quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Caldas Motor Show

 









Carros não são muito a minha cena, mas estava nas Caldas, tinha de queimar algum tempo, e porque não ir ver estas máquinas preservadas?

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Então, Michael?!


Makoto Kobayashi (2025). Então, Michael?!: Desventuras de um gato. Lisboa: Sendai

Gatos não são muito a minha cena, sou mais pessoa de cães. Comprei o livro para a minha esposa, minha antagonista nestas discussões (e a gata dela não tem uma boa relação com a minha cadela). Claro, não resisti a espreitá-lo,  e fiquei rendido ao humor destravado deste livro. Nem sempre compreensível, há piadas e formas narrativas que julgo que apenas os japoneses iriam perceber, mas o retrato do gato, das suas tropelias e desventuras é ao mesmo tempo encantador, divertido, e quem tem de aturar esses bichos do demo no dia a dia, muito descritivo das suas atitudes e comportamentos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

AeroXperience 2025












Campo aéreo de Benavente, em visita ao AeroXperience 2025, um pequeno mas simpático festival dedicado à aviação.

domingo, 26 de outubro de 2025

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Art by Gordon Morison, 1977: Pinball sci-fi.  

Alan Moore's Next Novel "I Hear A New World" On The Notting Hill Riots: Fiquei atento logo no anúncio de um novo livro deste autor. 

A New Graphic Novel Will Chronicle How ‘Star Wars’ Got Made: Estamos em 1977. Eu tenho dois anos, e o primeiro filme da Guerra nas Estrelas chegou ao cinema. Estamos em 1983, e quase com dez anos descubro vislumbres desses filmes, queria ver mas não deu. Eventualmente, numa adolescência onde havia o canal 2 da RTP (que me deu uma excecional educação fílmica), sem streamings e a oferta nos videoclubes era para lá de medíocre (um prenuncio do que é hoje o deprimente panorama da tv por cabo), lá vi os filmes, e gravei em VHS. Revi, claro. Estamos em 1999, e a excitação inicial do regresso da saga aos cinemas desvanece-se numa série de filmes barrocos, cheios de efeitos e intrigas, mas essencialmente entediantes e que serviam pouco mais do que para vender brinquedos e fazer avançar a história. Estamos em  2019, e arrastei-me para ver o último Star Wars, que termina a manter tudo na mesma, porque se o Império realmente for derrotado deixa de haver razão para continuar a coisa. Star wars está em todo lado, e o prazser geek perdeu-se no meio de tanto brinquedo, kit lego e séries em streaming que não estou para me dar ao trabalho de ver. Estamos em 2025, e claro que o mundo precisava disto - um livro que nos conta a história dos filmes. Só que não. Gosto de Star Wars, é um marco incontornável da FC cinematográfica na vertente "desliga o cérebro e diverte-te com as aventuras", mas a forma como proliferou, como se tornou este colosso comercial, é exemplo maior de como a pop culture está estagnada, é pouco mais do que um pântano onde empresas pouco criativas das indústrias criativas se alimentam dos mesmos conteúdos, repetidos para lá da exaustão, para alimentar um mercado cultural sem grandes alternativas. Para perceber a incongruência cultural que é ver um miúdo de hoje em dia a falar apaixonado dos reempacotamentos de um produto cultural com 50 anos, imaginem que fariam o mesmo com o Tarzan de Weissmuller ou o Flash Gordon de Buster Crabbe. São coisas que revemos com gosto, mas tiveram o seu tempo, os gostos evoluíram e novas personagens foram criadas para excitar a imaginação pop. Tal quase não acontece, hoje, porque o espaço é asfixiado por estes grandes franchises. Notem, o que torna Star Wars memorável no público não são os filmes, mas sim o fortíssimo investimento em marketing por parte dos estúdios. Sempre assim foi, a cultura pop é um negócio. Os George Lucas, John Carpenter e outros não são Goddard ou Kieslowsky, isso é assumido e conhecido pelos fãs. O problema da estagnação vem do estrangulamento introduzido pelas corporações. 

Más de 200.000 libros por 11 euros al año. Es 'El Club de los Libros Libres' de Valencia, un paraíso para devotos del papel impreso: Leio isto, e penso. Por um lado, isto por cá seria um convite a overdose literária. Por outro... se calhar está na hora de mandar a profissão docente às urtigas, e fazer algo que iria adorar. 

