quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Bowl of Heaven


Gregory Benford, Larry Niven (2012). Bowl of Heaven. Londres: Titan Books.

Este primeiro romance de uma trilogia parte de uma premissa muito interessante. Uma nave humana que atravessa o espaço a velocidades relativísticas, em direção a um promissor planeta colonizável, depara-se com algo inesperado. O seu percurso cruza-se com gigantesco artefacto, propulsionado por uma estrela capturada. Alguns elementos da tripulação são acordados do sono criogénico para investigar, e deparam-se com uma gigantesca nave-mundo, uma semi-esfera de dyson habitada que sulca o espaço. Quando alguns elementos da tripulação desembarcam na superfície da nave, espera-os uma surpresa desagradável - os seres alienígenas que dominam a nave revelam-se uma civilização rígida, que vê nos humanos uma ameaça a exterminar.

O livro é essencialmente um grande romance-périplo. Benford e Niven, claramente, dedicaram imenso tempo a construir este detalhado mundo ficcional, e a narrativa espelha isso. Acompanhando os personagens, somos levados às vastas paisagens interiores de uma nave de escala incomensurável, que sustenta diferentes ecossistemas planetários e uma multidão de espécies alienígenas, entre animais a criaturas com inteligência e capacidade de uso de ferramentas. Apesar do brilhantismo da experiência de pensamento, a leitura torna-se um pouco penosa, porque sentimos que boa parte da ação do livro está lá apenas para que os autores possam explorar a especulação científica sobre biologia e evolução. 

Deixam um pormenor curioso em termos sociais, colocando no topo da pirâmide uma civilização muito avançada, herdeira dos construtores da enorme nave, mas paralisada numa estagnação da qual não se apercebem. Procuram a manutenção do status, e todas as espécies e civilizações com que se depararam no seu longo périplo servem apenas para ser subjugadas e incorporadas no ecossistema da nave, ou eliminadas. Um equilíbrio mantido combinando força, tecnologia, manipulação social e engenharia genética que o encontro com os humanos irá afetar, de forma irremediável.

Apesar do brilhantismo do worldbuilding, o livro perde o ritmo com o óbvio deslumbre dos autores pelas suas especulações. É um romance-périplo, e confesso que por demasiadas vezes na leitura, tanto périplo, tanto olhar para os detalhes, se sentiu como cansativo. Apesar de alguma curiosidade em descobrir como as diversas tensões vão ser resolvidas ao longo da trilogia, a experiência de leitura do primeiro volume não me anima a ler os restantes.



terça-feira, 23 de setembro de 2025

Infinite Stars


Bryan Schimdt (ed.) (2017). Infinite Stars. Londres: Titan Books.

A FC militarista e a Space Opera são duas vertentes da ficção científica que geralmente combinam bem. Há sempre espaço para aventuras e batalhas no meio dos vastos cenários da Space Opera, e não é por acaso que as grandes séries de FC militar se enquadram nesta vertente, caracterizada pela vastidão, encontros com civilizações exóticas, mistérios no espaço, sistemas multiplanetários e organizações políticas que abrangem vários mundos, intrigas palacianas ou desfios do confronto entre diferentes regimes ou civilizações. No entanto, há que ressalvar que olhar apenas do ponto de vista da FC militarista para a Space Opera é redutor. Esta vertente da FC é muito mais vasta nas suas temáticas do que histórias de conflito e batalhas espaciais.

Mas vá, confesso, batalhas espaciais são sempre divertidas.

Esta antologia procura esse equilíbrio. Como é habitual neste género de livros, cruza autores mais recentes com consagrados, e polvilha com uns clássicos. David Weber (Honorverse) partilha o espaço com Orson Scott Card (Ender's Game), Alastayr Reynolds, Linda Nagata e os clássicos Leigh Brackett, Cordwainer Smith e Edmond Hamilton, entre outros. O resultado é uma antologia abrangente, que nos mostra o melhor da Space Opera clássica em ficção curta. Nos autores consagrados e mais recentes, nota-se uma colagem às séries que lhes deram sucesso (e pagam as contas), o que do meu ponto de vista faz perder um pouco da perspetiva inovadora mas não deixa de ser um mergulho divertido e episódico em sagas como a Vorkosioan, Honorverse ou Dune. 

domingo, 21 de setembro de 2025

URL

 


Art by Bob Layzell (Born 1940) known for his many book covers and work in the Terran Trade Authority: Clássicos. 

The Best Post-Apocalyptic Novels: Os suspeitos do costume. Diria que os correntes temores de eventual escalada nuclear na guerra da Ucrânia estejam por detrás da seleção de um dos títulos, um curioso exemplo de apocalipse nuclear calmo. 

2025 Dragon Award finalists: Mais sugestões de leitura. Dos nomeados, li apenas o The Mercy of Gods, e confesso que não me deixou muito impressionado. 

The Story of Filboid Studge, or, Rebuilding Imaginary Futures: Bruce Sterling a explorar as dimensões especulativas de um conto do clássico humorista Saki, através da IA generativa. 

Showa - Uma história do Japão (1926-1939): Uma das obras de maior folego do mestre Mizuki, agora em tradução portuguesa.

Historical Fiction Recommended by Historians: Como observa o artigo, a boa ficção histórica tem o poder de dar vida ao passado.

Six Books to Read Before You Get to the Airport: Sugestões de leitura sobre a história e as histórias da aviação.

David Cronenberg's new sci-fi film is devastating and mysterious: Espera, pára tudo. Um novo filme de Cronenberg? Vou já ligar o radar cinéfilo.

Short Fiction Review: John Wyndham’s “The Man From Beyond” (variant title: “The Man from Earth”) (1934): Um olhar para a FC clássica, que se atrevia a abordar questões sociais no meio das aventuras no espaço.


Bob Pepper “The Omega Point” 1972: Surrealismos. 

If the AI Bubble Pops, It Could Now Take the Entire Economy With It: Os riscos do investimento massivo no desenvolvimento da inteligência artificial. 

An Audience of One: Uma ideia que faz sentido. Apesar do AI slop, a esmagadora maioria das produções de IA generativa são fruídas por quem as gera, como parte do processo de geração, e raramente partilhadas. 

What Kids Told Us About How to Get Them Off Their Phones: Uma leitura intrigante. Geralmente quando se fala de crianças e telemóveis, o discurso incide sobre os efeitos aditivos, o excesso de tempo de ecrã e as consequências da exposição a conteúdos inadequados. Mas, quando se analisa melhor o que é que os jovens realmente fazem quando estão ao telemóvel, percebe-se que estão a socializar à distância. Vivendo vidas cada vez mais regradas e sem espaços livres, saltando entre escola, centros de estudo e atividades extracurriculares, quase sempre transportados por pais que se comportam cada vez mais como pais-helicóptero, as redes propiciadas pelos telemóveis são praticamente os únicos espaços onde os jovens podem interagir com os seus pares, sem constante supervisão adulta. Na verdade, isto não é novo, nos primeiros anos do século XXI a investigadora danah boyd aponto estes mesmos padrões de comportamento no estudo que fez sobre os comportamentos dos jovens na internet - nos tempos dos telemóveis com teclas, e nos primórdios das redes sociais. 

