terça-feira, 30 de outubro de 2018

Os Contos Mais Arrepiantes de Howard Phillips Lovecraft


H. P. Lovecraft (2018). Os Contos Mais Arrepiantes de Howard Phillips Lovecraft. Porto Salvo: Saída de Emergência.

Só podia, pensei. Só mesmo o António Monteiro para falar de M.R. James no primeiro parágrafo de um longo prefácio que detalha a vida de obra de Lovecraft. Não surpreende, este reconhecido fã da literatura de terror é um irredutível de James, e isso não o impede de uma boa e profunda introdução ao autor de Providence. O resto é o esperado neste tipo de livros da Saída de Emergência. A editora pegou nos textos do projeto de traduções da Universidade Nova, que tem editado na coleção de contos de Lovecraft, e selecionou um best of para esta edição.

Vale por isso mesmo, coligir aqueles que são os mais influentes contos deste autor. The Colour out of Space, Call of Cthulhu, The Thing in the Doorstep, Shadow over Innsmouth, Whisperer in Darkness, Pickman's Model, The Music of Erich Zann, The Haunter of the Dark, são alguns dos contos entre o gótico e o moderno, na prosa intricada de Lovecraft, que se tornaram influências seminais na ficção de horror moderna. Cada conto é ilustrado por desenhadores portugueses convidados, que trazem a sua visão da literatura de trevas cósmicas do bardo de Providence. Uma boa edição da SdE, apesar de um pouco cara, que é uma excelente introdução ao terror lovecraftiano.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

SitRep

Neste fim de semana dei um salto ao Festival Bang!, aproveitando o já estar em Lisboa para ter aulas no IEUL, e conheci finalmente em pessoa o Jorge Candeias, autor do Bibliowiki e da Lâmpada Mágica, agora a dedicar-se também à recolha de artigos dispersos na blogosfera portuguesa e brasileira sobre FC. E, também, grande (des)conhecido do grande público como tradutor da saga de George R.R. Martin (que, lamento, Candeias, nunca irei ler, porque não é mesmo my cup of tea). E, também, alguém com quem partilho princípio políticos e cujos posts nas redes sociais têm tendência para libertar o ironizador que há em mim.

Se num local bem definido por coordenadas geográficas e temporais param, à conversa, eu, Candeias e Cristina Alves, está lá praticamente metade da blogosfera portuguesa que se dedica à leitura e discussão de Ficção Científica. Não sejamos convencidos, notem que o número de blogs dedicados ao fantástico em geral tem crescido, mas os focos principais estão na fantasia e banda desenhada. E na conversa, o Candeias recordou-nos da sua iniciativa LeiTugas: e que tal tentar fazer pelo menos um post por mês de uma leitura de FC de autor português? Parece-me muito bem, apesar de nestes dias estar algo apertado de trabalho. Falta de tempo é queixa comum entre todos, e dessa maleita ando a padecer com agudeza.

Também, a culpa é minha. Ninguém me manda meter nestas coisas. Este ano estou a leccionar TIC a todas as turmas de 5.º e 7.º ano da escola (não me atrevo a contar o número de alunos, para não ficar deprimido, mas são dezasseis turmas), com o desafio acrescido de trabalhar com programas novos. Sétimo é fácil, o programa envolve 3D e multimédia, no quinto estou, literalmente, a desbravar novos terrenos (leia-se inventar, mas um inventar informado na minha experiência pedagógica e preparação técnica). Para complicar, este foi o ano letivo em que a minha escola migrou, finalmente, para uma nova plataforma de gestão de backoffice administrativo e pedagógico, da qual os meus colegas só se apercebem de algumas das pontas do iceberg, os sumários eletrónicos e a gestão online de avaliações e direção de turma. Alguns que me ouvem dizer isto rolam os olhos e dizem só agora, na escola onde estive em (inserir data aqui), mas esquecem que se a implementação inicial disto é feita pela empresa que comercializa o software, cabe a alguém nas escolas fazer o grosso do trabalho de configuração das bases de dados e sua gestão. Estas coisas não são chave na mão.

Já seria lenha suficiente para me queimar, mas ainda insisto em dar formação de 3D na ANPRI e envolver-me em projetos como o 3Digital ou a presença do Robot Anprino em Maker Faires. Roma, awesome!, já foi, e em breve é na Galiza. Ah, e porque acho que tenho de aprofundar as minhas competências técnicas, e refletir sobre o lado mais profundo da utilização de tecnologias na educação, atirei-me à pós-graduação em Robótica e Programação no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Um desafio que está a ser muito estimulante, e, claro, a dar trabalho. Some-se a isso o ser tutor online de uma cadeira de Sistemas de Informação para Bibliotecas na Universidade Aberta (foi um desafio do meu ex-orientador de mestrado, e eu devo-lhe tanto que dizer não não é possibilidade). Para rematar, há ainda um projeto editorial chamado Bit2Geek, onde com os meus contributos espero ajudar o seu criador a criar, em Portugal, um site de referência na discussão acessível de temas ligados ao espaço e impacto da tecnologia.

Ufa. Isto posto assim, até percebo porque é que tantos colegas de trabalho me perguntam quando é que tu dormes...

Quem sofre com isto são as leituras, o tempo diminui e o foco passa para livros de não-ficção dedicados à robótica, programação, pedagogia e inteligência artificial. É um cocktail, diria que, curioso. Quem estiver atento a este blog reparou que a secção semanal dedicada a comics desapareceu. Mesmo assim, nem que seja para deixar o cérebro respirar, vou tentar alinhar neste desafio do Candeias. Só não o prometo fazer no imediato...

domingo, 28 de outubro de 2018

URL


Behind White Shadows: É uma boa oportunidade de redescobrir o trabalho de Rosa Menkman na glitch aesthetics e databending. O ensaio é curto, e reflete sobre a apropriação do corpo feminino na imagem digital, recordando que a imagem que ainda hoje é a referência de calibração de cor da norma JPEG é a de uma modelo da Playboy.

The Spooky Genius of Artificial Intelligence: Normalmente não associamos criatividade à inteligência artificial. Mas será que não poderemos considerar como criativas as soluções estranhas, mas lógicas, a problemas que os algoritmos de IA resolve de forma inesperada?

Taiwan Can Win a War With China: Será? O artigo observa que apesar da enorme superioridade militar chinesa face a Taiwan, a invasão seria dificultada ao ponto de se tornar impossível vencer. Honestamente, espero que esta questão se mantenha como exercício de especulação...

Watch Moebius's "Starwatcher," a pioneering 3D computer animation from 1991: Recorrentemente, a internet recorda-se desta raridade, uma animação 3D onde Moebius participou. A estética deste mestre da banda desenhada, recriada em 3D com os meios técnicos (que hoje nos parecem rudimentares) dos anos 90.

Why haven't we heard from any extraterrestrials yet?: Pista: porque lá fora, o espaço é muito, muito grande, e vasto, muito, muito vasto. Ao fim de décadas, os projetos de rastreamento do espetro rádio que procuram por indícios de inteligência alienígena apenas conseguiram analisar uma ínfima parte do espaço que nos rodeia. É complicado. Até porque os extraterrestres podem estar lá agora, mas só daqui a milhões de anos é que nos aperceberemos da sua existência. O limite de c é um chato.


On the origin of the word processor: Um interessante artigo sobre as origens do processamento de texto, que se inicia não no software, mas nas primeiras máquinas de escrever, onde se originou o conceito. Não havia corretor ortográfico automático e Clippy (essa praga que deixou memória) (confesso, tinha um fraquinho por aquele clip com olhos expressivos) nas maquinas de escrever puramente mecânicas do século XIX, mas foi aí onde o processamento de texto começou. Tem também um insight interessante sobre a padronização de tecnologias. Porque é que utilizamos o teclado Qwerty, e não outros? Porque nos habituámos, e o trabalho que nos dá aprender a usar outro tipo de teclados não compensa. Ou é mesmo difícil. Eu que o diga. Depois de sete anos a usar o layout de um teclado qwerty dos Vaio, a minha memória muscular habituou-se de tal forma à localização das teclas de função nesse teclado que agora, ao fim de dois anos e picos a usar um HP, ainda não consegui reaprender a usar de forma automatizada teclas como o del, home e end... porque não estão precisamente naquela posição onde a minha memória muscular as registou.