The Classic Novels That Were First Rejected By Publishers: Desde editores pró-soviéticos que não queriam editar livros críticos do imperialismo comunista aos temores moralistas de obras polémicas. 

The Best Alien Invasion Books, recommended by Seth Dickinson: Invasões alienígenas sem bug-eyed monsters, raios laser e naves espaciais.


1980s Maplin catalogues: Com capas destas, suspeito que os catálogos em si sejam uma desilusão. 

Estamos descubriendo algo sorprendente con la IA: quienes menos la entienden terminan siendo sus mayores entusiastas: Certeiro, e certíssimo. Quem mais conhece sobre esta tecnologia já percebeu quais as suas valências e problemáticas, incorpora-a como ferramenta onde lhe faz jeito, e percebeu que a revolução prometida é essencialmente marketing. Quem acha que gerar imagens foleiras ou fazer perguntas básicas e obter resposta alucinadas é fantástico e fabuloso, é quem menos percebe como realmente funciona esta tecnologia. 

“First of its kind” AI settlement: Anthropic to pay authors $1.5 billion: Uma decisão que suspeito que irá ser contestada por outros atores, a Meta e a OpenAI, por exemplo, terão imenso a perder se forem forçadas a respeitar os direitos de autor no caso de livros usados como dados em treino de modelos. 

Está ocurriendo algo sin precedentes en Ucrania: los drones de combate no necesitan humanos para coordinar y atacar: O futuro da guerra já está entre nós, e depende muito da automatização de enxames de drones. 

Animation Jobs In The Age Of AI: Revelations From Luminate Intelligence’s 2025 Special Report: Um olhar sóbrio para o impacto da IA generativa na indústria da animação, que já está a absorver as ferramentas e a incorporá-las nos seus fluxos de trabalho. Não é, obviamente, o despedimento geral com que tantos CEOs de empresas sonham, é antes uma evolução e adaptação. Porque a economia real é complexa, e necessita de mais valências do que aquelas que a IA promete automatizar. 

CEO Who Created AI Startup to Cheat on Homework Complains That AI Is Destroying Education: Já sabemos, os títulos do Futurism são aquele clickbait que expressa aquilo que todos realmente pensamos. Porque isto descreve na perfeição a mentalidade de muitos que desenvolvem serviços de IA generativa aplicados: " perfectly content on destroying traditional education — a system which can trace its evolution back to the philosophers of ancient Greece — to make a buck". O que se partir e estragar, outros que resolvam.

El ejército ucraniano que no tiene miedo a Rusia. Llegan como máquinas anticuadas y se convierten en robots para la guerra: A necessidade como mãe da invenção, ou a robotização frankeinsteiniana do que poderia ser sucata para se tornar robot descartável de combate. 

Smartphone Sensors Unlocked: Turn Your Phone into a Physics Lab: O Phyphox é das melhores apps educacionais que conheço, permite fazer muitos tipos de medição científica usando os sensores do telemóvel. 

'Critterz' será mucho más que la primera película animada por IA: bienvenidos a la nueva era del cine hecho por máquinas: Bem, como já começo a ser ancião, recordo-me dos tempos em que colocar 3D num filme era considerado revolucionário, e ameaçador para os criativos. Depois, as coisas normalizaram e as ferramentas enriqueceram os fluxos de trabalho. Com a IA é a mesma coisa. Este tipo de filmes são meros exercícios de estilo, o interessante é a forma como os criadores já estão a incorporar a IA generativa nos fluxos das indústrias criativas, e geralmente é de formas que não se notam, e não como produtos finais de ai slop. 

A Love Letter to Internet Relay Chat: Recordar os velhos tempos do IRC, dos canais, dos comandos dos bots e de um tempo, como observa o artigo, "when the Internet was a place to escape to, not escape from". 

Google admits the open web is in ‘rapid decline’: Ainda existem alguns resquícios, resistentes mas raros, de uma web independente, grassroots, livre. Pode não se dar por ela, enfiados como estamos em plataformas e gaiolas douradas de redes sociais. 

Reality Is Ruining the Humanoid Robot Hype: A realidade tem esta desvantagem, tem tendência a dar cabo dos deslumbres. No caso da robótica humanoide, apesar de todas as especulações, não se está a conseguir encontrar aplicações bem definidas na indústria e serviços, que vão além da mera novidade para despertar a atenção. 

Premios AI Darwin 2025: un reconocimiento a los desastres causados por el mal uso de la IA: Quando a estupidez natural se cruza com a Inteligência Artificial. 

