quarta-feira, 23 de julho de 2025

The Street Finds a Way

É impossível não ponderar sobre o confronto entre as aspirações da Inteligência Artificial e o seu impacto social real, em particular no domínio educativo. Somos fascinados por uma tecnologia que nos ilude com a simulação de uma consciência não humana, com a qual acreditamos poder dialogar e até estabelecer laços emocionais. Isto persiste, apesar dos constantes lembretes de que a essência da IA generativa reside na combinação de estatística complexa e no processamento de vastos conjuntos de dados. O fascínio acrítico pela IA é intensificado pelo forte esforço promocional das empresas que desenvolvem estes algoritmos e aplicações. Este fenómeno é uma consequência direta do late stage capitalism, um esforço obstinado para impor serviços e aplicações, buscando monetizar um modelo de negócio que se tem revelado um verdadeiro sorvedouro de recursos financeiros. Os custos necessários para sustentar a infraestrutura da IA — investigação e desenvolvimento, formação e capacidade computacional para executar estes modelos, exigem investimentos colossais, sem que haja ainda um mercado que os justifique. São-nos constantemente apresentadas promessas de ferramentas extraordinárias que, ao serem utilizadas, se revelam muito aquém do prometido. 

Não que estas ferramentas sejam inúteis. Elas são-nos impostas como revolucionárias, capazes de provocar profundas transformações no modo de vida humano, quando, na realidade, não o são. A menos que se considere a geração de imagens de estética duvidosa, a obtenção de respostas de fiabilidade questionável ou a automação de tarefas administrativas como o ápice da evolução humana. No entanto, percebemos que estas ferramentas estão a ter impactos sociais, económicos e pedagógicos. O seu uso propaga-se, como seria de esperar. Como observou William Gibson, the street finds a way, e os utilizadores adaptam-nas às suas necessidades. Há um aspeto positivo nisto, um reforço à criatividade individual e novas formas de processar informações que externalizam parte do trabalho de reflexão e raciocínio. Por outro lado, o potencial de abuso destas ferramentas é imenso: desde a produção de conteúdo de baixa qualidade até usos criminosos para desinformação ou fraudes, a automatização da produção literária para criar obras enganosas. No campo da educação, isto inclui a automação de um dos pilares educacionais: o desenvolvimento da capacidade de analisar, refletir e organizar ideias de forma coerente. Multiplicam-se as situações em que os alunos automatizam as suas produções, entregando trabalhos que são meras respostas a solicitações. O mesmo ocorre com os docentes, que procuram nos chatbots auxílio para automatizar os seus processos de trabalho. É tentador afirmar que isto ocorre por displicência ou fraude, mas, na verdade, a geração de trabalhos através de ferramentas de IA é uma consequência da intersecção de várias tendências. Por um lado, a característica muito humana de se safar da realização de tarefas com o mínimo esforço possível. Por outro, e talvez a mais significativa, a evidente desconexão entre os princípios educacionais fundamentais — de capacitação individual e busca profunda do conhecimento, e a realidade dos sistemas educativos, que incentivam a rotinação para a obtenção de resultados, com foco na nota e não no processo que conduz à construção real e duradoura do saber. Não surpreende que alunos, estimulados ao longo do seu percurso educativo a seguir receitas e rotinas para a mera obtenção de notas, recorram a ferramentas de IA para alcançar resultados com o mínimo de esforço. 

Haverá solução para estes dilemas? Apesar da IA nos parecer uma tecnologia omnipresente, é importante recordar que é muito recente. As questões que levanta não têm respostas fáceis ou imediatas, e o seu desenvolvimento continuará a suscitar outras questões ainda não aparentes. Neste momento, o que podemos fazer é adotar posturas críticas, reconhecendo os potenciais — tanto os evidentes quanto os ainda por demonstrar, desta tecnologia, sem nos deixarmos seduzir pelos discursos luminosos do marketing empresarial.