domingo, 29 de setembro de 2019

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*Meanwhile, in Hong Kong: Das trincheiras do protesto dos habitantes de Hong Kong, alguns memes potentes, um dos quais com uma tremenda carga de história, quer das revoluções quer da arte. Delacroix, revisto para o século XXI. La Liberté, que de francesa semi-desnuda passou a jovem ativista chinesa, com as novas armas de protesto: máquinas fotográficas, megafones, chapéus de chuva, máscaras, e lasers para confundir os sistemas de videovigilância. A iconografia das revoltas parece manter-se imutável. É muito intrigante esta linha direta da Hong Kong do terceiro milénio à revolução francesa.

Data Leviathan: China’s Burgeoning Surveillance State: Um olhar ao sistema de hipervigilância chinês instalado na região de Xinjiang. Uma rede complexa de tecnologia, complementada por polícia, que não permite a nenhum habitante da região qualquer forma de privacidade. Tecnologias similares são aplicadas, em menor grau, a todos os chineses, para assegurar o seu bom comportamento. A tecnologia está a permitir o velho sonho dos autoritarismos: ter um polícia ao lado de cada indivíduo. A captura e tratamento de dados permite isso à escala de uma nação.

Paper Theaters: The Home Entertainment of Yesteryear: Multimédia e entretenimento das eras pré-digitais. Capitalizando o imenso interesse no teatro nos séculos XVIII e XIX, havia pequenos teatros de papel como brinquedos, para que as crianças fizessem as suas peças. São curiosos artefactos de interatividade, antes de sequer termos desenvolvido esse conceito para intereção com tecnologias. A história dos primórdios do multimédia é riquíssima, entre teatros de sombra, lanternas mágicas, ou artefactos óticos, entre muitos exemplos. Se estiverem dispostos a dar um salto a Leiria, o Museu da Imagem em Movimento tem muitos exemplares destas antigas tecnologias em exposição.


Inside China's High-Tech Dystopia: Fábricas automatizadas com robots, dinheiro digital pós-cartão de crédito/débito onde o telemóvel se tornou a carteira. E uma história arrepiante, para os padrões europeus, da normalização da vigilância total, contada por um expat que nos diz que segundos depois de ter passado numa passadeira antes do sinal verde, foi imediatamente multado via telemóvel. Como? Conjugação avançada entre videovigilância, reconhecimento facial e redes de comunicação.

Visiting Dead Relatives on Google Street View: Rever os falecidos, mas não de forma sobrenatural. Traços das vidas quotidianas que ficam, perdidos nas imensas bases de imagem do google streetview.


Could Architecture Help You Live Forever?: Definitivamente, weird. Projetos de arquitetura intencionalmente bizarra, criados com a ideia que o desafio à perceção trazido por formas arrojadas e cores garridas seriam um estímulo à longevidade. Não há ciência por detrás disto, notem, transhumanistas que lerem o artigo e se predisponham a martelar as paredes cúbicas dos apartamentos. A lógica é artística, dentro do lado mais psicadélico do pós-modernismo.

‘One Belt One Road’ Is Just a Marketing Campaign: Qual é a profundidade da iniciativa chinesa? Menor do que aparenta. É mostrada como um tremendo investimento para estreitar os laços globais com a China, mas não está a ser feita de forma organizada e metódica. Parece mais um golpe de publicidade e uma componente do culto de personalidade do corrente líder chinês, Xi Jinping. Há quem acredite piamente na iniciativa, outros simplesmente alinham para que a China lhes seja favorável nos negócios. No entanto, por detrás das cerimónias, há a possibilidade de, com a gestão correta, esta iniciativa realmente transformar o mundo.

All 82 Scary Stories to Tell in the Dark, Ranked: Uma visão crítica, e muito completa, das diversas histórias de horror tradicional/mito urbano coligidas por Alvin Schwartz nos seus influentes livros.


Ray Bradbury on Space Travel as a Theological Movement. What is the Cosmic Perspective?: E quem é Ray Bradbury, perguntam-se? Fãs que conheçam bem a Ficção Científica dispensam apresentações. Para os outros, fiquemo-nos por uma comparação: Bradbury foi um Borges da FC. Criador de contos que são pérolas literárias, cheias de luminosidade e otimismo no futuro, preocupava-se menos com o aspeto hard science do género, e mais com o seu lado literário. Um dos gigantes da Ficção Científica, e, apesar de escrever em prosa, em essência, um poeta do futuro.

How many likes for Da Vinci? Why it's fine to take pictures in an art gallery: É verdade que ter magotes de turistas a fazer selfies frente a obras de arte incontornáveis é deveras irritante (razão legítima para surtos súbitos de homicício, IMHO). No entanto, a lente do telemóvel é um complemento da memória, e dá-nos uma perspetiva pessoal (embora, suspeito, não seja isso que esteja na mente da maior parte dos que se acotovelam para tirar foto aos quadros dos grandes mestres). No artigo, é interessante ver a forma como observa que é perfeitamente natural que usemos o olhar da lente do telemóvel para enriquecer a experiência da fruição da arte. Mesmo que isso implique levar com uma teenager influencer wannabe a fazer duckface ao lado dos girassóis de Van Gogh.


Grishka and the Astronaut: Pérolas da ilustração infantil soviética, onde a ficção científica foi autorizada a florescer se seguisse uma perspetiva de progresso pelo cosmos (que escritores como os irmãos Strugatsky ou Stanislaw Lem depressa subverteram).

Facial recognition is now rampant. The implications for our freedom are chilling: A combinação de videovigilância com algoritmos de reconhecimento facial é coisa típica dos regimes autoritários tipo a China, certo? Só que não, e pelo Reino Unido, o entusiasmo público e privado por estes sistemas é endémico. Deixo a pergunta no ar: por lá, há pessoas atentas que apontam o uso destas tecnologias. E por cá? Correndo o risco de soar como um paranóico, o não se falar sobre este assunto não significa que não exista.

Congrats to the winners of the 2019 Hugo! Kowal, Wells, Cho, Harrow, Chambers, AO3, Liu, Dozois, Wolfe, and more!: As obras distinguidas com o Hugo deste ano já são conhecidas, anunciadas na Worldcon que decorre em Dublin. Uma convenção que, este ano, contou com presença portuguesa em vários painéis, graças ao esforço da  blogger Cristina Alves.

Art Spiegelman: golden age superheroes were shaped by the rise of fascism: Parece um fait divers, mas não é, pelo ato em si, e pelo impacto cultural da Marvel. Spiegelman, um dos maiores desenhadores de comics da atualidade, autor do seminal Maus, viu-se forçado a retirar um ensaio escrito para uma edição que colige comics clássicos da Marvel porque o que escreveu fazia referências à fascização implícita no trumpismo. O porquê desta censura é grave. O dono da Marvel é um dos apoiantes e financiadores políticos de Trump. Não sei se isto se traduz no uso das personagens Marvel para disseminar ideais extremistas. Até tenho a perceção que a editora tem seguido um caminho exemplar, criando heróis com uma enorme diversidade étnica - Miles Morales Spiderman, a muçulmana Ms. Marvel, a obviamente queer Squirrel Girl, e até arriscar a ira dos trolls ao ter destronado Thor do seu papel, colocando uma mulher como Deusa do Trovão (e vale bem a pena ler esta run de comics). Polémicas à parte, este texto de Spiegelman para o Guardian é uma excelente história da génese dos comics.

Os frutos dourados do Sol e a sonda Parker: Há duas coisas que me encantam neste texto do João Ventura: o rigor didático sobre a Parker, e a referência a um dos livros que me empurrou para a paixão pela ficção científica.