Pluralistic: AI software assistants make the hardest kinds of bugs to spot: Enquanto o uso de ferramentas de apoio à programação cresce, decresce a confiança no seu uso. Mas o real problema não são as ferramentas em si, mas sim o abuso de gestores, que as implementam para cortar custos laborais, sobrecarregando os trabalhadores com ainda mais tarefas, com a desculpa que usar a IA os vai tornar mais eficientes: "I exists to replace workers, not empower them. Even if AI can make you more productive, there is no business model in increasing your pay and decreasing your hours." 

La espiral autodestructiva de Simón Pérez en sus streams ya era preocupante: ahora se ha convertido en algo más oscuro: Apesar de focada na realidade espanhola, esta história arrepiante mostra a decadência trazida pelos trolls online, todos aqueles que por detrás de um ecrã e um nome de utilizador deixam de lado a ética e a vergonha que nas interações do dia a dia nunca perderiam, e se comprazem em degradar pessoas online. 

Netflix Is Using Generative AI To Make Movies. It’s A Fundamental Shift: Nem por isso. A indústria audiovisual sempre foi pioneira no uso da tecnologia para conseguir melhores efeitos com esforços eficazes. Nos efeitos especiais, a IA generativa está a ser vista como uma multiplicadora criativa, capaz de levar os visuais mais longe sem a trabalheira a que os efeitos digitais 3D obrigam. E reparem, há uma coexistência entre efeitos digitais e tradicionais, porque no processo de criação estes são entendidos como elementos criativos que podem levar o filme ou série mais longe. A IA generativa já está a tornar-se outra ferramenta ao dispor de quem trabalha nestas indústrias. 

La ESA se prepara para un salto hipersónico. Invictus es su carta para competir con China y EEUU en vuelos extremos: Será que este projeto sairá do papel e dos pequenos protótipos? 

Pluralistic: Which jobs can be replaced with AI? (06 Aug 2025): Já experimentaram usar uma linha de apoio ao cliente, ultimante? Se o fizeram, sentiram-se empurrados para um labirinto de opções que parece ter sido concebido para vos dissuadir de recorrerem ao apoio? Isso acontece intencionalmente. Aqui, a verdadeira questão não é a IA, mas sim o comportamento desavergonhado das empresas, tão lestas a esmagar os seus trabalhadores como a piorar o serviço aos seus clientes.

VRML and the Dream of Bringing 3D to the World Wide Web: Dado que a minha tese de mestrado (nos idos da primeira década do século XXI) se baseou nesta tecnologia, é com uma certa nostalgia que leio sobre o VRML e a sua promessa de tornar a internet num espaço 3D.

Former Googlers’ AI startup OpenArt now creates ‘brain rot’ videos in just one click: Porque não era suficientemente fácil criar lixo generativo.

Microsoft’s new Copilot 3D feature is great for Ikea, bad for my dog: O CoPilot agora também inclui um (aparentemente fraco) gerador 3D.

The Secret History of Tor: How a Military Project Became a Lifeline for Privacy: Um olhar para a rede de alta segurança que anonimiza o tráfego online, uma espada de dois gumes que tanto é fundamental para preservar a liberdade (e a vida) daqueles que vivem em regimes opressivos, como usada para aumentar a impunidade de criminosos.

AI Is Coming for the Consultants. Inside McKinsey, ‘This Is Existential.’: Portanto, a malta que se faz pagar regiamente para olhar para dados, fazer predições que tal como os oráculos gregos, geralmente não se realizam, e passa os dias a fazer gráficos, descobre que está a ser ameaçada por ferramentas de IA que fazem o mesmo, mas sem a postura de iluminados das finanças. É uma classe laboral cuja extinção não lamentarei.

The Enshittification of Generative AI: Com a sua habitual clareza cáustica, Zittron debruça-se sobre a forma como a Open AI está a implementar os seus produtos.

If AI Really Can Make Movies, Then What Does Hollywood Become?: Bem, mas a questão é que a IA não é capaz de fazer filmes, a menos que sejam daqueles melodramas feitos a metro para encher chouriços nos canais por cabo. É, no entanto, um excelente recurso para efeitos especiais.

OpenAI Usage Plummets in the Summer, When Students Aren't Cheating on Homework: Já tínhamos percebido, os dados deste ano apenas reforçam esta tendência de uso da IA Generativa.


Airplane Stories, April 1931: Aventuras aéreas. 

Estas são as expressões mais típicas de Lisboa, um verdadeiro dicionário que só os lisboetas conhecem: E, como bom lisboeta exilado que sou, uso e abuso de algumas. Mas não resisto a uma nota - a expressão "a ver navios", tanto quanto tenho lido, tem origem nas invasões francesas, com Junot a chegar a Lisboa a tempo de ver a frota luso-britânica que levava a corte portuguesa para o Rio de Janeiro a afastar-se no horizonte. 

Guerra e paz em Portugal: Bem, o mundo não é um local pacífico, e nos últimos anos, roubando a genial expressão do John Naughton, a Europa tem sido forçada a sair das férias que tirou da história. Convém recordar que, se queremos paz e segurança, para bellum, como dizia Vegécio. Posto isto, esta súbita corrida ao rearmamento, com o disparo nos gastos militares em direção aos trompistas 5% do PIB, está a ser alimentada por alarmismos excessivos (é particularmente interessante o abanar do papão russo quando olhamos para a hecatombe humana e militar que as suas supostamente poderosas forças estão a sofrer na Ucrânia, graças à determinação ucraniana combinada com o apoio europeu e americano), e a ser direcionada para uma contínua dependência da tecnologia militar americana, quando neste aspeto (e em tantos outros), a Europa deveria estar a dar passos decisivos para se autonomizar. 

The Visual Language of the Nuclear Age: As iconografias trazidas e inspiradas pela era atómica. 

The Ancient Art and Intimate Craft of Artificial Eyes: A longa história da criação de olhos artificiais. 

India es una apisonadora económica y geopolítica. No es "la nueva China": su estrategia para crecer es inédita: O merecido emergir da Índia enquanto potência económica global, muito focada na manufatura de tecnologia avançada. 

