quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sketchpad


Olho para esta imagem de Ivan Sutherland a desenhar no computador há 60 anos atrás e vejo-me a mim, perdido nas minhas brincadeiras em 3D, ou os meus alunos de segundo e terceiro ciclo a aprender a beneficiar do digital como forma de criar. A minha dívida para com o Sketchpad é enorme.


Desenhar no Sketchpad

O Sketchpad, resultado da dissertação de um Ivan Sutherland que posteriormente se envolveria no desenvolvimento de realidade virtual com o sistema Damocles, foi o primeiro programa a utilizar o computador como ferramenta de desenho. Não será certamente exagero considerá-lo a semente de uma árvore que hoje inclui CAD, 3D, edição de imagem, desenho vectorial, simulação de pintura e todas as outras variantes da imagem digital.


Snail, Kerry Strand, programado em FORTRAN.

Há experiências de utilização do computador como ferramenta de desenho antecedem que o Sketchpad, normalmente criadas por artistas dos primórdios da ciber-arte e baseadas em código gerador de linhas no ecrã e posteriormente impressas em impressoras de agulhas. O site CompArt reúne uma vasta base de dados de artistas e objectos gráficos criados nesta vertente.



revista The Atlantic publicou recentemente uma história sobre um técnico de radares entediado que utilizou o ecrã de um sistema SAGE para recriar um pinup de proporções jeitosas. Mas foi o Sketchpad o primeiro programa concebido a pensar no grafismo criado no computador. À época, com o rato ainda a ser desenvolvido, Sutherland utilizou uma caneta de luz para desenhar directamente no ecrã. É a génese de muita coisa: desenho digital, interfaces gráficos com apontadores e menus, até da realidade virtual. E é a primeira faísca da espantosa explosão criativa propiciada pelos meios digitais. A descrição original pode ser lida no Monoskop.

rossio_bent


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

You Suck.

"True, as the tech triumphalists often crow, everyone now has a voice. It’s become an article of faith that this is an advance we should all be grateful for. Yet about 50 percent of those voices, at any given moment, seem to want to say nothing more than, “You suck.”"

De The Meme Generation, um saudavelmente céptico artigo sobre teoria dos memes e cultura viral da internet escrito num tom decididamente nariz empinado. Leitura interessante, uma visão muito céptica sobre os deslumbramentos com a cultura mediática da era digital. Mas... you suck? Sim, é irritante ver que a liberdade de expressão se traduz numa cacofonia em boa parte do que é dito é irrelevante, de mau gosto ou simplesmente inútil. Mas cá por mim prefiro ouvir milhares de idióticos you suck do que apenas as opiniões e ideias consideradas importantes e pertinentes por uma elite bem pensante. É mesmo isto o que significa liberdade de expressão, liberdade para expressar ideias mesmo que a outros ouvidos soem aberrantes, idiotas ou cretinas. A cretinice combate-se com debate e não com mordaças. A cacofonia é preferível às ditaduras do bom gosto e bem pensar, que tantas vezes pouco mais são do que meros disfarces para a manutenção de privilégios de poder e domínio da opinião por elites de mérito duvidoso.

E sim, a tecnologia digital colocou nas mãos de todos ferramentas capazes de registar e transmitir um volume impensável de ideias. Uma verdadeira avalanche, inédita na história humana. O resmungo passou a ser um tweet, o diário abre-se a todos num blog, a conversa de café regista-se no facebook. Da gargantuesca quantidade de informação que se produz a cada minuto pouco se aproveita, é verdade. O que antigamente saía da boca para fora ou se ficava pela mente agora fica registado na memória comum digital, enquanto a electricidade não falhar ou os servidores fritarem. Muitos dirão e calhar daí não devia ter saído porque incomoda, inquieta ou importa. Pessoalmente detesto estes não devia. Devia e deve sim, é sinónimo de liberdade. Significa que não há mordaças a afogar ideias. E isso foi uma longa e sangrenta conquista humana, que hoje tomamos por garantida e banal quando de facto não o é. Nestas coisas olhamos para os exemplos dos estados totalitários mas bastaria olhar para as tiranias suaves dos interesses económicos que tomam conta dos media que nos informam. Contra isso, resta um dilúvio de tweets, posts e partilhas. Com muita coisa lamecha ou absurda à mistura. LOLcats partilham o mesmo espaço com as palavras eruditas. Bem vindos à modernidade contemporânea. Deal with it.