If the Point of Capitalism is to Escape Capitalism, Then What’s the Point of Capitalism?: Estamos nos primórdios de um  novo século e já todos percebemos que o capitalismo tradicional, com as suas desigualdades, falta de humanismo, impacto ambiental e enviesamento de concentração de riqueza, não é uma solução sustentável.


The Computers That Changed the World: Os desafios de manter tecnologia obsoleta a funcionar, para memória histórica. A história da computação não é feita só de objetos, há o software que neles corria, e para se compreender a sua evolução histórica, não basta o computador em si, é preciso saber de que forma funcionava.

Why Real Change Won’t Come From Billionaire Philanthropists: A The Atlantic não é o sítio onde espero ver críticas acérrimas à ordem capitalista e à filantropia dos um percentistas. Mas o artigo tem razão. Precisamos de resolver problemas, não deixar que grupos de interesse causem problemas e depois os mitigem levemente com a capa da generosidade.

Russian operatives increased Star Wars Last Jedi fan divide: Tipo, LOL. Provavelmente foi um bom treino para os operacionais do FSB e exércitos de trolls arregimentados. Começa-se com um alvo fácil, o fandom, e depois de bem aprendidas as técnicas avança-se para outros setores da sociedade.

Writers No One Reads: Bem, eu li Virgilio Piñera. Graças ao trabalho de impecável curadorida do editor da Snob, que nos trouxe O Grande Baro e outras histórias. É de facto um escritor de difícil digestão, uma espécie de Borges mal comportado, com uma prosa fascinante.


Control Panel: Vai um pouco de fétiche com botões e controladores?

Now in print: William S Burroughs' lost guide to overthrowing a corrupt government: Isto deve ser interessante. Burroughs em full on anarchist mode. E ainda por cima com frases destas, tão prescientes na nossa era de clickbait, fake news, envieasmentos e outras manipulações do real mediado por tecnologia: "I have frequently spoken of word and image as viruses or as acting as viruses, and this is not an allegorical comparison. It will be seen that the falsifications in syllabic Western languages are in point of fact actual virus mechanisms.”For a start you scramble the news all together and spit it out every which way on ham radio and street recorders. You construct fake news broadcasts on video camera. . . .And you scramble your fabricated news in with actual news broadcasts".

Portugal em 1941 segundo a literatura: Comecei a minha carreira de professor precisamente na Escola Básica Soeiro Pereira Gomes, em Alhandra. Onde duvido que a maior parte dos meus colegas se tenha dado ao trabalho de ler Esteiros. Quando o li, fiquei espantado com a similaridade entre os meninos do livro e os meninos alhandrenses que tinha como alunos. Não todos, claro, a evolução dos tempos e dos modos ditou que a vila tivesse ido de aldeia à beira-rio para subúrbio industrial e posteriormente subúrbio classe-média. Mas ainda existiam velhas famílias, de pobreza geracional, porque nestas coisas por vezes é muito difícil quebrar o padrão, que correspondiam em tudo ao que o escritor neo-realista registou neste romance.


Enchanted garden of frescoes unearthed at Pompeii: Fico sempre fascinado quando se redescobrem raros exemplos da policromia pictórica do mundo antigo. Viviam, de fato, num mundo recheado de cores. Bem longe da monotonia da pureza do mármore branco que, durante muito tempo, se julgava caracterizar o mundo plástico greco-romano.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Tudo Isto Existe


João Ventura (2018). Tudo Isto Existe. Vagos: Editorial Divergência.

A ficção de João Ventura situa-se num espaço muito próprio e pessoal entre humor e fantasia. As suas histórias, afiadas e bem afinadas como um instrumento de precisão, nunca nos deixam indiferentes, entre o sorrir pelo humor inesperado ou o sonho invocado. Parte do seu encanto reside no minimalismo de vinheta, aparentemente simples. Quando as lemos sentimos que têm o tamanho certo, não precisam de ser mais longas ou expandidas. É precisa uma enorme capacidade narrativa para se ser tão sintético e agarrar o leitor com ideias sempre intrigantes e inesperadas.

De todos os autores com que poderia comparar a escrita de João Ventura - Borges é logo o que salta  à mente, diria que é Ted Chiang o autor de FC e fantástico que mais se aproxima. Como em Chiang, nota-se em Ventura um rigor estrutural fortíssimo assente num trabalho muito profundo do texto,que no entanto se traduz numa leveza da leitura. Os seus temas são fortemente cerebrais. João Ventura não tem medo de se meter com conceitos abstratos, transmutando-os para ficções encantadoras.

Esta coletânea de alguns dos seus textos, uns inéditos, outros já conhecidos do público através do blog Das Palavras O Espaço, ou editados em antologias de contos de FC e Fantástico, dá aos leitores, finalmente, uma visão abrangente da capacidade literária de João Ventura. Um autor discreto, criador meticuloso de delicadas peças narrativas, curtos mas intricados mecanismos literários que não nos deixam indiferentes.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Retrogaming: Da nostalgia pixelizada à história dos videojogos


O retrogaming está entre a nostalgia e a arqueologia digital. Para uns, é uma oportunidade de reviver experiências de jogo, um regresso ao passado onde a velocidade dos processadores se media em megahertz e alta resolução gráfica significava pixels um pouco mais pequenos nos ecrãs CRT. Para outros, um mergulho na história dos jogos de computador, permitindo descobrir títulos clássicos, perceber como se deu a evolução temática, tecnológica e de jogabilidade dos jogos de computador.

O Games Nostalgia é um repositório que permite descarregar alguns títulos clássicos, que correm nos computadores modernos graças a um emulador. Não é o único site do género, dedicado ao abandonware, mas distingue-se pela curação cuidada e facilidade com que os antigos jogos correm em PC ou mac, utilizando o DOSBox como tecnologia de emulação. Os jogos arquivados neste site foram produzidos por empresas hoje extintas, ou esquecidos, tornados obsoletos pela rápida evolução da tecnologia. Considerados abandonados, são disponibilizados por grupos que se dedicam à recuperação de abandonware, mantendo viva a sua memória.

Mergulhar neste site é descobrir as raízes da história dos videojogos. Podemos perceber porque é que Duke Nukem 3D foi um jogo tão politicamente incorreto, ou simular corridas criadas com técnicas antigas de animação em Outrun ou Crazy Cars. Para os fãs da série clássica Knight Rider, existe no Games Nostalgia uma versão do jogo do mesmo nome que nos faz sentir como uns verdadeiros David Hasselhoff ao volante do KITT. Podemos descobrir porque é que Doom é um jogo historicamente tão influente, bem como o seu predecessor, Wolfenstein. Estas lendas dos jogos FPS estão de volta ao mundo do gaming, com versões renovadas nos gráficos hiperreais da tecnologia de jogos de hoje.

Os jogos de simulação estratégica estão bem representados, com as primeiras versões de Sim City e Civilization, entre outros títulos clássicos. Os fãs da simulação de voo podem experimentar vários títulos clássicos da série Star Wars ou redescobrir os céus da I Guerra no clássico Red Baron. Na secção plataformas, podemos encontrar as primeiras versões de Prince of Persia ou Pitfall. Ultima ou Heroes of Might and Magic podem ser redescobertos na secção de RPG. Estes destaques são apenas uma amostra do conteúdo de um site dedicado à preservação desta vertente da história da computação. A maioria dos jogos está disponível para download, aqueles que ainda estão claramente abrangidos por direitos de autor são direcionados para portais de aquisição de jogos.