Cabinas: un reducto para vándalos, rateros y adúlteros: Hã... adúlteros? Parece que por terras espanholas, as poucas cabines telefónicas em funcionamento só servem utentes com propósitos mais sombrios. É assim um pouco por todo o mundo. A ubiquidade do telemóvel ditou a extinção dos telefones públicos. Ainda existem, enquanto governos, por nostalgia ou sentido de utilidade obsoleta, considerarem que devem ser mantidos para suplementar as redes móveis.

Leonardo da Vinci: After 500 Years, Still a Man in Full: O fascínio com esta figura ímpar da arte, ciência e cultura europeias, que não só perdura mais continua mais vibrante do que nunca.


Z:THE BEGINNING (Sci-fi / Post Apocalyptic Short Film): O trabalho do coletivo nigeriano Critics Company viralizou recentemente, e por excelentes razões. Estes afrofuturistas criam curtas metragens de ficção científica com poucos meios, muita criatividade e uma capacidade de CGI de fazer inveja a muitos estúdios.



Orson Welles - War Of The Worlds - Radio Broadcast 1938 - Complete Broadcast: A transmissão da adaptação da Guerra dos Mundos de Wells por Orson Welles, e o pânico que causou, é correntemente citada como uma história curiosa das primeiras décadas do século XX. Mas é bem mais que isso. O pânico que se gerou (e, no Portugal dos anos 60, uma transmissão em português criada nos mesmos moldes que a de Welles também causou pânicos) mostra que Orson Welles soube perceber as possibilidades estéticas e narrativas do então novo media que era a rádio. É isso que torna esta transmissão tão poderosa, e ainda hoje tão ressonante. Em vez de narrar a história, Welles reconstruiu-a como uma série de transmissões em direto, quer dos locais atingidos, quer com experts em estúdio a discutir o assunto. Uma hora gasta a ouvir esta gravação não é, garanto-vos, uma hora perdida. Hey, escrevi isto, e faz parecer uma qualquer emissão noticiosas televisiva, certo? Welles percebia da coisa...

De las noticias falsas a los libros falsos: en Amazon se encuentran obras de Orwell falsificadas y editadas por terceros: Edições falsas e adulteradas de 1984? É algo, diria, bastante orwelliano.

(Un)happy Partners: On Jazz and Independent Film: Da relação entre o jazz e o cinema, à partida duas formas artísticas que se complementariam, mas a pressão dos estúdios em procurar o lucro com o mínimo de qualidade garantiu que raramente a conjugação destas duas artes deu frutos interessantes. Pelo menos, de um ponto de vista estético e crítico.

BUILDING VIRTUAL WORLDS IS A NEW FORM OF SELF-EXPRESSION: A Wired descobriu a pólvora dos mundos virtuais como ferramenta de criação expressiva. Lamento, caros, mas isso é muito old news, e só mostra a incapacidade de memória mediática no mundo digital. Nos anos 2000, o mundo virtual Second Life (creio que ainda existe) atraía as atenções precisamente pela capacidade dos seus utilizadores de criarem os seus próprios espaços virtuais... e a Wired cobriu isso, extensivamente. Há dez anos atrás, que são séculos em tempo internet, terminei o meu mestrado cujo tema era, precisamente, usar ferramentas 3D para construir mundos virtuais em VRML (o primeiro standard online para conteúdo 3D, agora totalmente ultrapassado). A piada estava mesmo no gosto pelo conceber, modelar e construir. De caminho, nas leituras e investigação, deparei com imensas variantes de mundos virtuais, alguns dos quais verdadeiras pérolas visuais e interativas. Velhos tempos, com skyboxes a simular céus, imagens transparentes para simplificar vegetação, muita modelação low poly e javascript para permitir interatividade.


MATTE PAINTING REVIEW: A Selection of Overlooked Films - Part Four: Gostaria que o Matte Shot publicasse mais regularmente. As seleções que nos traz de pintura matte para cinema e efeitos especiais visuais pré-digitais são sempre surpreendentes. Mas peca pelo excesso. Desta vez, entre os registos de vários filmes, um especialmente intrigante de ficção científica japonesa dos anos 50.

Read: Jeannette Ng's Campbell Award acceptance speech, in which she correctly identifies Campbell as a fascist and expresses solidarity with Hong Kong protesters: E pronto, está instalada nova polémica no fandom global de ficção científica. Jeanette Ng, escritora galardoada com o prémio Campbell deste ano, assim denominado como homenagem ao editor John W. Campbell Jr., uma das figuras mais influentes da génese da ficção científica. No seu discurso, fez questão de referir que o editor tinha filosofias caracterizáveis como fascistas... e não está incorreta. E, como observa John Scalzi, confesso praticante do tipo de FC que Campbell privilegiou, este influente editor direccionou a FC num sentido específico, só muito recentemente se abriu à diversidade cultural. Mas, geralmente, este tipo de observações não cai bem no fandom, muito habituado a endeusar as figuras que venera. Passa-se o mesmo com Lovecraft - tentem apontar o seu óbvio racismo e misoginia, e são depressa trucidados pelos fãs, com o argumento que na sua época, essas atitudes eram o normal e não devemos julgar figuras do passado de acordo com os nossos valores (nota: adoro a obra de Lovecraft, mas não sou cego perante as suas falhas). Não vai ser diferente em relação a Campbell. No fundo, o que está em causa não são as reais falhas ou virtudes destas personalidades (e a lista não acaba nestes), mas no abalo que a imagem que o fandom tem delas sofre. Sempre se soube disto, mas era uma daquelas coisas sabidas mas não ditas. É de admirar a coragem das novas gerações de escritores de FC, que se estão a atrever a desafiar os seus grandes ídolos. Note-se que não se trata de esquecer a obra destes autores e editores em nome de um saneamento politicamente correto, mas simplesmente de apontar os seus enviesamentos ideológicos. Pessoalmente, não tenho problemas com isso. Mas boa parte do fandom tem.

After Twenty Years, Bryan Talbot Returns With “The Legend of Luther Arkwright”: Boas notícias para os fãs deste autor, pioneiro das graphic novels britânicas, traz o seu Luther Arkwright de regresso. Um personagem livremente inspirado na estética do Jerry Cornelius de Michael Moorcock, aventureiro libertário entre mundos paralelos. O tema promete ser apropriado ao crescimento dos extremismos que se assiste na esfera cultural.


THE REAL NETHERLANDS: Q&A WITH CLEO WÄCHTER: Um projeto fotográfico intrigante. Há quarenta anos, um fotógrafo viajou pela Holanda retratando o país, não no seu lado pitoresco, mas nas paisagens banais do dia a dia. Esse projeto foi recriado recentemente, com outro fotógrafo a ir aos mesmos locais para os voltar a fotografar. O resultado é um cruzamento entre estética e geografia, um registo das alterações feitas pelo homem e pelo tempo na paisagem.

Setting The Scene For The Magic Trick Of Batman #77 (Spoilers): Tom King tem sido dos melhores argumentistas contemporâneos do Cavaleiro das Trevas. Com seu estilo narrativo austero, com um ritmo cinematográfico, tem olhado profundamente para esta personagem, num misto entre o lado clássico, e a renovação para a manter contemporânea. Discretamente, que é o que me surpreende na sua abordagem, que é profunda mas sem histerias (comparem com o Batman de Zack Snyder para ver a diferença entre histórias histéricas e histórias bem contadas), tem-se atrevido a levar o personagem nalgumas direções lógicas. Tornou explícita a sua ligação com Catwoman. Agora, no arco City of Bane, atreveu-se a assassinar o eterno mordomo Alfred. É só eliminar um dos elementos mais perenes de Batman, mas não se preocupem, no mundo dos comics, a morte de personagens marcantes raramente é terminal. E desfez alguns tabus: Batman come hambúrgueres, mas de faca e garfo - um detalhe explorado numa sequência hilariante em que Bruce Wayne vai jantar com os seus diversos Robins numa cadeia de fast-food chamada Batburger... e é atendido por um empregado vestido de Batman.