Nunca cessa de me maravilhar a complexa infraestrutura do mundo digital, as redes de cabos e equipamentos informáticos, o protocolo TCP-IP que possibilita a transmissão de informação pelas vastas redes que interligam o planeta por entre servidores e routers. Uma história de desenvolvimento tecnológico cheia de brilhantismo, oficialmente nascida quando os primeiros IMPs da arpanet começaram a trocar bits através de linhas telefónicas nos antediluvianos anos 60 do século XX. Vastos investimentos, tecnologia elegante com soluções de génio, que nos permite... passar o tempo a discutir inanidades, ver vídeos idióticos em tempo real e trocar mensagens lamechas. E ainda bem que assim é. Confesso-me maravilhado pela banalização da capacidade de partilha cultural, que permite ler tão facilmente artigos académicos como piadolas sem qualquer piada. O que não implica o abandono do espírito crítico, bem pelo contrário. Hoje, debaixo desta avalanche digital de ideias, é mais importante que nunca ter detectores de treta bem afinados (ideia de Howard Rheingold) e isso só se consegue com... informação. Acesso, partilha, discussão livre e aberta. Mesmo que tenha LOLcats à mistura.

Comics


Before Watchmen: Minuetmen #06: Darwyn Cooke encerra bem esta prequela morna de Watchmen. Centra-se no nite owl original para desmontar alguns dos segredos aludidos por Moore no original. E termina com o convite a continuidades. Destaca-se mais pelo traço de Cooke, evocativo do género pop, do que pelo argumento.



Bedlam #03: Uma história intrigante sobre um ex-serial killer que colabora inocentemente com a polícia num novo surto de assassínios em série. Poderia ser mais um comic policial banal, senão pelos flashbacks que nos mostram num violento grafismo expressionista o processo de cura que transformou o serial killer de psicopata violento numa pessoa normal mas com tiques estranhos. E sim, são gatos. Esventrados, decapitados, esmagados contra paredes, numa experiência para aprender o valor do companheirismo animal.


Hellblazer #299: as notícias sobre a morte de John Constatine são levemente exageradas, neste que será o penúltimo número da série. Constantine, criado por Alan Moore e herói de uma longa série de comics tenebrosos, fica-se na continuidade da DC como o estereotipo do inglês malandreco no banal Justice League Dark. E a editora dá mais um passo na sua marvelização, aprofundando a aposta no mercado infanto-juvenil em concorrência directa com a Marvel e abandonando mais um título do mercado adulto. É deprimente, mas tem um lado positivo. Pelo que se tem visto sair nos últimos tempos da IDW, Image, Archaia, Boom! Studios, Dynamite e até da Dark Horse, os comics de conceito intrigante, bem escritos e ilustrados para um público adulto estão bem entregues. Note-se que uma vez que o título está quase extinto, Pete Milligan deixa-se de limites e brinda-nos com uma visceralidade raramente vista nos comics de editoras mainstream.


Mind MGMT #07: Matt Kindt dá continuidade à história surrealista e paranóica de uma jornalista que se envolve com os resquícios de uma agência secreta tão secreta, tão secreta que nem os próprios agentes muitas vezes sabem que lhe pertencem. Neste universo ficcional, Mind MGMT é uma organização secreta que utiliza poderes mentais para influenciar o curso dos acontecimentos com, entre outras artimanhas, publicidade subliminal. O resultado é uma narrativa paranóica, reminiscente do melhor de P. K. Dick.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Hawken: Genesis


v.a. (2013). Hawken: Genesis. Los Angeles: Archaia Studios.

Confesso uma certa ambivalência perante este comic. É baseado num jogo multi-utilizador massivo e serve como complemento e guia do mundo virtual ficcional. Normalmente torço o nariz perante produtos de consumo de convergência multimédia. Os tie-ins, novelizações, linhas narrativas ficcionais que expandem universos fílmicos, televisivos ou de jogo não têm para mim grande interesse. Mas a Hawken tenho de abrir uma excepção. Não pela narrativa, mas pela espantosa qualidade da ilustração. A história é um arrazoado de ficção científica distópica-militarista que é pouco mais do que uma desculpa para mostrar mechas em batalha. As capas seduziram-me. E o interior, fabulosamente ilustrado num estilo pictórico, deslumbrou-me.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Ice Haven



Daniel Clowes (2005). Ice Haven. Nova Iorque: Pantheon.