Indian Rafale Downed in Largest Air Battle in Decades Due to Intel Failure on PL-15 Range – Reports: O rápido conflito indiano-paquinstanês, com o surpreendente abate de vários Rafale nessa coisa hoje rara que é um combate aéreo de larga escala, mostra a importância da gestão de informação e aplicação estratégica no campo de batalha, combinando diferentes meios. E, claro, recordar que ao contrário do que a imaginação popular pensa, os combates aéreos não são feitos de empolgantes duelos em manobras de curta distância, mas sim da vetorização por meios de vigilância para posicionamento e lançamento de mísseis com alcance para lá da distância visual. Os Rafale indianos foram abatidos por mísseis lançados a cerca de 300 km de distância. 

Photos: 13 Years on Mars: Quase década e meia de encantamento com estas imagens do planeta vermelho.

No es que Rusia no encuentre los F-16 de Ucrania, es que Kiev ha descubierto el escondite perfecto para el futuro de las guerras: A criatividade militar ucraniana é enorme, fruto da necessidade absoluta de sobrevivência. Os seus sistemas de dispersão de aeronaves são um garante de sobrevivência das mesmas, nos momentos em que estão mais vulneráveis.

New Paper Finds Something Very Weird About the Shroud of Turin: Diria que o mais bizarro disto é o persistir da crença neste objeto miraculoso.

Spain Drops F-35 Plans, Looks to European Alternatives: É interessante que nos assuntos da defesa, o governo espanhol parece ser o único que realmente percebeu que face à inconstância trumpista, os europeus têm de investir em caminhos autónomos e não manter a sua dependência dos complexos e caros sistemas de armas americanos. A soberania europeia requer tecnologia europeia. E os que acharem que esta perda de credibilidade americana é um epifenômeno, que desparecerá quando Trump sair de cena, reparem que ele não chegou ao poder sozinho, e que tem uma legião apostada em continuar este caminho obscurantista e destrutivo.

Trump Turns 401(k)s Into Crypto Machines: Era mesmo o que mais se precisava, o libertar de amarras para investimentos cegos em ativos de alto risco.

Zoo Requests Unwanted Pets to Feed to Hungry Carnivores: Confesso, fico sem perceber se isto foi piada de humor negro, ou é mesmo um pedido macabro.

Trump Just Did What Not Even Nixon Dared To: Se as estatísticas não são agradáveis, o que fazer? Trabalha-se para melhorar as condições de vida e da economia, ou faz-se pressão sobre os responsáveis para que estes martelem as estatísticas para mostrar bons mas falsos resultados?

The Danish post office will stop delivering mail (but not parcels): Um sintoma da digitalização avançada da sociedade. Com os dinamarqueses a deixar de usar o correio, os correios locais vão colocar um ponto final no serviço de distribuição de cartas.

Resolviendo el gran misterio de los asesinos en serie: por qué desaparecieron a partir de los años 80 sin dejar rastro: A culpa é da sociedade digitalizada, a extensão da pegada digital individual é tal, que estes predadores perderam a capacidade de se desenvolver.

sábado, 20 de setembro de 2025

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Conquerors' Pride; Conquerors' Heritage; Conquerors' Legacy


Timothy Zahn (1994).  Conquerors' Pride. Nova Iorque: Dell.

Uma intrigante space opera militar. Num cenário onde a humanidade se espalhou pelas estrelas (curiosamente, mantendo a independência de blocos de nações terrestres, que formam o cerne político de uma união multi-planetária) e usa a sua capacidade militar para controlar e manter em paz outras civilizações alienígenas, uma situaçao de primeiro contacto corre muito mal. Um encontro entre uma frota terrestre e um grupo de naves de uma civilização alienígena desconhecida transforma-se num massacre para os terrestres, quando os alienígenas abrem fogo sem justificação. Para além da surpresa, as potentes armas e naves terrestres mal parecem beliscar as forças desconhecidas. Desse massacre escapa o comandante de uma das naves, tomado como prisioneiro para ser estudado pelos alienígenas.

Partindo deste ponto, o romance segue por dois caminhos. Por um lado, o esforço da família rica e politicamente bem conectada, que decide montar uma missão de salvamento fora dos parâmetros oficiais. Aqui temos todo o tipo de peripécias, com eventuais conspirações por parte de civilizações alienígenas supostamente aliadas com a união humana mas que procuram manipular a superioridade militar humana para os seus próprios objetivos de conquista, e que poderão estar envolvidas no súbito e violento recontro com os alienígenas desconhecidos. 

Por outro, temos a experiência do humano prisioneiro, que depressa se apercebe das características dos seus carcereiros alienígenas, a começar pelo facto de, na narrativa oficial de uma sociedade estratificada com obediência total aos seus superiores, o recontro violento ser retratado como um ataque não provoado por parte dos humanos. O prisioneiro faz tudo o que pode para recolher informações e fugir, algo que consegue graças a um incrivel golpe de sorte.

Pelo meio, ficam os mistérios que dão estrutura a esta trilogia: fica no ar o perceber como é esta nova civilização, na sua tecnologia mas em especial na forma como comunicam, que parece desafiar as leis da física e poderá assentar em personalidades virtuais bio-implantadas; a ameaça de uma super-arma terrestre, cuja menção tem sido um dissuassor eficiente em décadas de paz armada no espaço de coexistência habitado pelas diferentes civilizações mas que acabará por se descobrir que não passa de uma lenda, e os temores de uma guerra generalizada contra inimigos desconhecidos. Um ponto de partida intrigante e empolgante para a trilogia.


Timothy Zahn (1995).  Conquerors' Heritage. Nova Iorque: Dell.

Neste segundo volume da trilogia, Zahn faz algo de inesperado, pouco habitual no género space opera: muda por completo a perspetiva da história. Todo o livro mostra a visão dos alienígenas, o que dá espaço para aprofundar o espaço ficcional destes livros. Não é muito habitual, nestas space opera militaristas, dedicar todo um livro da série ao outro lado do conflito. Neste Conqueror's Heritage, é o inimigo que conta a sua história.

Zahn explora muito bem esta visão de uma civilização alienígena. Mostra-a como uma união algo ritualista de clãs, com uma textura social e complexidade política profunda. Os personagens alienígenas não são elementos decorativos, e damos por nós a sentir empatia para com estes personagens (até porque, sendo uma space opera, é de esperar que não tenham percursos fáceis, cheios de peripécias, percalços e conspirações). A sociedade é defensiva, e tem um padrão - entrou sempre em conflito com outras civilizações interplanetárias com as quais se cruzou, a partir de primeiros contactos em que se consideraram atacados. Com os terrestres não será diferente, e evidenciam um horror tremendo face a ataques constantes quando se deparam com eles. 

Outra curiosa característica da civilização é uma espécie de imortalidade virtual biológica. A todos os alienígenas, na sua infância, é-lhes colhido um orgão externo, preservado em bem protegidos locais rituais. Quando o seu corpo físico morre, a consciência dos indivíduos é preservada pelo orgão, o que lhes permite uma existência virtual, manifestando-se como o que consideraríamos espíritos, mantendo-se úteis à sociedade como conselheiros e, primordialmante, como meios de comunicação capazes de interligar distâncias interplanetárias.

