quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

WTF?



Tim O'Reilly (2017). WTF?: What's the Future and Why It's Up to Us.  Nova Iorque: Harper Business.

Um livro surpreendente, de forma inesperada. WTF? começa com o estilo habitual que caracteriza o tecno-utopismo de sillicon valley, aquele misto de fé cega numa trindade de empreendedorismo, tecnologia e espírito de inovação sem olhar a consequências. Segue a litania habitual de sucessos de mercado versus decadência dos dinossauros, com uma forte pitada de "O'Reilly pensou/fez isto primeiro". São capítulos que pouco trazem de novo, enquanto o autor tenta caracterizar a piada elegante do seu título - WTF significa aqui what the future, procurando ser uma crónica da disrupção criativa tecnológica que nos apanha desprevenidos quando tentamos antever o futuro.

Este seria mais um livro banal, com as ideias habituais vindas daquele canto geográfico e ideológico, se não mudasse completamente de tom a meio. Sem qualquer aviso prévio, O´Reilly muda o tom de elogio do tecno-utopismo para uma profunda crítica do capitalismo neoliberal. Algo ainda mais surpreendente tendo em conta que estamos a falar de um escritor, mais conhecido como editor e empreendedor tecnológico, que está perfeitamente inserido no meio que critica.

A crítica vem de dentro, com uma lógica de sobrevivência de um sistema. Ao analisar inteligência artificial, algoritmia, automação e robótica, O'Reilly segue o caminho da crítica acérrima ao status-quo do sistema financeiro. Estas tecnologias são um perigo para humanidade, observa, não por qualquer caráter que lhe seja inerente, mas por serem instrumentalizadas por uma máquina aparentemente imparável de capitalismo predatório, que se foca em maximizar lucros a curto prazo, a custo do investimento em inovação e rendimento dos trabalhadores. A culpa, aponta, está na financeirização da economia, que mudou o foco do investimento do construir a longo prazo para o enriquecer a curtíssimo prazo.

O'Reilly dificilmente é um marxista convertido, de kalashnikov em punho pronto a derrubar a ordem global. A sua posição parte do pressuposto que os mercados, para funcionar, precisam de clientes. Que sem uma distribuição equitativa de riqueza, não há dinheiro para aquisição de bens numa sociedade de consumo de massas. E que a regressão ao elitismo representa a inversão de todo o progresso humano dos últimos séculos.

O livro acaba com discussões sobre possibilidades pós-capitalistas, de uma sociedade onde a produção de riqueza está automatizada e ao humano fica o papel de, simplesmente, ser humano (é uma visão clássica de sociedade de lazer sustentada pela tecnologia, que tem estado ausente da discussão futurista nos últimos tempos). O'Reilly alinha-se ao lado daqueles que defendem o rendimento básico universal, e das sinergias aumentativas homem-tecnologia, defendendo sempre que as mais avançadas tecnologias são, em essência, uma ferramenta ao serviço da humanidade e não um instrumento de enriquecimento de elites. O up to us do título não se refere a nós, mas sim aos que fazem parte do ecossistema habitado por O'Reilly, do mundo empresarial tecnológico, capitalismo de risco e financeiro. São os que, na sua visão, podem dar passos para mudar um sistema deturpado por uma visão de mercado que colocou a ganância acima de todas as prioridades.