terça-feira, 17 de maio de 2022

A Retirada dos Dez Mil


Xenofonte, Aquilino Ribeiro (2014). A Retirada dos Dez Mil. Lisboa: Bertrand. 

Confesso que fiquei surpreendido por ver esta obra numa coleção dedicada a Aquilino Ribeiro. Na verdade, o escritor apaixonou-se enquanto estudante por este clássico da antiguidade, tendo-o traduzido para português. Isto explica a sua inclusão no corpo da sua obra. 

Aquilino é uma voz clássica, e isso sente-se na sua abordagem à história milenar. Sente-se o gosto pela fidelidade do tradutor, tentando que as suas palavras traduzem a paixão que o texto original lhe despertou. Que, diga-se, é um dos grandes épicos do passado. A odisseia dos mercenários gregos que estiveram a um passo de conquistar a Pérsia, ao serviço de um ambicioso irmão do rei persa que morre no seu momento de triunfo, passa de caminhada vitoriosa a uma longa fuga. Uma história que é mais do que um relato de combates, é um périplo por um dos extremos do então mundo conhecido. Os sobreviventes, sob constante assalto, acossados quer pelos soldados do império persa quer pelos aguerridos povos autóctones com quem se cruzam, seguem pela orla do que hoje é a Turquia e partes da ásia menor, passando por locais tão distantes como a Babilónia, as ruínas de Níneve, as tribos curdas, ou as costas do mar negro.

Mais do que relato de lutas, é também uma história de diplomacias, traições, intrigas que dividem os sobreviventes, lutas internas, alianças com ambiciosos senhores locais. Tudo o que permite aos gregos recuperar riquezas e seguir caminho em direção ao lar é-lhes legítimo, numa fuga feita, também, de saques e violência exercida sobre os que encontram pelo caminho.

Há um certo ar de elogio a um homem específico, Xenofonte, um dos líderes militares, futuro estadista ateniense, e também o contador desta história. Apesar de não se referir a si na terceira pessoa, passa sempre a imagem de alguém que está acima das disputas, que coloca a honra e os seus homens acima de tudo, que inclusive se sacrifica para defender os seus homens. Não é subtil, o elogio à sua personalidade, que apela sempre aos mais altos valores gregos, mesmo que estes impliquem espetar nativos nas lanças dos hoplitas.

Hoje atrevemo-nos a ler estes relatos com um olhar mais crítico. Ao lado épico equilibra-se relatos que, para terceiros, soam demasiado a invasores a querer defender os seus crimes. Aquilino foca-se mais no lado da aventura, do périplo de sobrevivência, como é natural para a sua época.