Toyota lleva 90 años usando una megaprensa para fabricar coches. La han transportado medio planeta para seguir usándola: Uma máquina que continua a ser usada apesar de quase centenária, é o completo oposto da obsolescência programada. 

AI Is Helping Decipher Ancient Unreadable Manuscripts. Here’s How: Novos algoritmos capazes de decifrar os textos ocultos em palimpsestos, aqueles manuscritos em que o escritor raspou o pergaminho do texto original para reaproveitar como material de escrita. Que tesouros do conhecimento, que julgávamos estarem perdidos, conseguiremos recuperar?

The Question All Colleges Should Ask Themselves About AI: Aplicada à educação, a IA Generativa está a colocar a nu aquilo que todos sabemos, mas não nos atrevemos a dizer. A maior parte dos alunos não estuda porque quer aprender, mas sim para ter o canudo. E claro que se descobre uma ferramenta que lhe poupa a chatice de ter de ler, investigar e escrever, a vai usar.


An Evening With Superman interior art (circa 1998): Clássicos. 

The Surrealists Had a Party Trick—and It Changed Art History: O potencial criativo do cadavre exquis, a técnica inventada pelos surrealistas. 

Adamastor Furia em destaque no Caramulo Motor Festival 2025: Confesso, estou imensamente curioso por este super-carro desenvolvido em Portugal. Infelizmente, o meu carro não super mas para mim hiper está a recuperar na oficina de um acidente, e não consegui ir ao Caramulo conhecer o museu, e este carro português. 

 America Surrenders in the Global Information Wars: A  burrice da administração Trump revela-se nestas coisas. Na sua sanha de fazer não se sabe lá bem o que se passa naquelas cabeças ensandecidas, cortam programas públicos a torto e a direito, incluindo os que projetam o soft power americano pelo mundo. É um buraco informacional e propagandístico que os russos e chineses não perdem tempo a aproveita. Ou seja, um idiótico tiro no pé.  

What Will Remain After the AI and Crypto Bubbles?: Um ensaio intringante, que analisa a as bolhas financeiras das criptomoedas e IA. E que olha com muita atenção para o enorme tiro no pé que é a corrente moda de investir a pensar no lucro a curto prazo, enquanto se desmantelam os incentivos à ciência elementar.  

NASA Says Its Mars Rover Has Detected Possible Signs of Life on the Red Planet: Pequenos indícios, que requerem estudo mais aprofundado, e não conclusões. Mas que nos deixa a pensar, deixa. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Comics: The Stoneshore Register; The Longest Day of the Future


G. Willow Wilson, M.K. Perker (2025). The Stoneshore Register. Portland: Image Comics.

Já tinha saudades da voz narrativa de G. Willow Wilson, que na Vertigo assinou o fabuloso Air. A dupla clássica Wilson e M.K. Perker voltam a reunir-se para contar uma daquelas histórias de realismo mágico em que a argumentista é excelente. Neste Stoneshore Register, acompanhamos uma refugiada somali que encontra emprego como jornalista no jornal local de uma pequena e isolada vila à beira do oceano pacífico. Uma vila com a peculiaridade de estar à sombra de um gigante de pedra. O jornal é um one man show, onde o editor faz todo o trabalho, e a vila está numa aparente decadência. Intrigada pelos mistérios da terra e das suas gentes, a refugiada provoca algumas irritações nos seus habitantes pela forma como questiona situações estranhas que são vistas como normais pelos locais. Da sombra do gigante aos súbitos desaparecimentos e reaparecimentos de crianças, passando pelas lendas de uma mulher esbelta que sai das ondas, a jornalista esbarra sempre com a normalização dos habitantes. Mas, no final, perante a ameaça de agentes da imigração que buscam a refugiada, a comunidade une-se para a ocultar e proteger, mostrando que também ela, com os seus mistérios e traumas de fuga à guerra, se tornou parte dos sergredos da terra.

Lucas Varela (2015). The Longest Day of the Future. Seattle: Fantagraphics.

Um livro peculiar, que vive de muita ironia e de uma excelente estética de retro-futurismo estilizado. As utopias distópicas hiper-urbanizadas mediadas por tecnologias e espaços elegantes, no seu confronto com o sempre inefável e inquieto espírito humano com todos os seus defeitos e raras virtudes, são o tema abrangente da obra. O destaque vai para a estética, de singular elegância retro.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Flash Point


Imai Arata (2025). Flash Point. Lisboa: Sendai.