O estereótipo da cidadezinha idílica norte-americana é o palco para a colisão de histórias de um grande grupo de personagens que vive isolado nos seus mundos interiores, largamente ignorantes dos laços que os unem entre si. As histórias são inconclusivas, impermanentes, fatias congeladas no tempo de momentos passageiros da vida. O tom geral é de solidão, com os personagens presos dentro das suas esferas de pensamento, com contactos geralmente insatisfatórios.

Narrada sob o ponto de vista de um aspirante a poeta local, eterno rival da vizinha do lado, poetisa com lugar garantido no jornal da terra, a história vai mudando de ponto de vista há medida que vamos mergulhando na intersecção com outras personagens: a neta da poetisa, aspirante a escritora, um rapaz da vizinhança, irmão de uma rapariga apaixonada prestes a sofrer o primeiro desaire de amor e amigo de um outro rapaz que se confessa culpado pelo desaparecimento misterioso de outra criança, que traz à cidade um casal de detectives cuja mulher é seduzida pelo polícia local. Pelo meio um coelho criminoso regressa da prisão e espalha o caos na terra e, num pormenor fortemente metaficcional, o livro é aberto e encerrado pelas palavras crípticas de um crítico de banda desenhada, capaz de ver nos mais ínfimos pormenores das vinhetas ideias sugestivas que vão muito para além do pretendido pelo autor.

Alia-se ao surrealismo hipermoderno narrativo o traço inconfundível de Clowes. Sintético e colorido, é reminiscente do estilismo dos comics populares que mistura com uma gestão austera e elegante dos elementos gráficos.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Share a dream world


"The dueling machine," Leoh said, adopting a slightly professorial tone, "is nothing more than a psychonic device for alleviating human aggressions and hostilities. It allows for two men to share a dream world created by one of them. There is a nearly-complete feedback between the two. Within certain limits, two men can do anything they wish within their dream world. This allows men to settle grievances with violence—in the safety of their own imaginations. If the machine is operated properly, no physical or mental harm can be done to the participants. They can alleviate their tensions safely—without damage of any sort to anyone, and without hurting society." (p. 20)

Mais um recorte para a colecção visões de realidade virtual e mundos virtuais. Da obra The Dueling Machine de Ben Bova, uma máquina computacional que representa mundos imaginados por dois utilizadores em simultâneo. No conto, esta alucinação digital consensual é utilizada como arma de duelo, permitindo aos duelistas travar combate no espaço virtual sem qualquer repercussão física.


"It all seemed so real! The noise of the streets, the odors of the perfumed trees lining the walks, even the warmth of the reddish sun on his back as he scanned the scene before him.
It is an illusion, Dulaq reminded himself, a clever man-made hallucination. A figment of my own imagination amplified by a machine.
But it seemed so very real." (p. 6)


Uma visão do ciberespaço tridimensional escrita em 1969 e publicada na revista Analog. The Dueling Machine pode ser lido no Projecto Gutenberg. As capas são igualmente intrigantes. A primeira que ilustra este post, fortemente abstracta, representa uma concepção de espaço virtual como abstração digital. Mas a segunda, mais clássica, está mais próxima da realidade, onde utilizadores de olhar fixado no ecrã vivem num espaço mental alicerçado pela ilusão da tridimensionalidade digital. Em frente ao computador, com a nossa mente imersa no virtual, é mentalmente que representamos a realidade intangível do mundo digital.

Moda apostólica


Por pouco, por muito pouco, quase um momento a vida a imitar a arte. Estas imagens de um desfile de moda clerical publicadas no Neatorama fizeram-me recordar uma das mais surreais e tenebrosas cenas do sublime Roma de Fellini: a do desfile eclesiástico, onde a música de Nino Rota sublinha a estranheza e o excesso barroco da sumptuosidade clerical vista pelo olhar único de Fellini. Figuras religiosas a saltaricar com coloridas vestes de moda inovadora na passadeira... note-se que o desfile da notícia é anglicano e não apostólico romano, mas aquele frémito de estranheza, a sensação de a realidade acabou de imitar um filme de Fellini, isso já ninguém me tira.


