Matos Maia (1996). A invasão dos marcianos: + 3 "Fantasías radiofónicas". Lisboa: Dom Quixote/SPA.
É notória a história de Orson Welles e a lendária emissão radiofónica da peça de teatro baseada na Guerra dos Mundos que causou pânico nos Estados Unidos dos anos 3o. No final dos anos 50 o português Matos Maia repetiu a proeza, com os mesmos resultados de audiências crédulas que não percebiam que estavam a ouvir uma peça teatral e não despachos noticiosos. Quer Welles quer Maia conseguiram o que conseguiram por terem sido capazes de olhar para a rádio, perceber a sua gramática inerente, e ir para além do texto, construindo as peças a partir da forma de trabalho radiofónica, e não com teatro tradicional. Não é só o trabalho de atores ou a sonoplastia, foi o adaptar da narrativa às formas específicas que a rádio trazia. Welles garantiu o sucesso, Matos Maia teve direito a uma conversa com a PIDE, certamente pouco agradável.
A história da emissão pode ser lida aqui: https://www.classicosdaradio.com/InvasaoMarcianos.htm, e vale bem a pena ouvir gravações da emissão original, como por exemplo esta: https://www.youtube.com/watch?v=dTqKfP6xKyw. Ao ouvir, percebemos porque é que teve o efeito que teve, e também a qualidade da adaptação.
Este livro não nos fala dessa história, mas traz-nos o guião de Matos Maia, adaptação bem congeminada do clássico de H. G. Wells. Colige ainda o guião de outras peças do autor: Quando os Cientistas Sonham, outra variação sobre a Guerra dos Mundos, menos mortífera e a terminar no clássico artificío do sonho do protagonista, que acorda e descobre que tudo não passou de um delírio; Um Naufrágio... no Sara, peça que começa como uma reportagem-narrativa dos momentos do naufrágio de um paquete português ao largo da Líbia e, no momento mais crítico de uma peça em crescendo de emoção, é interrompida pelo hilariante pormenor metaficcional dos radialistas intervirem a discutir o seu métier, como se tivesse havido um erro no ensaio; e A Grande Guerra do Próximo Século, um texto ecológico e apocalíptico que, francamente, me pareceu pouco coerente.
Matos Maia ficou para a história como um dos grandes radialistas portugueses, mas esta vertente do seu trabalho, estas peças radiofónicas, mostram também algo mais raro por cá, um criador de obras de ficção científica usando a rádio como estrutura narrativa.