Sensivelmente a meio do romance, Zahn dá-nos a pista que justifica a sanha dos alienígenas em combater os terrestres, que consideram seres exterminadores. Quando um dos personagens do livro, um destes seres incórporeos, entra em contacto com dispostivos de rádiocomunicação, contorce-se de dor, e percebemos aí qual é a arma misteriosa que leva os alienígenas a sentirem-se atacados sempre que usada - emissões de rádio. Percebemos aí (e o personagem alienígena também), que as guerras quasi-genocidas que esta civilização trava partem todas de um equívoco. Dado que estes alienígenas são sensíveis a sinais de rádio, e com altas intensidades pode levar à morte dos seus orgãos de quasi-imortalidade virtual, não conseguem compreender que sempre que outros lhes enviam sinais de rádio, é para comunicar e não com intenções violentas.

O livro segue outras linhas narrativas, que tornam mais complexa a sociedade alienígena. A presença de gerações de consciências ancestrais, sempre presentes, a interferir e a exigir ocupação, induz fadiga social. Estes conflitos são aprofundados pela clivagem entre a necessidade de progresso das gerações dos vivos, que consideram inúteis alguns costumes antiquidados, e o conservadorismo dos ancestrais virtuais.

Resta ver como é que este nó será desatado. Duas civilizações em conflito por causa de um equívoco, sem grandes possibilidades de comunicar, e a interferência de outra civilização alienígena, particularmente matreira e astuta, que estando dentro da zona de influência terrestre, procura instrumentalizar a guerra a seu favor.


Timothy Zahn (1996).  Conquerors' Legacy. Nova Iorque: Dell.

Com tantas linhas narrativas pendentes dos dois volumes anteriores desta trilogia, este terceiro livro tem a tarefa difícil de levar tudo a bom porto. Zahn faz isso utilizando múltiplos pontos de vista, correspondentes aos diversos fios narrativos entretecidos na história, e um ritmo narrativo diabólico. Sabemos como a história irá acabar, mas o caminho para lá chegar é tortuoso e empolgante. Pelo meio, o autor faz um belíssimo fan service e regala-nos com uma batalha espacial, daquelas que só a mais divertida space opera nos dá.

O final é previsível. Sabemos que a humanidade e a espécie alienígena dos Zirrh se irá entender e alcançar uma paz equilibrada. É uma conclusão que já vem do segundo volume da trilogia. O problema, é o como chegar à paz. Os humanos têm de lidar com o seu medo de agressão. Os Zirrh de perceber que o consideraram ataque não passou de um mal entendido, uma vez que os humanos não sabiam o efeito de profundo desconforto e medo racial que as transmissões de rádio provocam nestes alienígenas. Entre batalhas, percebe-se um ponto de equilíbrio militar entre as  duas potências espaciais. Se a tecnologia Zirrh, baseada em cerâmicas e com a vantagem das comunicações quasi-instantâneas permitidas pelas suas consciências desincorporadas, se parece sobrepor à humana, é também vulnerável a explosivos e a uma nova arma química que liquefaz armaduras cerâmicas. Já o grande temor, quer dos Zirrh quer de todos os alienígenas dentro da esfera de influência humana, é uma super-arma que não existe.

Para além destes problemas, com duas civilizações envoltas numa luta que pensam ser pela sobrevivência pura, a situação complica-se por interferências externas e internas. Por um lado, temos uma espécie alienígena dentro da esfera de influência humana, extremamente traiçoeira e persuasiva, que manobra os alienígenas Zirrh para atacar os humanos, e outra civilização alienígena com a qual têm uma rivalidade milenar, apenas travada pelas forças militares humanas. Essa civilização, desarmada no passado, acabará por se revelar a melhor aliada dos humanos nos momentos cruciais. Já entre os alienígenas Zirrh, há uma luta intensa entre fações, com um líder de um clã a manobrar para obter o poder supremo, mobilizando a parte das forças Zirrh tripulada pelos do seu clã para tentar, com ajuda dos alienígenas traiçoeiros, um ataque à própria Terra. 

Zahn urde muito bem as suas linhas narrativas, entre aventura pura, cenários de space opera vasta e deslindar de complexas conspirações. Intuímos o destino do livro, mas somos levados em suspense quase até às últimas páginas. Neste aspeto, a leitura pode tornar-se irriante, quando percebemos que uma situação de crise está quase a resolver-se Zahn coloca outro obstáculo. Noutros livros, com outros autores, isto não passaria de arrastar desnecessário da narrativa, mas neste ponto final desta trilogia, funciona muito bem.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Cazas en acción: misiones del Ejército del Aire español


Eduardo Martínez, Juan Cerdá (2024). Cazas en acción: misiones del Ejército del Aire español. Madrid: Almena Ediciones.

Um pequeno miminho de viagem, para agradar ao meu interesse específico por aviação. Um livro que nos fala da aviação de caça espanhola, desde a fundação do Ejército del Aire (os tempos da guerra civil não são abordados). Foca-se na história de aeronaves específicas, entre os biplanos Fiat Cr32 que nos céus marroquinos tinham encontros incómodos com aeronaves dos aliados na II guerra, e recontros perigosos com as forças francesas do governo de Vichy, ao contemporâneo Eurofighter. Depois da violenta guerra civil, Espanha tem sido um país que não se tem envolvido em guerras, e o livro reflete isso. Os seus perfis, especialmente relativos às aeronaves mais recentes, focam-se nas missões de defesa no âmbito da NATO, bem como a participação nas operações mandatadas pelas Nações Unidas na Jugoslávia e Líbia. Espanha também teve os seus conflitos coloniais, nos seus territóros do norte de África, e o livro aborda isso com a descrição do uso de aeronaves clássicas como o T-6 Texan (também um importente recurso para os portugueses nas nossas guerras coloniais), o clássico HA-112 Buchon, a versão espanhola do venerável Me-109, e o primeiro caça a jato de conceção espanhola, o HA-200 Saeta (que contou com o trabalho de Willy Messerchmit no seu desenvolvimento). Há ainda um capítulo dedicado às esquadras azuis, grupos de pilotos militares espanhóis enviados por Franco para combater ao lado dos alemães na frente leste, uma história pouco cómoda mas que recorda o violento passado fascista dos nossos vizinhos ibéricos.

domingo, 14 de setembro de 2025

URL


Johnny Bruck, for Perry Rhodan: Bizarrias cósmicas. 

A Trend? New Horror Movies Depict The Rich As Monsters: O cinema de terror é exímio em captar o espírito dos tempos. As oligarquias que nos sugam a riqueza parecem viver numa realidade aparte, e na verdade, o seu dia a dia de exploradores e os efeitos da sua rapacidade são o verdadeiro filme de terror. 