O filme é uma ode do realizador à cidade eterna, composto de vinhetas que nos dão um olhar fragmentado sobre a cidade. A cena que mais me assombra é a do choque entre o passado e o presente, quando arqueólogos encontram uma antiga casa romana recheada de frescos na escavação de um túnel de metro. É um momento maravilhoso, com o olhar contemporâneo a contemplar os rostos pintados nas paredes soterradas à milénios. Um olhar que tão depressa nos assombra como se desvanece, com o ar da Roma moderna a desfazer os vetustos pigmentos em pó. Rostos milenares, tão similares aos de hoje, desvanecendo-se em nuvens de pigmentos, um passado que se esfuma ao chocar com o futuro. Assombroso.

Sob Cinzento




Boa tarde, Lisboa.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Mineworlds


Apelido de mineworlds mundos virtuais em VRML/X3D criados utilizando o jogo Minecraft para modelar em 3D, Na imagem uma parte de um mapa de jogo minecraft visualizado em VRML... 


... e o mapa original em conversão no Mineways.


Mundo Minecraft pista de corrida (adoro o pormenor do sorriso pixelizado).

Valeu a pena o paciente compasso de espera para receber estes trabalhos criados pelos alunos no jogo Minecraft. Estão deslumbrantes, particularmente o primeiro que ultrapassou as expectativas já elevadas que tinha sobre o aluno. Agora o próximo passo é utilizar o Vivaty Studio para adicionar iluminação, céu, pontos de vista e navegação para começar a mostrar as possibilidades do Minecraft enquanto programa de modelação 3D. Com este trabalho conseguiu-se captar os alunos aproveitando a modelação 3D lúdica que fazem enquanto jogam aquele que é o jogo digital mais popular do momento. E os alunos que irão ter TIC no segundo semestre já me vêem contar os planos que estão a fazer para os seus futuros mundos minecraft. Para visualizar em 3D visitem a galeria Sketchfab.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Cat Shit One



Motofumi Kobayashi (2005). Cat Shit One I. Barcelona: Glénat España.


Há algo de delicioso na premissa de coelhinhos de ar simpático que são duros soldados de forças especiais, capazes das mais arriscadas e sangrentas missões. Este manga revisita a guerra do Vietname sob uma perspectiva antropomórfica em que os vietnamitas são representados como gatos, chineses como pandas, russos como ursos, franceses como porcos, japoneses como macacos e americanos como coelhos. Simpáticos, de olhar homicida e armados até aos dentes com metralhadoras pesadas. E se tudo o resto falhar com a capacidade de despoletar um ataque aéreo de napalm incendiário.


O conceito de retratar uma guerra através de criaturas antropomórficas não é inovador. Art Spiegelman é o seu praticante mais bem sucedido, com o genial e provocador Maus. Este manga é formulaico. Os personagens vivem aventuras no cenário dos combates, sem qualquer elemento crítico ou analítico. Troque-se coelhinhos queridinhos por personagens convencionais e nada mudaria. Apesar disto, enfim, coelhinhos bonitinhos armados até aos dentes? É uma ideia irresistível, mesmo que o resto seja sofrível.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Trabalhos Semestrais de TIC



A aluna estava indecisa quanto ao trabalho final a realizar. Chegou à aula, arrancou o Sketchup e começou a  fazer o que está na imagem. No fim da aula vira-se para e diz-me que não valia a pena guardar o trabalho, não estava grande coisa. Perodem-me, mas discordo.


Um mineworld, retirado de um mapa minecraft. De acordo com o aluno responsável, ainda não está terminado. O investimento na criação de mundos virtuais neste primeiro semestre centrou-se mais nos mineworlds. Mesmo assim alguns alunos insistiram em criar um tipo de trabalho que recorre a recursos de várias aplicações 3D.


O objectivo era o de criar uma animação, mas os alunos acabaram por se ficar pela imagem fixa. Ainda há tempo para algumas experiências.


E mais uma experiência de animação 3D. Para descobrir mais visitem o 3D Alpha e a galeria Sketchfab.

Comics...




Muito bem explicados por Daniel Clowes em Ice Haven. Gosto particularmente deste porquê da atracção do género: "comics", in its embrace of both the interiority of the written word and the physicality of image, more closely replicates the true nature of human consciousness and the struggle between private self-definition and corporeal "reality".