Para quem quiser explorar mais deste mundo dos jogos clássicos, o Internet Archive é um dos melhores recursos. Esta gigantesca biblioteca digital dedicada ao arquivo e preservação da memória da Internet conta com um acervo enorme de jogos de DOS. Indo um pouco mais longe, é possível jogar online títulos clássicos da Sega MegaDrive ou, num cuidado trabalho de portação e simulação digital de circuitos, antigos jogos para consolas portáteis, aqueles equipamentos com ecrãs de LCD monocromáticos que fizeram as delícias de infâncias passadas.

Por interessante que seja experimentar jogos clássicos online ou nos computadores de hoje, há um encanto especial em descobrir ou redescobrir antigos equipamentos de jogo, experimentando-os. Há algumas iniciativas de fãs que tornam possível, hoje, experimentar o que é jogar em computadores ZX Spectrum, consolas antigas, Amigas, Amstrads ou Sega Classic, até mesmo experimentar os primeiros óculos de realidade virtual da Sony. Em Linda-a-Velha podemos encontrar o espaço Nostalgica, dedicado a criar um museu que preserva mais de quatro décadas da história dos videojogos, mantendo hardware antigo em condições funcionais para que os jogadores de hoje compreendam os antigos sistemas de jogo.

Para alguns, redescobrir estes jogos é um processo de nostalgia, recordando o gosto dos jogos clássicos. Para outros, é partir à descoberta da história e evolução dos jogos de computador. Estes artefactos são mais do que simples entretenimento. Hoje, os videojogos são ao mesmo tempo ndústria e forma de arte, conjugando tecnologia digital avançada com elevados níveis de criatividade no concept design e poderosas técnicas narrativas imersivas, capazes de envolver os jogadores. Regressar aos seus primórdios é uma divertida forma de melhor compreender a evolução do mundo dos videojogos.


domingo, 21 de outubro de 2018

URL



Watch the Silent Film that Brought Rocket Science to the Masses: A Motherboard redescobriu o clássico Fraum im Mond, talvez  o primeiro filme de FC verdadeiramente fiel à ciência. Não em tudo, claro, os astronautas vão à lua pesquisar ouro e respiram normalmente a atmosfera lunar. Onde o filme é arrepiantemente prescientes é na antevisão do que seria o lançamento de um foguetão. É uma sequência admirável, em tudo igual ao que hoje é o procedimento normal de lançamento de foguetões. Não é para menos. Fritz Lang, o realizador, que viria a realizar essa obra prima do cinema de FC que é Metropolis, contratou o pioneiro da astronáutica Herman Oberth para o aconselhar sobre esta tecnologia, que há época estava ainda nos seus humildes primórdios.

How Cyborgs Took Over Popular Music: Não só na estética, mas na criação de um som mesclando o homem e a máquina. Não estamos a falar dos dj's mete a pen e faz efeitos, mas de verdadeiras experiências musicais na vanguarda estética, que tiram partido das sonoridades mecânicas analógicas e digitais. O artigo começa, e muito bem, em Kraftwerk, e tem a ousadia de chamar a Bowie um poseur que se apropriou momentâneamente destes registos antes de experimentar outras estéticas. Ficou de fora a musique concréte e Pierre Henry, mas há que perdoar o esquecimento, o artigo é sobre música pop e não erudita.


Found: An Ancient Roman Comic Strip With Speech Bubbles: Mais um artefato a juntar aos baixos-relevos assírios, coluna de Trajano, e tapeçaria de Bayeux como precursores da arte da banda desenhada. Desta vez, frescos romanos preservados numa tumba descoberta na Jordânia.

Are Hosts, Replicants, and Robot Clones Closer Than We Think?: Estará a tecnologia próxima de nos oferecer a imortalidade artificial, permitir-nos transpor os limites da carne, digitalizando a nossa consciência e transferindo-a para corpos robóticos ou clonados? É um velho sonho humano, vencer a mortalidade talvez seja o nosso mais antigo anseio desde que tomámos consciência da nossa finitude, e que a ficção científica tem sabido explorar. Agora, nesta era dourada de desenvolvimento tecnológico, há quem esteja a experimentar tecnologias que, dizem, têm o potencial de nos fazer transcender esses limites. Mas há problemas, e muitos. Comecemos pelo mais essencial: a neurociência ainda não consegue definir o que nos torna conscientes. Só mapear o cérebro e as suas ligações parece não chegar, o que mete por água abaixo boa parte das aventuras de FC sobre consciências humanas convertidas em inteligência artificial. E se formos capazes de criar simulações fiéis de nós próprios, elas serão conscientes, ou apenas simularão consciência? E se... a consciência que temos de nós, a nossa individualidade, não for mais do que simulacros, efeito secundário da soma de comportamentos emergentes biológicos ao nível celular e macro-celular que nos permite ser criaturas vivas?

Low pay, poor prospects, and psychological toll: The perils of microtask work: Arquivar em "a sério, no shit, sherlock?" Parece que as plataformas de tarefas remuneradas, que se apregoam como uma forma de ganhar trocos nos tempos livres, são afinal zonas de trabalho árduo e pago muito abaixo do preço de mercado, muitas vezes a lidar com material traumático, como moderação de conteúdos em redes sociais.


Happy 10th anniversary, Android: Confesso que gostaria de ter experimentado o HTC G-1. O sistema operativo Android comemora o seu décimo aniversário, e o TechCrunch recorda-nos alguns dos dispositivos que foram seminais neste sistema.

Novidade: Conversas com os putos e com os pais deles – Álvaro: Suspeito que se tivesse paciência, também escreveria um divertido livro de recolha de comentários estapafúrdios apanhados na escola. Mas acho que não seria sobre alunos, sim sobre a incapacidade generalizada dos professores em utilizar os mais simples elementos da tecnologia digital.

Suspiria Is a Living, Breathing Work of Art: Ok, estou intrigado. Nunca percebi bem a ideia de fazer um remake da obra prima de Dario Argento, mas é uma cena, e está pronta a estrear. Aparentemente, o realizador decidiu ser ousado e garantir uma experiência estética extrema. Resta-me ver o filme para saber se é um remake entediante, a banalização de um filme excecional, ou uma vénia à estética inquietante, de cor vibrante e exagero cromático, do original.

12 Unforgettable Sci-Fi Movies About Memory: Total Recall fica acima de todos. É um péssimo mau filme, mas com a idade, vai-se apreciando a sua cheesiness.


Hybridizer: Release your Inner Beast: Um divertido webtoy, que vai buscar ilustrações naturalistas do século XVII para as combinar em criaturas híbridas. As criaturas feéricas podem ser exportadas em gif animado ou vídeo.

Has Artificial Intelligence Given Us the Next Great Art Movement? Experts Say Slow Down, the ‘Field Is in Its Infancy’: Pois claro. Agora vivemos num momento de deslumbre, em que pensamos que os algoritmos de IA conseguem ser criativos. Na verdade, isso é desconhecimento sobre como, realmente, funcionam estes algoritmos: apenas trabalham dentro de estreitos limites de decisão, não aprendem, ou seja, o que desenvolvem é esquecido quando se introduzem novos parâmetros, e não podemos descontar o papel humano, do programador, investigador ou artista que utiliza e experimenta com IA enquanto ferramenta de criação visual. O que não quer dizer que as criações de IA não possam ser uma forma de expressão artística. Não o são é da forma como a concebemos na cultura popular, com a IA como espécie de ser consciente, autónomo e criativo, tal como nós, mas artificial.

Haverá vida nos lagos de Marte?: O problema com a ciência a sério é que tem o seu quê de deprimente. Anda-se a especular sobre little green men e na verdade, nem microorganismos parecem pulular por aí.


Quantifying Mark Rothko: A relação que cada um de nós tem com a arte é algo de intensamente pessoal. O que gostamos, a forma como a apreciamos, é essencialmente algo ligado à nossa individualidade. Descrever a obra de um pintor através de quantificações é, de facto, tão relevante como fazê-lo através das sensações que nos desperta.

Zahna: Joana Afonso tem um novo livro, e parece estar muito longe do seu registo temático habitual, embora o gráfico seja aquele estilo incisivo a que nos habituou.

