terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Os Putos


Altino do Tojal (1989). Os Putos. Lisboa: Europress.

É, com muita justiça, o mais conhecido e aplaudido livro de Altino do Tojal. Se será o melhor, não conheço o suficiente sobre a sua obra para o dizer (e, quanto mais leio, mais admiro este autor algo sui generis que me parece algo esquecido). Mas desengane-se quem pegar nesta obra à espera de bucólicas histórias infantis. Tojal é muito mais complexo do que isso, e estes curtos contos, onde também detectei fragmentos de romances, são uma leitura acutilante e inquietante.

Diria que a inocência é o tema que mais caracteriza os contos de Os Putos. Inocência no sentido infantil, do sorrir perante o que não se conhece, de um sonhar distante da praticalidade dos adultos, de uma nostalgia pelos tempos passados. Mas uma inocência que está em constante contraste com vicissitudes. Alguns contos olham para a extrema pobreza, ou para a violência exercida sobre as crianças. Outros, contrastam o sonho infantil com sentimentos de profunda solidão. Apesar da aparente leveza das suas palavras, Altino do Tojal é um escritor que nos força a olhar para temas muito duros.

Neste livro, também está em evidência um dos aspetos que me tem seduzido na obra deste escritor - a fluidez entre o mundo real e um onirismo muito próximo do fantástico. A visão do imaginário infantil é a desculpa perfeita para estas transições fluídas. Há uma oposição constante entre a realidade dura da crónica social que se percebe nos contos, e a sublimação do imaginário em sonhos, esperanças e nostalgias. Entre o inquetante e o encantador, os contos de Os Putos não perderam, com o tempo, a sua força.

Pela sorte dos acasos, li uma edição especial da Europress capturada na Feira do Livro. Comemorando 25 anos sobre a publicação original destes contos, é uma edição ilustrada. Os desenhos não são memoráveis, mas dão um bom complemento às palavras do autor.