Notable Nonfiction Books of Mid-2025, recommended by Sophie Roell: Sem grande surpresa, são livros pensados para ajudar a compreender a geopolítica contemporânea. 

Near Future Science Fiction: Tal como Ballard no que toca aos efeitos do modernismo no século XX, Gibson é o cronista da forma como a tecnologia modelou a sociedade nos primórdios do século XXI. 

A Palace Near the Wind: Um mergulho na literatura fantástica de sabor global. 

The case for memes as a new form of comics: Bem, suspeito que equiparar memes à banda desenhada é esticar um bocadinho (um grande bocadinho) as definições, mas é um argumento que até faz sentido, dada a forma como os memes são apropriáveis como forma de criar pequenas narrativas com impacto. 

The Best Hades and Persephone Books, recommended by Melinda Salisbury: O poder dos mitos gregos, com as suas constantes reinterpretações. 

Guillermo del Toro’s ‘Frankenstein’ Looks Absolutely Stunning: E isso não surpreende, dado o minucioso cuidado estético que este realizador coloca nos seus filmes. 

"No pienso venderlos": los planes de George Lucas para su impresionante colección personal de 40.000 comics: Uma fundação aberta ao público. 

Science Fiction Novels Recommended by Scientists: Recordar que a FC é, acima de tudo, uma literatura de especulação informada onde a ciência têm um papel fundamental. 


Science Fiction Adventures, No. 17, November 1960: Planetas gelados. 

Your mileage may vary: Sim, podemos usar redes sociais sem ter de levar com os trolls, a desinformação e os algoritmos capitalistas. 

Hertz' AI System That Scans for "Damage" on Rental Cars Is Turning Into an Epic Disaster: Há aqui vários problemas, um deles sendo o óbvio esquema de tentar extorquir dinheiro aos clientes apresentando-lhes falsos indícios de danos nos veículos. Mas o problema principal é mesmo este, o desleixo institucionalizado e a desesresponsabilização por via da justificação do algoritmo: " it's a perfect example of how algorithms have been deployed to the detriment of regular people since long before ChatGPT. In theory, the idea is that everybody is treated fairly under the same rules, but in reality, governments and corporations end up offloading decisionmaking onto automated systems and dodging accountability when those judgments are flawed". 

Skin Deep – Evolving InMoov’s Facial Expressions With AI: Este fantástico projeto open source está a ganhar novas capacidades. 

Google adds Video Overviews to NotebookLM: Aquela que é para mim uma das mais interessantes ferramentas de IA ganha novas funções. 

Academia: The Questions Are Big! It's the Curricula That Got Small: O artigo é sobre o impacto da IA generativa no ensino superior, mas aplica-se muito bem a outros níveis. Na verdade, a capacidade dos chatbots em gerar trabalhos para os alunos veio apenas colocar a nu a enorme incongruência dos sistemas de ensino. Apregoa-se a importância do desenvolvimento de pensamento crítico, da busca do saber, da capacitação do indivíduo, mas na prática é tudo metrificado, rotineiro e sujeito a um sistema de avaliação onde vale a forma e não a capacidade. Perante isto, qualquer um com dois dedos de testa automatiza o que pode, porque, fundamentalmente, sabe que não vale a pena o esforço: "That process of falling back on a constrictive systematization produced universities that absolutely did not encourage exploration, creativity or synthesis, but instead relied on surface level memorization and performance in service of external validation. “What students ‘remember’ in such systems is either context-bound or quickly forgotten” ". 

Luma and Runway expect robotics to eventually be a big revenue driver for them: Confesso que li e fiquei sem perceber estas lógicas. A Luma ainda percebo, as Nerfs como tecnologia têm aplicabilidade na visão computacional e simulação com base em dados reais. Agora a Runway gera vídeo. Estarão a pensar em vídeo sintético para treino de robots? 

Alguien ha impreso en 3D su propio cerebro para convertirlo en una lámpara. Lo mejor es que tú también lo puedes hacer: Por acaso, também já fiz algo como isto. Preferi imprimir a minha caveira, embora incompleta, porque o TAC de onde retirei os dados não incluiu toda a cabeça. Foi um processo giro, onde aprendi o que são ficheiros dicom (jpgs com informação médica) e que há software open source que permite analisar os resultados das TACs, e até fazer a extração de modelos 3D de partes selecionadas. No meu caso, usei o Invesalius. 

Developer survey shows trust in AI coding tools is falling as usage rises: Ou, em bom rigor - quanto mais se usa as ferramentas de IA, mais se desvanece o deslumbre com capacidades que são apregoadas com fabulosas, mas que na realidade ficam muito aquém do prometido. 

Student Made A Wearable Computer To Bypass The Law: Bem, se a escola proíbe os alunos de usar telemóveis... há que ser criativo. O vídeo é um mimo, vê-se tudo aquilo que os professores almejam mas raramente vêem acontecer na modorra das aulas, o entusiasmo da exploração cognitiva. E, claro, desatei a rir-me quando o rapaz qualifica os computadores da escola de "montes de m... icrosoft". Ai rapaz, é que por cá a coisa é bem pior. A Insys redefine para baixo, muito profundamente, o conceito de "montes de m... icrosoft". 

12.000 personas intentaron adivinar qué imágenes estaban generadas por IA y cuáles no. No tenemos muy buenas noticias: Um ensaio sobre a dificuldade de perceber a diferença entre imagens reais e as geradas por IA. Experimentei, e acertei 70% das respostas, porque sei que as imagens geradas por IA têm tendência para ter cores demasiado saturadas e composição rígida. Mas mesmo assim, fui enganado por muitas. 

China ha reunido más de 150 robots humanoides en Shanghái. Su mensaje es claro: esto ya no va de ideas, va de indústria: Enquanto por cá nos maravilhamos com provas de conceito e protótipos, na Ásia a robótica humanoide já é uma indústria. 

Zuckerberg’s ‘personal superintelligence’ plan: fill your free time with more AI: Também notei este pormenor nas ideias do dono da Meta sobre os desenvolvimentos da IA. Parece-me uma epítome do capitalismo mais ganancioso, isolar as pessoas, quebrar os laços sociais e colonizar a individualidade, tudo para assegurar mais lucros. 

Estados Unidos y China parecen competir en IA. La realidad es que juegan deportes completamente distintos: Uma boa análise das corridas pelo desenvolvimento da IA, que mostra que os chineses não estão interessados em ter tecnologias que só poderão eventualmente ser rentáveis num horizonte de anos, mas sim ferramentas que podem implementar já hoje. E fazem-no contornando as restrições tecnológicas a que estão sujeitos, tornando mais eficientes os algoritmos que desenvolvem a partir da pesquisa base que teve origem nos estados unidos.