Detailed look at Google's secret, censored, spying Chinese search tool: Lembram-se dos tempos em que o lema da Google era do no evil? Agora, desenvolvem soluções orwellianas a pedido de regimes totalitários.

The Existential Void of the Pop-Up ‘Experience’: Afinal, não estou sozinho a pensar que aqueles pseudo-museus feitos para serem visitados em modo de tiragem constante de selfies são, essencialmente, uma patetice.


Boeing/Saab joint T-X design wins Air Force’s jet trainer competition: Daquelas imagens que enchem o olho, o protótipo vencedor do concurso de novas aeronaves de treino da USAF.

As 21 Lições de Harari: Confesso que quando vi este livro a ser anunciado com todo hype achei que não iria trazer nada de novo, era um capitalizar rápido do sucesso do autor. Apesar do seu brilhantismo, não me parece que Harari seja capaz de produzir um novo livro em poucos meses, e suspeitei que este fosse, no essencial, um repetir de ideias, quase uma versão condensada para os que estão atrasados no apanhar do comboio. Esta recensão de Nelson Zagalo confirmou as suspeitas.

The Strike That Could Shape the Future of European Labor: O ponto de interesse deste artigo está logo nos primeiros parágrafos. Se a União Europeia tem empresas verdadeiramente inter-europeias, que vivem do mercado único e interligam todas as zonas da europa, porque é que algo similar não existe para as leis laborais?

Meio século de aventuras eletrónicas: Aqui há dias ia no carro e lembrei-me: o que é que aconteceu a Jean Michel Jarre? Adorava as sonoridades eletrónicas dele quando era adolescente, e agora tenho uma certa relação de prazer culposo. É bom saber que está a ser alvo de uma antologia musical, que dá perspetiva a uma carreira entre o pop e a música eletrónica experimental.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

From Gutenberg to Zuckerberg


John Naughton (2014). From Gutenberg to Zuckerberg: Disruptive Innovation in the Age of the Internet: Disruptive Innovation in the Age of the Internet. Londres: Quercus.

Qual o impacto da revolução francesa? Ainda é muito cedo para saber, terá dito Chou-en Lai. A frase é citada por Naughton, e espelha na perfeição este curto livro do professor e colunista irlandês. Pega-nos no braço e leva-nos a Mainz, para percebermos o que aconteceu quando Gutenberg inventou a imprensa. Uma revolução cujas consequências ainda hoje sentimos, uma tecnologia que extravasou o mero domínio técnico e proporcionou revoluções no desenvolvimento e partilha de ideias. Uma lógica que Naughton aplica a outras tecnologias mediáticas, até chegar à internet, que estilhaçou consensos sobre o que deveria ser a transmissão de ideias e conhecimento, e está a impactar profundamente as nossas vidas. O autor é positivista, vê a democratização da tecnologia como uma força essencialmente boa, mas não tem problemas em avisar-nos dos perigos das concentrações mediáticas em mãos de mega-empresas, ou os esforços pouco visíveis dos estados no uso da internet para vigilância e controle eficazes dos seus cidadãos. Um livro propositadamente leve, que nos ajuda a compreender melhor como os media nos influenciam, a nível individual e social, como têm transformado a nossa sociedade, e como, apesar do muito que discutimos, não nos é possível avaliar o verdadeiro impacto da internet na nossa era.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Demolidor: Chinatown


Charles Soule, et al (2018). Demolidor: Chinatown (Demolidor Minissérie #01). Lisboa: Goody.

Frank Miller transformou Daredevil num personagem essencialmente de policial noir com super-heróis, talvez a contrapartida da Marvel a Batman. Charles Soule soube explorar bem a personagem, mantendo-a trágica e terra a terra. Nesta aventura, Daredevil tem um aprendiz, um jovem emigrante ilegal que inventou um fato de invisibilidade e quer manter limpa Chinatown. O confronto com um cultista que usa a influência que tem como líder religioso para criar um Império do crime é inevitável. Líder esse que tem poderes, adquiridos à pior origem possível : à organização de ninjas que esteve sempre envolvida nas aventuras de Daredevil desde a saga de Elektra, o Tentáculo. E os seus ninjas são ainda mais implacáveis com quem lhes rouba o poder. Enquanto Daredevil treina o novo acólito, e se envolve no combate ao líder criminoso, que paradoxalmente tentará proteger do Tentáculo, como o advogado Matt Murdock sofre amargas derrotas ao tentar atacar o crime por via legal. A ilustração é escura, em tons de vermelho e negro, sublinhando o caráter noir da personagem que Soule soube explorar.

domingo, 14 de outubro de 2018

Fórum Fantástico 2018: Escolhas Literárias


Este ano... faltei ao Fórum! Crime de lesa-majestade, bem sei, mas não consegui convencer a organização da Maker Faire Rome a adiar por uns dias o seu evento, por colidir com o imprescindível Fórum.Levo lá o meu querido Robot Anprino (hey, haverá algo mais fantástico para um fã de FC o ser pai de um robot? Não é um Robbie, mas mexe-se). Por isso, este, que se lhe permitirem a veleidade, é um dos velhos do califa, este ano partiu para Roma e feiras de tecnologia. Pelo menos, sempre dá para comprar mais uns Dylan Dogs.


No entanto, não quis deixar de listar as minhas escolhas anuais. Os livros ligados ao Fantástico que me tocaram, inspiraram ou faíscaram novas ideias. Com o destaque crescente para as edições em português. Vivemos num bom momento, especialmente no que toca à banda desenhada.

Ficção Científica e Fantástico em Português




Crazy Equóides, João Barreiros

Conhecedores da obra de João Barreiros sabem à partida o que esperar dos seus textos. Nunca desilude, e dá aos seus leitores aquilo que estes esperam dele. Barreiros tem uma fórmula de escrita apurada, com temáticas afinadas e personagens-tipo invariavelmente metidas em situações de comédia negra. Notem que é uma fórmula, inerente a qualquer processo criativo, não quero com isto dizer que Barreiros seja formulaico. Há uma diferença qualitativa assinalável entre encontrar e estruturar uma voz artística e repetir elementos seguros até à exaustão.

Este Crazy Equóides não escapa à fórmula, e ainda bem, que Barreiros tem-a bem afinada. Esta novela vai num sentido um pouco diferente. Foca-se na sexualidade, e vinda de quem vem, não esperem romantismos ardentes. Antes, temos uma civilização alienígena levemente centáurica com hábitos reprodutores peculiares, levados a um apocalipse provocado pelo desejo sexual induzido por um cuidadoso primeiro contacto com humanos. Um frenesim especialmente destrutivo. Temos Inteligências Artificiais gananciosas e amorais, humanos reduzidos à condição de serventes de IAs, e duelos mortíferos com mísseis termobáricos. Reparem que o conto foi escrito como âncora para uma antologia de FC erótica, que nunca chegou a ser publicada. Apocalipse ao estilo de João Barreiros é sempre qualquer coisa de extraordinário no seu âmbito.



O Algoritmo do Poder, Pedro Barrento 

No seu cerne, a ficção científica e especulativa não trata de prever ou imaginar futuros. A lente da FC não é um oráculo de Delfos, antes, é um espelho das pulsões sociais e culturais da sua contemporaneidade, alimentada pelo fascínio e possibilidades da ciência e tecnologia. Este tipo de especulação está no cerne de O Algoritmo do Poder. Apesar de estruturado como romance-périplo, um daqueles livros que pega nas mãos do leitor e o leva através do mundo ficcional (utilizando a definição de Aldiss em A Billion Year Spree), é em essência um longo infodump sobre a forma como Pedro Barrento vê algumas questões estruturais que já hoje caracterizam a sociedade global. Infodump, mas daqueles bem feitos, em que os dados que informam o leitor sobre as premissas do mundo ficcional são elementos da narrativa e não aqueles longos discursos onde um personagem perora longamente para nos ajudar a perceber as premissas do universo.

