José Ruy (2023). Lendas Japonesas. Lisboa: Polvo.
As vicissitudes do ciclo natural da vida ditam que este é o último livro que o mestre José Ruy nos deixou. É apropriado que seja o seu último livro, porque muitos dos trabalhos que integram nasceram no início da sua carreira, ou foram criados em fases mais maduras. Como decano da BD portuguesa, Ruy teve um longo percurso por revistas e editoras, marcando com o seu traço clássico gerações de leitores. Tinha uma predileção especial pela história, ficanco conotado com adaptações para BD de episódios da história de Portugal. Estas Lendas Japonesas permitem ver um outro lado do autor, fascinado por exotismo e capaz de introduzir na sua estética pessoal elementos gráficos de outras iconografias.
Neste livro, Ruy presta uma profunda homenagem a Venceslau de Morais, escritor que se perdeu, e muito bem perdido, pelas terras orientais do sol nascente. Transmutou o seu fascínio pela cultura japonesa em livros clássicos, indo além do mero deslumbre orientalista para nos trazer olhares de profundo respeito pelo modo de vida nipónico. As lendas que fascinaram um ainda jovem José Ruy partem desse acervo literário.
Este é um livro que demorou décadas a ver a luz. No prefácio, descobrimos como há mais de meio século que o autor trabalhou nas suas histórias, numa saga de peripécias editoriais que por várias vezes quase levou este projeto a ser impresso, mas sempre sendo mal sucedido. Resta uma intervenção fortuita do editor da Polvo, numa conversa online, para nos trazer esta preciosidade. Dada a estabilidade e maturidade do traço de José Ruy, não vemos aqui uma evolução do seu estilo. Até porque as histórias mais antigas foram reformuladas. Nota-se, no entanto, um enorme esforço do autor para cruzar duas tradições estéticas, o realismo europeu e o estilismo japonês. Isso nota-se muito nos enquadramentos, onde Ruy transumta para o seu traço a estética das ilustrações japonesas.
Tudo passa nesta vida, e podemos alegrar-nos que no final da sua vida, José Ruy tenha ainda deixado este último legado, que de certa forma é uma súmula da sua carreira, mas também de épocas, um posfácio aos tempos antigos da BD portuguesa, e um curioso casamento de clássicos portugueses: vindo das palavras de um escritor clássico do século XIX para um autor clássico da BD do século XX. Ficamos nós, leitores, a ganhar, pelo deleite que é mergulhar nestas encantadoras adaptações de lendas japonesas. O livro tem o seu quê de arcaísmo, uma aragem de outros tempos, e isso torna-o ainda mais delicioso.