Alfa 33 e o Furúnculo de Salazar




Renato Carreira (2012). Alfa 33 e o Furúnculo de Salazar. Smashwords.

Nestes tempos de crise de valores democráticos as memórias do Estado Novo douram-se com uma pátina de nostalgia por tempos mais simples, como se viver debaixo de um regime fascista e obscurantista que privilegiava elites e se socorria de um provincianismo atroz para afirmar os seus valores fosse vastamente preferível aos tempos contemporâneos. É sintoma daquele carácter português, forjado por séculos de obscurantismo religioso e político, estimulador da mesquinhez generalizada para manter os privilégios de uns poucos e apologista do homem forte e autoritário, do caudilhismo como forma de desresponsabilização individual perante o estado geral das coisas. Assim se percebe o nosso gosto por Dons Sebastiãos, Salazares, Sidónios, líderes de punho forte que metem ordem na bandalheira porque isto da liberdade é bom é para os outros, que o zé povinho não tem capacidade para isso.

Este curto e-book combate a nostalgia pelos velhos tempos com um humor corrosivo e genial. Através de uma paródia ao romance de espionagem os elementos icónicos do estado novo são caricaturados e postos a nu no absurdo do seu provincianismo totalitarista. A história é inventiva, com um charmoso agente secreto da PIDE que numa distopia alternativa tem de lutar contra uma gravosa conspiração contra a moral e bons costumes do estado, ameaçada por um filme pornográfico de Salazar enrolado como possante macho latino com uma certa jornalista francesa num portugal onde o 25 de abril foi travado a tempo e o desenvolvimento de uma bomba atómica assegurou o futuro do regime. A caricatura ao cinzentismo salazarento é perfeita, com os absurdos da moral e bons costumes, as ridicularias legais de uma sociedade fechada, a clássica corrupção familiar do irmão tio do primo do ministro que assegura contratos chorudos, o espírito sufocante do catolicismo institucional, analfabetismo dominante, o portuguesismo popularucho tornado ícone através do cinema de comédia português dos anos 40 e 50.

Apetece traçar comparações entre este conto e a eterna promessa que é a série Capitão Falcão, mas não entro por aí. A série inspira-se no cinema grindhouse e no icónico batman televisivo dos anos 60, o ebook brinca inteligentemente com o estereótipo do super-agente secreto charmoso, trocando o martini shanken, not stirred pelo tinto carrascão martelado em Almeirim. Ambas vão beber ao kitsch português dos tempos finais de um estado novo que merece ser recordado pelo seu pior e ridicularizado com inteligência, ao invés de ser revisto como uma era dourada onde nem tudo era perfeito mas éramos sublimes na pobreza humilde.

O livro é curtinho, bem escrito e está disponível gratuitamente no Smashwords. Vão ler, riam-se com os trocadilhos às voltas com a farinha 33, jaquinzinhos de bechamel como instrumento de tortura, dotes prendados de fadas do lar, furunculosos segredos de estado e pistolas de modelo renovado em tudo igual ao antigo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Trabalhos Semestrais - Sketchup





A processar os trabalhos de final de semestre das turmas de 7.º e 8.º  ano. Felizmente incentivei o trabalho em grupo, senão teria centenas para avaliar. As três imagens mostram trabalhos finais em Sketchup de grupos de alunos. Confesso uma pontinha especial de orgulho pelo modelo do Taj Mahal, criado por quatro alunas de sétimo ano. Note-se que se as imagens aparentam complexidade o processo de trabalho é mais simples. Basta divividir o objecto em partes e seleccionar os elementos a recriar em 3D. Depois resta o trabalho entediante de duplicar, colar, posicionar, agrupar, colar, posicionar... and so on and so forth. Aqui costumo dar uma ajudinha, porque as ferramentas de rotação, escalagem e posicionamento do Sketchup são um bocadinho chatas ao manipular.

Alguns dos modelos, ainda em fase de finalização, podem ser vistos em 3D na galeria Sketchfab.

Comics

Todd, The Ugliest Kid On Earth #01: Todd é um miúdo tão feio, tão feio mas mesmo tão feio que até um serial killer tem pena dele e o poupa. Serial killers, famílias disfuncionais, miúdos mal educados, polícias tranformistas e um personagem principal oculto por um saco são os ingredientes desta divertida bizarria. A ilustrar está M. K. Perker, que assinou para a Vertigo Air, uma das melhores séries a sair da chancela da DC.