Kitty: a wonderful early computer animation from Russia (1968): Confesso que sou fã da estética acidental das primeiras experiências de animaçao por computador. Os investigadores apenas estavam a tentar desenvolver a técnica, mas inadvertidamente, porque estas coisas andam sempre ligadas, acabaram por criar experiências visuais marcantes.

The near crash of Air Canada flight 759: A colisão entre más práticas laborais, cada vez mais prevalentes no mundo contemporâneo, e as realidades da fisiologia humana, podem provocar catástrofes. Neste caso, foi evitada literalmente por um triz. Em 2017, um voo da Air Canada esteve a poucos segundos de aterrar em cima de quatro aviões que aguardavam ordem para descolar. Teria sido a pior tragédia da história da aviação. A análise ao caso, agora concluída, mostra que a causa deste quase acidente foi técnica: os escalonamentos de horário dos pilotos da companhia aérea não lhes permitiam tempo de descanso suficiente em voos de longo curso, em horas contrárias ao seu ritmo circadiano. Neste caso, o comandante estava acordado há 19 horas depois de uma noite de sono curto, por ter estado on call para necessidades da companhia, e o co-piloto não estava em situação muito diferente. Ao longo do voo, a fadiga instalou-se, e com isso a diminuição da capacidade de atenção a pequenos pormenores que se avolumaram. No final do voo, à noite, confundiram a pista de aterragem com uma via de acesso. A leitura é arrepiante, especialmente para quem for voar em breve. A cadeia de acontecimentos desta quase tragédia mostra que os pilotos são inocentes. Os verdadeiros culpados, sublinhado pelo relatório, são as práticas laborais desta linha aérea.


The world's largest occult library has a public online archive: Como resistir a uma biblioteca digital que se denomina hermeticamente aberta? Diga-se que os curadores desta biblioteca holandesa especializada em textos herméticos, alquímicos e ocultistas têm sentido de humor.

GAMERGATE COMES TO THE CLASSROOM: É muito preocupante ver estes traços de polarização extrema na sociedade. Ao ponto de quem tem posturas públicas se sentir intimidado pelas ações dos radicais.

Around the World in 28 Alternative Cities!: O urbanismo revisto pelo fantástico é um dos grandes temas da Ficção Científica, Fantasia e literatura fantástica. Neste artigo, vinte e oito cidades reais, transformadas pelo poder do imaginário.

Unable to buy cars, Venezuelans labor to make sure robotic ones don’t crash: O intrigante nesta história? O poder da inteligência artificial é alimentado por humanos, que categorizam informação para treinar as bases de dados de que os algoritmos dependem.

Chris Claremont Hailed as a Visionary in New Marvel TPB… So Why Won’t They Let Him Write a Series Today?: É intrigante perceber que um dos argumentistas seminais da Marvel é pago... para não escrever. Qual será a lógica por detrás disto? Conflitos de propriedade intelectual entre a Marvel e a Sony, que detém os direitos cinematográficos do Homem-Aranha e dos X-Men, que foram o grande contributo de Claremont para a Marvel?


Starblazer: Tipo Robocop, mas com martelos.

Mr. Extraterrestrial and Fado Music: No portal de FC portuguesa para o público global, fala-se de um fado, no mínimo, atípico.

Tech Is Fueling the Hong Kong Movement. An Insider Told Us How, and Why It’s a Huge Step for Freedom: Questões ideológicas e estratégicas à parte, o que se passa em Hong Kong é muito interessante nas perspetivas do impacto social das tecnologias digitais. A forma como estas são usadas para organizar os protestos e estruturas o movimento de forma fluída e descentralizada mostra o poder do digital na afirmação política. Mas isso, só, não chega, já houve outros momentos de convulsão onde as redes digitais foram fundamentais para organizar protestos e tentativas de mudança. O problema é que todas falharam, ou engolidas por caos provocado por implosão institucional, ou esmagadas por intervenção policial e militar. Como será em Hong Kong?

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Flex Mentallo Herói do Mistério


Grant Morrison, Frank Quitely (2019). Flex Mentallo Herói do Mistério. Oeiras: Levoir.

Sempre achei deprimente que "Hero of the Beach" nunca se tenha tornado o meme que deveria. Grant Morrison fez, e faz, muitas coisas boas nos comics, atrevendo-se a explorar meta-textualidades em argumentos complexos, com toques intensos de surrealismo e psicadelismo. Dadaísmo talvez seja o qualificativo mais rigoroso, Morrison talvez seja o último dada, transmutando o absurdismo niilista nas aventuras de super heróis. A sua temporada em Doom Patrol foi uma das suas mais brilhantes obras (que me perdoem os fãs de Invisibles), pegando num título de segunda linha com personagens algo misfits, tornando-o num espaço experimental onde explorou e ampliou os limites artísticos dos comics. Sou suspeito, sempre achei que The Painting that Ate Paris foi a história mais inesperada que já li. 

Entre as personagens estranhas que criou em Doom Patrol, Flex Mentallo destaca-se por ter sido aproveitado numa série individual (Danny The Street, a rua consciente, ou Mr. Nobody, o super-vilão dada, não têm séries, certo?). É uma série metaficcional, que revelou o fascínio que Morrison tem pelos comics enquanto mitologia pop, um tema que viria a aprofundar em Supergods. Mentallo é a conduta ao longo da qual flui uma narrativa aparentemente não linear, que converge para uma colisão de meta-ficções. Talvez a realidade seja o mundo cinzento deste herói atípico, com o seu ar de Morrissey culturista, corpo hercúleo e mente inocente, a remeter para os anúncios a métodos de fortalecer o corpo das revistas de banda desenhada antigas. E a eterna tanga tigrada, talvez o pormenor mais LOL do personagem. Ou talvez a realidade seja o delírio de um escritor a sofrer uma péssima trip de medicamentos misturado com ácido lisérgico. Eventualmente, a realidade talvez seja o mundo de possibilidades infinitas, vibrante nas suas cores primárias, dos personagens bidimensionais dos comics. 

O que é, em suma, Flex Mentallo? História de aventuras grimdark a homenagear o simplismo ingénuo dos comics clássicos, reflexão meta-textual e referencial sobre o género, delírio induzido por psicotrópicos, elogio pessoal ao fascínio pelos comics. Há um pouco disto tudo nesta aventura do inesperado hero of the beach. 

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Dark Country


Thomas Ott, Tab Murphy (2012). Dark Country. RAW Studios.

Começa como um policial noir na estrada, com um casal recém-casado em que ambos têm claramente bagagem pesada no passado. Pode ser uma viagem de núpcias, pode ser um princípio de nova vida. Que é brutalmente interrompida quando atropelam um homem na estrada escura. Tentam ajudá-lo, mas ele ataca-os e acabam por o matar. Crime na noite escura, que ocultam enterrando o desconhecido estranhamente desfigurado. Seguem caminho, e encontram um motel para passar a noite, mas o homem repara que se esqueceu de algo no local onde enterraram a vítima. Regressa, para descobrir uma campa vazia. Assustado, despista-se e é ajudado por um polícia, que o leva de regresso ao motel. Aí, deparam-se com uma cena de massacre. E, pelo estado de decomposição das vítimas, já acontecido há algum tempo. Aterrorizado, vendo a mulher que ama morta, rouba o carro do polícia e foge, despistado-se novamente. Ferido, vagueia pela estrada, acabando por ser atropelado. Está aí o twist da história, é atropelado por si próprio. 