Quando uma jovem adolescente decide passar o verão a baldar-se às aulas e passar os dias em casa do marido da irmã, que está desempregado, mal esperariam mergulhar num universo de conspirações. Diga-se que esta não é uma história de amores proibidos, a jovem e o homem passam os dias a jogar videojogos e a gravar vídeos patetas para as redes sociais. Chegam a ter sorte, com uma coreografia da rapariga que viraliza. Sem fins comerciais, vão recriando a coreografia em vários locais, até mesmo próximo de um comício onde está o ex-primeiro ministro japonês Shinzo Abe. Nesse momento, tornam-se em testemunhas do assassinato deste político. 

É aqui que a história se torna bizarra, e interessante. Começam a surgir publicações em redes sociais que apontam para uma relação entre os gestos da coreografia da jovem e o assassinato, que depressa explodem nas mais bizarras teorias da conspiração. Os utilizadores de redes sociais vêem de tudo nos vídeos da jovem, começam a persegui-la, chegam a raptá-la para fazer uma grande manifestação no dia do funeral do político, congregando os mais estranhos grupos e canalizando através da jovem todos os temas de protesto da sociedade japonesa, com teorias bizarras à mistura. Tudo termina de forma rocambolesca e surreal, com um marcante grande balão que representa o rosto do político a salvar a jovem do topo da Dieta japonesa (é spoiler, eu sei, mas tão surreal que merece referência).

Sabemos que da Sendai só nos chegam propostas de mangá interessantes, fora da caixa, incomuns e inesperados. Este mantém a regra. O que parece ser uma pequena história de dramas familiares e adolescência depressa se transforma numa parábola sarcástica sobre redes sociais, paranóia, neuroses sociais e o alastrar de posições extremadas a partir de conteúdos descontextualizados. Ou seja, uma metáfora dura que se aplica bem ao momento cultural e social em que vivemos.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

As quatro mãos


00.  Uma última visita ao H145 que pousa regularmente em Santa Maria. Dias antes, estava a sair para o exterior enquanto aterrava, e fiquei surpreendido pelo pouco ruído que faz enquanto voa ou aterra.

01. Chego à enfermaria e sou saudado por sons da serrania. O pastor acordou, mal desperta chama as suas ovelhas. Este toque serrano no interior do hospital mais atarefado de Lisboa leva-me, inevitavelmente, a pensar em Torga. Tenho em mente que se quisermos realmente compreender o povo português de hoje, Aquilino e Torga são os mestres a seguir. Um deliciava-se nas contradições morais da burguesia, especialmente daquela que por ser pequena pouco afastada está do povo, no seu pratica o que digo e não o que faço, no ridículo de almejar voos mais altos que as elites portuguesas sempre lhes vedaram. O outro fala-nos da alma profunda do que hoje chamamos de país real, das gentes tisnada pelo sol, endurecidas pela pobreza, e cujo caráter, mesmo num país modernizado e urbanizado como o que vivemos hoje, ainda se sente entranhado. Ouvir o pastor chamar as ovelhas num oitavo andar de hospital faz-me pensar nos silêncios serranos que Torga descrevia. 

Entretanto, por puro acaso, durante a partida da minha mulher de Santa Maria para o hospital da sua zona, acabo por conhecer o pastor. É mais idoso e frágil do que imaginava, enfezado e quase afundado num cadeirão hospitalar. Fraco e impotente, apesar do seu vozeirão. No meu pensamento, desejo que continue a chamar as suas ovelhas.


02. "Hoje almocei bem", observa a minha mulher na voz entrecortada que indicia danos neurológicos às zonas cerebrais correspondentes. "Era carne com esparguete". Estaquei e fiquei a olhar para ela, preocupado. Espera, disse-lhe, a mulher que passa a vida a querer comer mais vegetais e a falar de vegetarianismo, a dizer-me que adorou uma refeição de carne? Os danos neurológicos são, temo, muito mais profundos do que se esperava.

Responde-me levantando o braço, cerrando o punho e colocando o dedo médio em riste na minha direção. Que bom, pensei. A motricidade fina está em franca recuperação.


03. "Doutor, podia chegar aqui", chama a paciente da cama em frente. Bem, não sou doutor, observo a sorrir, para lhe mostrar que não sou a pessoa com quem ela quer falar. "Se não é", responde numa voz elegante, pausada, "é porque não quer". Há alguma verdade nesta loucura, de facto, experimentar um doutoramento é daqueles projetos que vou adiando. A senhora que me chama está acamada e com os membros presos à cama, com alguns raros momentos de lucidez. Este, não foi um deles.