Caligula: Heart of Rome #02: David Lapham aproveita a Avatar Press para libertar o seu lado mais negro e lega-nos comics de revoltear o estômago como Ferals, Crossed ou o demoníaco Calígula, onde um demónio possui o louco imperador romano. Essencialmente uma boa desculpa para mostrar violência extrema com utilização intensiva de tons avermelhados. Muito intensiva. A luxúria da violência assumidamente perversa regressa com Heart of Rome, onde o demónio que dominou o império romano volta a estar à solta na corte do imperador Cláudio Augusto.


The High Ways #01: O regresso do lendário John Byrne, por cujo traço me apaixonei a ler os X-Men clássicos dos anos 90 escritos por Chris Claremont. Na era dos efeitos digitais o traço clássico parece quase rudimentar, mas o estilo continua simples e marcante. Este regresso promissor faz-se dentro dos parâmetros da ficção científica mais hard, com uma história sobre transportadores espaciais e mistérios nas luas de Júpiter.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Tubes




Andrew Blum (2012). Tubes: A Journey To The Center Of The Internet. Nova Iorque: Ecco.

O ponto de interesse deste livro é o olhar a internet com uma rara fisicalidade. Habituados à visão dos bits desincorporados, da informação digital como algo de etéreo e das virtualidades como uma atmosfera que nos rodeia, esquecemo-nos do carácter eminentemente físico da internet. Da espantosa, intricada, vasta e complexa infraestrutura global que liga computadores, servidores, fornecedores de serviços e utilizadores. Tubes mergulha-nos nesse mundo de vastos datacenters a surgir nas paisagens anónimas suburbanas, das cablganes de fibra óptica que se cruzam no subsolo e mergulham nos oceanos, nas matrizes de routers e servidores que formam o esqueleto oculto de silicone da etérea internet.

A viagem do autor aos locais invisíveis, aos não-locais, pensando na hipermodernidade de Marc Augé, mostra-nos o lado técnico da internet. Mas, fiel a um género jornalístico norte-americano, os detalhes económicos e de jogos financeiros entre rivais empresariais acaba muitas vezes por tirar lugar ao deslumbramento com a vastidão infraestruturual e a descoberta da complexidade da rede física. Blum não é um Stephenson, que no seu lendário Mother Earth, Mother Board quase romanceou precisamente o mesmo assunto. Mas Stepheson escreveu o seu empolgante relato global nos anos 90, quando o mundo se começava a conectar, e Blum vinte anos depois, na primeira década do século XXI. O mundo mudou, profundamente transformado pelo poder das redes que se alicerçam em geografias estruturais onde comunicação, história e tecnologia colidem à velocidade da luz.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Comics


Archer and Armstrong #06: Não é fácil recriar a insanidade divertida do original de Jim Shooter e Barry Windsor-Smith dos anos 90, mas esta recuperação da chancela Valiant tem tido os seus momentos, às voltas com seitas obscuras, freiras ninja e uma família problemática de imortais. Num aceno de cabeça ao momento contemporâneo, os 1% juntam-se à lista de sociedades secretas determinadas a dominar o mundo. Toque simpático, dos capacetes a evocar Mammon, o touro de Wall Street mas também o nome do demónio da ganância na mitologia judaico-cristã.


2000AD #1815: "Babbagist"? Esta, no arranque do episódio semanal de Ampney Crucis: The Entropy Tango, vai ter se ser explicada pelo Ian Edgington cujos argumentos não são avessos a uma vertente steampunk inteligente mal disfarçada.


Batman #16: O arco Death Of The Family pareceu começar como um pouco imaginativo repescar de antigas histórias de Batman, mas Scott Snyder soube levar o barco e puxou a loucura de Joker aos seus limites. Está ainda mais louco do que às mãos de Alan Moore, o que é um feito e tanto. Com a pele do rosto previamente arrancado pregado à cara deformada, este Joker é uma criatura de pesadelo obcecada pelo jogo assassino que leva a cabo com o seu arqui-inimigo. O traço difuso e expressivo de Gregg Capullo sublinha a violência redescoberta do personagem que está a anos-luz do bobo da corte dos anos 60.