A olhar para um ecrã divido em várias janelas enquanto termino esta recensão, com um olho no editor de texto e outro no navegador onde vão passando as novidades que os algoritmos das redes sociais escolhem para o meu olhar, a partir do perfil da minha bolha de informação, percebo onde Pedro Barrento quis chegar com a sua distopia. Não podemos confiar cegamente em quem desenha os algoritmos. Nem correr o risco de perder a memória colectiva. Não leiam O Algoritmo do Poder como mais uma aventura distópica. Este livro é muito mais do que isso.



Tudo Isto Existe, João Ventura

A ficção de João Ventura situa-se num espaço muito próprio e pessoal entre humor e fantasia. As suas histórias, afiadas e bem afinadas como um instrumento de precisão, nunca nos deixam indiferentes, entre o sorrir pelo humor inesperado ou o sonho invocado. Parte do seu encanto reside no minimalismo de vinheta, aparentemente simples. Quando as lemos sentimos que têm o tamanho certo, não precisam de ser mais longas ou expandidas. É precisa uma enorme capacidade narrativa para se ser tão sintético e agarrar o leitor com ideias sempre intrigantes e inesperadas. Esta coletânea de alguns dos seus textos, uns inéditos, outros já conhecidos do público através do blog Das Palavras O Espaço, ou editados em antologias de contos de FC e Fantástico, dá aos leitores, finalmente, uma visão abrangente da capacidade literária de João Ventura. Um autor discreto, criador meticuloso de delicadas peças narrativas, curtos mas intricados mecanismos literários que não nos deixam indiferentes.



Comandante Serralves - Expansão, Rui Bastos,  Fernando Queirós, Ricardo Dias

Comandante Serralves é uma das mais interessantes propostas vindas da dinâmica Imaginauta. É, sem dúvida, ambiciosa. Combate o marasmo da FC portuguesa com a proposta de um mundo ficcional em universo partilhado, campo de ideias para qualquer escritor desenvolver as suas histórias. Depois de Despojos de Guerra, primeiro livro de contos da personagem, a Imaginauta dá-nos mais alguns contos que lidam com o herói space-opera português. O projeto não se fica pela literatura, já tem expansão através de um jogo RPG chamado Pouso Forçado. Suspeito que com mais meios, este projeto poderia enveredar por outros media. Seria interessante ver uma curta metragem, real ou de animação, passada neste universo.

Ficção Científica e Fantástico Internacional



Terms of Enlistment, Marko Kloos 

As influências da FC militarista de Heinlein são bem evidentes neste divertido Terms of Enlistment. A combinação de futurismo com fascínio pelo militarismo, esse clássico tema heinleiniano, sustentam o livro de Marko Kloos, escritor alemão residente nos EUA. No entanto, o tom da obra não segue a vertente clássica do heroísmo e dedicação à honra da causa marcial. O que leva os personagens a dedicar-se à vida militar não é uma vontade abnegada de atingir a glória, mas escapar a vidas sem sentido numa Terra com excesso de população. Kloos toca as teclas certas deste sub-género de FC. Tem uma capacidade narrativa sintética e decidida, mantendo o leitor agarrado à história, mesmo que seja previsível. A construção das personagens segue a iconografia típica da FC militarista, embora Kloos as mantenha sóbrias e não caia no exagero da apologia da violência ritualizada. Não sendo um livro extraordinário, é uma leitura leve e bem concebida.


Acadie, Dave Hutchinson

É raro um livro de FC nos apanhar de surpresa. Especialmente quando se trata de Space Opera. Este é um desses. Somos mergulhados num vórtice literário, num mundo ficcional típico do género. Estamos num futuro profundo, a humanidade espalha-se pela galáxia, e seguimos um grupo de renegados que quebram os grilhões legais da pesquisa genética para criar humanos geneticamente melhorados. Perseguidos pelas autoridades terrestres, constroem a sua utopia em sistemas solares considerados inválidos para colonização pelo gabinete que gere a expansão humana. Aí criam estações avançadas, com pessoas fortemente modificadas, mais inteligentes do que o humano-base, desenvolvendo tecnologias avançadas que mantém em segredo de uma humanidade que os persegue.

Ou então nada disto é assim. Estes renegados são perseguidos por crimes que cometeram, especialmente na manipulação genética forçada de colonos em naves capturadas, e os resultados são abominações físicas e anormalidades. A sua tecnologia é falível e primitiva, mas violenta, e tudo o que as autoridades querem é capturar os criminosos e salvar aqueles que caíram nas suas garras.  Este livro é deliciosamente curto e inconclusivo. Apetece ler mais, mas ainda bem que se mantém conciso. Onde outros escritores optariam por criar sagas em multi-volumes de calhamaços de páginas, esmifrando os mais ínfimos pormenores, Hutchinson mantém a história ao nível de rascunho bem definido. O resultado é um elevado nível de narrativa cativante, que provoca a mente do leitor a ir mais longe, imaginar os detalhes que faltam. Uma experiência literária mais imersiva do que o detalhar pormenorizado do mundo ficcional.



Project MARS: A Technical Tale, Wernher von Braun

Este é o tipo de livro que se lê como referência e não por gosto. A seu favor tem alguma plausibilidade científica, vinda daquele que foi um dos pais da astronáutica contemporânea. À luz da tecnologia e conhecimento científico da época, uma expedição a Marte nos moldes descritos no livro parecia possível, apenas uma questão de esforço financeiro e engenharia. Hoje sabemos que a questão da sobrevivência do homem em viagens espaciais não é assim tão simples. No que toca à Ficção Científica, este livro é verdadeiramente atroz. Essencialmente, é um longo infodump, cada capítulo é essencialmente uma explicação longa e especulativa sobre o como poderia ser uma missão a Marte. Até mesmo para alguém como eu, que adora infodumps, parece excessivo. No entanto, é de ressalvar que este livro não foi escrito com ambições literárias. O seu objetivo expresso é suavizar a dureza matemática da especulação científica através de uma fantasia. Este Project Mars é, como o próprio afirma no prefácio, uma forma suave de especulação informada, mostrando a sua visão de como poderia ser uma expedição a Marte com a tecnologia que o próprio autor estava a ajudar a desenvolver. Nesse aspeto, como retrato instantâneo de um momento na história da ciência, este é um livro interessante, embora os aspetos literários sejam fracos e algum ideário que lhe está subjacente ser incómodo.



Steampunk Internacional, George Mann,  Anton Stark, Derry O'Dowd, Diana Pinguicha, Anne Leinonen, Jonathan Green, J.S. Meresmaa, Magdalena Hai

A diversidade local, cheia de vozes interessantes, raramente consegue afirmar-se perante a hegemonia quase monocultural da FC anglo-saxónica. Isto não é um comentário xenófobo, apenas um resmungo de quem sabe que coisas interessantes se publicam no espaço europeu, mas não consegue ler graças às barreiras linguísticas e de divulgação. Até me safaria a ler em francês, espanhol ou italiano, mas com a baixa divulgação dos seus autores e temas dita que nem sei por onde começar. E nem vale a pena olhar para outras línguas europeias mais guturais.  Discute-se, e há que fazer vénias a quem faz. O mais importante desta antologia é o atrevimento de existir, uma parceria entre três pequenas editoras europeias: a britânica NewCon Press, a finlandesa Osuuskumma, e a portuguesa Divergência, que se distingue pelo crescimento sustentado e excelência no trabalho de promoção e edição da FC e Fantástico portugueses. Graças a esta parceria, nascida na Eurocon, leitores de três países podem ler ficção escrita por outros. São nove contos, três de cada nação, representativos do trabalho dos escritores que colaboram com estas editoras. Steampunk foi o tema de partida, e, pessoalmente, espero que se esta iniciativa se mantiver, que os temas se diversifiquem.