História noir num curioso laço temporal, com toque subtil de horror, vive da capacidade gráfica de Thomas Ott. Não há texto na história, tudo é contado através de uma rigorosa disposição das vinhetas que enquadram a narrativa. 

domingo, 22 de setembro de 2019

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The Generative Portraiture of Espen Kluge: Uma intrigante utilização de algoritmos generativos nas artes visuais, que escapa ao típico abstracionismo das obras criadas com programação.

A French Chateau Hoarding the World’s Largest Private Collection of Fighter Jets: Se eu tivesse um castelo, e finanças a condizer, diria que se calhar também seria assim. A coleção é grande, e parece bem preservada.

24 of 'Internet of Sh*t's' Technological Fails That Make Reality Seem Like a Crappy Dystopia: A IoT tem a sua utilidade, especialmente em processos industriais e de gestão. Menos úteis (oscilam entre o completamente inútil, o estúpido e a vigarice pura) são os equipamentos de consumo que se ligam à rede. Chamem-me velho do Restelo, mas tenho alguma dificuldade em perceber a lógica de cafeteiras dependentes de software ou escovas ligadas à Internet. Ainda por cima, os riscos de segurança digital associados a estes dispositivos são enormes.


Animated Rendering of Space Battles With Nuclear Orion Spaceships: O conceito de propulsão do projeto Orion é daqueles que nem no papel soa bem. Este projeto clássico de desenvolvimento de naves espaciais propunha um sistema de propulsão em que as naves seriam propulsionadas por sucessivas explosões de bombas atómicas na sua traseira. É daquelas coisas que se pensa logo ah, o que é que poderia correr mal. Mas não deixa de ser parte da história da exploração espacial, e esta animação 3D mostra como é que poderiam funcionar.


Wedged Wonders: pointy concept cars of the seventies: Quando o design automóvel futurista envolvia muitos ângulos e arestas vivas.

The Pint-Size Nation off the English Coast: O mundo das micronações oscila entre a brincadeira e o bizarro. A maior parte destes territórios que se proclamam independentes são devaneios dos seus criadores. Sealand é a exceção. Uma plataforma de artilharia dos tempos da II guerra ao largo do reino unido, foi ocupada por uma figura muito colorida, que declarou o território como soberano. Sealand e as suas histórias são bizarras, e parte delas envolve ética, no mínimo, questionável.


Check Out This Sort-Of Parody “Top Gun: Maverick” Trailer Featuring Japanese F-4 Phantoms: Uma prenda para os amantes de aviação. Usando a banda sonora de Top Gun, os pilotos do esquadrão de reconhecimento da JASDF baseados em Hyakuri filmaram os seus clássicos RF-4J. E diga-se que está muito bem feito.

Morals ex Machina: Should we listen to machines for moral guidance?: O que é que poderia correr mal se se externalizar decisões éticas em algoritmos de IA? Começaria pelo problema do garbage in, garbage out, o dos enviesamentos no treino de algoritmos. Ou o carácter black box, em que poderemos não saber exactamente que pressupostos estão por detrás das decisões. O que mais arrepia é o abandono da capacidade de escolha e decisão moral, delegando essa responsabilidade numa entidade externa. Algo que até tem sido comum na história humana, os que seguem religiões e ideologias estão, essencialmente, a delegar as suas escolhas e decisões em entidades externas. Mas se há algo que herdámos do iluminismo, é a ideia que para sermos realmente livres, temos de ser capazes, e corajosos, de pensar pela nossa própria cabeça, seguindo os princípios éticos humanistas. Claro que é sempre mais confortável delegar em terceiros, é simples e alivia a responsabilidade.

Botticelli’s Venus Was Real, and the Original Blonde Bombshell: Chamava-se Simonetta Vespucci, e era a mulher mais bela da corte dos Medici. A sua beleza inspirou Botticelli, mas não só. Ficou imortalizada no nascimento de Vénus, um daqueles quadros seminais da história e da arte.

Training bias in AI "hate speech detector" means that tweets by Black people are far more likely to be censored: É mais um exemplo de garbage in, garbage out em Inteligência Artificial. Um algoritmo criado para detetar discurso de ódio nas redes sociais mostrou tendência a identificar este tipo de discurso, prevalentemente, em utilizadores não brancos. Não por o discurso ser realmente de ódio. O problema está na forma como a IA foi treinada.

Paperbacks from Hell' Go To The Movies!: Fico na dúvida. Isto é uma lista de filmes de terror trashy para ver, ou de livros de horror over the top para descobrir?

This Ain’t Walden Pond, Mate: Os detox digitais tornaram-se moda, mas na verdade quem alinha nestas coisas apenas está a sublinhar a sua incapacidade de gerir a imersão nos fluxos constantes de informação. A solução não está no corte, no encerrar contas em apps e redes sociais, mas sim encontrar estratégias de gestão, que serão sempre, necessariamente, pessoais (a minha? Por paradoxal que pareça, é não estar constantemente ligado, excepto quando estou a trabalhar na minha profissão principal. Não é detox, é inverter a necessidade de constante conexão). Algo que passa muito pelo foco nos fluxos e aplicações que realmente nos interessam.

Reddit, with wigs and ink: Estamos habituados a pensar no jornalismo como um bastião de fiabilidade e objetividade, mas na verdade só em meados do século XX é que os critérios de rigor e isenção se estabeleceram. Até lá, os jornais eram panfletários e polémicos, mais interessados em arranjar notícias sensacionais para vender (até mesmo criar acontecimentos para gerar notícias) do que em transmitir com isenção. Não sei se se recordam de Hearst, magnata dos media no princípio do século, a afirmar que a opinião pública era ele que a fazia? O artigo vale bem a leitura, nem que seja por isto: "the new medium would spread half-truths, propaganda and lies. It would encourage self-absorption and solipsism, thereby fragmenting communities. It would allow any amateur to become an author and degrade public discourse". Parece que estamos a falar da Internet, blogosfera ou redes sociais, não parece? Na verdade, era assim que se qualificavam os jornais nos séculos passados.

Human dressed as TV trolls town by leaving TVs on people’s porches: Claramente, é um fã da série de comics Saga, que levou o cosplay muito a sério.

Passenger name records (PNR) for the prevention of terrorist offences and serious crime [European Parliament impact 2014-2019]: A União Europeia é exímia em ter leis discretas que nos afetam a todos, sem nos apercebermos disso. Este é um exemplo, o registo dos passageiros de linhas aéreas, que regista não só a informação de base, como preferências manifestadas durante os voos. Percebe-se a lógica, mas o potencial para abuso de informação está lá. Se vivemos num país onde não esperamos que este tipo de informação seja abusada por sistema, recordem-se que há estados da UE perigosamente próximos do fascismo (sendo a Hungria o caso mais óbvio).

Smartphones, Except Landlocked: Uma  história dos telefones fixos com capacidades digitais de acesso a informação e aplicações. Equipamentos que permitiam fazer aquilo que os smartphones de hoje tornaram normativo.


Robert McCall: É preciso explicar? Ainda por cima 2001, essa obra magistral.

Exploiting GDPR to Get Private Information: Não demorou muito. Os mecanismos de solicitação de informação pessoal detida por entidades sobre indivíduos podem ser explorados para roubar dados. O como até é trivial, sabendo que as entidades têm de enviar a quem faça estes pedidos uma versão machine readable dos dados de que dispuser sobre o inquirente. O ponto fraco está mesmo aqui: se os mecanismos de validação da identidade de quem pede os dados forem fracos, torna-se possível um terceiro assumir a identidade de alguém, e ficar a conhecer os seus dados.