CEOs Are Publicly Boasting About Reducing Their Workforces With AI: Se os administradores conseguem ver-se livres dessa coisa chata que é ter empregados e usar IA para fornecer serviços de pior qualidade, transferindo para os clientes o ónus de lidar com as chatices e problemas, sabendo que os clientes estão em muitas indústrias em lock-in por falta de concorrência, fazem-no. É enshitification pura.

This Is the News From TikTok: Não, o TikTok não é de todo um local confiável para notícias. Em grande parte pela desinformação institucional de canais propagandistas, ou dos aspirantes a influencers que inventam tudo o que dizem. E, no entanto, há informação válida nesta rede. Há canais e criadores que se dedicam a mostrar informações que não são do interesse dos media tradicionais, que analisam com cuidado os temas da geopolítica, e até jornais e canais de televisão a usar a rede para passar a sua informação. O problema acaba por ser o algoritmo e a forma como reforça as bolhas de informação - suspeito que para uma grande maioria dos utilizadores, a análise dos seus interesses garanta que estes canais e criadores jamais lhe atravessem os feeds: “The default position is: Algorithm, let the information flow over me,” he said. “Load me up. I’ll interrupt it when I see something interesting.”


The Bag Buster: Frémitos antigos. 

One Photographer’s 50 Year Quest to Capture the Chrysler Building: Mais interessante do que o retrato arquitetônico, é o poder da fotografia em captar a passagem do tempo. 

Is starvation in Gaza really Israel’s fault? The facts are clear: Sim, obviamente que sim. E choca, neste século XXI, em que afirmamos ter aprendido as lições da violência do século XX, esta complacência com o brutal genocídio que o estado de israel está a perpretar sobre o povo palestiniano. 

Europa se ha dado cuenta de que el rearme debe empezar en las carreteras: una invasión rusa desataría una congestión fatal: Os desafios de preparar a infraestrutura europeia para as necessidades da defesa. 

Ser moderador de porno le generó un trauma psicológico. Es sólo la punta del iceberg de un problema enorme: São mal pagos, e têm de levar com o pior da humanidade. Sem eles, as redes sociais seriam locais ainda mais sujos. 

Hamas Wants Gaza to Starve: Certíssimo. É uma aliança diabólica. Quanto mais Israel oprime e excerce genocídio sobre os palestinianos, mais revolta gera, e isso reforça e alimenta estes terroristas. Nisto, está tudo errado. 

Ucrania se ha dado cuenta de algo: los que hablaban español en sus tropas no eran soldados, eran sicarios de la droga: A guerra na Ucrânia tem-se distinguido pela forma como evoluiu para campo de batalha de drones. Muitos estados estão interessados na forma como esta tecnologia se está a desenvolver no calor da batalha, mas há mais do que estados interessados nisso. Os cartéis criminosos também querem aprender como se faz, para usar contra os seus rivais. 

Archaeologists Discover a 2,400-Year-Old Skeleton Mosaic That Urges People to “Be Cheerful: Eat, pray, love versão antiguidade clássica. Porque há verdades que nunca deixaram de o ser há milénios. 

sábado, 13 de setembro de 2025

Lost+Found

 
















British Museum, Victoria & Albert, National Gallery: nunca me cansa revisitá-los.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Nether Station


Kevin Anderson (2024). Nether Station. Ashland: Blackstone Publishing.

Devo avisar-vos. Este é um daqueles livros que vos provocará insónias. Não estou a escrever isto como comentário sobre o seu conteúdo, que quem o ler depressa descobrirá ser um belíssimo voo literário de horror cósmico lovecraftiano. As insónias são provocadas pelo ritmo de leitura, este é um daqueles livros que se quer sempre continuar a ler, a virar a página, mesmo que a noite já vá adiantada. Sim, é assim tão empolgante e de leitura tão escorrida, mas outra coisa não seria de esperar deste autor, veterano do lado mais pop da FC, com vários livros da série Star Wars no seu currículo. Nota-se, na clareza da sua prosa e no ritmo que impõe à história.

Boa capacidade de escrita não serve de muito se a história a contar não for interessante, e aí afianço-vos que este livro brilha. É um cruzamento perfeito entre Hard SF e horror lovecraftiano, que traz o terror cósmico, bem, não consigo colocar de outra forma, ao cosmos. A história segue as desventuras de uma investigadora no espectro autista, especializada em buracos negros, e fascinada por una anomalia detetada na orla do sistema solar - um possível wormhole. As sondas para lá enviadas desaparecem sem deixar rasto, o que faz perder o interesse das agências espaciais, mas a situação muda quando anos depois se detetam os sinais emitidos pelas sondas a partir de Alfa Centauro, mostrando que a anomalia espacial permite atravessar o espaço-tempo e interligar diferentes sistemas solares. E nesse momento, a investigadora recebe um convite irrecusável.

Houve alguém que sempre manteve o interesse na anomalia, um magnata da indústria espacial (retratado, a bem da nossa sanidade de leitor, como um megalómano explorador e não como um sucedâneo muskiano). Líder na exploração de minérios no sistema solar, tem a base tecnológica e financeira para poder montar uma expedição aos limites do sistema, para investigar in situ o buraco de verme. A sua principal motivação é o orgulho pessoal de ser um explorador, de ficar com o nome registado na história por ser o primeiro a pisar um solo desconhecido, mas também não lhe escapa a possibilidade de se o buraco interliga sistema solares, se abrir todo um novo horizonte de exploração lucrativa. A sua nave de exploração é mais do que uma nave, está pensada para ficar no local e tornar-se uma estação permanente.

Ao fim de cinco anos de viagem (eu disse-vos, o livro combina terror com hard SF), e sucedem-se as descobertas mirabolantes. Cadáveres mumificados de seres alienígenas, asteróides que albergam instalações técnicas e militares de tecnologia anciã mas avançada, um misterioso tempo de gelo espacial, de arquitectura não-euclidiana com estátuas que retratam criaturas que ao ser contempladas, o cérebro se mostra incapaz de compreender.  Começam também as peripécias, com os primeiros testes de envio de cobaias vivas para lá do horizonte do buraco a cavar mais fundo o fosso do horror. É um crescendo que se desenvolve de forma inevitável, com imensos sustos, mortes misteriosas, criaturas possuídas pela loucura, zombies alienígenas e males que corrompem a vegetação e animais. 

Anderson acelera o avanço da história com alguns elementos deus ex machina, que permitem perceber a lógica dos mistérios. E assim ficamos a saber da guerra cataclísmica que opôs seres alienígenas ao jugo tirânico de monstruosos seres capazes de escravizar civilizações, criaturas de horror cósmico que após sacrifícios titânicos foram banidas da realidade e escorraçada para os espaços intersticiais. Criaturas que dormem, aprisionadas no não-espaço entre o tecido do universo. Criaturas que aguardam o momento de despertar na sua senda destrutiva, e o ato de seres conscientes atravessarem os buracos de verme é o despertador que necessitam.