Comics Internacional



Il Dylan Dog di Tiziano Sclavi: Lassù Qualcuno Chi Chiama, Tiziano Sclavi,  Bruno Brindisi

É conhecido o gosto que Umberto Eco tinha pelo trabalho de Tiziano Sclavi em Dylan Dog. É muito citado pelos fãs e críticos o seu dito que tinha duas leituras que nunca o cansavam, a Bíblia e Dylan Dog. A admiração não seria necessariamente pelo personagem, o que o fascinava era a forma como Sclavi estruturava as suas histórias em episódios aparentemente desconexos, enquanto tecia uma complexa teia narrativa. Lassú Qualcuno Ci Chiama é a resposta de Scalvi a Eco. Uma homenagem ao pensador e semiólogo italiano, inclusivamente retratado como personagem nesta aventura do Old Boy. Humbert Coe, linguista cujo labor de vida é procurar indícios de uma possível lingua-mãe primordial, a base da qual terão derivado todas as línguas humanas, arregimentado para ajudar a decifrar uma possível mensagem alienígena, e atormentado por sonhos recorrentes da cacofonia da torre de Babel. Coe é o retrato caricatural de vénia a Eco. Como nas boas histórias de Sclavi (e esta é das mais encantadoras), o cruzamento de linhas narrativas é complexo, uma complexidade inesperada no que é um produto de cultura popular. Há muitas histórias dentro desta história, a tranquila obsessão de Coe, as dinâmicas de tensão entre forasteiros e nativos (que Sclavi explora com humor corrosivo), a vida de uma emigrante que acabará por se tornar a mais inusitada paixão de Dylan, as histórias dos habitantes da vila, as tradições galesas, as lendas locais, e a suposta mensagem alienígena, que se revelará ser um poema gaélico, que poderá ser totalmente falsa, um anacronismo, ou uma manifestação espiritual. Sclavi ainda consegue enfiar referências a ovnis, conspirações militares e tensões políticas. Lassú Qualcuno Ci Chiama é uma sorridente homenagem a Eco, e uma das mais encantadoras e divertidas histórias que Sclavi criou para Dylan Dog.


Le Storie: Sangue e Gelo, Tito Faraci,  Pasquale Frisenda

Sangue e Gelo pega na história da retirada francesa da rússia, com a invasão napoelónica derrotada pelo general inverno, para nos mergulhar numa narrativa onde a violência da guerra e a visceralidade das tradições míticas eslavas se cruzam num ambiente de puro horror. Um grupo de soldados a tentar fazer o seu caminho de regresso pela rússia gelada é atraído para o que parece ser uma salvação abnegada, mas acaba por se revelar uma armadilha. Enclausurados numa aldeia arruinada, acossados por criaturas de pesadelo, os soldados descobrem-se num inferno povoado pelos seres horríficos da mitologia eslava, antigos deuses poderosos que foram subsumidos como demónios com a cristianização dos povos russos. Uma armadilha da qual a morte será a única fuga possível, e que terá um final deliciosamente ambíguo. O toque lovecraftiano da narrativa é complementado por um excelente trabalho visual, num registo de cinzentos a transmitir o gelo profundo do inverno russo, quebrado pela violência avermelhada do horror arcaico.



Dylan Dog: A Saga de Johnny Freak, Mauro Marcheselli,  Tiziano Sclavi, Andrea Venturi, Giampiero Casertano

O terceiro volume da coleção Bonelli é um brinde para os fãs do Old Boy. Dylan Dog regressa ao público português, depois da edição de Mater Morbi, e é um regresso muito especial. É a primeira vez que em Portugal se editam histórias de Tiziano Sclavi, o seu criador e melhor argumentista da série (apesar de Roberto Recchioni e Paola Barbato terem aguentado muito bem o manto de excelente argumentistas de Dylan Dog). O volume colige duas aventuras do detetive dos pesadelos. Em Johnny Freak, Sclavi conta-nos uma história decididamente perturbadora, longe do registo sobrenatural mas bem dentro do incómodo. Apesar da sua forte conotação ao sobrenatural, as aventuras de Dylan Dog são suficientemente ambíguas para atravessar géneros, do policial ao fantástico, e até ficção científica. Nesta saga, o tom é decididamente grand guignol.


Descender, Vol. 1: Estrelas de Lata, Jeff Lemire,  Dustin Nguyen

A Ficção Científica é um género que vive muitas mortes anunciadas. Uma visão cíclica, vinda não do poder editorial (as novas edições de FC no mercado internacional não são às pazadas, são mais comparáveis a porta-contentores atafulhados em risco de rebentar) mas de uma certa ideia de estagnação e isolamento face ao mainstream da cultura popular. Algo que se alia à sensação que hoje vivemos em plena science fiction condition, que este género já não tem voz refrescante ou nada que nos desperte as ideias numa era de constante banalização de prodígios da ciência e tecnologia. A contrariar os prenúncios fatalistas, o cinema tem-nos legado excelentes visões de FC no grande ecrã, ou diretamente para os pequenos ecrãs fragmentados da diáspora digital (caso do recente Anihiliation, baseado no romance homónimo de Jeff Vandermeer, relegado para a Netflix por decisão de executivos culturalmente conservadores). A banda desenhada também não foi alheia a este movimento, especialmente graças à Image, que tem dado luz verde aos seus criadores para editarem séries de ficção científica pura. Há dois ou três anos atrás, grande parte dos novos títulos da editora eram pura ficção científica e especulativa. Um impulso que agora tem perdido alguma força, com o regresso progressivo dos géneros fantasia e crime. As temáticas editoriais são cíclicas, respondendo aos interesses dominantes do público.


Do Inferno, Alan Moore, Eddie Campbell

Numa Londres de sombras e nevoeiro, sob a luz bruxuleante dos candeeiros a gás, um misterioso criminoso comete uma horrenda série de assassínios que chocou a sociedade britânica. Os esventramentos de prostitutas no bairro degradado de Whitechapel estão ainda hoje por resolver, alimentando especulações, obras literárias e cinematográficas. Bem vindos ao inferno de From Hell.

Banda Desenhada Portuguesa


Apontamentos de Terror, Pepedelrey

Mais do que a visão clássica horror, o que está em evidência neste Apontamentos de Terror é a capacidade de arriscar formas inquietantes de narrativa gráfica. A cidade do Porto é palco de quatro apontamentos, capturados pelo lápis de Pepedelrey. Quatro momentos de arrepio, entre o sobrenatural clássico, criaturas mortíferas e a maldade que se oculta no coração humano. Neste livro, um dos mais clássicos nomes da BD contemporânea nacional vira-se para o terror enquanto género narrativo, sustentando um elevado nível de experimentalismo gráfico.


Dragomante: Fogo de Dragão, Filipe Faria, Manuel Morgado

Descobri-me algo surpreendido por ter dado conta que li, e gostei, de uma edição de fantasia épica. Visualmente deslumbrante, com uma história interessante, Dragomante é uma excelente proposta de banda desenhada portuguesa co-editada pela Comic Heart e G.Floy numa edição cartonada, de luxo. Um livro que não deixa os leitores indiferentes, mesmo que não se seja fã de fantasia épica.


Cicatriz, Sofia Neto

Com uma cicatriz que denota um passado violento, uma mulher tenta sobreviver por entre aqueles que considera selvagens, enquanto procura uma agente desaparecida. Quanto mais entra dentro do mundo daqueles que antagoniza, mais se apercebe que a realidade talvez não seja aquilo que a sua indotrinação lhe transmitiu. Cicatriz é um livro discreto, de pura ficção científica.