Demon Knights #16: O título em que a DC tenta capitalizar a moda das fantasias medievalistas com versões dos seus personagens à solta numa idade média que mistura o universo DC com fantasia arturiana tem mantido algum interesse. Mudaram de ilustrador e somos brindados com painéis deslumbrantes, como este.


Frankenstein Agent of S.H.A.D.E. #16: E é este o final, morno, da série que às mãos de Jeff Lemire foi o título com mais ritmo, divertimento, ideias fora de série, criatividade pura à solta, bom humor a rodos, ironia fina e profunda homenagem ao género de terror com monstros. Notou-se que um Matt Kindt fora do seu habitual registo de paranóia surreal não estava à altura do arranque espectacular de Lemire e o título foi levado tranquilamente à extinção. Manteve-se o traço de Alberto Ponticelli a dar vida ao comic. Os Creature Commandos ficam-se por aqui, Frankenstein vai para as páginas de Justice League Dark manter o contra-ponto resmungão de herói relutante. E mais um bom título da DC 52 é consignado ao esquecimento, enquanto a editora renova a aposta no mesmo de sempre.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Blimp WIP


Work in progress, nos raros tempos livres. Modelo VRML no Vivaty, render engraçado no Bryce.

A Conquista do Espaço


Este grupo de imagens no Flickr é um mimo para os fãs conhecedores da história estética da ficção cientifica. Colige as ilustrações icónicas criadas pelo lendário Chesley Bonestell que mostram visões necessariamente ficcionais dos planetas do sistema solar mas baseadas na ciência da época para o livro The Conquest of Space de Willi Ley, em 1949.

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sábado, 19 de janeiro de 2013

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A Million Zombies

"Something coming back from the dead was almost always bad news. Movies taught me that. For every one Jesus you get a million zombies."

David Wong, John Dies at the End.

Trabalhos Semestrais TIC (II)


Na reta final dos trabalhos das turmas de 1º semestre. Os projectos começam a ganhar sua forma final, restando limar arestas e aperfeiçoar detalhes. Este trabalho no Sketchup de um grupo de alunos de 8.º ano mostra como uma ideia simples consegue dar bons resultados.


A modelação em 3D de um dinossauro é o projecto de trabalho tecnicamente mais ambicioso de todos os propostos pelos alunos. O essencial já está, falta agora começar a mexer nos vértices e arestas.


Criar mundos virtuais requer a integração de diferentes elementos criados em diversas aplicações. Neste exemplo, um avatar mostra-se em pose para um pequeno mundo virtual em construção.


Os mineworlds são uma forma interessante de misturar jogo e aprendizagem. Os alunos adoram a oportunidade de utilizar o seu jogo favorito para criar conteúdos para a aula. Acima, um projecto de um grupo de alunas visualizado no Mineways, conversor de Minecraft para VRML e OBJ.


Um mineworld em test render, para testar as opções de conversão. Trabalho de um aluno de 7.º ano.


Alguns alunos estão a experimentar formas simples de animação 3D. Aqui fica um test render de um trabalho criado por um aluno de 7.º ano. Alguns modelos 3D podem ser visualizados em tempo real na galeria Sketchfab.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

rituals_bent


Channel Zero


Brian Wood (2012). Channel Zero. Milwaukie: Dark Horse Comics.

Uma genial distopia fortemente inspirada na estética cyberpunk onde uma américa futura se afunda no fundamentalismo da moral e bons costumes. Resta a guerrilha urbana da informação para contrapôr à pressão dos meios de comunicação manipulados e do conformismo como única via possível. Se o argumento é interessante, a ilustração explode numa iconografia de manifesto cultural punk, cru, agressivo e pensado para provocar os neurónios. Espaço urbano, distopia social e a infoesfera colidem num preto e branco de arestas cortantes. Channel Zero foi a primeira graphic novel de Brian Wood, que se distingue correntemente com as séries DMZ e The Massive, formas elegantes de hacktivismo no género comic. Wood apenas se engana na tipologia de distopia. Com a presciência dos primeiros anos do século XXI, podemos observar que foram os fundamentalistas da ganância neoliberal que tomaram conta do poder, subvertendo a liberdade e a democracia para o seu enriquecimento pessoal à custa de todo um planeta.