Branquinho da Fonseca (1971). O Barão. Lisboa: Europa-América.
Um inspetor de escolas que abomina viajar chega a uma vila isolada. Para ser condignamente hospedado, é apresentado ao Barão, um nobre que vive retirado no mundo no seu solar. Segue-se uma noite de delírios, em que o incauto inspetor mergulha no mundo de domínio absoluto, nostalgia e obsessão do Barão.
Uma jovem recebe a notícia que um vizinho seu, que mal conhecia, faleceu. É quase obrigada pelas vizinhas a entrar no apartamento e assistir ao velório. Num momento a sós com o morto, toca-lhe as mãos e a sua frieza toca-lhe na alma. A solidão dura pouco, quando as suas velhas vizinhas regressam ao quarto mortuário, embriagadas de aguardente e de maus fígados libertos.
Um homem que detesta invernos vê-se, em viajem, ao abrigo de um homem rico. Apesar de querer prosseguir viajem, deixa-se levar pelo companheiro, para debaixo do seu teto. Este falece durante a noite, e o homem conhecerá a sua filha, aliviada e liberta pela morte do pai. O homem quer prosseguir viajem, mas deixa-se levar pela ânsia da mulher, e no funeral do pai, descobre-se carregador do féretro.
O que me surpreendeu nestes contos foi a forma delicada como vão do banal ao surreal. Começam por vinhetas perfeitamente normais, pequenas vicissitudes do dia a dia, mas durante a narrativa algo quebra, e seguem-se momentos de puro absurdismo. São contos cruéis, onde a pele de boa educação de personagens conservadoras depressa se quebra, revelando tendências para o exagero, o histriónico, o abusivo sem limites, a libertação de convenções, arrastando e modificando irremediavelmente aqueles que com eles se cruzam. O delirante conto O Barão é talvez a expressão mais sublime desta sensação, com a sucessão surreal de acontecimentos e a personalidade exagerada do personagem que lhe dá o título. Os restantes contos incluídos nesta edição, As Mãos Frias e O Involuntário, são mais comedidos mas não menos devastadores na forma como o autor descasca os seus personagens, para nos revelar interiores fétidos.