Não Ficção


AIQ: How People and Machines are Smarter Together, Nick Polson,  James Scott

AIQ não nos mergulha tão a fundo na IA que poderemos temer o afogamento. Mantém-se leve, acessível, e dá-nos uma visão surpreendente e profunda da evolução e impactos de uma tecnologia que já está a influenciar a forma como vivemos. É de notar que os autores depressa desmontam o mito da IA como uma consciência super-inteligente. São mais terra a terra, mostram-nos que os avanços nestas tecnologia acontecem na forma restrita. Quer sejam os algoritmos de predição de produtos com que interagimos nas lojas online (ou no Netflix), algoritmos de reconhecimento de imagem, produtos como o Alexa, que agrupam tecnologias de processamento de linguagem natural com algoritmos de pesquisa e de predição com base no perfil do utilizador, sistemas de navegação por gps, processamento de dados financeiros (na banca, seguros, ou no IMTT, que está a usar uma ferramenta de IA para processar multas rodoviárias). Não são seres artificiais inteligentes, são ferramentas poderosas em aplicações muito específicas. São inteligentes, de formas muito específicas. Comportamentos inteligentes não significam consciência, na natureza encontramos exemplos disso, exames de abelhas ou formigas apresentam comportamentos complexos e estigmérgicos.


New Dark Age: Technology and the End of the Future, James Bridle

James Bridle não é um conspiracy nut qualquer. Despertou as atenções com o longo projeto artístico The New Aesthetic, um tumblr que coligia as interações inesperadas potenciadas pela tecnologia, entre a forma como os robots vêem o mundo que os rodeia à influencia dos algoritmos do dia a dia das pessoas. O seu New Dark Age disseca de forma arrepiante a derrocada dos sonhos utopistas dos bons velhos tempos da sociedade digital, sem se atrever a dar-nos pistas de como podemos reverter o estado das coisas. O livro é, em essência, um catálogo catastrofista, uma crónica do esmagar do optimismo e do vergar do zeitgeist global ao que Bridle apelida de pensamento computacional: a adaptação do indivíduo e da sociedade às exigências opacas de algoritmos concebidos de forma pouco transparente, pelos vencedores das economias assimétricas do mundo digital.

Este livro, de leitura imparável, não nos deixa tranquilos. Bridle é um daqueles poucos comentadores contemporâneos capazes de ver ligações intrínsecas entre factos aparentemente sem ligação entre si, tal como Geoff Manaugh ou Yuval Harari, outros cuja leitura dos seus textos nos provoca e muda a forma de pensar. Bridle é imparável na forma como associa a regressão social e progresso tecnológico, apontando para um futuro deprimente. Uma dark age, de maravilhas tecnológicas e vastas quantidades de informação, de desagregação social e retrocesso político, controlado por interesses económicos e vigiado por agentes na sombra. No fundo, um retrato da distopia em que sentimos viver sempre que assistimos a um telejornal.


Mentes Digitais A Ciência Redefinindo a Humanidade, Arlindo Oliveira

Tendo em conta a visão cinzentista que se tem dos académicos portugueses, é um pouco estranho ver um livro de índole tão especulativa escrito pelo atual presidente do IST. E editado pelo IST. Não que Mentes Digitais seja especialmente arrojado, na categoria de livros futuristas e trans-humanistas, é até bastante dócil nas suas visões. Lê-se como um conjunto alargado de apontamentos para aulas ou apresentações, levados da síntese a textos mais elaborados, que nos levam num périplo que começa nos primórdios da eletrónica, com a descoberta das leis do eletromagnetismo, e termina com as descoberta contemporâneas nos domínios da genética, bio-ciências e neurociências. A lógica é visível, o estabelecer de uma linha de continuidade de progresso científico que nos legou o corrente vislumbre, cujas possibilidades começam já a aparecer, de um futuro humano para lá do biológico, misturando informática avançada (robótica e IA) com virtualidades e transcendência do corpo humano. É nos dois capítulos finais que o autor se deixa ir mais longe, falando-nos de IA conscientes, ou digitalização da mente, formas de vida totalmente artificiais.

O Pior Livro do Ano


Holocausto Lunar: a divisão dos infantários, Sofia Guilherme Lobo

A badana deste livro de FC portuguesa apresenta-nos aquela que, para mim, é a melhor biografia de um autor de li nos últimos tempos: "Filha natural de um padre doutorado em línguas mortas e viveu uma infância rigorosamente religiosa". Infelizmente, é também o pico de qualidade literária de Holocausto Lunar. Se se vai situar uma história na Lua, convém contextualizar o cenário, ou pelo menos arranhar uma descrição do que seriam estas futuras colónias lunares. Pelas descrições, as cidades lunares até poderiam ser um quarteirão urbano da Reboleira. O mesmo se aplica à tecnologia futura. A história é uma sucessão de peripécias desconexas contadas com a perspicácia de um adolescente revoltado com o mundo. A projeção de um ataque à religiosidade, levado ao absurdo, metáfora sublimativa dos movimentos anti-clericais, tem um peso excessivo no livro. Este é o tipo de livro que um pároco de aldeia isolada dos anos 50, daqueles que gosta de manter o seu rebanho controlado com divino punho de ferro, recomendaria como leitura.

URL


The epic task of breeding fruit flies for life on Titan: Quando a ciência se torna um meio de expressão artística. Neste projeto do artista Andy Gracie, a seleção controlada de drosófilas para induzir mutações genéticas que as tornem capazes de sobreviver em Titã é um projeto artístico, que usa as técnicas científicas.

Cloud computing and DRM: a match made in hell: Cory Doctorow a falar de DRM, já se sabe o que o artigo vai dizer, e ainda bem, este autor e ativista tem sido uma voz consistentemente incómoda dos poderes estabelecidos na defesa da liberdade digital. Destaco este artigo por causa desta citação, que resume muito bem um dos problemas de raiz na sociedade da informação: "Enshrining into code assumptions about where people live (or who they're related to, or what is and isn't a job, or a gender, or a name) will always miss out on some people -- maybe millions of people. And the weirder that person's circumstances are, the more bullshit and stress they're already dealing with -- stress and bullshit that your stupid code will compound". O enviesamento, intencional ou não, das assunções e premissas que sustentam software, sistemas ou algoritmos de IA, refletindo os pontos de vista restritos de quem os concebeu, obrigando quem não cai dentro dos parâmetros a adaptar-se ou a ser prejudicado. Há formas de combater este viés, e a abertura e transparência de critérios é um dos mais importantes.


Robot Matrix: Um gráfico divertido que organiza alguns robots icónicos da longa história da automação por nível de inteligência.

Inteligência Artificial: Eu sei, que bizarria, estar a partilhar artigos desse pasquim panfletário da direita mais conservadora, arrogante e gananciosa (disfarçada sob a capa da respeitabilidade) que é o Observador. No entanto, é um artigo de opinião de Leonel Moura, que espelha algumas das preocupações com o impacto da robótica e inteligência artificial na sociedade. É especialmente acutilante ao afirmar que um dos grandes problemas é o uso destas tecnologias como ferramenta de opressão social, através da recolha indiscriminada de dados, e desumanização da economia, usando-as como mera forma de substituir mão de obra humana.

Trabalho com robôs: um desafio para o movimento sindical: Os impactos da robótica, automação e inteligência artificial na economia e trabalho são muito discutidos, mas estranhamente estão muito ausentes dos discursos dos defensores dos direitos dos trabalhadores. A esquerda ainda parece viver no paradigma industrial do século XX, parece incapaz de perceber o impacto que já se sente hoje das novas formas de trabalhar, que ainda por cima estão a acontecer de formas que exacerbam a exploração dos trabalhadores o aniquilar dos direitos laborais (ver todo o conceito de gig economy, o modelo Uber, Fiverr, etc.). Muito menos na visão a médio prazo das consequências da evolução de tecnologias que estão a substituir mão de obra humana na economia. Este artigo, algo tímido, mostra que as consciências começam a despertar. O problema é que já começa a vir tarde.  Ok, até parece que partilho um artigo do Esquerda.net para me redimir da partilha do Obstipador, mas se lerem ambos com atenção, algumas das temáticas são precisamente as mesmas.

