. Que as migalhas de bem estar que os ditadores forneciam às suas populações eram pagas com a ausência de liberdade, repressão violenta e um clima de vigilância permanente. Os ditadores, quer sejam de direita quer de esquerda, são todos iguais nos seus métodos e objetivos. O povo, esse, sofre sempre.
Entre a queda da guerra fria e a estagnação social e económica dos países do leste, surgiram as condições para as revoluções mais ou menos sangrentas que derrubaram as ditaduras, iniciaram passos democráticos e um caminho que veio a tornar a maior parte destes países em membros da UE (algo que, à época, seria impensável). O que possibilitou esta derrocada foi o afrouxar do punho férreo com que a URSS geria o seu império. Enfraquecida pelas suas ineficiências, rigidez do regime e a despesa militar, deu sinais de abertura, e um dos mais importantes foi o fim do apoio aos líderes-fantoche dos estados de leste.
Este livro mosta bem como a derrocada foi rápida. Em menos de um ano, os regimes comunistas caíram. Na maioria dos casos, como a Polónia, Alemanha Democrática ou Checoeslováquia, com momentos conturbados mas sem violência militar. Sem o apoio soviético, não houve alternativa para os regimes. A exceção foi a Roménia, onde as forças repressivas de Ceausescu resistiram, com o final violento e patético de um ditador que poucos meses antes da sua execução sumária, era um todo-poderoso carrasco.
A própria China tremeu, com os acontecimentos de Tiananmen. Tremeu, mas não caiu, porque se as classes urbanas começavam a reclamar uma abertura democrática, o regime sustentou-se na enorme massa de camponeses, que pela primeira vez em milénios de história estavam a viver uma existência que não era a de mera sobrevivência em pobreza extrema. Uma lição que o regime de Pequim aprendeu bem - se se garantir prosperidade às populações, o regime não é contestado. É esse o contrato social que sustenta a China moderna.
Apesar de ser um livro sobre o fim dos regimes comunistas, não é uma obra panfletária anti-comunista (até porque, no seio de uma sociedade democrática pluralista, a mensagem comunista de justiça social é essencial). Sinaliza isso com o seu final, onde relata a queda de um outro regime, nos antípodas do Leste - o fim do extremismo de direita, racista, do regime do apartheid sul-africano.
As histórias são-nos contadas por quem a viveu, um jornalista da BBC que acompanhou de perto estes momentos e movimentos. O livro constrói-se de relatos, da experiência de um jornalista que tanto mergulha na multidão como acompanha quer os líderes dos regimes, quer a sua nascente oposição. São relatos de um momento único na história do século XX, que derrubou o muro de Berlim, deitou abaixo a cortina de ferro, transformou ditaduras em democracias e abalou uma ordem global repressiva herdada do comportamento predatório de Estaline no pós-II guerra mundial.