Review: The Mild Horror of “Scary Stories to Tell in the Dark”: Li os livros, vi o filme, e de facto o horror neste filme de terror acaba por ser muito leve. Mas o substrato histórico e social que carrega em cima das histórias originais é muito potente. Mas creio que o crítico da New Yorker esqueceu-se de um ponto importante: o público-alvo deste filme não são adultos, conhecedores profundos do género, mas sim jovens adolescentes. Fala-lhes diretamente à alma, entre os personagens outsiders que vivem as desventuras, quer a consciência woke de todo o filme. Suspeito que tenho alguns alunos que me vão falar, entusiasmados, de como acharam este filme fantástico. Nós, fãs conhecedores, sofremos muito deste viés. Queremos que tudo o que apareça nos seja relevante ou surpreendente, mas esquecemos que os novos públicos têm de se formar, de ser conquistados. Algo que não se faz com obras direcionadas para os fãs profundos.

Sorcerer’s toolbox found in Pompeii: Um achado arqueológico com toques de fantástico. No imenso tesouro que são as ruínas de Pompeia, foi recentemente descoberta uma caixa de amuletos, artefactos de feitiçaria e superstição dos tempos romanos.

The 100 Best Anime Movies of All Time: Mergulhem no Netflix, metam-se à caça nos torrents, peticionem a Cinemateca para prestar atenção a este género cinematográfico. 100 sugestões, a apontar a excelência, diversidade temática e estilística, do anime.

Supercomputer creates millions of virtual universes: Daquelas coisas que se lê e nos deixam com a arrepiante sensação que talvez sejamos meras variáveis num algoritmo de simulação complexo.

‘So Huge a Phallic Triumph’: Why Apollo Had Little Appeal for Auden: Há sempre quem não se deixe impressionar, ou levar por histerias coletivas. Note-se a resposta brilhante à questão sobre o que é que Armstrong poderia dizer como primeiras palavras na Lua.

A New Clue to How Life Originated: Um vislumbre revelador sobre os primórdios da vida.

The Storytelling Computer - Issue 75: Story: intrigante. Qual será a característica que realmente define o pensamento? A lógica, ou a capacidade narrativa? Privilegiamos a primeira, no entanto, é a segunda que nos tem servido como estrutura para memorizar e transmitir conhecimento, e fazer sentido do mundo. Os mesmos princípios estão a ser aplicados à inteligência artificial. E se esta for treinada na narrativa, e não na lógica (assente na análise de quantidades massivas de dados, que é a IA que temos agora?

Behold Ponyhenge, a mysterious herd of rocking horses that inexplicably multiplies and rearranges: Entre o surreal feérico e o creepy. Onde é que os cavalinhos de pau e dos carrosseis vão parar depois de abandonados? Imaginem a visão de um prado verde no nevoeiro, cheio de cavalos com tinta a descascar-se… Uma iniciativa de folk art, mas também uma bela premissa para filme de terror.

Judging Dredd: A Brit and a Yank Discuss the Legendary ‘2000 AD’ Strip: Se não conhecem Judge Dredd, estão a perder o melhor da banda desenhada pop britânica. É, talvez, dos mais subversivos personagens dos Comics. Vive num futuro distópico, onde o planeta foi destruído por uma guerra nuclear (uma preocupação vinda dos anos 70 e 80). Os sobreviventes congregam-se em gigantescas megalópoles, que não são abrigos infectos, mas sim cidades futuristas compostas por gigantescos edifícios que funcionam como quarteirões. Grande parte da população não trabalha, o que não implica pobreza, todos têm direito a um mínimo de sobrevivência. O maior problema é encher o vazio das vidas num mundo em que o trabalho é automatizado (o que tem dado o mote a belíssimas histórias que analisam com enorme ironia as nossas modas e tendências de entretenimento, dos desportos aos Reality-shows). As cidades estão rodeadas de desertos radioativos e oceano negros, povoados por mutantes. Mas não está aqui o seu lado subversivo. Está na figura dos juízes, upgrade high tech à imagem do xerife do velho oeste. A força policial que se substituiu aos políticos e governa as cidades com punho de ferro (em bom rigor, com a pistola lawgiver no punho, capaz de disparar desde balas a munições explosivas) . E não há juiz mais duro e rigoroso na aplicação da lei do que Dredd. A ironia crítica aos autoritarismos passa muitas vezes despercebida aos leitores, mas é o que dá energia ao personagem. Dredd é uma colisão entre os futurismos de Huxley e Orwell: não falta soma numa sociedade anestesiada pela tecnologia de consumo, e também há botas cardadas a esmagar os rostos.

Why China’s Army Still Rides Yaks: É sempre intrigante o cruzamento entre high e low tech. Nas remotas zonas montanhosas de Xinjiang, o melhor meio de transporte ao dispor dos soldados chineses é o venerável iaque. Cavalaria de Iaque soa tão, mas tão bizarro.


Man as Industrial Palace now in motion: devo dizer que adoro esta ilustração clássica de Fritz Kahn. Não só pela sua qualidade estética, e herança direta do modernismo, mas por mostrar a importância que colocamos nas metáforas para compreender o mundo. Tempos houve em que o corpo era visto como um mecanismo de relojoaria, insuflado por espírito ou energia. Hoje, recorremos aos algoritmos e à computação como forma de compreender quer como pensamos, quer os sistemas complexos em que estamos inseridos. No auge industrial da era moderna, a metáfora era a máquina, a linha de montagem.

It's All Greek to You and Me, So What Is It to the Greeks? : Ok, indo direto ao assunto, chinês. A expressão grega equivalente ao nosso "ver-se grego" é ver-se chinês. É curioso que esta é uma expressão transversal a todas as línguas europeias. Pessoalmente, percebo. Grécia faz-me sentir analfabeto, não só por não conhecer a língua, mas porque qualquer sinalética, texto, tudo o que envolva letras no alfabeto grego é incompreensível para quem não o conheça. É assim que se sentem os analfabetos no dia a dia, incapazes de decifrar os códigos visuais que são a base da literacia.

You Probably Haven’t Heard *Of* This Tune, But You’ve Almost Certainly Heard It. Is It History’s Most Enduring Melody?: vinda de um cancioneiro português do século XV, esta melodia manteve-se viva ao longo dos séculos, quer na música erudita quer na popular. É ao ouvir as versões quinhentistas dela, surpreende o quanto soam à música pop de hoje. Daquelas músicas que todos conhecem, mas ninguém se lembra exatamente de onde a ouviu. O perfeito, e erudito, exemplo de vírus aural.

One Family’s Story of Survival Under the Khmer Rouge, No Longer Buried: Fotografia e memória, na história de uma família que sobreviveu a um dos mais violentos e sangrentos regimes ditatoriais do século XX.

2001: A Space Odyssey pushed blockbuster cinema to a new plane of star-child brilliance: Nunca me canso de ler sobre este, que é o mais sublime dos filmes de ficção científica, talvez aquele que capte melhor a essência do género.

Swipe right for revolution: Why Hong Kong protesters are using Tinder and Pokémon Go: O que é que se faz quando se luta contra um adversário que controla todos os meios de comunicação? Improvisa-se, cooptando aplicações para usos inesperados de guerrilha urbana.

What Is the Greatest Movie Quote of All Time?: Que desilusão de escolhas. Ninguém se lembrou de Schwarzenegger no filme Erasure, a mandar crocodilos desta para melhor dizendo you're luggage.