Ao longo dos dias em que acompanhei a minha mulher na enfermaria, assisti aos monólogos mais absurdistas, tão bizarros que são difíceis de imaginar. Recordo as vezes em que me confunde com a mãe da minha mulher, ou o impagável momento em que, numa voz de aparente perfeita lucidez, observa que tinha as mãos soltas, e o bom que era conseguir mover livremente as suas mãos. 

As suas quatro mãos.

Precisei de mobilizar o máximo do meu decoro e boa educação para não largar uma gargalhada.

Desta senhora, imobilizada e fragilizada num local que mal compreendia, recordo também os delírios que lhe ouvia sobre ir buscar documentos ou agendar momentos burocráticos com outras pessoas. O toque de loucura burocrática pareceu-me uma boa metáfora para aqueles que levam as regras e regulamentos para além do demasiado a sério.


04. "Vai-te embora", sussurra várias vezes a minha mulher durante as visitas. Encontra mil e uma razões para me expulsar. Diz-me que tenho dias compridos, fala-me de enfrentar a medonha escolha entre eixo Norte-Sul ou Calçada de Carriche em hora de ponta, quer que vá descansar porque trabalho muito e ainda passo tempo no hospital. Vou-a contrariando, e nisso o argumento do trânsito é o mais eficaz. Querer que saia dali por volta das 18 horas é mesmo condenar-me ao limbo do trânsito. Seguro-lhe a mão e insisto, só sairei dali perto do final do tempo máximo de visita. 

"Não quero que me vejas assim", acaba por confessar. Olho para ela, fraca, emaciada, com a enorme cicatriz na cabeça e cabelo rapado. Digo-lhe que não vou deixar de estar ao seu lado.

Pouco depois, levanto-me para arrumar e organizar algumas coisas nos seus pertences. Encher o copo com água fresca, preparar alguma fruta, arrumar os objetos soltos. Ouço logo um "não te vás já embora" suspirado. 


05. Confesso, com alguma gula, que um dos rituais que vou ter pena de deixar nestes dias de internamento é a ida à cafetaria Izzi do hospital. Obriga-me a um desvio, no labiríntico Santa Maria chegar ao departamento de neurologia é especialmente desafiante. Mas os pasteis de nata da cafeteria, sempre quentes e feitos na hora, fazem valer o desvio. Os passos extra nos corredores e escadarias ajudam a combater as calorias acumuladas.


06. Das vezes que a televisão da enfermaria estava acesa, reparei que os pacientes eram distraídos com aqueles programas dominicais de bailinhos da paróquia, ou as infindas discussões dos reality shows. Pareceu-me particularmente irónico que nas enfermarias de neurologia os pacientes tivessem de ver estes programas. Afinal, é um local para curar os neurónios, não para os danificar ainda mais.


07. Chego no sábado à central de acesso e descubro-me com cem pessoas à frente no acesso para visitas. Reflexos de uma greve de pessoal administrativo às horas extraordinárias, algo que compreendo e respeito. Ao fim de uma espera menos longa do que esperava, consigo chegar ao pé da minha mulher. Febril, por ter apanhado uma infeção, agitada, a pedir água. Mal a acalmo vem uma enfermeira ter conosco, dizendo-nos que irá ser transportada para outro hospital pelas 17:00. É uma boa notícia, já o esperávamos há vários dias, aguardando vaga no hospital da sua área de residência. Olho para o relógio, são 16:30. Felizmente, na visita de sexta já lhe tinha organizado todos os pertences.

No corredor, vejo os bombeiros chegar com a maca. A enfermeira de serviço expulsa-me, delicada mas firme, do quarto. Faz parte do protocolo, evita que os familiares atropelem os profissionais nos momentos mais agitados. Preparo-me para sair por onde entrei, mas os bombeiros pedem-me que os acompanhe. É assim que dou por mim a atravessar outros extensos corredores hospitalares, parando na zona da biblioteca para apanhar um último elevador que nos levará, a mim, à rua, a eles, à zona de estacionamento da sua ambulância.

Passar pela biblioteca de Santa Maria é um momento simpático para um bibliófilo.

