Albino Forjaz Sampaio (1978). Palavras Cínicas. Coimbra: Atlântida Editora.
A arte portuguesa não se distingue pelo seu carárer trangressivo. Podemos pensar na pintura, literatura, música ou cinema e depressa percebemos que há um certo coformismo, preocupação estética e procurar por beleza que embora fascine e deleite, não incomoda. Quando muito, há aspetos de crítica social. Há exceções, claro, como a obra de Luiz Pacheco, os escritores neorealistas que no auge do estado novo tinham a coragem de contar a história da extrema pobreza da população, ou a brutalidade da obra de Paula Rego. Na generalidade, os nossos artistas não se assumem como transgressivos, nem criam obras incómodas.
Estas Palavras Cínicas foram para mim uma enorme surpress (que revela desconhecimento das tendências literárias portuguesas da viragem do século XIX para o XX). Não é um texto clemente, lê-lo causa profunda incomodidade. É um texto maldito, na pura aceção do conceito, um que não apaparica o leitor e se deixa levar pela tranquilidade do convencional.
O livro está estruturado como um conjunto de cartas filosóficas, analisando as relações pessoais, morais e sociais com um extremo desencanto. A perspetiva é sempre negra, de uma concepção de mundo onde vale tudo, prevalece o interesse individual absoluto e a satisfação dos prazeres. É a descrença e a negação total do humanismo, baseado numa visão niilista de que nada vale, realmente, a pena e as normas sociais e morais são uma hipocrisia que tenta disfarçar as tenebrosas pulsões da alma humana.
Um livro inconveniente, avassalador e incómodo, claramente uma pedrada no charco na complacência generalizada da cultura portuguesa. Atreve-se a expressar o impensável e dizer o indizível, como texto profundamente transgressivo que é. Imaginem a pedrada no charco que estas palavras provocaram no Portugal de 1905.