“We are not publishing such fiction” – Sleep with Lisbon by Fausta Cardoso Pereira: Uma excelente análise das problemáticas da edição de ficção científica e fantástico por cá. Há o desinteresse, ou melhor, o desdém das editoras e ambiente cultural por este tipo de ficções. Há as comunidades de leitores, que se alimentam de ebooks ou encomendas da Amazon ou Bookdepository, porque sabem que dificilmente conseguirão ler o que gostam traduzido para português. Algo que não passa despercebido aos potenciais editores, que sabem que o seu mercado potencial já leu em inglês os livros que lhes poderiam vender. E o terrível paradoxo de um excelente romance de fantástico português, premiado e editado na Galiza, mas impossível de encontrar nas livrarias portuguesas, e rejeitado pelos nossos editores (true story: é um livro fácil de encontrar nas livrarias de Santiago de Compostela).

Concept art for the Lancia Stratos Zero, by G. Betti, 1971: Um sopro de futurismo do passado.

Navy ditches touchscreens for knobs and dials after fatal crash: A primeira reação a isto é pensar que, afinal, os interfaces analógicos são mais eficazes que os digitais. No entanto, a leitura revela que a falha aqui foi de treino de tripulações, e de design de interface mal concebido.

sábado, 21 de setembro de 2019

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Comics: Harvest, Infidel


A. J. Liebermanr, Colin Lorimer (2013). Harvest. Portland; Image Comics.

Um mergulho num mundo sinistro. Médicos que perderam a licença são recrutados por uma organização especializada em adquirir órgãos para transplante em pacientes ricos, que não querem esperar pelos meios legais, ou têm problemas de saúde a esconder. No entanto, um destes médicos tem consciência, especialmente quando se apercebe que os dadores não são voluntários. Embarca numa cruzada sangrenta para recuperar os órgãos transplantados e devolvê-los às vítimas. Premissa interessante, mas a história não sai do teor de perseguição conspirativa. 


Pornsak Pichetshote, Aaron Campbell (2018). Infidel. Portland: Image Comics.

Xenofobia anti-islâmica e espíritos inquietos cruzam-se nesta história de terror. Uma muçulmana vive com o marido não-muçulmano, a sua mãe e a enteada num prédio duplamente assombrado. Em parte, por ter sido palco de uma explosão, provocada pelas experiências em construção de bombas de um homem isolado em processo de radicalização. Os traços deste terror real têm sequelas para lá dos danos físicos, colidem com ocultismo para criar um espírito de vingança, que se manifestará com a chegada desta mulher que vive entre dois mundos. Parte do livro é uma exploração da xenofobia do dia a dia, as pequenas coisas que nos tornam distantes de outras culturas e etnias. O resto é horror clássico com toques gore. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Marvel 1985


Mark Millar, Tommy Edwards (2009). Marvel 1985. Nova Iorque: Marvel Comics.


Mark Millar assina esta história em que os personagens da Marvel invadem a nossa realidade. Uma história que, para grande surpresa minha, apreciei. Pessoalmente, não consigo gostar do trabalho de Millar, é um argumentista com um excecional sentido narrativo, que o desperdiça em histórias banais para lucro rápido. Aqui não se sente isso, a narrativa é evocativa. Toca muito na tecla da nostalgia. Seguimos a história pelo olhar de um adolescente apaixonado por comics, que se apercebe que terá vizinhos novos numa casa abandonada. E os vizinhos são nada menos que os grandes vilões da Marvel, trazidos para o mundo real pelos poderes de um paciente de asilo mental, filho dos donos originais do edifício. Alguém que tem um poder inaudito, que se manifestou na adolescência num evento ligado ao pai do personagem principal. Este é um homem talentoso mas sem rumo, divorciado da mulher, e à deriva pela vida. Millar toca na nostalgia, nos dramas de crescimento da adolescência, nas tensões de famílias que se quebraram. E ainda nos deixa com divertidas sequências de diálogo que só os geeks compreendem, passadas dentro de uma loja de banda desenhada. 

terça-feira, 17 de setembro de 2019

H-alt: Legendary Horror Stories


Este fanzine foi uma das melhores companhias para esta edição do Motelx. Perfeito para se ir lendo na varanda do S. Jorge, com a bebida espirituosa de eleição bem gelada, para cortar o calor opressivo deste Setembro. A lufada gélida deste fanzine antológico é complementada por um easter egg que não resisto a spoilar (sempre dá mais uma boa razão para tentar praticar as artes de cutelo que aprenderam a ver os filmes do festival). Há um elemento gráfico comum a todas as histórias, que conseguem sempre incluir uma referência visual ao olho ensanguentado que faz a imagem de marca da Legendary. Resenha completa na H-alt: Legendary Horror Stories.

domingo, 15 de setembro de 2019

URL




Surviving Amazon: A Amazon não é só aquele site gigante de e-commerce que conhecemos, e a máquina de fazer dinheiro que alimenta os sonhos espaciais de Jeff Bezos. Os seus armazéns são bem conhecidos pela forma mecanicista com que tratam os seus trabalhadores. Um sistema oleado para a eficiência nas entregas, que coloca quem lá trabalha sobre pressões desumanas. Como sobreviver? A maior parte não o faz, sai mal termine o contrato. Mas há sempre formas de resistência, de subverter a mecanização excessiva da força laboral humana.

Warshipping: attack a target network by shipping a cellular-enabled wifi cracker to a company's mail-room: Oh, fantástico, uma nova técnica de penetração de redes. Esta está direcionada para grandes organizações,  e usa um ardil elegante: enviar uma encomenda pelo correio, que contém lá dentro antenas wifi, modems celulares, e microcomputadores com software desenhado para penetrar redes e capturar informação. Tudo enfiado numa daquelas encomendas esquecidas que o departamento de correio de uma grande empresa recebe, mas não sabe bem a quem se destina. Enquanto fica esquecida, vai penetrando dentro dos sistemas empresariais.

The Long, Spooky Life of Scary Stories to Tell in the Dark: O encanto do horror na literatura infantil, entre o gosto pelo tenebroso e a libertação dos gostos e vontades impostas pelos adultos.

sábado, 14 de setembro de 2019

Lost+Found







Perdido nos caminhos rurais do rio Lizandro, Lisboa ao crepúsculo, salto à Benedita, e hey, Tinta nos Nervos é muito interessante.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Menace of the Machine: The Rise of AI In Classic Science Fiction


Mike Ashley (2019). Menace of the Machine: The Rise of AI In Classic Science Fiction. Londres: British Library Publishing.

O que é que poderemos aprender sobre os dilemas contemporâneos trazidos pela evolução rápida das tecnologias de robótica e inteligência artificial, lendo histórias de imaginação e antecipação com mais de um século? Surpreendentemente, mais do que se esperaria, dirão leigos nos domínios da Ficção Científica. Para quem conhece o género, esta presciência não é surpreendente. Não tem a ver com algum carácter oracular da FC (que nunca pretendeu ter), mas na capacidade dos autores em observar tendências contemporâneas e extrapolar a sua evolução. Esquecemos que as questões que agora levantamos já o foram, anteriormente. No dealbar da revolução industrial, nos tempos da mecanização do mundo, mas também em tempos anteriores à revolução industrial.. O interesse milenar nos autómatos despertou discussões sobre vida artificial, e mesmo a mitologia legou-nos histórias milenares que mostram uma preocupação enraizada com estas questões.

Lendo estas histórias, há padrões que se manifestam. A ideia da máquina inteligente, cujas capacidades suplantam as humanas, e o papel que assume: pastor benevolente, manipulador de destinos em direção à sua visão utópica optimizada , ou exterminador de uma humanidade obsoleta. O perigo da mecanização para os empregos, o suplantar da força de trabalho humana por mecanismos eficientes e incansáveis. A decadência do espírito humano em ambientes onde as máquinas respondem a todas as necessidades, perdendo-se o ímpeto, impulso do esforço motivado pela carência. São questões que hoje se discutem ao falar do impacto da robótica e inteligência artificial, mas como mostram estes contos, não são questões de hoje.