À despedida da enfermaria, manifesto ao pessoal de enfermagem e assistência um profundo agradecimento, extensível a todos. Estas três semanas de acompanhamento em Santa Maria foram uma forte lição de humanismo, ao ver o desvelo e paciência com que os profissionais tratam os pacientes, a ir para lá do profissionalismo. 

Tentei apanhar a ambulância onde ia a minha mulher ao longo da autoestrada A8, mas não fui bem sucedido. Não estava especialmente preocupado, apenas pensei que seria um momento giro.

08. A luz exterior acinzenta-se, o fim de tarde está longo a noite aproxima-se. Internada no serviço de cirurgia do hospital das Caldas, a minha mulher sorri para a médica cirurgiã que a acompanha. Esta observa, confiante, que os danos foram mais leves do que o que poderia ser, sem perda de autonomia ou consciência. Os movimentos são difíceis, a voz ainda incerta, mas o prognóstico é bom. Ainda restam uns dias de internamento, para vigiar a interação entre medicação recorrente que tem de tomar, mas os dias mais angustiantes ficaram para trás. 

"Agora tira umas férias", diz-me a mãe dela. "Merecidas", reforça a irmã. De facto, em Caldas torna-se mais difícil um acompanhamento mais próximo, mas sei que está bem entregue. 

Olho pela janela do quarto e vejo um arvoredo, ainda verdejante apesar do acinzentar da luz do dia. A vista para a mata do caldense parque D. Carlos é agradável. Despeço-me da minha mulher, para dar tempo para a mãe e a irmã a visitarem. Saio do quarto, olho à minha volta, e apercebo-me que estou completamente perdido. Entrei via urgências acompanhando os bombeiros, e agora não faço a mínima ideia de como sair. O enfermeiro, a sorrir, acompanha-me escada abaixo para me dar a conhecer o hospital.

domingo, 19 de outubro de 2025

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Stan Watts: Futurismo abstrato. 

Los tráilers de las 10 mejores películas geeks… hasta 2005: Confesso que ao ler "geeks" no título, pensei noutro tipo de filmes, mais ligados ao hacking e cyber e não FC generalista.

Our AI Fears Run Long and Deep: Um olhar para a forma como a Ficção Científica cinematográfica retratou as inteligências artificiais, sempre representadas como ameaças à humanidade. E sim, de facto, "lmost all AI stories from the past half century or so are high-tech retellings of Mary Shelley’s Frankenstein: Irresponsible scientists create something that gets out of control and threatens to destroy us all". 

Leituras da Semana (#80 // 01 Set 2025): Confesso, não sigo os hugos assim com tanta atenção para me aperceber destas polémicas. Mas o recorte do João fez-me pensar na importância que devemos dar à pronuncia correta de nomes. Algo que pode ser impossível - tal como o João, estou muito habituado a ouvir o meu nome estraçalhado por pronúncias estrangeiras. Não me chateio com isso, e farto-me de rir com as patacoadas ao meu nome. Os italianos, então, pronunciam de uma forma que me faz sentir um personagem de Fellini (recordação pouco politicamente correta: a imagem mental de uma colega italiana, de porte e proporções sophialorenescas, a assomar em combinação à janela da água-furtada do seu quarto no hotel Turismo da Ericeira e numa melifluez tonitruante desejar-me um "buongiooorno artuuuuuro!!!", e depois desta, como não sentir-me um extra com nome em Amarcord?). Só abro exceção a brasileiros que me respondem a emails como um "Arthur", porque aí ó mermãos, está escrito, é só copiar. Como sei que há quem se chateie com estas coisas, ganhei o hábito de pedir desculpas antecipadas quando me deparo com nomes que não me são naturais como herdeiro do latim. Aviso logo que provavelmente irei pronunciar mal, o que lamento, mas não acontece por mal. Creio que está aí o pormenor-chave do texto, a ideia que sim, tens um nome não-europeu em que a nossa glote se enrola toda, mas isso mão é motivo de riso. Por outro lado, evito a armadilha da atitude oposta, o tentar pronunciar nomes estrangeiros tal qual como se dizem. A língua não colabora e o soneto sai pior que a emenda. Mas, se tentarmos aproximações, coisas giras acontecem. Aprendi isso com a Shreya, uma querida aluna indiana que me aterrou na escola num terceiro período, que nos primeiros meses só se exprimia num inglês melhor do que o de muitos dos meus colegas professores. E, claro, a ter de ouvir o nome dela pronunciado como schria ou siria. Um dia, virei-me para ela e pedi-lhe "teach me how to say your name". Ela sorriu, e mostrou-me como pronunciar corretamente, de uma forma que se parecia com seraya. Não consegui, claro, ser totalmente fiel, dado o meu hindi inexistente, e ela bem me dizia "nice try, teacher" a sorrir. No fundo, era esse o meu objetivo. 