Discursos e realidades no caso do aumento da Extrema-Direita: Fiquei de queixo caído quando Nelson Zagalo partilhou isto nas redes sociais. Porque é isto, espelha o que penso e intuo sobre estes assuntos. Continuamos a discutir a lana caprina das fake news, achamos até que é de bom tom restringir a liberdade de expressão, e enquanto isso não ligamos a mínima para os reais problemas de desigualdade e precariedade. São estas problemáticas que de facto sustentam o crescimento dos extremismos, a insegurança das populações torna-as alvos fáceis para discursos sedutores e redutores, que lhes prometem aquilo com que as forças mainstream não se estão a preocupar. Não é racismo ou xenofobia, é mesmo insegurança e incerteza perante o futuro o que alimenta os extremismos.


Yes, The U.S. Army Actually Developed a Flying Jeep with Guns: A entrada no arquivo de tecnologias bizarras que alguém se deu ao trabalho de inventar. Que tal um jipe voador? Vale é que a coisa não pegou. Imaginem isto em versão SUV...

Ten Years After the Crash, We’ve Learned Nothing: No mesmo dia em que li isto, vi num telejornal uma reportagem melosa em que jornalistas e economistas/ex-ministros diziam que depois da crise, agora estava tudo bem com o sistema bancário e a regulação estava a funcionar. Mentiras óbvias. Ainda por cima, sabemos perfeitamente que aqueles que causaram o crash financeiro de 2008 não só se safaram, como foram recompensados, mantém as posições, e que a economia continua desregulada. Um crash que não foi local, teve consequências globais (que nós portugueses bem conhecemos, com os duros anos da Troika) e que regrediu o progresso social e económico global. Dez anos depois continuamos frágeis, as desigualdades acentuaram-se, os gangsters bancários continuam a ter rédea livre.

Missing the Dark Satanic Mills: Uma história da fábrica, entre ícone da modernidade, ao mesmo tempo símbolo do progresso e as catástrofes da industrialidade.

How Will Police Solve Murders on Mars?: Criminologia marciana. Geoff Manaugh mergulha em profundidade na questão de como será o crime e o castigo nas futuras colónias marcianas.  Em profundidade, mesmo, entrevista todo o tipo de pessoas que poderão ter algo a dizer sobre este assunto.


Cathedrals Of Matte Artistry: São sempre extraordinários (e gargantuescos, gigantes, deveras) os posts do Matte Shot. Desta vez o tema são as catedrais, e novamente, temos exemplos excecionais de pinturas que no ecrã do cinema enganam o olhar.


The Rise and Demise of RSS: Honestamente, não sei como é que se consegue sobreviver na internet sem RSS. Usar redes sociais como forma de aceder a feeds de informação é ao mesmo tempo limitativo, dependente das bizarrias dos algoritmos, e sufocante. RSS é ir à fonte, poder ter num software unificado as mais diversas fontes de informação. Primeiro com o Google Reader, agora com o Feedly, são os fluxos de publicação via RSS que alimentam o meu conhecimento do que se passa na atualidade. É facto que o RSS foi esmagado pelas redes sociais (mas quem se interessa pela fiabilidade das fontes de informação, não o abandona), e que nunca foi uma tecnologia de massas. Algumas curiosas observações deste artigo do 0B10: "RSS is perhaps used as much for its political symbolism as its actual utility. Though of course some people really do have RSS readers, stubbornly adding an RSS feed to your blog, even in 2018, is a reactionary statement. That little tangerine bubble has become a wistful symbol of defiance against a centralized web increasingly controlled by a handful of corporations".

InSight: Uma missão para estudar o “coração” de Marte: A astrobióloga Joana Neto Lima apresenta-nos uma sonda que irá aumentar a nossa compreensão do planeta vermelho.

Varieties of Ether: E se o ódio e o despeito fossem também combustível para alimentar a criatividade? Sabemos que esta depende de aprendizagens e contextos culturais. O que este articulista observa é que há casos em que rivalidades entre o mesquinho e o violento entre criadores foram também uma faísca criativa. E não são tão poucas quanto isso. Yep, sabe sempre bem ser mauzinho.

How to Design for the Modern Web: Isto é muito tongue in cheek, e mostra bem os piores erros que se cometem no web design. Há que adorar o nada como passar o tempo a dizer ao utilizador para instalar a app em vez de ir ao site e utilizadores europeus? mais fácil bloquear do que cumprir com o RGPD.

Corporations Are Ready to Build Moon Villages, Our Laws Are Not: Estas coisas preocupam. A ideia que a exploração espacial passa a ser uma coutada dos um percentistas, que olham para o sistema solar como espaço para implementar as suas utopias pessoais de distopia capitalista. Não sou radical, não acho que as entidades privadas não possam ter um papel a desempenhar na exploração espacial, mas há que sublinhar que um privado age, primordialmente, a favor do seu interesse, que pode não ser o da comunidade em que está inserido.


The Delta II rocket came, it saw, and for a time it conquered: O fim de uma era, com o último voo de um foguetão cuja origem vem dos veneráveis mísseis balísticos dos anos 60. Durante muito tempo, o Delta foi o burro de carga da exploração espacial.

La Mort Vivante: Ficção científica neo-gótica de recorde vitoriano (mas não lhe chamemos steampunk) baseada num romance de Stephen Wul? Shut up and take my money, se der com isto por cá nas livrarias.

A Look at the Newest Blue Pigment—and How a Color Becomes a Commodity: Depois do vanta black, o pigmento mais negro até agora desenvolvido, temos o quantum blue, um pigmento azul que parece algo deslavado, até se revelar com luz ultravioleta.


Space Marines With Jetpacks!: É provavelmente de alguma memória infantil difusa que vem a obsessão do asno-correte presidente dos EUA com a space force. Este projeto pensava na possibilidade de transportar soldados para qualquer parte do planeta, por foguetão. O que é que poderia correr mal? E sim, soa exatamente como um mau romance de FC militarista....

Colecção 25 Anos Vertigo 5 - Preacher Vol 1: O texto de apresentação de João Lameiras para a edição da Levoir de Preacher, um dos clássicos da Vertigo.

A Slow Utopia: Com uma elevada taxa de população envelhecida num espaço urbano hipermoderno, o Japão está a tornar-se um balão de teste dos desafios que enfrentam as sociedades industrializadas.


Brutal-ish: Japan’s Long, Dramatic Love Affair with Concrete Architecture: Se o brutalismo nos parece brutal, na pior aceção da palavra, quando visto nos países ocidentais, no Japão parece ter adquirido uma elegância zen, de pureza geométrica de formas que, curiosamente, não tem aquele ar frio e desumano que o brutalismo habitualmente tem.

If VCs Aren't Socially Responsible, the Robots Will Win: No shit, Sherlock? O que me preocupa mesmo na discussão sobre os impactos sociais da automação, robótica e IA na sociedade não é a mão de obra humana ser potencialmente substituída pelas máquinas, mas sim a forma, e as razões, pelas quais isso acontecerá. O que realmente me assusta, nisto, é a combinação destas tecnologias com a rapacidade e ganância do capitalismo (o que lhe quiserem chamar, selvagem, late stage), e a sua despreocupação com o lado humano. Quem sonha com o progresso da robótica imagina um futuro de humanos libertos do trabalho; quem aplica hoje este tipo de soluções só quer cortar custos laborais e se as pessoas forem descartáveis, isso nem os aquece nem os arrefece. Na verdade, deste ponto de vista, as pessoas sempre foram descartáveis.

Computational photography: John Naughton andou a prestar atenção aos desenvolvimentos das câmaras dos novos iPhones, e vale por este insight: "Once, photography was all about optics. From now on it’ll increasingly be about computation".

Reimagining Education in the Exponential Age: Comecei a ler isto com a curiosidade se ia encontrar algo de interessante, mas depois das banalidades de sempre sobre a educação ter de mudar neste mundo contemporâneo, a coisa resvala para o habitual discurso zelota dos singularitários/transhumanistas, mais preocupados com o seu jargão de conceitos mind blowing do que no como, realmente e na prática, fazer qualquer coisa para renovar a educação (ou o que quer que seja, este pessoal está cheio de palavras-chave mas o vácuo mental por detrás delas é... abismal ao ponto de chegar à singularidade) (isto foi uma piada muito, muito nerd).