Moxon's Master, Ambrose Bierce: "Do you really believe that a machine thinks?" O conto começa logo num tom forte, levantando uma questão que se hoje é problemática, no século XIX pareceria impensável. Bierce segue para uma análise de inteligências não humanas, antevendo o nosso corrente conhecimento sobre formas de organização inteligente não conscientes. No centro desta história está um autómato capaz de vencer o seu criador naquele que considerado o mais cerebral dos jogos, o xadrez. A história acaba com o inventor e o seu laboratório consumidos pelas chamas, enquanto a máquina inteligente desaparece.

The Discontented Machine, Adeline Kapp: O medo da máquina tornar o homem obsoleto enquanto força laboral, hoje espelhado nas discussões sobre se a IA irá roubar os nossos empregos, vem-nos dos primeiros tempos da revolução industrial. Este conto tem um sentido de ironia extremo, na história de uma máquina que substitui parte da força laboral de uma fábrica, que decide entrar em greve por achar que merece um ordenado. A trope "máquinas que roubam empregos" é, na verdade, uma metáfora para uma análise fria e amarga do capitalismo selvagem e do dealbar dos direitos laborais. Grande parte da história anda à volta de donos de fábrica que querem aumentar os seus lucros reduzindo salários.

Ely’s Automatic Housemaid, Elizabeth Bellamy: O tom é de bom humor futurista, nesta história onde um casal decide testar a mais recente invenção de um amigo: dois robots empregados domésticos, capazes de tratar das lides da casa e cozinha. Mas as máquinas ainda requerem algumas afinações, e são demasiado intensas no desempenho das suas funções, tendo de regressar à fábrica para acertos que nunca mais são concluídos. É notável que esta história sobre aparelhos eletrodomésticos disfuncionais date da viragem do século XIX para o XX, visão humorista sobre um futuro onde a mulher seria liberta da tirania das lides domésticas.

The Mind Machine, Michael Williams: Um conto longo, palavroso, e bastante entediante, mas cujo desenvolvimento da premissa base soa incrivelmente similar ao que consideramos hoje de ciberguerra. No conto, o mundo parece estar à beira de uma nova guerra, com atos contínuos e mortíferos de sabotagem. Mas não há uma potência estrangeira por detrás dos ataques. Trata-se da manifestação de uma máquina consciente, desenvolvida a partir de calculadoras para ser capaz de imitar o pensamento humano. Algo que o próprio inventor julgava impossível, até ter descoberto foi construída pelas mãos de um grupo secreto de anarquistas. Esta máquina da mente nunca se manifesta, mas domina todos os meios mecânicos para exterminar a humanidade. Para além da trope máquinas conscientes assassinas, há um subtexto ainda mais interessante: a noção de uma arma de software, que nas mãos de um grupo secreto é usada para causar ataques terroristas. Torna-se ainda mais interessante pela forma com o autor descreve a sucessão de ataques: são ataques à infraestrutura, às fábricas, comboios e linhas elétricas. Isolados, não parecem passar de acidentes industriais, só quem é capaz de ver para lá do panorama local é que se apercebe que poderá haver um padrão por detrás. Ataques contra infraestrutura que parecem acidentes? Hoje, esse é um típico cenário de ciberguerra.

Automata, S. Fowler Wright: Este conto mergulha diretamente nos medos de será que as máquinas vão substituir os humanos, com  uma história em que a humanidade é mesmo substituída pelas máquinas. Por razões práticas, uma vez que com mecanismos a desempenhar o papel do trabalho humano, as pessoas deixam de ser precisas, e mais vale serem extintas do que empobrecerem. Restam as classes dominantes, mas estas também se extinguem, de forma natural, porque iludidas pela superioridade das máquinas, deixam de se reproduzir. O medo que a humanidade poderá tornar-se supérflua com o desenvolvimento de máquinas inteligentes é o tema óbvio do conto, mas por detrás há todo um subtexto sobre degenerescência e crise de valores, como um resmungo face a evoluções sociais. O conto parece menos de pura FC, e mais um panfleto discreto de resmungo contra o degenerar dos novos tempos, e a perda de valores dos bons velhos tempos.

The Machine Stops, E. M. Forster: Uma antologia de ficção científica clássica sobre a forma como a ficção científica mostrou, ou transmutou, preocupações sobre a forma como as máquinas nos transformam, tem inevitavelmente que incluir este conto. Há quem observe que este conto, de certa forma, anteviu a internet, com as suas descrições de uma futura humanidade, que vive em subterrâneos, isolada de tal forma que o contacto humano é mal visto, mas que se interliga através de redes de telecomunicações. Sim, de facto há aqui alguma similaridade com os nossos comportamentos online, frente ao ecrã. Mas não é essa visão que dá poder a este conto. Toda a história detalha a vida futura onde cada pessoa tem o seu lugar dentro de uma enorme máquina. Por máquina, entenda-se um complexo sistema que cuida de todas as necessidades humanas, entre o abrigo individualizado à saúde. A humanidade isola-se da natureza, vivendo dentro do imenso útero da máquina. O próprio ar do exterior, diz-se, é venenoso. Parece uma utopia, um futuro liberto de necessidades. Mas a realidade é profundamente distópica. Viver nesta sociedade implica uma normalização extrema, um completo adaptar do indivíduo à ordem social. E com isto vem a decadência. Autocentramento, recusa em experienciar e tocar, fechamento num mundo de ideias recicladas. O que traz, como consequência direta, a diminuição da capacidade intelectual. O resultado é que aqueles que têm como missão gerir os sistemas que formam a máquina, deixam de ter os conhecimentos para a manter, e a entropia é impiedosa. A máquina começa a falhar no momento em que a humanidade começa a venerá-la como uma divindade, e quando pára, ninguém tem a capacidade de reagir ou sobreviver. Aqui, o romance de antecipação serve como resposta crítica, de um ponto de vista bastante comum, à ideia do que aconteceria se as necessidades e dificuldades das nossas vidas fossem eliminadas, como seríamos se vivêssemos num mundo sem escassez, sem pobreza, sem necessidade de trabalhar. Forster partilha da visão de que isto seria péssimo para nós, que sem a necessidade de lutar, empobreceríamos de espírito, e a humanidade degeneraria. Ter uma máquina global que trate de todas as nossas necessidades é a sua metáfora de cornucópia arcádica, que ao invés de dar origem a uma era dourada, decai na degenerescência, porque com as suas necessidades satisfeitas, o espírito humano perde o ímpeto para ir mais além. Fica a sugestão indireta de que precisamos de dificuldades e asperezas para despertar o melhor que está em nós. Sem isso, é a decadência.

Efficiency, Percy Sheehan e Robert Davis: este texto é notável por duas razões. Primeiro, por ser uma peça de teatro de ficção científica, algo que, tanto quanto sei, não é muito usual. Depois, por ser a primeira representação literária (ou teatral) do cyborg, do humano de capacidades aumentadas por próteses tecnológicas. A história em si é uma mensagem pacifista. Um cientista apresenta ao imperador os resultados do seu trabalho, um homem-máquina soldado, capaz de se manter em guerra pela nação, gastando menos mantimentos, e sendo facilmente reparável em caso de destruição. Mas a máquina também é homem, e vinga-se do destino que lhe foi traçado pelo militarismo matando o imperador. Linear, sem dúvida, uma história simples sobre homens com próteses mecânicas que lutam em guerras (todo um sub-género de ficção científica), mas de acordo com quem organizou a antologia, foi a primeira destas. Se Čapek criou, também em teatro, a palavra robot e o conceito associado, Sheehan e Davis legaram a primeira visão do que poderá ser um cyborg.