É, de facto, uma mistura perfeita entre terror e ficção científica. Anderson pega no mythos lovecraftiano e cruza-o com a FC clássica, exploratória e procurando base científica. A inspiração óbvia é At The Mountains of Madness, diretamente referenciada na narrativa, mas também inclui uns polvilhos de The Colour Out of Space. A leitura é excelente, o ritmo imparável, e a satisfação para os conhecedores e amantes lovecraftianos, imensa.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Europeana: Uma Breve História do Século XX


Patrik Ouředník (2017). Europeana: Uma Breve História do Século XX. Lisboa: Antígona.

Torrente avassaladora é talvez a melhor qualificação que posso dar a este livro surpreendente, que nos abala durante a leitura. É uma história do século XX, mas estruturada de uma forma profundamente não linear. Não é uma sucessão cronológica de factos e acontecimentos, antes, uma deriva quasi-dadaísta pelas ideias que marcaram o século. O tom é de diálogo interior livre, um longo monólogo onde as ideias se associam segundo as suas lógicas internas. É, de certa forma, absurdista, na forma como coloca a nu os paradoxos do imenso torvelinho de ideias, comportamentos, acontecimentos e tecnologias que formaram o século XX.

Reside aí a maior força deste ensaio. Ao abandonar a mera sequenciação lógica a favor de uma associação de ideias (chega, por vezes, a repetir-se), torna-se talvez a melhor forma de retrarar o intenso e violento turbilhão que foi o século XX. O tempo em que se abandonou a placidez do velho mundo, levámos as ideologias aos pináculos destrutivos, passámos a valorizar o indivíduo comum, morremos em guerras globais, demos saltos científicos e tecnológicos incríveis, revolucionámos os usos e costumes sociais. O século XX não foi para os fracos do coração, e este livro espelha esse sentimento de forma impressionante.

domingo, 7 de setembro de 2025

URL

 


Cover artist unknown: Prazeres old school. 

I Love That ‘Superman’ Loves Journalism: Como dog person, sabia que tinha de ir ver o novo filme do Super-Homem. Não esperava nada de especial, só de me divertir com as cenas com o super-cão, mas saiu-me uma bela parábola sobre desinformação, extrema direita, discurso de ódio, manipulação dos media e opinião pública via redes sociais, imigração e a fé no brilhantismo dos bilionários oligarcas. O pormenor dos macacos treinados para debitar desinformação e extremismo online é particularmente bem conseguida. Não é uma parábola de metáforas subtis, e isso assenta-lhe bem. É um filme pop, e nos tempos que correm, não podemos ser subtis neste tipo de criticas aos maus odores que contaminam o espírito do tempo. O filme em si é divertido e refrescante, trata bem a personagem (quem vos diz isto leu os comics), tem momentos épicos, hilariantes e tocantes. E, claro, qualquer cena com o Krypto é uma absoluta delícia! Não esperava muito do filme, pensava que seria mero entretenimento, mas é uma daquelas obras que revela como a cultura pop pode ser interessante. Porque quem for ao cinema para ver o Super a dar e apanhar porrada, vai sair de lá a pensar em coisas incómodas como "o herói é um imigrante" ou "porque é que o lex luthor se parece tanto com um cruzamento entre elon musk e jeff bezos, será que isto quer dizer alguma coisa?". Há ainda este pormenor, esta quase ingénua fé no jornalismo como força capaz de repor a verdade de num mundo avassalado por desinformação. Não é só a história de Kent como jornalista, uma parte muito significativa do filme lida com a forma como os jornalistas do Daily Planet vão atrás de uma história que contraria as narrativas mediáticas, e se atrevem a enfrentar o poder de um bilionário. É tocante, especialmente sabendo que na realidade não seria assim. 

Firefly Star Morena Baccarin Discusses Revival Chances, Joss Whedon: De volta e meia, volta à baila a discussão sobre o potencial regresso desta série de culto. Mas... na verdade, não faz sentido. Parte da mística deste western in space é o ter sido curta, e com isso cheia de possibilidades. Regressar aqui seria esvaziar de conteúdo um dos excelentes momentos da cultura pop.

Five Timeless Books Rooted in Oral Storytelling, recommended by Tuva Kahrs: Da profundeza dos tempos trazida pela tradição oral, ao texto escrito. 

The 25 best fictional robots – according to New Scientist: Os suspeitos do costume, e não só. 

14 more SF/F books to check out this July: Novidades literárias, e não só. Confesso que uma reedição do clássico que Bradbury, o livro que me fez apaixonar pela FC, é sempre tentadora. 

Somnium 127: Uma excelente iniciativa. A Somnium, revista digital do clube de leitores de ficção científica brasileiro, dedicou toda uma edição ao fantástico em Portugal. 


Battle of Squads: Ah, tempos inocentes. 

The Hater's Guide To The AI Bubble: Ed Zittron faz críticas válidas ao deslumbre com a IA generativa. Demonstra as fraquezas do modelo de negócio de uma tecnologia que requer investimentos massivos, mas não mostra ser rentável ou sequer ter um modelo de negócio sólido. 

Seer: O lado panopticon da tecnologia, ou os traços eletromagnéticos deixados pelo comportamento humano. 

Remembering Chiptunes, the Demoscene and the Illegal Music of Keygens: Ah, recordar os bons velhos tempos dos keygens, programas que para além de crackar software nos regalavam com música e animação. 

Why the Latest AI Model Isn’t Always Best for Edge AI: No dia a dia, faz mais sentido ter modelos que funcionam dentro das limitações do hardware disponível, do que as versões mais avançadas que não estão otimizadas para o uso normal. 

8 Bit Mechanical Computer Built from Knex: Computação mecânica com Knex. Um projeto incrível. 

Ethereum Is Quietly Soaring. What Comes Next?: O interessante nesta tendência é que não parece ser uma bolha especulativa daquelas que alimenta as típicas oscilações das criptomoedas. A Ethereum sobe, mas as restantes cripto não. 

Huge Botnet That Uses AI to Praise MAGA Is Completely Broken by Jeffrey Epstein Scandal: O que se retira daqui é quanto o discurso em redes sociais é condicionado por botnets, mesmo que sejam ineficazes. 

A Robot That Analyzes Paintings And Paints: Formas diferentes de compreender arte, e de a fazer chegar a outros públicos. 

Here Comes the World-Wide Web of Everything: Novos protocolos, distribuídos, para a Internet das Coisas. 

