quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Chá Forte Com Limão e outras delícias cinéfilas.


Preciosidades que encontrei por puro acaso. Andava pelo YouTube à caça de trailers para fornecer como recurso aos formandos de  uma acção de formação sobre edição vídeo que tive de dinamizar e dei com estas belas surpresas. Antes que pensem que os meus formandos são uns sortudos, recordem-se que já sofrem o suficiente com um formador cujas crédulas noções de "fácil" e "simples" provocam traumas na maioria dos estudantes adultos. Mas adiante. A boa surpresa foi encontrar pelo YouTube versões completas de filmes icónicos de António de Macedo. Para além do esplendoroso Chá Forte Com Limão, também se encontram Domingo à Tarde, o divertido A Maldição de Marialva (dobrado em italiano...), o documentário sobre Fernando Lanhas e um documentário recente sobre Macedo.

Normalmente não utilizaria este espaço para divulgar e hiperligar para obras claramente publicadas à revelia dos direitos de autor, mas este caso é especial. Tratam-se de filmes e documentários realizados por uma figura única do cinema português que raramente são visíveis fora dos poucos ciclos que lhe foram dedicados na Cinemateca e de festivais de cinema fantástico que apostam também no recordar dos valores maiores desse género por cá. São filmes fechados nos arquivos, bem protegidos dos olhares dos cinéfilos, talvez reflectindo o esquecimento forçado a que este realizador se vê condenado por optar por caminhos que não se adequam à erudição monótona do mainstream cultural nacional. Filmes arredados das colecções de DVDs, indisponíveis online sem ser desta forma, que suspeito que dure pouco tempo. As cópias podem não ser as melhores, com A Maldição de Marialva dobrado em italiano e Chá Forte Com Limão com as suas belíssimas cores da fotografia original deslavadas e som dessincronizado. Note-se que há poucos anos, quando descobri o belíssimo e bem preservado espaço das ruínas da aldeia de Marialva, acessível pelo IP2 entre Trancoso e Vila Nova de Foz-Côa, falei deste filme à responsável museológica que me confidenciou que sabia que existia mas nunca o tinha visto, e gostaria de o ver.

É nestes momentos que a protecção legal da propriedade intelectual colide com o acesso à cultura. Quando a a protecção da propriedade intelectual impede que se aceda a marcos culturais, quando a falta de vontade, ou o custo elevado, de recuperar e divulgar obras para as dar a conhecer a um público mais alargado, valha-nos a pirataria. Por muito que se deva respeitar os direitos dos criadores (e se o sistema actual realmente os respeita ou beneficia conglomerados financeiros seria uma longa discussão), nestes casos a excepção justifica-se. Sublinho que se houvessem filmes de Macedo em DVD eles estariam na minha colecção.

Curiosamente estou a iniciar actividades do Plano Nacional de Cinema na minha escola. Olhando para a lista de filmes e cineastas seleccionados pelas eminências da cultura cinematográfica que me foi divulgada notei uma ausência gritante. Nenhum filme de António de Macedo.

Bónus: nestes meus vasculhares pelo YouTube em busca de material para os meus formandos ainda deparei com outra preciosidade: um dos raros filmes portugueses de ficção científica, ainda por cima baseado num conto de J. G. Ballard, um dos meus autores favoritos do género: Aparelho Voador a Baixa Altitude. É caso para dizer, pirateiem, senão nunca terão oportunidade de ver estes filmes. E se algumas vez forem editados em DVD ou apareçam em festivais de cinema, redimam-se desta acção de ética duvidosa. Até porque o cinema faz-se é para ser visto em ecrã gigante e não em janelas difusas do computador ou tablet, em cópias que façam jus à estética cinematográfica (e os filmes de Macedo distinguem-se por um sentido de cor apuradíssimo) e não transcodificações cujo algoritmo de compressão é implacável com subtilezas e nuances visuais.