terça-feira, 20 de maio de 2025

The Modern Myths


Philip Ball (2021). The Modern Myths: Adventures in the Machinery of the Popular Imagination. Chicago: The Chicago University Press.

Porque é que personagens literárias como Frankenstein ou Batman nos são tão significativas? Philip Ball argumenta nestes ensaios que estes personagens ultrapassaram os limites das suas raízes, encapsulando mitos que traduzem as nossas ânsias e angústias perante a modernidade. Representam a mitologia da nossa era, com a lente da literatura fantástica a permitir destilar as questões complexas do confronto entre indivíduo, sociedade e tecnologia de formas que a cultura mais erudita não consegue.

A ligação de Frankenstein com encarnação mítica dos medos trazidos pela ciência e tecnologia é a relação mais óbvia neste livro. A visão de Mary Shelley perdura, embora distante da sua origem, e personifica o temor e questionamento com as possibilidades trazidas pelo progresso tecnológico. Drácula mexe, e remexe, com a sexualidade e as repressões, onde o sobrenatural é metáfora para os medos e angústias de cariz sexual.  Já Jekyll e Hyde simboliza a dualidade entre o nosso mundo interior caótico, as nossas pulsões íntimas violentas e publicamente indescritíveis, com as normas sociais e morais. O livro toca na Guerra dos Mundos como forma de desmontar o sentimento de superioridade humana, relativizando eventuais epocalismos e descentrando a humanidade das narrativas de poder, sublinhando a aleatoriedade da nossa existência num cosmos indiferente. Robinson Crusoe mitifica o indíviduo, a capacidade de cada um de ir mais longe e superar obstáculos. Sherlock Holmes personifica a aridez da lógica absoluta, e Batman a visão de justiça perante a decadência, embora uma justiça dúbia vinda de um espírito pouco asisado.

Um dos pontos interessantes onde Ball toca é na imperfeição destas personagens, e como isso abre espaço à sua mitificação. A análise da sua génese é profunda, em erudita crítica literária que se complementa com as visões e revisões posteriores destas persnagens na cultura popular em todas as suas modalidades. As imperfeições literárias e incoerências dos textos originais, argumenta, tornaram estas personagens permeáveis  a interpretações latas, permitindo encarnar medos, receios, anseios e com isso enraizar-se na consciência coletiva. Na verdade, não necessitamos de conhecer ao pormenor qualquer uma destas personagens para nos vir à mente os mitos que representam, tal é o seu poder cultural. Tal não seria possível com um maior refinamento estilístico ou complexidade literária, afirma o ensaísta.

Ao longo dos ensaios, Ball mostra como estas figuras se tornaram arquétipos, personificações de conceitos e ideias dispersos, sensações despertadas pelo nosso confronto com a evolução da modernidade. Foca-se nisso o seu argumento de mitificação, as suas iconografias e abertura conceptual tornam-se metáforas que nos ajudam a compreender os medos trazidos pelo confronto com os tempos modernos, desde o espaço interior da sexualidade e pulsões ao espaço exterior do nosso lugar no universo.