How to Play Your Retro Games as Authentically as Possible: Das consolas de legalidade duvidosa que nos deixam jogar milhares de jogos antigos, ao purismo de recriar o hardware clássico. 

Cada vez más gente usa ChatGPT para que lea libros por ella. Tiene ventajas y un enorme inconveniente: À primeira vista, esta noção de "pós-alfabetização" em que a leitura tradicional é substituída por resumos via chatbots de IA pode parecer uma catastrófica consequência dos sistemas de ensino que valorizam a forma e não o conteúdo, a nota e não a construção de conhecimento (bem sei que acabei de descrever a visão que se tem o ensino dos últimos trinta anos, onde o que conta é a metrificação, o valor da nota e o ranking). Por outro lado, esta é uma das formas mais interessantes de usar a IA para ajudar a construir conhecimento, alimentando-a com textos específicos e interagindo com o poder conversacional da IA aplicado à obra. Claro, tenho a exata noção que boa parte dos que usam a IA  desta forma, fazem-no para despachar trabalho e não como forma de procurar novas dimensões de aprendizagem. No fundo, a IA generativa está a por a nu uma verdade incómoda: a esmagadora maioria das pessoas não quer realmente aprender ou fazer esforços intelectuais, quer apenas aceder a validações, diplomas e certificados, ficando-se pelo básico desde que dê para desenrascar no dia a dia. 

7 Classroom Activities to Build Critical AI Literacy: Técnicas para trabalhar a IA  com literacia crítica. 

Google is bringing its AI-powered photo-to-video capability to more apps: Por um lado, penso, ó bolas, mais uma forma de falsear realidades. Por outro, estou curioso com as possibilidades criativas disto. 

AI Slop Might Finally Cure Our Internet Addiction: Bem, podemos ter esperança que o crescimento exponencial dos conteúdos "para quem é. bacalhau basta" gerados por IA a metro segundo o menor denominador comum nos causem reações alérgicas sociais. Confesso que não partilho desta visão otimista, suspeito que a esmagadora maioria dos consumidores de conteúdos digitais se estão nas tintas para autenticidade (basta ver a cultura dos influencers) e serão muito felizes a chafurdar no lixo gerado por IA. 

A vibe coding horror story: What started as 'a pure dopamine hit' ended in a nightmare: Quem diria. Olha se a cena pega. Imagina um vibe mechanic: "não sei bem qual é o problema mas vamos mexer nas peças até dar", ou vibe doctor: "ah, tem uma dor de cabeça, disse? Então vamos começar a tomar medicamentos aleatórios até ver qual é o que resulta". 

Encounters with Reality: A nossa obsessão com "experiências" digitais e virtuais conduz-nos cada vez mais a uma noção de falsa autenticidade. 

The FDA Is Using an AI to "Speed Up" Drug Approvals and Insiders Say It's Making Horrible Mistakes: Mais um exemplo de doctorowismo puro, de o problema não ser a IA que vai roubar empregos, mas patrões (ou, no caso, responsáveis governamentais) que acham que passar a usar uma IA que funciona mal vai fazer o trabalho dos trabalhadores de que se livram. 

Robots That Learn to Fear Like Humans Survive Better: O medo é uma estratégia de autopreservação, simular o medo em robótica pode tornar os robots mais capazes de interagir nos ambientes reais.

The Black Bat’s Justice: Sou só eu a achar esta capa um bocadinho homoerótica? 

Generative Art’s Deep Roots Come to Light in a New Museum Show: Retrospetivas da arte digital são sempre interessantes. Será que chegará cá? Duvido, a programação do MAAT anda muito afastada da tecnologia. 

Why Does Elon Musk Have Such a Straight View of Antiquity?: A respostas direta é "incultura". Quando a visão do mundo se forma com memes e vinhetas, a real realidade, e complexidade, do passado fica esquecida. Aliás, suspeito que muita desta bandalha de extrema direita fosse conhecer a sério o tal passado glorioso greco-romano cujos valores dizem ser os superiores, teria um treco com tanta homossexualidade, miscigenação e tons de pele bem mais escuros do que o alvor das estátuas de mármore. É a diferença entre inspirar-se na história, e realmente ter lido livros de história. 

Lo que SpaceX ha conseguido con Starship es increíble. El único problema es que lo ha hecho a costa de la salud de sus empleados: E o que convém reter, é que não pode valer tudo. Se desenvolver a tecnologia da Space X queima os engenheiros que a desenvolvem, algo está muito errado.

La "jornada 996" siempre fue un símbolo de los excesos de China en el trabajo. Ahora Silicon Valley la está abrazando: Recordam-se das 8 horas de trabalho, ou do equilíbrio entre emprego e vida pessoal? As forças do neoliberalismo são exímias em encontrar formas de erodir os direitos mais elementares. 

Tech Billionaires Accused of Quietly Working to Implement "Corporate Dictatorship": Já reparámos nisto. 

"El que quiera venir, que invierta": Ouigo quería entrar en el AVE Madrid-Galicia pero ya lo ve imposible antes de 2030: Confesso que me divertem, de forma deprimente, ler estes artigos sobre a interligação em alta velocidade ferroviária do lado de lá da fronteira. Especialmente sabendo que do lado de cá o nosso comboio mais rápido demora mais de três horas a fazer a viagem Lisboa-Porto (de carro chega-se mais depressa, e nem é preciso ultrapassar o limite de velocidade), e os nosso únicos comboios internacionais são decrépitas automotoras que ligam Porto a Vigo ou Entroncamento a Badajoz, duas vezes por dia. Ridículo, não é? 

Why Is Everything Around Us So Ugly?: A baixa qualidade estética dos espaços urbanos onde vivemos. Note-se que isto não é uma diatribe contra modernismos, a evocar a beleza classicista, é mesmo constatar que a beleza não é habitual na arquitetura urbana. 

Are You Laughing Yet?: Não, já há bastante tempo que não. O crescimento da extrema direita, do novo fascismo, fez-se também neste campo, com os fachos e grunhos a reclamar estarem a ser amordaçados e impedidos de excercer a sua liberdade de expressão, embora se comprazam em limitar e amordaçar os pontos de vista que não lhes agradam. 

A esquina do Loreto, um lugar do caraças: Um dos lugares onde Lisboa pára, porque tem de o fazer. Em todo o sentido da palavra, é a rua que liga o Chiado ao Camões, talvez o cruzamento mais movimentando da cidade. 

Paramount’s Big “South Park” Problem After The Trump Penis Episode: Sim, foi uma sátira brutal, rude e violenta. Mas não estamos em tempos de paninhos quentes. 

Ambigrammia, un libro de Douglas Hofstadter sobre el arte y la ciencia de los ambigramas: Da mente que escreveu o clássico ensaio sobre Gödel, Escher e Bach, sai agora uma obra sobre a colisão entre arte e lógica nos ambigramas.