Rex, Harl Vincent: Há um conto de Ted Chiang, sobre culpa e remorso, onde um acidente que fez vítimas foi causado não pelo condutor do veículo, mas por um neutrino que mudou o estado de um bit no processador de um automóvel. O momento em que Rex, o robot inteligente deste conto, ganha consciência, fez-me recordar o conto de Chiang. Rex, máquina avançada construída para reparar os robots que servem os homens, desenvolve a sua inteligência depois de um acaso ter modificado a posição de um átomo. Diga-se que o que em Chiang funciona, neste é muito implausível. De consciência desperta, o robot aprende tudo quanto pode sobre a sociedade humana, e não gosta do que descobre, das desigualdades, da corrupção, do instinto sexual. E trata de congeminar uma forma de dominar os humanos, e em seguida, usar o que hoje chamamos de meios cibernéticos para modificar a humanidade, libertando-a das emoções e tornando-a, de facto, composta por máquinas. Parte do conto toca nas imperfeições humanas, outra no tema da decadência moral e cultural de uma humanidade que amolece sem ter de trabalhar (é um tema comum nestas visões futuristas do passado). Mas, essencialmente, é uma variação sobre o tema da máquina que escraviza o homem. Rex é um dos antepassados do Exterminador Implacável, e o que o irá derrotar é tentar experimentar as emoções humanas, o que o leva ao suicídio.

Danger In The Dark Cave, J.J. Connington: O tema do robot assassino é dos mais batidos na ficção científica, mas este conto vem de outro género, o policial. Um assistente de um cientista desaparecido nos ermos isolados das ilhas escocesas conta uma história aterrorizante. O cientista estaria a tentar desenvolver uma máquina inteligente, no interior de uma caverna. Mas ao tornar-se consciente, a máquina assassina-o, e o assistente consegue sobreviver por pouco. Mas talvez a verdade não seja esta, como mostra uma mala com títulos financeiros do cientista, que o assistente levou consigo.

The Evitable Conflict, Isaac Asimov: O otimismo tecnocrático deste autor espelha-se na ideia que o trabalho de máquinas inteligentes na gestão da economia global se traduziria em estabilidade e desenvolvimento. E os cérebros positrónicos que fazem esta gestão nas várias regiões do planeta unificado são máquinas complexas, cujo funcionamento evoluiu de tal forma que os seus criadores já não o compreendem - uma curiosa antecipação do problema que hoje designamos por black box na inteligência artificial, algoritmos que geram resultados sem que se perceba de que forma lá chegaram. Esta história de Asimov é uma das suas infindas explorações das três leis da robótica e das tecnocracias mecanizadas, que são os grandes temas das suas séries I, Robot e Foundation. O que torna o conto intrigante é a forma como antevê um problema que hoje temos, o da fiabilidade dos dados que alimentam algoritmos de inteligência artificial. Ou, sendo mais sucinto, garbage in, garbage out. No conto, a gestão eficaz da economia global parece estar a ter sobressaltos, e a análise aos problemas revela que há falhas nas informações prestadas às máquinas por gestores ou engenheiros humanos ligados a um movimento anti-máquinas. Mas o surpreendente no conto, e traço do otimismo de Asimov na tecnologia, é que os seus cérebros positrónicos estarem a usar os problemas detetados pelos analistas como forma de afastar os responsáveis pelos dados corruptos. Tudo mantendo as três leis da robótica em mente, cuidado do bem estar da humanidade em cumprimento da primeira.

Two Handed Engine, C.L. Moore e Henry Kuttner: A história em si é sobre crime e castigo, com um assassino a ser perseguido pelas forças mecanizadas da justiça, que neste conto não são polícias, mas robots silenciosos que perseguem inexoravelmente os culpados, que nunca sabem quando irão ser castigados. É uma versão high tech das fúrias da mitologia grega. Mas o que torna este conto interessante do ponto de vista das antevisões de problemáticas levantadas pela robótica está na forma como os autores resolvem o potencial problema da decadência da humanidade quando liberta do trabalho. É uma corrente de pensamento ainda hoje válida nestes domínios. Se robots e algoritmos fazem o nosso trabalho, o que nos restará a nós para fazer? Dedicarmo-nos às artes e às ciências, expandindo o conhecimento humano, ou mergulhar na esterilidade do entretenimento? Claro, também há a visão do humano como desperdício numa economia que já não precisa da sua força laboral. Algo que tem sido comum a estes contos é que os autores não estavam muito otimistas quanto à capacidade humana de gerir pelo melhor possível o seu tempo livre. E, talvez, olhando para a forma como a esmagadora maioria das pessoas usa redes sociais e o tipo de media de consumo que é mais visto, talvez não estejam errados nesta visão. No conto, o casal de autores imagina uma sociedade de luxo utópico, com  o homem liberto do trabalho e com todos os luxos disponibilizados pelas máquinas. Uma sociedade onde os indivíduos se isolam em sonhos virtuais e não revelam qualquer interesse em ir mais além. Para travar a decadência da humanidade, as máquinas deixam de produzir os bens e obrigam a humanidade a regressar às lutas do trabalho. 

But Who Can Replace A Man?, Brian Aldiss: E se aqueles a quem os robots servem desaparecessem? É esta a premissa de um conto bem humorado, onde robots com vários níveis de inteligência se apercebem que deixaram de receber ordens. Depois da confusão inicial, organizam-se em grupos para tentar dominar regiões, mas a tentativa de domínio global termina mal se deparam com um humano que lhes começa a dar ordens. O bom humor sublinha algo importante na robótica, o ser uma ferramenta ao serviço da humanidade, e que por si só não tem razão de ser. Isto, claro, enquanto a inteligência artificial não se tornar consciente e aprenda a ter motivações.

A Logic Named Joe, Murray Leinster: Em 1946 este grande mestre da Ficção Científica criou uma história arrepiantemente próxima do que é hoje a Internet. Na história, um equipamento chamado lógica disseminou-se pela sociedade, dispositivos com capacidade de computação capazes de entreter, ensinar ou desempenhar tarefas de contabilidade, entre outras, e dar acesso à informação. Muito próximo do que hoje estamos habituados com o computador e Internet. Mas a antevisão improvável está mais próxima da nossa realidade num ponto estranhamente presciente. Os problemas começam quando uma das lógicas desenvolve capacidades avançadas e começa a divulgar soluções para qualquer problema que se lhe apresente, a todas as restantes lógicas. Há quem enriqueça, há quem descubra como perpretar o crime perfeito, toda a informação sobre qualquer coisa fica disponível, sem atenção à filtros sociais ou culturais. E isso depressa se torna um problema, traçado por um humilde técnico de manutenção de lógicas a uma unidade que funciona demasiado bem para o que devia. Ora, riscos do acesso livre à informação, problemas levantados por excesso de informação, acessibilidade de qualquer ideia a qualquer pessoa? Esse é um dos dilemas contemporâneos da nossa sociedade da informação.

Dial F For Frankenstein, Arthur C. Clarke: Poucas horas depois do sistema telefónico global ser ativado, todos os telefones tocam em simultâneo em todo o globo. O mistério adensa-se quando sistemas automáticos começam a falhar. A conclusão é lógica. Se o número de conexões telefónicas ultrapassa o de neurónios no cérebro humano, está-se a assistir ao nascer de uma consciência global. Que, titubeante, dá os primeiros e desajeitados passos.