Batman #1 Preview: Is It Reboot Time Again Already?: Ainda o último reboot do personagem está em andamento, e já vamos ter uma nova iteração do Batman. Mais um reinício, mais um recontar da velha história com 80 e tal anos. 

Under the Skin: Uma estranha num corpo estranho: Rever um filme discreto, marcante e algo maldito. Um filme que… confesso, nunca vi, não por falta de curiosidade mas por perceber que estou a chegar àquela fase de vida em proto-meia idade em que os projetos se sucedem, deixa de haver tempo para coisas simples como ir ao cinema, e quando temos uma abertura percebemos que estamos cansados e sem energia para conduzir (não vivo longe de Lisboa, mas ainda é uma alguma distância) ou enfrentar os estacionamentos na zona da cinemateca. Sim, tenho saudades de ir à Cinemateca, sítio onde há alguns anos atrás ia livremente depois de dias de trabalho. Agora, sinto-me sem tempo e energia para isso (por outro lado os projetos são estimulantes, dou por mim a fazer muita coisa que não imaginava que iria fazer). Se se estão a perguntar, e porque não ver na televisão, em streaming, vou confessar uma profunda heresia: praticamente não vejo televisão (só se estiver com a mente tão cansada que preciso de a desligar) e não tenho nenhum gosto em ver cinema no pequeno ecrã. 

An Honest Trailer for Superman (2025): O filme onde Gunn quebra o entediante grimdark da DC ganhou o tratamento irónico… e a maior ironia é que mesmo em tom de piada, mesmo assim o filme mantém o charme da simplicidade. Claro, até o mais empedernido ironista se rende ao Krypto. 

Espacio: 1999 –y sus Águilas– cumplen 50 años: A grande série televisiva da minha infância, que revejo com prazer, sorrindo com as suas inconsistências retro, e a mais interessante das naves espaciais da ficção científica. 

 Here is Lego’s $1,000 Death Star, the most expensive Lego set ever: Ah, the power of the dark side. Sem o exclusivo da patente dos legos, a Lego reinventou-se como criadora de puzzles tridimensionais para adultos, explorando iconografias da cultura pop. 


Happy Control Panel Saturday: Do mais perfeito futurismo de 2001. 

La historia de los gráficos de ordenador y su animación en una gigantesca retrospectiva; un volumen libre y gratuito: Oh my, que fantástico achado. Suspeito que será uma leitura fascinante para quem se interessa por história da computação. 

How Wikipedia survives while the rest of the internet breaks: Conseguir o impossível, uma comunidade fluída mas coesa que vela pela isenção e factualidade. 

Adobe Premiere finally launches a mobile app - and it's free: Uma novidade interessante, a disponibilização para plataformas móveis de um dos melhores editores de vídeo. 

New AI model turns photos into explorable 3D worlds, with caveats: Uma intrigante adição às ferramentas de IA generativa, na criação de ambientes tridimensionais. 

We have let down teens if we ban social media but embrace AI: Certeiro. Preocupamo-nos com o regular dos telemóveis. Mas, e isto é crucial, não com o regular as empresas que lucram com os conteúdos violentos, enviesados e o estimulo da adição dos utilizadores. Estas mesmas empresas investem em força noutra tecnologia com um potencial de perigos e uso danoso ainda mais elevado do que o dos telemóveis e aplicações, e não nos preocupamos com a exposição dos jovens a essas ferramentas. 

Do Self-Driving Cars Need Windshield Wipers?: Na verdade, tem lógica. Não é bem uma situação se os androides sonharão com carneiros elétricos. São as adaptações que a tecnologia nos dá. 

Facebook is trying to make ‘pokes’ happen again: Há coisas que morreram, e devem permanecer mortas. 


Victoria Poyser, 1981: Imaginário dos jogos. 

Pensábamos que la ansiedad del domingo por la tarde era un problema de pereza. En realidad, se trata de equilibrio laboral: Aquele deprimente efeito universal de domingo à tarde.

Durante años el Airbus A380 simbolizó el poder europeo frente a Boeing. Hoy sobrevive como un coloso sin reino: Como aeronave, é um feito de engenharia extraordinário, e é um gosto vê-los descolar. Infelizmente, a economia da indústria aeronáutica seguiu outros caminhos.

Not Every Idea Deserves Equal Time: É uma falácia intelectual em que caímos recorrentemente, e com isto, acabamos por dar exposição excessiva a muitas patetices que por aí circulam. 

Hace 10 años un F-18 del ejército de EEUU grabó en vídeo un objeto desconcertante. China lo acaba de hacer realidade: Esta é... surpreendente. Um grupo de engenheiros chineses inspirou-se em imagens de objetos voadores não-identificados divulgadas pela USAF e construiu uma aeronave VTOL a partir destes indícios. 

Ryanair cierra su base de Santiago y cancela vuelos a cinco ciudades españolas: un millón de plazas menos por las tasas de Aena: Lembram-se daqueles tempos em que esta aerolinha era a querida dos comentadores económicos, mostrada como um exemplo do que se deve fazer, face à (diziam eles) obsolescência das companhias aéreas tradicionais? Entre estas práticas comerciais abusivas e o inferno que é voar naqueles lugar exíguos onde tudo se paga, a Ryanair é um daqueles exemplos puros de merdificação assumida, tratando as pessoas como gado, e as instituições governamentais como tetas leiteiras. E, cá entre nós que ninguém nos ouve, não vos parece que aqueles que mais defendem esta empresa dificilmente seriam apanhados a voar nela? 

america against china against américa: Há imenso que refletir neste ensaio sobre uma visita à China, cujo crescimento está imparável e se tornou um ícone de modernidade. Mais que não seja porque parece uma impossibilidade - os regimes autocráticos, normalmente, não trazem prosperidade aos seus cidadãos, excetuando aos oligarcas dos sistema. O regime chinês faz o oposto, diria mesmo que o contrato social que mantém o poder é baseado nisto: o governo investe, gere, faz crescer, e os cidadãos deixam de ter razões para pensar em mudanças de regime. Claro, o cacete autoritário não anda longe, mas com acesso a prosperidade, a uma economia pujante, tecnologias de ponta, urbanização moderna e vias de comunicação, paira mais como aviso do que é realmente exercido: "High-speed rail and clean public restrooms and well-maintained parks all contributed to a sense of ease. In the US, blue state residents pay high taxes without really feeling what the government provides. In China, these daily niceties can’t be ignored. Without other basic freedoms, safety and convenience form the pillars of state legitimacy". A visão que a autora tem sobre as democracias, falando da americana onde vive mas numa observação que arrepia por assentar como uma luva na nossa realidade, é demolidora (sublinhe-se que o texto não é de propaganda ao PC chinês): "It’s untenable to have such low expectations for our leaders, and young Americans are increasingly blackpilled on their rights—what good is free speech if the government doesn’t respond to citizen concerns? What good is an open internet if it’s spreading misinformation? What good are civil liberties when they seem to trade off with public safety? What good is tolerance if there’s only so much empathy to go around? In my essay on Taiwan, I called this pattern a “democracy doom loop”". Soa familiar, àquela sensação que temos que os nossos políticos eleitos se mostram vagamente interessados no bem estar social, exceto quando em altura de eleições, mas na verdade vemos a nossa infraestrutura a degradar-se ou não evoluir, os direitos sociais e laborais sob ataque, o enriquecimento de elites financeiras em detrimento de toda a sociedade, e as multidões que, sentido isto, se deixam seduzir pelos grunhos de sereia da extrema direita? Para melhor ou pior, a autocracia chinesa percebeu (tal como as autocracias vietnamita e singaporenha) que a receita para se manter no poder sem violência constante passa pela qualidade de vida das pessoas. Mostram resultados (e cacetes), e no ocidente liberal, ouvimos discursos mas não vemos resultados. Isto, é perigoso, muito perigoso, especialmente se nos lembrarmos que para a esmagadora maioria das pessoas, a liberdade é secundária, pão e circo são os elementos primordiais. 

A Shocking Number of Kids Don’t Play Outside: A síndrome da criança que sai de casa com os pais, entra no carro para ser deixada na escola, regressa de carro para ir às atividades e no final de um longo dia chega a casa é uma pandemia. 

Nos países do Sahel, os jihadistas põem as juntas militares em xeque: Um olhar para a zona sul do norte de África, terra de regimes de homens fortes, forças fracas, guerra e intromissão russa.